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Uma nuvem de gafanhotos 24 vezes maior do que Lisboa? Não é ficção, aconteceu no Quénia

Gigantescos enxames de ‘gafanhotos do deserto’ invadiram o Corno de África e estão a devorar áreas de cultivo e pastagens, colocando em risco a subsistência de milhões de pessoas. Na origem desta praga estão… alterações climáticas

Diz a Bíblia que a oitava de dez pragas com que Deus castigou o Egito para pressionar o Faraó a libertar o povo hebraico da escravidão era composta por gafanhotos. “Eles cobrirão a superfície visível da terra, e não se poderá mais ver a terra”, lê-se no Livro do Êxodo. “Eles comerão o resto do que escapou e o que ficou para vós depois do granizo [a sétima praga]; comerão todas as árvores que crescem para vós no campo.”

Por estes dias, nuvens de gafanhotos de proporções bíblicas fustigam três grandes zonas na Ásia e em África. Destroem áreas de cultivo e pastagens à sua passagem e condenam comunidades que vivem da natureza — e para quem a segurança alimentar não é um direito adquirido — a um futuro muito incerto. Um foco devasta a fronteira indo-paquistanesa, outro está ativo nas margens do Mar Vermelho e um terceiro assola o Corno de África e países limítrofes.

“No início de janeiro, houve um enxame enorme no nordeste do Quénia que tinha 60 quilómetros de comprimento por 40 de largura!”, diz ao Expresso Keith Cressman, especialista na Previsão de Gafanhotos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Cálculos feitos, a dimensão desta nuvem de saltões cobriria 24 vezes a cidade de Lisboa — o enxame media 2400 km2 e a capital portuguesa 100 km2.

O Quénia está a viver a pior infestação de gafanhotos dos últimos 70 anos NJERI MWANGI / REUTERS

Na origem desta calamidade estão… alterações climáticas, como o aumento da temperatura dos mares que alimenta furacões cada vez mais fortes. Este surto de ‘gafanhotos do deserto’ ganhou volume após dois ciclones — o Mekunu (em maio de 2018) e o Luban (em outubro seguinte) — varrerem o Oceano Índico.

Então, chuvas abundantes caíram sobre uma das regiões mais áridas do mundo — o chamado “Empty Quarter”, no sudeste da Península Arábica —, originando o florescimento de vegetação e criando condições ideais para “a procriação de três gerações de gafanhotos, entre junho de 2018 e março de 2019”, explica Keith Cressman. “O número de gafanhotos aumentou 8000 vezes.” Um enxame pode conter até 150 milhões de gafanhotos por quilómetro quadrado.

Com um ciclo de vida entre três e cinco meses, os ‘gafanhotos do deserto’ aguentam-se no ar durante longas distâncias. Presentes nas zonas desérticas entre a África Ocidental e a Índia, encontram na vegetação verde e nos solos húmidos e arenosos condições favoráveis à sua reprodução.

Invadidos por gafanhotos, Somália e Paquistão já declararam “emergência nacional” SVEN TORFINN / EPA

Cada fêmea põe dezenas de ovos (por vezes mais de 100) e pode procriar pelos menos três vezes. O período de incubação depende da temperatura do solo, oscilando entre 10 dias e um mês.

Cronologia da invasão

Os primeiros enxames saíram do “Empty Quarter” em janeiro de 2019 na direção do Iémen (um país em guerra) e da Arábia Saudita. Depois, “chuvas anormalmente fortes no Irão e no Iémen originaram novas germinações”, acrescenta Keith Cressman.

Entre junho e dezembro, grupos partiram do Irão e invadiram o Paquistão e a Índia, beneficiando de monções mais longas do que o habitual. E outros levantaram voo do Iémen rumo ao Corno de África (e daí para o Quénia). Aí usufruíram de condições provocadas pelo ciclone Pawan, ao largo da Somália, no início de dezembro de 2019.

Os ‘gafanhotos do deserto’ não atacam seres humanos ou animais DAI KUROKAWA / EPA

“Felizmente, a atual geração de enxames formou-se após a última colheita das safras, mas houve danos consideráveis nas pastagens, que são um meio de subsistência primário no Corno de África”, diz o perito da FAO. Esta organização calcula em 76 milhões de dólares (70 milhões de euros) a verba necessária para “melhorar a operação de controle” da praga “e proteger, apoiar e recuperar os meios de subsistência”, explica Cressman. “É absolutamente crítico que esses fundos cheguem o mais rapidamente possível para evitar um problema e um sofrimento maiores.”

No terreno, o combate à praga passa por borrifar as áreas fustigadas com produtos químicos, lançados de aeronaves e veículos equipados com pulverizadores e, em menor grau, disparados por homens de mochila pulverizadora às costas. No seu último boletim sobre esta crise, na segunda-feira, a FAO diz que “a reprodução [de gafanhotos] continua no Corno de África” e que “está prevista a formação de novos enxames para março e abril”.

(FOTO PRINCIPAL Três homens tentam, em vão, enxotar um enxame de gafanhotos de uma pastagem, na aldeia queniana de Lemasulani NJERI MWANGI / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 12 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui

50 países, 50 imagens de um planeta (gravemente) doente e cada vez mais zangado

A Terra é um sítio cada vez menos amigável para a espécie humana e 2019 foi fértil em provas. Num ano em que muito se falou de Ambiente e em que uma menina sueca despertou consciências e motivou milhões de pessoas a protestar contra a inação dos governos face à emergência climática, multiplicaram-se sintomas de que o planeta está gravemente doente. Nestes 50 países — podiam ser muitos mais —, a degradação ambiental está à vista de todos e fenómenos climáticos extremos tiveram consequências devastadoras. Fica o alerta para 2020

PAQUISTÃO. Por detrás de uma “tela” de poluição, um barbeiro atende um cliente, numa rua de Lahore ARIF ALI / AFP / GETTY IMAGES
HOLANDA. Em julho, o termómetro superou os 40°C em várias cidades holandesas. Para refrescar os clientes, esta esplanada de Eindhoven montou um apetrecho extra NICOLAS ECONOMOU / GETTY IMAGES
AUSTRÁLIA. Onde se vê lama seca havia antes um canal de drenagem de um lago. Este canguru não escapou a tempo e morreu preso no solo, sem pingo de água que facilitasse a travessia NICK MOIR / GETTY IMAGES
PANAMÁ. Contrastes na Cidade do Panamá: uma margem que mais parece uma lixeira em frente à Costa del Este, um grande projeto de desenvolvimento imobiliário LUIS ACOSTA / AFP / GETTY IMAGES
GRÉCIA. Junto à aldeia de Stratoni, um mergulhador infla um saco de elevação para retirar das águas uma rede de pesca, durante uma operação de limpeza subaquática REUTERS
MALÁSIA. Esta família aproveitou o dia 11 de setembro para ver as vistas desde a Torre de Kuala Lumpur, uma das mais altas do mundo. Mas a visibilidade é reduzida SAMSUL SAID / GETTY IMAGES
ESTADOS UNIDOS. No estado do Iowa, em março, cheias provocadas por chuvas fortes esventraram silos de milho e destruíram grandes quantidades de colheitas DANIEL ACKER / GETTY IMAGES
ESPANHA. A ansiedade de dois moradores da aldeia de Valleseco, a 17 de agosto, perante o avanço das chamas, nas Ilhas Canárias BORJA SUAREZ / REUTERS
FILIPINAS. Não se vê pinga de água, mas por debaixo desta camada de lixo há um canal que atravessa uma zona residencial, em Manila NOEL CELIS / AFP / GETTY IMAGES
COREIA DO SUL. Máscaras cirúrgicas para ajudar a respirar em Seul nos dias em que o ar está mais contaminado CHUNG SUNG-JUN / GETTY IMAGES
MOÇAMBIQUE. A vida continua na Ilha de Ibo, devastada pelo ciclone Idai que atingiu o país no início de março ZINYANGE AUNTONY / AFP / GETTY IMAGES
GANA. Estes homens preparam-se para desmantelar uma pilha de lixo eletrónico, em Agbogbloshie. Esta zona de Acra é destino de toneladas deste tipo de resíduos produzidas no Ocidente CHRISTIAN THOMPSON / GETTY IMAGES
FRANÇA. Em julho, os Jardins do Trocadero transformaram-se numa verdadeira piscina pública quando Paris foi atingida por uma vaga de calor BERTRAND GUAY / AFP / GETTY IMAGES
DINAMARCA. Um pequeno bloco de gelo flutua solitário a sudeste da Gronelândia. O degelo dos glaciares é um dos sintomas mais visíveis do aquecimento global LUCAS JACKSON / REUTERS
ALBÂNIA. A 26 de novembro, um sismo de magnitude 6.4 abanou o país durante 30 segundos, matando 52 pessoas. A aldeia de Thumane foi das mais danificadas FLORION GOGA / REUTERS
TANZÂNIA. Com o seu ateliê inundado pelo rio Msimbazi, que transbordou, esta mulher não interrompeu o trabalho, na área de Mwenge, em Dar es Salaam ERICKY BONIPHACE / AFP / GETTY IMAGES
BRASIL. Estas toras foram cortadas ilegalmente perto de Humaita, na Amazónia. Era agosto e uma grande mancha da maior floresta tropical do mundo estava em chamas UESLEI MARCELINO / REUTERS
CHINA. O consumo excessivo é uma tendência comportamental que contribui para desequilibrar o planeta. A foto mostra um mercado grossista de carne de porco, nos arredores de Shanghai QILAI SHEN / GETTY IMAGES
INDONÉSIA. Um soldado patrulha uma praia suja por um derramamento de óleo, em Karawang, na províncoa de Java Ocidental WILLY KURNIAWAN / REUTERS
ALEMANHA. Estes alemães não precisaram de ir até ao sul da Europa para usufruírem de boas temperaturas. Bastou estender toalha junto ao lago Bad Saulgau, em julho, durante a vaga de calor THOMAS WARNACK / AFP / GETTY IMAGES
TUVALU. A subida do nível dos oceanos, provocada pelo degelo dos glaciares, ameaça muitos Estados insulares, como Tuvalu MARIO TAMA / GETTY IMAGES
CHILE. No dia de Natal, um grande incêndio florestal irrompeu pela cidade de Valparaiso. A estrada foi preciosa para travar o avanço das chamas PABLO ROJAS MARIADAGA / AFP / GETTY IMAGES
PORTUGAL. Uma casa quase imersa pelo rio Mondego, em Montemor-o-Velho. As depressões Elsa e Fabien cobriram de água vastas áreas do norte e centro de Portugal MIGUEL PEREIRA / REUTERS
IRÃO. Grandes cheias, em março e abril, provocadas por chuvas abundantes, isolaram aldeias, provocaram dezenas de mortos e milhares de desalojados, como esta mulher REUTERS
ITÁLIA. Inundações em Veneza são fenómenos recorrentes que cunham a identidade da cidade. Mas em novembro, a “acqua alta” foi mais intensa do que o habitual MANUEL SILVESTRI / REUTERS
RÚSSIA. Na linha da frente do combate às alterações climáticas está a redução das emissões de gases tóxicos para a atmosfera. Nesse capítulo, há trabalho a fazer nesta fábrica de Moscovo WALDO SWIEGERS / GETTY IMAGES
ÍNDIA. Em cidades muito poluídas como Nova Deli, só os forasteiros estranham a existência de “bares de oxigénio”, onde se vende oxigénio para fins recreativos ANUSHREE FADNAVIS / REUTERS
NOVA ZELÂNDIA. Dois socorristas parecem formigas na imensidão da lava cuspida pelo vulcão Whakaari. A erupção, a 9 de dezembro, surpreendeu fatalmente turistas que visitavam a ilha GETTY IMAGES
SUÍÇA. A 1 de outubro, dois caminheiros seguiam por um trilho próximo do glaciar Aletsch, nos Alpes, onde havia mais vegetação do que neve FABRICE COFFRINI / AFP / GETTY IMAGES
QUÉNIA. O rio Njoro, que neste troço mais se assemelha a um “rio de lixo”, desagua no lago Nakuru, inserido num parque natural que é património da UNESCO JAMES WAKIBIA / GETTY IMAGES
ÁFRICA DO SUL. Peixes mortos, recolhidos de uma barragem que secou, em Graaff-Reinet MIKE HUTCHINGS / REUTERS
COLÔMBIA. Contentores de apoio à construção de uma barragem, na cidade de Ituango. Interferir nos cursos de água é uma opção muitas vezes desastrosa em termos ambientais NICOLO FILIPPO ROSSO / GETTY IMAGES
TURQUIA. A construção de barragens implica, por vezes, a deslocalização de populações inteiras. Foi o caso de Hasankeyf, que obrigou também à transferência de uma mesquita do século XV SERTAC KAYAR / REUTERS
BANGLADESH. Há mais poluição do que água neste troço do rio Buriganga, na capital do país, Daca MOHAMMAD PONIR HOSSAIN / REUTERS
ISRAEL. A degradação dos ecossistemas desorienta os animais. A 5 de dezembro, este grupo de javalis selvagens parecia meio perdido, numa zona residencial da cidade de Haifa MENAHEM KAHANA / AFP / GETTY IMAGES
KOSOVO. Em Pristina, a estátua de Madre Teresa de Calcutá surge de máscara posta. Um gesto simbólico para alertar para o ar irrespirável da cidade ARMEND NIMANI / AFP / GETTY IMAGES
MÈXICO. Com mais de 20 milhões de habitantes na área metropolitana, a Cidade do México é problemática em termos ambientais. A 16 de maio, por causa da poluição do ar, as escolas fecharam HENRY ROMERO / REUTERS
BOTSUANA. Hipopótamo morto no solo inóspito perto do Delta do Okavango, um dos últimos santuários de vida selvagem em África. A falta de chuva levou o governo a declarar “ano de seca” MONIRUL BHUIYAN / AFP / GETTY IMAGES
TAILÂNDIA. Em Banguecoque, este casal compra o almoço num negócio de rua, mas tarda em retirar do rosto a máscara que lhes protege as vias respiratórias ROMEO GACAD / AFP / GETTY IMAGES
HONDURAS. Ainda há água neste reservatório de Concepcion, nos arredores de Tegucigalpa, mas a encosta gretada revela que o seu nível tem-se mantido baixo JORGE CABRERA / REUTERS
REINO UNIDO. Em Londres, os dias chuvosos e cinzentos deram lugar a jornadas ensolaradas e calorentas. Muitos locais refrescaram-se nos oportunos jatos de água de Granary Square NICOLAS ECONOMOU / GETTY IMAGES
ARGENTINA. Para os amantes de trekking nos glaciares, o Perito Moreno, no sul da Patagónia, é um destino obrigatório… e urgente já que o gelo está a derreter a grande velocidade DAVID SILVERMAN / GETTY IMAGES
VENEZUELA. Habitantes de Caracas fazem fila para recolher água que brota de um cano partido. A vida sem estabilidade política é difícil, mas sem água é impossivel JUAN BARRETO / AFP / GETTY IMAGES
BOLÍVIA. Chuvas fortes seguidas de deslizamentos de terras originaram o colapso de casas ao estilo de um castelo de cartas. Foi em abril, na região de La Paz DAVID MERCADO / REUTERS
URUGUAI. Separação de lixo eletrónico num armazém de Montevideu. O seu destino final origina, muitas vezes, problemas ambientais ANDRES STAPFF / REUTERS
SUDÃO DO SUL. Rodeada por água, acumulada após chuvas intensas, esta sudanesa vai à procura de água potável, na cidade de Pibor ANDREEA CAMPEANU / REUTERS
JAPÃO. Um rasto de petróleo derramado de uma fábrica contamina parte de Omachi, após chuvas torrenciais terem inundado a cidade GETTY IMAGES
NIGÉRIA. Um bombeiro carrega uma mangueira junto a um oleoduto em chamas, vandalizado por ladrões de petróleo. É um desastre ambiental frequente no país PIUS UTOMI EKPEL / AFP / GETTY IMAGES
HAITI. Jovens passeiam-se pelo trilho de um esgoto perto das casas onde vivem, em Port-au-Prince CHANDAN KHANNA / AFP / GETTY IMAGES
BAAMAS. Originária do Haiti, Aliana Alexis viveu a tragédia nas Baamas. Em setembro, o furacão Dorian varreu o arquipélago e reduziu a sua casa a um monte de destroços AL DIAZ / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui

Dez anos depois de um conselho de ministros debaixo de água, as Maldivas continuam a afundar-se

A 17 de outubro de 2009, o Governo das Maldivas, um dos países mais ameaçados pela subida da água dos oceanos, reuniu-se no fundo do mar para alertar para os efeitos das alterações climáticas. Dez anos depois, o Presidente que promoveu o insólito encontro está frustrado com a falta de ação e cansado da “linguagem jurássica” usada para defender o planeta

Há exatamente dez anos, o então Presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, promoveu um conselho de ministros original. Num país rodeado pelo azul do Índico, e onde saber mergulhar é algo quase tão natural como aprender a ler, aquela reunião decorreu debaixo de água.

A cinco metros de profundidade, de máscara posta e comunicando por gestos, o Presidente, 14 ministros e o Procurador-Geral do país assinaram um “SOS desde a linha da frente” para enviar às Nações Unidas: “As alterações climáticas estão a acontecer e ameaçam os direitos e a segurança de toda a gente na Terra”, defenderam. “Temos de nos unir num esforço mundial para parar mais aumentos de temperatura.”

A iniciativa foi simultaneamente um alerta para o mundo e um pedido de ajuda: a manter-se o aquecimento global e o consequente degelo dos graciares, as Maldivas — cujo ponto mais alto é inferior a dois metros — vão afundar-se no meio do oceano.

António Guterres está atento

O drama dos países insulares chegou, recentemente, à capa da revista “Time” que fotografou o secretário-geral da ONU, António Guterres, com a água do Oceano Pacífico pelos joelhos e ar de grande preocupação. A foto foi tirada junto à costa de Tuvalu, outro país ameaçado pela subida das águas do mar, mas bem poderia ter sido disparada nas Maldivas.

Neste arquipélago composto por 1192 ilhas (a maioria desabitadas), 26 grandes atóis (anéis de coral à volta de uma lagoa interior) e onde vivem cerca de 400 mil pessoas, as alterações climáticas são uma questão de segurança nacional.

Em 2008, quando se tornou o primeiro Presidente democraticamente eleito — derrotando Maumoon Abdul Gayoom, um dos ‘dinossauros’ da política africana que levava 30 anos na liderança do país —, Mohamed Nasheed comprometeu-se a tornar as Maldivas num exemplo a seguir em matéria de preservação ambiental. A evolução política do país feriu de morte essa ambição pessoal.

Em 2012, em circunstâncias que não colhem a unanimidade no país, foi afastado do poder — por “um golpe de Estado”, diz. Acusado de traição, foi preso e julgado sem direito a testemunhas de defesa. Condenado a 13 anos de prisão, ficou impossibilitado de se recandidatar à presidência durante 16.

Autorizado a sair do país para ser submetido a uma cirurgia, obteve asilo no Reino Unido, em 2016. A vontade de regressar à política subsiste mas para voltar a disputar a liderança do país precisa de resolver os assuntos com a justiça. A advogada Amal Clooney integra a equipa que o defende.

Fala-se muito, faz-se pouco

Em dezembo do ano passado, o ex-Presidente retomou o combate pelo futuro das Maldivas convidado pelo atual chefe de Estado, Ibrahim Mohamed Solih, para liderar a delegação nacional à Conferência de Katowice (Polónia) sobre as alterações climáticas. Foi o 24ª encontro do género organizado pelas Nações Unidas para discutir regras com vista à aplicação do Acordo de Paris de 2015.

Para Nasheed, foi um regresso frustrante. “Quase dez anos passaram desde que eu estive pela última vez nestas negociações climáticas, e devo dizer que nada parece ter mudado muito. Continuamos a usar a mesma linguagem jurássica de sempre”, denunciou ele em Katowice. “As emissões de dióxido de carbono aumentam, aumentam, aumentam e tudo o que parece que fazemos é falar, falar, falar. E continuamos a fazer as mesmas observações entediantes.”

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O ministro das Pescas e da Agricultura das Maldivas assina o “SOS climático” aprovado numa reunião subaquática, a 17 de outubro de 2009 MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Duas bandeiras das Maldivas sinalizam a realização de um evento oficial MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A caminho da reunião, levando em mãos um documento para ser assinado MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Participaram no conselho de ministros subaquático 16 pessoas MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Mesas, cadeiras e canetas, o essencial para uma reunião fora do comum MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O Presidente Mohamed Nasheen foi o grande promotor da iniciativa MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A reunião decorreu com recurso a linguagem gestual MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O “SOS climático” foi assinado por todos os participantes MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A vez do ministro do Interior, Mohamed Shihab MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O equipamento de mergulho não atrapalhou os trabalhos MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
De regresso à superfície, cumprida a missão MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui

As preocupações (e as imagens) de António Guterres durante a viagem que o colocou na capa da “Time”

O secretário-geral das Nações Unidas foi, pela primeira vez, ao Pacífico, a linha da frente do combate às alterações climáticas. Visitou três países insulares que correm o risco de ficarem submersos. Em discursos e no Twitter, antónio Guterres expressou preocupações e apelou ao envolvimento global num drama que, mais cedo ou mais tarde, baterá à porta de todos

A viagem de António Guterres ao Pacífico Sul que levou a revista “Time” a dar-lhe honras de capa resulta de uma grande ironia. Ilhas Fiji, Tuvalu e Vanuatu — os pequenos Estados insulares visitados pelo secretário-geral das Nações Unidas entre 14 e 18 de maio — são paraísos à face da Terra que lutam para se manter à tona. Perdidos na imensidão do mar, testemunham diariamente a subida das águas, numa ameaça à sua sobrevivência visível aos olhos.

“Estou de partida para Tuvalu, uma nação insular do Pacífico onde o ponto mais alto tem menos de cinco metros [de altura]. Enfrenta uma ameaça existencial face à subida do nível do mar”, escreveu Guterres no Twitter, a 16 de maio. “Temos de impedir que Tuvalu se afunde e que o mundo se afunde juntamente com Tuvalu.”

A fotografia que ilustra a capa da “Time” foi tirada precisamente em Tuvalu. Com a água do Pacífico pelos joelhos, e uma expressão séria, Guterres surge na posição de um vulgar cidadão daquele país que vê, diariamente, o mar cada vez mais perto de lhe entrar casa adentro.

“Em nenhum outro lugar vi tão claramente impactos tão devastadores da situação crítica climática global como em Tuvalu, onde conheci famílias cujas casas estão ameaçadas pela contínua subida dos mares”, twitou a 17 de maio.

Tuvalu foi a segunda etapa do périplo de Guterres pelas pequenas ilhas — a viagem à região teve uma primeira paragem na Nova Zelândia. Antes de Tuvalu, esteve nas Ilhas Fiji.

Num discurso no Fórum das Ilhas do Pacífico, realizado em Suva (capital das Fiji), o secretário-geral da ONU fez um alerta para todo o mundo: “Em 2016, mais de 24 milhões de pessoas em 118 países e territórios foram deslocadas por causa de desastres naturais — três vezes mais do que o número de deslocados por conflitos.”

Guterres procurou também dar visibilidade a projetos locais verdes, como a embarcação “Uto ni Yalo”, uma embarcação tradicional polinésia que trabalha a vento e energia solar.

A visita ao Pacífico terminou na ilha de Vanuatu, “um dos países mais propensos a desastres, o que é agravado pelas alterações climáticas”, enfatizou Guterres.

A 18 de maio, em jeito de alerta final, divulgou um comunicado chamando a atenção para o facto destes Estados contribuírem muito pouco para o drama global das alterações climáticas e serem aqueles que mais afetados são, correndo mesmo riscos de sobrevivência.

“O que é notável acerca destes países é que perante este desafio enorme, eles decidiram não desistir. Estão determinados a encontrar soluções e a desenvolveram formas de aumentar a sua resiliência e adaptação. Estão a liderar o caminho da redução de emissões [de dióxido de carbono para a atmosfera] e são um exemplo que o resto do mundo devia seguir.”

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António Guterres sobrevoa Tuvalu. A parte de trás do avião abre-se para ser mais percetível o avanço do mar sobre as pequenas ilhas UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Em território de Tuvalu, observando uma costa que parece morta UN PHOTO / MARK GARTEN
À conversa com uma habitante de Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Durante a maré alta, esta calçada fica completamente submersa UN PHOTO / MARK GARTEN
Na companhia do primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama UN PHOTO / MARK GARTEN
O secretário-geral da ONU percorreu os locais por via aérea, terrestre e marítima também UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, experimentou viajar numa embarcação especial, que combina sabedoria tradicional e moderna tecnologia… UN PHOTO / MARK GARTEN
… o “Uto ni Yalo” funciona a energia eólica e solar UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, crianças mostram cartazes com mensagens apelando à preservação do ambiente UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Num mercado de Vanuatu, interessado em conhecer no impacto económico local das alterações climáticas UN PHOTO / MARK GARTEN
Na pele de um residente de Vanuatu UN PHOTO / MARK GARTEN
Plantando uma árvore, nas Ilhas Fiji… UN PHOTO / MARK GARTEN
… outra em Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Pequenos paraísos perdidos na imensidão do Pacífico em risco de ficarem submersos UN PHOTO / MARK GARTEN
Cinco dias de visita a populações em risco de sobrevivência que têm em António Guterres um grande aliado UN PHOTO / MARK GARTEN

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui

Fotogaleria: A viagem de António Guterres ao Pacífico Sul

As pequenas ilhas do Pacífico estão na linha da frente do combate às alterações climáticas. O secretário-geral da ONU quis ver o drama de perto e visitou as Ilhas Fiji, Tuvalu e Vanuatu

António Guterres sobrevoa Tuvalu. A parte de trás do avião abre-se para ser mais percetível o avanço do mar sobre as pequenas ilhas UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Em território de Tuvalu, observando uma costa que parece morta UN PHOTO / MARK GARTEN
À conversa com uma habitante de Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Durante a maré alta, esta calçada fica completamente submersa UN PHOTO / MARK GARTEN
Na companhia do primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama UN PHOTO / MARK GARTEN
O secretário-geral da ONU percorreu os locais por via aérea, terrestre e marítima também UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, experimentou viajar numa embarcação especial, que combina sabedoria tradicional e moderna tecnologia… UN PHOTO / MARK GARTEN
… o “Uto ni Yalo” funciona a energia eólica e solar UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, crianças mostram cartazes com mensagens apelando à preservação do ambiente UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Num mercado de Vanuatu, interessado em conhecer no impacto económico local das alterações climáticas UN PHOTO / MARK GARTEN
Na pele de um residente de Vanuatu UN PHOTO / MARK GARTEN
Plantando uma árvore, nas Ilhas Fiji… UN PHOTO / MARK GARTEN
… outra em Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Pequenos paraísos perdidos na imensidão do Pacífico em risco de ficarem submersos UN PHOTO / MARK GARTEN
Cinco dias de visita a populações em risco de sobrevivência que têm em António Guterres um grande aliado UN PHOTO / MARK GARTEN

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As preocupações (e as imagens) de António Guterres durante a viagem que o colocou na capa da “Time”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui