Esta terça-feira, Israel realiza as quartas eleições legislativas em menos de dois anos. A fadiga eleitoral parece não afetar a dinâmica política do país, já que se apresentam a votos 39 partidos. Treze deles têm reais possibilidades de eleger deputados e será junto desses que Benjamin Netanyahu, o grande favorito à vitória, terá de procurar apoio para conseguir formar Governo. Sob pena de Israel seguir para a quinta ida às urnas

Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, perto de 200 partidos políticos já participaram em eleições. A maioria deles durou poucos anos, mas pelo menos 110 conseguiram representação no Parlamento (Knesset). Esta fragmentação parlamentar — que espelha a complexidade da sociedade israelita — explica o porquê de, em Israel, os governos serem sempre de coligação.
É o que vai acontecer também após as eleições legislativas desta terça-feira, as quartas em menos de dois anos, após escrutínios em abril e setembro de 2019 (de onde não saiu Governo) e em março de 2020 (de onde saiu um Governo, mas que não conseguiu ver aprovado o orçamento no Parlamento).
As urnas fecham às 22 horas locais (20 horas em Portugal Continental), após 6.578.084 eleitores terem a possibilidade de escolher um de 39 partidos que se apresentam a votos.
13
partidos têm reais possibilidades
de eleger deputados.
Para que isso aconteça,
têm de garantir
pelo menos 3,25% dos votos
Benjamin Netanyahu, o atual primeiro-ministro, está no centro de todas as equações possíveis. O seu partido (Likud, de direita) lidera, destacado, as sondagens publicadas até sexta-feira, podendo angariar um quarto dos 120 lugares do Knesset.
As formações de direita são, no seu conjunto, largamente maioritárias, mas o impacto daquele que já é o israelita que durante mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro (está no poder há 12 anos, depois de um período de três anos no século XX) fragmentou esse campo político entre forças pró-Netanyahu e outras que não aceitam que ele continue a liderar o Executivo.
É nesta complexa teia política que Netanyahu terá de procurar o apoio de pelo menos 61 deputados para continuar no poder, sob pena de Israel ter de avançar para as quintas eleições.
LIKUD (direita): Com Netanyahu até ao fim
É um dos partidos históricos de Israel. Teve na liderança nomes como Menachem Begin, Yitzhak Shamir ou Ariel Sharon. Foi fundado em 1973 e governa de forma ininterrupta desde 2009. De ideologia conservadora e visão económica liberal, fez duas grandes promessas durante esta campanha: a recuperação económica pós-pandemia e o aumento de tratados bilaterais com países árabes.
Os estudos de opinião foram-lhe atribuindo, de forma constante, entre 27 e 29 deputados, mas no passado fim de semana — enquanto muitos israelitas celebravam, com festas e ajuntamentos ao ar livre, o regresso à normalidade após uma campanha de vacinação à covid-19 bem-sucedida —, as previsões para o Likud deram um pulo até aos 32 deputados.
NOVA ESPERANÇA (direita): Já chega de Netanyahu
O partido Nova Esperança é a novidade destas eleições. Resulta de uma cisão dentro do Likud, encabeçada por um antigo ministro de Netanyahu, Gideon Sa’ar. A prioridade deste partido passa por afastar do poder “Bibi” (como também é conhecido Netanyahu) e “restaurar uma liderança respeitosa e responsável para Israel”.
O Nova Esperança promete ainda uma reforma judicial e a limitação a oito anos do mandato de primeiro-ministro. O partido diz-se comprometido com a “concretização dos direitos naturais e históricos do povo judeu na Terra de Israel”, opõe-se a um Estado palestiniano e promete dar prioridade aos colonatos no território palestiniano ocupado da Cisjordânia.
Sa’ar espera ter votos suficientes para liderar uma coligação de direita sem o Likud de Netanyahu: “Precisamos de um Governo que não dependa de extremistas”. Quando foi fundado, em dezembro passado, as sondagens atribuíam-lhe 21 lugares no Knesset. Ao longo da campanha perdeu gás e as últimas previsões dão-lhe entre 9 e 10 deputados.
YAMINA (direita): Contra Netanyahu, mas…
De matriz sionista, religiosa, conservadora e liberal, é outro partido recente, fundado em julho de 2019, por outro ex-ministro de Netanyahu. Naftali Bennett orientou a sua mensagem durante a campanha em especial para os israelitas que ficaram desempregados durante a pandemia.
Bennett já se declarou candidato ao cargo de primeiro-ministro, mas é apontado como uma provável muleta de Netanyahu na hora de somar apoios com vista à formação de Governo. Atualmente, o Yamina tem seis deputados no Knesset, as sondagens dão-lhe 10.
YISRAEL BEITEINU (direita): Tudo contra Netanyahu e os religiosos
“Israel é a Nossa Casa” é um partido nacionalista secular que, nos últimos anos, se tem assumido contra a influência dos partidos religiosos na sociedade israelita e a dependência política de Netanyahu em relação às fações ultraortodoxas.
Defende, nomeadamente, a instituição do casamento civil e a obrigatoriedade do serviço militar também para os israelitas ultraortodoxos, o que não acontece atualmente.
O partido nasceu em 1999, tem sólida base de apoio entre os judeus originários da antiga União Soviética e é liderado desde então por Avigdor Lieberman. Tem um discurso antiárabe e defende uma solução para o conflito israelo-palestiniano com base no intercâmbio de populações e a criação de dois Estados etnicamente homogéneos.
O Yisrael Beiteinu recusa participar numa coligação de Governo liderada por Netanyahu ou que inclua os partidos religiosos haredi. As sondagens preveem um aumento dos atuais sete para oito deputados.
SHAS E JUDAÍSMO DA TORÁ UNIDA (religiosos): Com fé em Netanyahu
São dois partidos religiosos ultraortodoxos (haredi), defensores da subordinação do Estado à lei de Deus, que têm integrado os últimos executivos de Netanyahu. Concentram as suas prioridades nas áreas da Educação e da Saúde.
Nos primeiros meses da pandemia, o ministro da Saúde de Israel era Yaakov Litzman, líder do Judaísmo da Torá Unida (JTU), o que se revelou uma incongruência, dado o comportamento desafiador da comunidade ultraortodoxa em relação às restrições decretadas pelo Governo para combater a covid-19, nomeadamente a oposição ao encerramento das sinagogas e das yeshivas (escolas religiosas).
Nas eleições de 2020, o Shas (acrónimo de “Guardiões sefarditas”) foi multado pela Comissão Eleitoral por distribuir junto a assembleias de voto amuletos protetores contra a covid-19.
Em fevereiro, os dois partidos reafirmaram lealdade a Netanyahu, prometendo não participar em nenhum Governo saído destas eleições que não seja liderado pelo Likud. O Shas e o JTU têm, respetivamente, nove e sete deputados no Knesset. As sondagens preveem que mantenham essa representação.
SIONISMO RELIGIOSO (Extrema-direita): Com a bênção de Netanyahu
Partido de extrema-direita, tem uma aliança com fações neo-Kahanistas (extremismo judaico) e anti-LGBT (homofóbicas). Esta fusão foi incentivada por Netanyahu para impedir que votos em pequenos partidos da direita sejam desperdiçados.
Nas últimas eleições, esta formação concorreu integrada no Yamina, mas nestas participa por conta própria, focada na união do sionismo religioso e em ser a voz ideológica da direita no Knesset. No decorrer da campanha, o Sionismo Religioso esteve aquém dos 3,25% de votos necessários para obter representação parlamentar, mas as últimas sondagens atribuem-lhe cinco assentos.
YESH ATID (Centro): Oposição a Netanyahu
Projeta-se como o partido mais votado a seguir ao Likud, com 18 deputados. Yesh Atid (“Há um Futuro”, em hebraico) reclama a defesa da classe média secular israelita. Foi fundado em 2012 e é, desde então, liderado por Yair Lapid, ex-jornalista e antigo ministro das Finanças, filho de um antigo ministro da Justiça que chefiou o partido Shinui, secular e ferozmente anti-ultraortodoxos.
Em 2019, o Yesh Atid aderiu à aliança Azul e Branco (formada por fações de centro), que desde então se tornou principal adversário eleitoral do Likud (ver abaixo). Abandonou-a após uma das fações ter aceitado viabilizar um Governo liderado por Netanyahu, a seguir às eleições de 2020.
No seu programa, constam medidas como o reforço da supervisão do Parlamento sobre o Governo, o limite à quantidade de ministros, a limitação de mandatos de primeiro-ministro, a instituição do casamento civil, incluindo entre pessoas do mesmo sexo, o funcionamento parcial dos transportes ao sábado (shabbat) e a retoma das negociações com os palestinianos.
AZUL E BRANCO (Centro): O poder depois da queda?
Nasceu da aliança de três partidos de centro e, presentemente, apenas a Resiliência de Israel, a fação liderada pelo ex-chefe de Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel Benny Gantz, continua a responder por esse nome.
A coligação nasceu para derrotar Netanyahu e desfez-se após Gantz ter aceitado um esquema rotativo de partilha de poder, na sequência das últimas eleições, em março de 2020, viabilizando com isso mais um Governo liderado por Netanyahu.
Fundado em fevereiro de 2019, o Azul e Branco obteve 35 deputados nas eleições de abril de 2019 e 33 nos sufrágios de setembro de 2019 e de março de 2020. Agora, as sondagens atribuem-lhe entre quatro e cinco lugares no Knesset.
Ironicamente, se destas eleições não sair um Executivo e o impasse político continuar, Gantz assumirá em novembro a chefia do Governo atual, graças ao acordo celebrado com Netanyahu.
PARTIDO TRABALHISTA (Esquerda): Em nome de uma ‘revolução cor-de-rosa’
De matriz sionista e social-democrata, é um partido histórico de Israel, fundado em 1968. Teve primeiros-ministros carismáticos como Golda Meir, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, mas desde 2001 deixou de ser opção para chefiar o Governo.
Merav Michaeli, feminista e antiga jornalista de 54 anos, lidera o partido desde 24 de janeiro passado. Prometeu “uma revolução dos trabalhadores de colarinho rosa” e algumas medidas do seu programa eleitoral refletem esse propósito: um ano de licença de maternidade/paternidade paga e uma reforma legal da forma como as autoridades lidam com crimes sexuais, abuso infantil e assédio sexual.
Nas eleições de abril de 2019, o “Labor” perdeu 13 deputados, não conseguindo mais de seis. Para não correr o risco de desaparecer do Parlamento, nas eleições seguintes coligou-se com o centrista Gesher e manteve os seis deputados. Em março de 2020, juntou-se ao Gesher e ao Meretz (esquerda) e subiu para sete. Nestas eleições, apresenta-se ‘a solo’ e deverá ter entre cinco e seis deputados.
MERETZ (Esquerda): Remar contra a extinção política
Social-democrata, verde e abertamente de esquerda, é um partido com quase 30 anos de vida e perto da extinção política. Fundado em 1992, aquela que é atualmente a única força política israelita filiada na Internacional Socialista tem quatro deputados no Knesset (já teve o triplo) e, segundo as sondagens, deverá mantê-los. Apoia uma Palestina independente, os direitos das minorias, a liberdade religiosa e a separação de religião e Estado.
É mais um partido encabeçado por um antigo jornalista, Nitzan Horowitz, de 56 anos, primeiro político assumidamente gay a assumir uma liderança partidária. O Meretz é o único a defender mais impostos para os salários mais altos. Pugna também por um forte aumento dos orçamentos para a saúde e educação. Não aceita participar num Governo liderado por Netanyahu.
LISTA CONJUNTA E RA’AM (Árabes): Falta de união
Cerca de 20% da população israelita é culturalmente de origem árabe. Cidadãos de pleno direito como qualquer judeu, têm direito ao voto e a constituírem partidos políticos. Três concorrem coligados na Lista Conjunta: Hadash (comunista árabo-judeu), Balad (nacionalista) e Ta’al (nacionalista). Um quarto, o Ra’am (islâmico conservador), vai a votos separadamente pela primeira vez desde 2003.
A Lista organizou-se em 2015, quando a percentagem de votos necessária para garantir a eleição de deputados subiu para os 3,25%. Para todos, o combate ao aumento da violência e do crime organizado nas comunidades árabes é prioritário. Igualmente, querem ver revogada a Lei da Nacionalidade de 2018, que consagra Israel como Estado-nação do povo judeu e secundariza o estatuto das populações árabes.
Nas duas últimas legislativas, os quatro partidos concorreram juntos e conquistaram 13 deputados (em setembro de 2019) e 15 (em 2020). Agora as sondagens atribuem oito à Lista Conjunta e três ao Ra’am, um partido forte entre as populações beduínas. Este último não descarta participar numa coligação liderada por Netanyahu. Uma desunião que fragiliza ainda mais a minoria árabe israelita.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 23 de março de 2021. Pode ser consultado aqui