Coronavírus “ressuscitou” Netanyahu de uma “morte” anunciada

Aquele que era o principal opositor do primeiro-ministro de Israel está disposto a aliar-se a Benjamin Netanyahu num governo de unidade nacional. Benjamin Gantz, líder da aliança centrista Azul e Branco, justifica a reviravolta com a necessidade de combater o coronavírus

Se o coronavírus infetasse também partidos políticos, a coligação israelita Kahol Lavan entraria para as estatísticas como a primeira vítima mortal. A formação de centro-esquerda, que tinha em mãos a tarefa de formar Governo em Israel ruiu, quinta-feira à noite, depois de o seu líder, o antigo general Benjamin Gantz, se ter proposto para a presidência do Parlamento (Knesset).

Ao fazê-lo, deixou de ser hipótese para chefiar um futuro Executivo e mostrou-se disponível para participar num Governo de unidade nacional ao lado do primeiro-ministro cessante, Benjamin Netanyahu, contra quem sempre se bateu desde que chegou à fila da frente da política.

“Acima de tudo, creio que não devemos arrastar Israel para uma quarta eleição neste momento tão desafiador, em que o país está a lidar com a crise do coronavírus e suas consequências”, escreveu “Benny” Gantz na rede social Twitter. Refere-se ao facto de o país ter votado em abril e setembro de 2019 e março de 2020, sem conseguir solução governativa. Em seguida Gantz dirigu-se diretamente aos seus parceiros de coligação: “Discordamos sobre esse ponto”.

A revolta dos antigos parceiros

Os visados por Gantz são Yair Lapid e Moshe Ya’alon, números 2 e 3 da Kahol Lavan (Azul e Branco, como a bandeira de Israel), não se contiveram nas críticas ao volteface protagonizado por Gantz.

“A crise do coronavírus não nos dá direito ou permissão para abandonarmos os nossos valores”, reagiu Yair . “Prometemos não nos sentarmos às ordens de um primeiro-ministro que enfrenta três acusações criminais [por corrupção]. Prometemos não fazer parte de uma coligação de extremistas e chantagistas [extrema-direita e religiosos ultraortodoxos]. Dissemos que não permitiríamos que ninguém minasse a democracia de Israel. E nesta semana de todas as semanas, em que os ataques ao sistema judicial foram do pior, é dado um prémio àqueles que desobedecem à lei. Um prémio à criminalidade.”

Na quarta-feira Yuli Edelstein, aliado de Netanyahu (do partido conservador Likud), demitiu-se da presidência do Knesset, onde estava há sete anos. A renúncia foi apresentada horas antes de terminar o prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal de Israel para que se procedesse à eleição do seu sucessor.

A deliberação judicial foi desencadeada por uma petição da Azul e Branco, que tencionava pôr um dos seus no cargo e acabar com o domínio do Likud de Netanyahu. Para tal, contava beneficiar da existência de 61 deputados (num total de 120) afetos à oposição. “Penso que a decisão do Supremo Tribunal é errada e perigosa”, acusou Edelstein. “O nosso povo precisa de união e de um governo de unidade nestes dias.”

Separar as águas no Parlamento

Fundada em fevereiro de 2019, a aliança Azul e Branco (centro-esquerda) era composta por três fações: o Yesh Atid, do ex-jornalista Lapid, que já tinha experiência política e eleitoral acumulada; o Resiliência de Israel, de Gantz, chefe de Estado-Maior das Forças de Segurança de Israel entre 2011 e 2015; e o recém-criado Telem, de Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu.

Criada a tempo de disputar as legislativas de abril de 2019 — as primeiras de três (inconclusivas) em menos de um ano —, tinha como objetivo primordial arredar do poder Netanyahu, que é hoje o israelita com mais tempo à frente do Governo de Israel.

Conhecida a reviravolta de Gantz, os seus parceiros de coligação formalizaram um pedido no sentido de separar águas entre os deputados eleitos pelo Kahol Lavan: as duas fações ignoradas por Gantz seguirão juntas, numa formação que manterá o nome Kahol Lavan.

Após ver o início do seu julgamento — previsto para 17 de março — adiado para 24 de maio, por causa da pandemia de coronavírus, Netanyahu saca de mais uma vida que já se pensava que não tivesse.

(FOTO Benjamin Netanyahu, no Forum de Davos de 2018 FLICKR WORLD ECONOMIC FORUM)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de março de 2020. Pode ser consultado aqui

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