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As mães da realeza

O centenário da Rainha-Mãe de Inglaterra é, ao mesmo tempo, a celebração da instituição monárquica dos tempos em que os soberanos governavam, faziam as leis e serviam nas guerras. Isabel de Inglaterra, Juliana da Holanda, Ingrid da Dinamarca e Fabiola da Bélgica — as Rainhas-Mãe ainda vivas — são os últimos rostos das monarquias desses anos

Cem anos de vida é, em qualquer circunstância, motivo para comemorações. Mas se o aniversariante é uma das pessoas mais conhecidas e acarinhadas do mundo, as razões para os festejos multiplicam-se.

Ontem, a Rainha-Mãe de Inglaterra completou um século de existência. Um século de simpatia e graciosidade que lhe valeram o afecto não só do mais dedicado dos súbditos como do mais militante dos republicanos. É uma espécie de «rainha das rainhas-mães», que quase relega para o anonimato as três homólogas ainda vivas nas restantes nove monarquias europeias.

A «moeda do centenário» é a última delícia dos amantes da numismática. Em ouro ou em prata, foram cunhadas três mil moedas, com um valor facial de cinco libras (1.625$00), que serão vendidas a 495 libras (mais de 160 contos) cada

Duas delas — a Princesa Juliana da Holanda e a Rainha Ingrid da Dinamarca — partilham com Isabel de Inglaterra o facto de serem mães das três únicas mulheres que reinam, actualmente, no Velho Continente: Isabel é mãe de Isabel II de Inglaterra; Juliana, de Beatriz da Holanda; Ingrid, de Margarida II da Dinamarca

Juliana, a estadista

Das três, apenas Juliana foi chefe de Estado. Nascida em 1909, subiu ao trono em 1948, sucedendo à mãe, Guilhermina — detentora do reinado mais longo da história holandesa, quase 58 anos — e, em 1980, abdicou voluntariamente.

Isabel de Inglaterra e Ingrid da Dinamarca só se tornaram rainhas por via do matrimónio: aos 23 anos, Isabel casou com aquele que viria a ser o Rei Jorge VI e Ingrid, em 1935, com o futuro Rei Frederico IX — tinha ela 25 anos.

O mesmo se passou com Fabíola da Bélgica, viúva do Rei Balduíno, com quem casara em 1960. Com 72 anos, esta espanhola de nascimento é a mais jovem das rainhas-mães e, seguramente, a mais dinâmica.

Ao longo da década de 90, destacou-se como uma activa defensora dos direitos das mulheres, tendo sido uma forte impulsionadora da Conferência de Pequim de 1995.

À parte estas quatro soberanas, há, pois, seis monarquias que apenas recordam as suas rainhas-mães. À semelhança de Juliana da Holanda, a Grã-Duquesa Charlotte do Luxemburgo foi a única das rainhas-mães já desaparecidas que, efectivamente reinou: em 1919, sucedeu à irmã Maria Adelaide e, em 1964, abdicou para o seu primogénito, o actual Grão-Duque João. Charlotte morreu em 1985. Se fosse viva, teria 104 anos e seria a mais velha das rainhas-mães.

Também Charlotte do Mónaco, falecida em 1977, seria mais velha do que a Rainha-Mãe inglesa: no próximo dia 30 de Setembro a mãe de Rainier faria 102 anos. A Princesa Charlotte representa, juntamente com as homólogas espanhola e sueca, uma outra categoria de rainhas-mães: as que assim se afirmaram sem que as próprias ou os consortes tenham sido coroados.

Em 1944, Charlotte do Mónaco, filha ilegítima de Luís II — que reinou até 1949 e não tinha filhos do seu casamento —, renunciou aos direitos sucessórios, a favor de Rainier.

Situação semelhante ocorreu em Espanha, com Juan Carlos, em 1975, a suceder directamente ao avô, Afonso XIII. Em Espanha vigorava a República quando, em 1935, a madrilena Maria de las Mercedes casou com Juan de Borbón, o sexto filho de Afonso XIII.

Mercedes, a exilada

A subida de Franco ao poder forçou o casal ao exílio no Estoril e é daí que assistem à transmissão de poder, do ditador para o filho. D. Maria de las Mercedes viria a falecer em Janeiro deste ano, com 89 anos.

Também na Suécia, a Princesa Sibylla, nascida em 1908, nunca ocupou o trono. Em 1932, casou-se com Gustavo Adolfo — filho de Gustavo VI Adolfo, que reinou de 1950 a 1973, e irmão de Ingrid, a Rainha-Mãe dinamarquesa —, mas em 1947 viria a perder o marido, num acidente de aviação. Sibylla morreu em 1972, menos de um ano antes do seu filho Carlos XVI Gustavo ter ascendido ao trono sueco.

Restam as Rainhas-Mães do Liechtenstein e da Noruega. Georgina Wilczek tornou-se Princesa Gina do Liechtenstein quando, em 1943, casou com o Príncipe Francisco José II. Gina morreria em 1989, nas vésperas de completar 68 anos e antecedendo em menos de um mês a morte do marido. Na Noruega, Marta tornou-se princesa após casar, em 1929, com aquele que, de 1957 a 1991, viria a ser o Rei Olavo V. Contudo, não chegaria a assistir à coroação do marido, pois morreu em 1954, com apenas 53 anos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 5 de agosto de 2000

O regresso às origens das megacidades

Brevemente, a Transportadora Aérea Portuguesa poderá passar a voar para… «eGoli». Não se trata de um novo país, nem tão-pouco de uma região perdida no mundo, antes o nome pelo qual a cidade sul-africana de Joanesburgo poderá vir a ser conhecida.

Segundo a BBC, além de Joanesburgo, também a área metropolitana de Pretória e as cidades costeiras de Port Elizabeth e Durban preparam-se para mudar de nome. A iniciativa terá partido dos próprios governos locais e visa o baptismo das grandes metrópoles com nomes tradicionais africanos.

Joanesburgo deverá passar para «eGoli» – uma designação zulu que significa «o lugar do ouro» -, nome pelo qual é, aliás, conhecida localmente e que, nos últimos anos, se tornou ainda mais popular por ser o título de uma telenovela de sucesso, rodada precisamente em Joanesburgo.

Igualmente, a área metropolitana de Pretória deverá mudar para «Tshwane», ou seja, «nós somos o mesmo», num claro apelo à união racial entre os seus habitantes. Contudo, a cidade de Pretória deverá conservar o mesmo nome – escolhido para imortalizar Andries Pretorius, o chefe boer que, em 1838, derrotou os zulus e fundou a República Boer do Natal.

A cidade de Mandela

Port Elizabeth é outra das designações em renovação. Esta cidade, na costa Sul, deverá adoptar o nome de «Nelson Mandela Metropole», numa evidente homenagem ao Presidente sul-africano que, entre 1994 e 1999, assegurou a transição do país para a era pós-«apartheid».

Não é um dado adquirido que todas as sensibilidades étnicas e raciais adoptem, em uníssono, a nova designação de Port Elizabeth, mas o presente, a esse nível, é um pouco caótico: os afrikaners chamam-lhe «Die Baai» (A Baía), os xhosa «iBhayi» e os anglófonos simplesmente «PE».
Na costa do Índico, Durban deverá passar a «eThekwini», nome pelo qual já é chamada entre os nativos de etnia zulu.

Apesar das alterações toponímicas serem uma prática corrente em vários países africanos, só agora ela se generaliza na África do Sul. Em 1994, aproveitando uma redefinição das fronteiras das províncias – o que originou a incorporação de parcelas de território (que anteriormente estavam sob outra administração) em províncias diferentes -, apenas duas regiões optaram por nomes africanos: «Gauteng» (designação tswane) tornou-se o nome da província que engloba Joanesburgo e Pretória e «Mpumalanga» («Nascer do Sol») passou a designar o leste do Transvaal.

Um único precedente

Anteriormente, uma única cidade tinha mudado de nome – Verwoerdburg -, por força do incómodo que causava a sua imediata associação ao ideólogo do «apartheid», Hendrik Verwoerd.

A oficialização dos novos nomes poderá, porém, demorar algum tempo, uma vez que os governos locais terão de aprovar as novas designações e dificilmente o farão sem antes auscultar a opinião das populações em causa.

Em Joanesburgo, por exemplo, um jornal local revelou que 58% dos residentes estavam contentes com o nome da cidade.

Indiferente a esta pequena «revolução», a Cidade do Cabo vai ficar como está, ou seja, com três designações oficiais: «Cape Town» (a inglesa), «Kaapstad» (a afrikaner) e «iKapa» (a xhosa).

(FOTO Skyline da cidade de Joanesburgo, na África do Sul)

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de julho de 2000

Longa marcha para a morte

A descoberta de 58 chineses mortos no contentor de um camião em Dover (depois de um odisseia de quatro meses) chocou o Mundo e «aqueceu» o debate da imigração ilegal para a Europa. No 10º aniversário da Convenção Schengen

Alertados para a presença de um camião «suspeito», dois funcionários do porto de Dover (Sul de Inglaterra) tentaram, no domingo à noite, que a abordagem fosse tão natural quanto possível.

Habituados às situações mais insólitas, nunca lhes ocorreu, porém, estarem prestes a testemunhar a mais macabra das cenas de horror. Após abrirem as portas de um camião-frigorífico de matrícula holandesa, e abrirem caminho por entre o pequeno carregamento de caixas de tomate, que «disfarçava» a entrada do contentor, depararam com uma pilha de 58 cadáveres.

Os criminosos não deixaram impressões digitais, mas as autoridades policiais não param de apontar o dedo às mafias chinesas, «donas e senhoras» de um dos negócios mais rentáveis deste final de milénio — o tráfico de imigrantes ilegais para a Europa.

Calcula-se que esta trágica odisseia tenha começado em Fevereiro, na província chinesa de Fujian. Agentes locais das mafias da emigração ilegal terão aliciado as vítimas, com o «Eldorado europeu» no horizonte (ver texto nesta página).

Durante uma semana, estes clandestinos terão viajado de comboio até Moscovo, onde terão apanhado outro comboio até Praga. Da República Checa terão passado «a salto», pela montanha, para a Alemanha — entrando, assim, no espaço Schengen —, onde foram albergados junto de familiares ou células das mafias.

Supõe-se que este seja o grupo de chineses que, em Abril, foi encontrado em Bornem e Puurs — duas aldeias belgas, a sul de Antuérpia. Expulsos do país, foram metidos num comboio com destino a Antuérpia. Mas não foram escoltados, pelo que rapidamente se lhes perdeu o rasto.

Entregues a si próprios, os ilegais passaram, desde então, a constituir uma tentação para quem quer que fizesse da ganância o lema de vida. Já com os chineses em mira, Arjen van der Spek, um engenheiro holandês de 24 anos, acabado de sair de uma prisão espanhola, onde cumprira pena por traficar haxixe de Marrocos, criou — três dias antes da tragédia de Dover… — uma companhia de transportes com o seu nome e sediada em Roterdão.

De seguida, preocupou-se em encher um camião com a maior quantidade possível de «cabeças» — no caso, 60 pessoas, todas com menos de 30 anos, entre as quais quatro mulheres — e entregou o volante a Perry Wacker, um holandês de 32 anos, com algumas incursões no roubo de cargas.

A primeira etapa seria feita por terra, até ao porto de Zeebrugge (Norte da Bélgica); a segunda de «ferry» até Dover, a antecâmara da «terra prometida».

Um «descuido»

Mas ainda em Zeebrugge, um «descuido» tinha levantado suspeitas: o pagamento à P&O Stena Line — a transportadora marítima que assegura a rota Dover-Zeebrugge — fora feito em dinheiro, o que não era habitual.

A suspeita atraiu as atenções e novo alerta foi dado: a Van der Spek era uma empresa totalmente desconhecida. Quando, às 19h30 de domingo, o «ferry» partiu para Dover, já aí era disfarçadamente aguardado.

As quatro horas de travessia do canal da Mancha poderão ter sido fatais. Esse dia tinha sido o mais quente do ano, em Inglaterra, com o mercúrio a ultrapassar os 30ºC. Dentro do contentor, hermeticamente fechado e com o sistema de refrigeração desligado — dada a escassez de carga transportada —, o calor terá superado os 50ºC, levando à morte, por asfixia, de 58 clandestinos.

Os dois sobreviventes são agora preciosos para os 60 agentes ingleses que, juntamente com belgas e holandeses, tentam desmontar a teia criminosa.

Três pessoas detidas

O condutor, o pai deste e o dono do camião foram já detidos. O primeiro incorre numa multa de 120 mil libras (cerca de 38 mil contos) — 2 mil libras (cerca de 636 contos) por cada ilegal transportado — e já respondeu ontem em tribunal por homicídio involuntário.

Ao fim de quatro meses, os malogrados imigrantes chineses chegaram finalmente ao destino — mas mortos. «A imigração é uma guerra. Brevemente, será necessário erigir um monumento ao ‘imigrante desconhecido’», comentou «L´Unità», o diário italiano ligado aos democratas de esquerda.

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de junho de 2000

O cerco à fumaça

Um ano após a «declaração de guerra» ao tabaco nos EUA, aperta-se o cerco às tabaqueiras e aos fumadores. Ponto da situação, por ocasião de mais um Dia Mundial Sem Tabaco

Em Agosto do ano passado, a família de David McLean — o famoso «cowboy Marlboro», que morreu de cancro do pulmão — processou várias tabaqueiras norte-americanas, acusadas de terem ocultado, voluntariamente, os malefícios da nicotina.

A ironia patente neste episódio é elucidativa do cerco a que, desde então, as tabaqueiras norte-americanas têm sido submetidas.

A «declaração de guerra» ao tabaco tinha sido proferida em Julho do ano passado, quando 500 mil norte-americanos interpuseram uma acção colectiva — a primeira a chegar a julgamento —, sentando no banco dos réus de um tribunal da Florida as cinco maiores tabaqueiras dos EUA.

No mês passado, saiu a sentença: Philip Morris, R. J. Reynolds, Brown & Williamson, Lorillard Tobacco Co. e Liggett Group Inc. foram condenadas pela venda e promoção de produtos nocivos à saúde bem como pela manipulação dos níveis de nicotina, que acentuam a dependência. Contudo, as indemnizações serão estudadas individualmente.

Em causa, está um pacote de indemnizações que poderá atingir os 100 mil milhões de dólares (22 mil milhões de contos), não deixarando às tabaqueiras qualquer alternativa à bancarrota.

«Não conseguiremos pagar esse dinheiro», afirmou, na segunda-feira, Michael Szymanczyk, da Philip Morris, empresa que se arrisca a ter de pagar, só por si, metade da verba.

Mas se nos EUA este tipo de acções já é uma prática corrente — com acções interpostas também por hospitais —, na Europa ainda é algo de inédito. Em Dezembro de 1999, um tribunal francês condenou, parcialmente, a tabaqueira francesa (Seita), naquilo que foi o primeiro caso de condenação de uma tabaqueira europeia. Em Abril deste ano foi a vez de um tribunal espanhol fazer história, apreciando, pela primeira vez, uma acção contra a Tabacalera.

7 mortes por minuto

Estima-se que, em todo o mundo, perto de 1200 mil milhões de pessoas sejam fumadores — um sexto da população do globo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), morrem anualmente cerca de 4 milhões de fumadores e as previsões apontam para que, em 2030, o número ascenda aos 10 milhões (70% dos quais nos países em desenvolvimento). Se hoje, o tabaco mata em média 7 pessoas por minuto, em 2030 matará 20.

Ainda segundo a OMS, o tabaco está intrinsecamente associado a 25 causas de morte, entre as quais um grande número de cancros, problemas respiratórios e cardiovasculares.

Presentemente, a mortalidade derivada do consumo do tabaco é superior à soma das mortes por malária, tuberculose, diarreias e pneumonia. Segundo o Banco Mundial, em 2030 deverá mesmo ser a principal causa de morte no mundo.

As mulheres são o grande motor deste crescimento, mas também os jovens protagonizam índices preocupantes. Os números da OMS apontam para que entre 82 mil e 99 mil jovens comecem a fumar todos os dias.

Governos hesitantes

O combate ao tabagismo foi sempre um problema que os Governos encararam com muita hesitação. No prato da balança oposto ao da saúde pública está o impacte económico, nomeadamente a perda de postos de trabalho, o crescimento do mercado negro e, sobretudo, a diminuição dos rendimentos fiscais. Contudo, os contornos epidémicos que o problema está a assumir poderão obrigar a uma inversão das prioridades.

IMAGEM PXHERE

Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de maio de 2000

Maleitas da Terra

Amanhã, comemora-se mais um Dia da Terra, ocasião em que se faz, tradicionalmente, a radiografia dos males do Planeta e se propõem algumas terapias. Este ano, o lema da campanha a favor da saúde do globo é «Energia limpa, já»

Amanhã, sábado, comemora-se o 30º Dia da Terra e mais uma vez ecoarão as vozes de ambientalistas de todo o mundo alertando para as maleitas do Planeta Azul. De facto, a Terra está doente e há pelo menos 40 anos que dá sinais disso. Com o passar do tempo, os sintomas agravaram-se, o declínio dos ecossistemas tornou-se mais visível. À beira do século XXI, a Terra corre o risco de deixar de poder alimentar a vasta diversidade de vida que suporta e a economia mundial.

O lema deste Dia da Terra é «Energia limpa já» e apela à substituição dos recursos energéticos que provocam o efeito de estufa por recursos naturais, como a energia solar e eólica. Mas os ecologistas sabem que é difícil convencer os Governos a pôr em prática protocolos e tratados e levar as grandes indústrias que produzem petróleo, carvão ou carros e que desbastam árvores a mudar de ramo.

Se o declínio continuar, «as implicações serão desastrosas para o desenvolvimento humano e a saúde de todas as espécies», alerta um relatório que será publicado em Setembro pela ONU, Banco Mundial e Instituto de Recursos Mundiais. Mais de 175 cientistas contribuíram para este estudo, intitulado «População e Ecossistemas: A Desgastante Rede da Vida».

Existem cinco ecossistemas principais no planeta que dão sinais de desgaste devido ao impacto da acção humana: florestas, redes de água doce, habitats marítimos e costeiros e terras de pastagem e de agricultura. São eles que temperam o clima, purificam e restauram águas, reciclam desperdícios e produzem alimentos.

Ao interferir nos mais básicos mecanismos do planeta, o Homem altera os principais ciclos do seu sistema. Ao bombear grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, o Homem não repara que a terra e o mar não têm capacidade de o reabsorver e que acumulam gases, originando o efeito de estufa (cerca de 20 quilómetros acima das nossas cabeças), aquecendo e desafiando o clima.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o tráfego automóvel é o mais rápido produtor de poluição do ar na Europa e mata mais pessoas prematuramente (doenças respiratórias e cardíacas) do que os acidentes de automóvel.

À beira do colapso

Nos últimos 20 anos, a economia global triplicou e a população mundial cresceu 30%, concentrando-se nos meios urbanos e no litoral e alterando as regiões costeiras. A pressão populacional em certas zonas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, é responsável por catástrofes naturais, como a que devastou a América Latina em 1999. Ao longo do último século, perdeu-se metade das terras húmidas do planeta, sendo a desflorestação tropical de 130 mil quilómetros quadrados por ano. Com a desflorestação e as alterações climáticas aumentou o número de ciclones e de inundações, como os que atingiram 14 milhões de pessoas na China em 1998.

A alteração do clima faz os glaciares derreter e o nível das águas dos oceanos subir, levando ao desaparecimento futuro de pequenas ilhas ou mesmo de cidades costeiras. O Homem continua a pescar acima do sustentável, colocando à beira do colapso uma série de espécies piscícolas, como é o caso do bacalhau do Atlântico Norte, que atirou para o desemprego 300 mil canadianos e arruinou a economia de 700 comunidades.

Actualmente, 58% dos recifes de coral estão em perigo, 80% das terras de pasto sofrem de degradação dos solos, 20% das terras secas correm o risco de se transformar em desertos, os lençóis freáticos estão a ficar esgotados. Os seres humanos já utilizam metade da água doce disponível no planeta e constatam que dois terços das terras agrícolas estão de algum modo afectadas. Isto levanta uma questão: como é que se vai alimentar uma população com perto de oito mil milhões de pessoas em 2020? (Texto de Carla Tomás)

POPULAÇÃO. A população mundial ultrapassou, com o nascimento do pequeno Adnan, a 12 de Outubro de 1999, em Sarajevo — celebrado, em todo o mundo, como o «bebé 6 mil milhões» —, mais uma fasquia do seu imparável crescimento. Mas se Adnan simboliza a vida — e portanto a «população» como um recurso —, a distribuição desequilibrada das pessoas pelo planeta transforma a «população» num factor de degradação ambiental. Cerca de 20% da população mundial habita as regiões mais desenvolvidas da Terra, enquanto 80% concentra-se nas menos desenvolvidas — mais de metade das quais no continente asiático. A Ásia é, aliás, uma região verdadeiramente explosiva, em termos demográficos. Cinco das dez «bombas humanas» — os países que têm mais de 100 milhões de habitantes — são asiáticas e, de entre elas, China e Índia protagonizam uma disputa pelo título de país mais populoso do mundo: se hoje é a China, com mais de 1200 milhões de habitantes, em 2050, segundo a ONU, será a Índia, com mais de 1500 milhões de pessoas. A cidade mais populosa do mundo é igualmente asiática — Tóquio, com mais de 27 milhões de pessoas. Aliás, nove das dezasseis megacidades — metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes — situam-se na Ásia. Mas se é o continente asiático que detém os índices mais preocupantes no que respeita à distribuição demográfica, é África que protagoniza o crescimento mais espectacular. Segundo a ONU, de 1995 a 2000, a taxa de fecundidade total em África é superior a 5,31 filhos por mulher (em idade de procriar). (Texto de Margarida Mota)

CATÁSTROFES NATURAIS. As catástrofes naturais não existem, já dizia Jean-Jacques Rousseau no século XVIII a propósito das tragédias provocadas na época por sismos em zonas sobrepopuladas. Esta constatação foi sendo confirmada com a crescente interferência da acção humana junto das vulnerabilidades naturais. Calcula-se que tais catástrofes tenham triplicado nos últimos 30 anos e que o risco seja cada vez maior, devido às alterações climáticas (aquecimento do planeta) e à combinação da demografia e da pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento. O aumento da concentração das populações nas grandes zonas urbanas (sobretudo no litoral e em zonas de falhas sísmicas), a par com o desordenamento urbano, a fragilidade das construções e a falta de mecanismos de prevenção e socorro, são factores que potenciam os efeitos devastadores de qualquer terramoto, inundação ou ciclone. Com base num relatório sobre as catástrofes ocorridas em 1998, a Cruz Vermelha Internacional alertava para o facto de o mundo estar a entrar «numa nova era de superdesastres», devido à degradação ambiental (saturação dos solos), ao aquecimento global (subida do nível dos mares e da temperatura) e ao crescimento populacional. O «pior ano de que há memória» (1998) registou um conjunto de desastres naturais — ciclone «Mitch», na América Central, inundações na China, Vietname, Coreia e Filipinas, dois terramotos no Afeganistão e o maremoto na Papua-Nova Guiné — que provocaram cerca de 35 mil mortos e mais refugiados do que os conflitos bélicos juntos. Presente na memória estão também os desastres de 1999 e início de 2000: as piores inundações dos últimos 50 anos em Moçambique (500 mortos), ou as enxurradas que assolaram o Sul da Ásia (oito mil mortos na Índia); os terramotos que devastaram a Turquia (15 mil mortos), a Grécia (70) ou Taiwan (2 mil); ou o calor excessivo e as chuvas torrenciais na Europa. A multiplicação confirma a tendência. O Painel intergovernamental da ONU para a Mudança Climática prevê que, no próximo século, a temperatura aumente entre dois a seis graus. (Texto de Carla Tomás)

DESERTIFICAÇÃO. A desertificação dos solos é a catástrofe natural que mais pessoas afecta em todo o mundo. Em números redondos, 1000 milhões de pessoas vivem ameaçadas pelo fenómeno, 250 milhões são directamente afectadas e 25 milhões já fogem dele — originando uma nova condição de migrantes, os «refugiados ambientais». Cerca de 40% da superfície terrestre corresponde a solos secos, os quais, sendo responsáveis pela produção da maior parte dos alimentos que consumimos, são também os mais susceptíveis à erosão. Logo, se a produtividade das terras é condicionada, a segurança alimentar é directamente posta em causa. Além das alterações climáticas — um longo período de seca severa originou, em África, o Sahel —, as causas da desertificação derivam, cada vez mais, da intervenção humana: práticas agrícolas desadequadas às características dos ecossistemas, a desflorestação e a sobrexploração das terras (quer para pastagens quer para cultivo). A desertificação — que afecta cerca de 120 países — assemelha-se a uma onda que, ao avançar, vai empurrando toda e qualquer forma de vida para ecossistemas em equilíbrio que, naturalmente, entram em regressão. Além das consequências ambientais — alterações climáticas, fraca produtividade e perda da biodiversidade —, a pressão social resultante dessa concentração populacional potencia a ocorrência de relações conflituosas. (Texto de Margarida Mota)

ÁGUA. A água dos oceanos e mares cobre 71% da superfície da terra, constituindo o maior ecossistema do planeta, com uma variedade de «habitats» e uma riqueza de biodiversidade maior do que a terrestre. Os oceanos funcionam como reguladores da composição atmosférica, ciclo de nutrientes e controlo biológico dos sistemas naturais. Contudo, os ecossistemas marítimos estão sob grande pressão, devido ao crescimento populacional, concentrado nas zonas costeiras, às substâncias poluentes derivadas da actividade humana em terra (77% da poluição marítima) e à excessiva e massiva intervenção das frotas pesqueiras (que fazem capturas 40% superiores ao nível de sustentabilidade). Os pesticidas utilizados na agricultura ou os isótopos radioactivos (provenientes das descargas de centrais nucleares ou de ensaios balísticos) desaguam nos mares, provocando um impacto ambiental e interferindo na cadeia alimentar. Por seu lado, as barragens e diques — que permitem vida humana em zonas outrora inabitáveis, irrigando a agricultura — são também vistas como uma ameaça ao meio ambiente, impedindo os rios de chegarem ao mar, alterando os seus ecossistemas e dizimando espécies. A alteração climática e consequente aquecimento global fez subir os mares entre 10 e 25 centímetros em cem anos. Por cada centímetro de aumento, um metro de praia entra em erosão; por cada 10 centímetros, a água salgada penetra nos estuários e fá-los recuar um quilómetro; por qualquer aumento do nível do mar, cresce a salinidade das aquíferas de água doce. Um terço da população do Planeta Azul vive presentemente em condições de «stress hídrico» — ou seja, o consumo de água é 10% superior à reserva global de água doce. Mas este recurso vital está também desigualmente distribuído. E enquanto uns esbanjam o que podem vir a deixar de ter, outros economizam o que já escasseia. (Texto de Carla Tomás)

DESFLORESTAÇÃO. A desflorestação do que ainda resta dos 6 mil milhões de hectares que, em tempos, cobriram o planeta é semelhante à marcha de um «bulldozer» gigante que, anualmente, derruba, pelo menos, 16 milhões de hectares de árvores. Hoje, somente um quinto da cobertura vegetal original do planeta permanece intacta — 70% estendem-se ao longo de apenas três países (Brasil, Canadá e Rússia). Mas as exigências da vida moderna, designadamente o crescente consumo de papel e de madeira, deixa antever que, mais uma vez, é a intervenção humana que causa os maiores estragos. Paralelamente ao desbaste de árvores, a procura de terras para cultivo bem como a prática de queimadas completam o leque das principais ameaças. Segundo a agência das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO), na Amazónia, cerca de um terço dos fogos são ateados para desbastar zonas de floresta virgem. As grandes florestas são autênticos armazéns da biodiversidade — 50 milhões de indígenas habitam nas florestas tropicais —, além de funcionarem como mecanismos reguladores do ciclo da água, pelo que a sua destruição pode condicionar a sobrevivência do planeta. «Parar com a destruição destas florestas é, possivelmente, o sinal mais visível do desenvolvimento sustentado», afirmou, recentemente, Thilo Bode, director-executivo internacional da Greenpeace. (Texto de Margarida Mota)

EXTINÇÃO. A maior extinção massiva de espécies desde o desaparecimento dos dinossauros, há 65 milhões de anos, está a acontecer agora… por culpa do homem. E, se continuar a este ritmo, num futuro próximo, entre um e dois terços das espécies (de todas as ordens e classes) correm o risco de extinguir-se… e em cem anos pode desaparecer metade. As zonas do Globo mais atingidas ocupam só um quarto da superfície terrestre, mas é aí que vivem mais de um terço das espécies florestais e de vertebrados. Muitas delas estão ameaçadas devido à destruição do seu «habitat» natural, entretanto arrancado, queimado, sobrepovoado, excessivamente poluído, explorado ou vítima das alterações climáticas. Outras extinguem-se devido à pesca excessiva e à caça furtiva. para atender à procura de peles, amuletos, «souvenirs», medicina tradicional ou alimento. Entre as espécies animais mais ameaçadas estão o tigre de Bengala, o panda gigante, a tartaruga do mar, o rinoceronte de Sumatra, o antílope tibetano, o tubarão-baleia, a baleia azul, o gorila da montanha, o golfinho chinês e o elefante africano e asiático. Devido ao abusivo abate de elefantes e tigres, continua a ser travada uma «guerra de forças» entre os países que querem continuar a comercializar marfim, peles e ossos, e os que querem impor a total interdição do seu comércio. Nos mares, cerca de 70% das reservas de peixe estão no seu limite biológico e, nos rios, 20% dos peixes de água doce estão ameaçados de extinção. Cada vez que se perde uma espécie animal ou vegetal, o complexo equilíbrio da vida na Terra é abalado. Os nossos descendentes correm o risco de herdar um planeta homogéneo e de grande pobreza biológica. (Texto de Carla Tomás)

DO ACTIVISMO AO ECOTERRORISMO

Crescentemente, têm-se registado actos violentos perpetrados por organizações ambientalistas radicais, dando origem a um novo tipo de fundamentalismo — o ecoterrorismo —, defensor de todo e qualquer método para proteger a natureza.

Não usando métodos terroristas, a maior organização ambientalista mundial — a Greenpeace —, nascida há 25 anos, tem contudo vindo a «aterrorizar» muitos Governos e indústrias mundiais. Depois de uma fase inicial de luta contra o nuclear e a caça às baleias, a Greenpeace tem estendido a sua acção para a área dos resíduos, transgénicos, florestas e alterações climáticas. Sempre com irreverência, imaginação e polémica e sustentada em pareceres científicos de investigadores de nomeada.

Em Portugal, a associação que mais se aproxima destes métodos é a Quercus. Aliás, quando a Greenpeace decide intervir em Portugal — o que já aconteceu por três vezes nos últimos anos — recorre ao apoio desta associação portuguesa. Num dos casos, ocorrido em 1998, em que se tentou «sabotar» o descarregamento dum navio com soja transgénica, houve mesmo tiros de intimidação da polícia marítima. Para Francisco Ferreira, presidente da Quercus, «estas acções mediáticas são importantes para fazer passar a mensagem», mas «tudo o que possa pôr em risco a segurança de bens e de pessoas é excluído» da intervenção do grupo.

Quanto ao chamado ecoterrorismo, ganhou maior visibilidade após ser conhecida a admiração de Theodore Kaczynski — o famoso «Unabomber», que durante 16 anos se especializou no envio de cartas armadilhadas nos EUA — pela Terra Primeiro! (Earth First!), uma das mais destacadas organizações ao serviço do «terror verde». Em Outubro de 1997, esta organização publicou uma lista de nomes de executivos e de empresas cujas actividades constituiriam uma ameaça «à existência do mundo natural». Entre estes «alvos a abater» encontravam-se a Microsoft, a McDonald´s, a Nike e a Boeing.

A Terra Primeiro! (de que se conhece muito pouco) parece funcionar, aliás, como fonte inspiradora de outros grupos que partilham a sua linguagem radical, como a Frente de Libertação da Terra (FLT) e a Frente de Libertação dos Animais (FLA), que às vezes agem em conjunto. Do currículo da FLT consta um dos atentados mais espectaculares ao serviço da «causa verde»: o fogo posto, a 18 de Outubro de 1998, na mais frequentada instância de esqui dos EUA (Vail Mountain, Colorado), destruída para impedir a expansão do complexo em direcção à floresta, habitat do lince canadiano. «Eles não querem que isto seja visto como um acto de terrorismo, mas que seja encarado como um acto de amor pelo ambiente», afirmou Craig Rosebraugh, um activista que diz ser um simples transmissor da informação que anonimamente a FLT lhe envia. (Margarida Mota e Pedro Almeida Vieira) 

Artigo publicado no “Expresso”, a 21 de abril de 2000