Arquivo da Categoria: Cimeira UE-África

“Não sei se alguém faz mais do que a Europa”

O comissário europeu para o Desenvolvimento considera que os Acordos de Parceria Económica são instrumentos fundamentais para África

IMAGEM EU REACH

O comissário europeu para o Desenvolvimento, Louis Michel, assina por baixo a proposta feita hoje na cimeira UE-África pelo Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, de continuação de negociações dos Acordos de Parceria Económica (APE) com os países africanos, ao longo de 2008.

“A proposta está sobre a mesa desde que começámos a discutir os acordos intercalares. Eles existem para proteger os países com rendimentos mais baixos”, afirmou Louis Michel ao Expresso.

O comissário europeu recorreu ao caso da Costa do Marfim para demonstrar a importância dos APE no futuro dos países africanos, após a entrada em vigor do novo regime comercial internacional, a 1 de Janeiro de 2008: “Se a Costa do Marfim não assinar, até ao final deste ano, um acordo bilateral com a UE relativamente ao seu mercado, perderá 750 milhões de euros de trocas comerciais o que será uma catástrofe”, acrescentou.

Em declarações aos jornalistas após a conferência de imprensa final, Durão Barroso realçou a importância dos APE para o futuro do continente negro: “Há 30 anos, a África contava mais no comércio do que hoje — a parte africana nas exportações mundiais era de 2,1% enquanto hoje é de 0,9%. Isto mostra que o sistema deve mudar, dando possibilidade aos nossos amigos africanos de criar integrações regionais”.

Para o presidente da Comissão, os países africanos “querem exportar sem nenhuma restrição para a Europa, mas mantêm-se fechados uns para os outros. Isto é muito negativo, porque não permite criar um mercado africano nem criar melhores condições para o investimento estrangeiro. A maior parte das economias africanas são ilhas, estão separados dos seus vizinhos. Estamos a tentar mudar esta situação”.

Ao Expresso, Louis Michel acrescentou que 2008 será também o ano para discutir APE “numa base regional”.

“Tentaremos convencer os nossos amigos africanos de que a nossa oferta é muito generosa por parte de uma potência industrial. Veja-se os Estados Unidos, que assinaram um acordo com um país em desenvolvimento da América Latina, que prevê a liberalização de 7% do mercado americano e de 70% desse país. Isto não é comparável ao que a Europa faz. Não sei se é possível fazer-se algo mais do que faz a Europa”.

Artigo escrito com Luísa Meireles.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Uma das cimeiras mais importantes de sempre

Espanha está a investir em África como nunca na sua história. A pensar no desenvolvimento do continente negro mas sobretudo na contenção dos fluxos migratórios ilegais

ILUSTRAÇÃO DO CENTRO MULTIMÉDIA DO PARLAMENTO EUROPEU

José Luis Rodríguez Zapatero qualificou a reunião UE-África de Lisboa “uma das cimeiras mais importantes da história da União Europeia”, considerando que a aposta da Europa no desenvolvimento do continente africano confere-lhe “grandeza política e ética”.

O presidente do governo espanhol afirmou ainda que a Espanha está a apoiar o desenvolvimento de África “como nunca na sua história”, tendo triplicado as ajudas à cooperação — de 500 milhões de euros passou para 1500 milhões de euros em 2008. “É talvez o país europeu e ocidental que mais esforço fez em menos tempo em relação a África relativamente ao cumprimento dos Objectivos do Milénio”.

Zapatero referiu ainda que “a imigração ilegal é um grande fracasso colectivo” e anunciou que propôs aos governantes dos dois continentes a celebração de “um grande acordo Europa-África no sentido de combater a imigração ilegal”. E deu como exemplo a seguir a estratégia espanhola que passa pela reordenação dos fluxos migratórios legais e pelo incremento das possibilidades de emprego nos países africanos.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Como África viu a cimeira

O que os jornalistas africanos escreveram sobre a Cimeira UE-África

“O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, denunciou no domingo a ‘arrogância’ da União Europeia, e de quatro países europeus em particular (Alemanha, Suécia, Dinamarca e Holanda), que criticaram na cimeira UE-África a situação dos direitos humanos no seu país.”
Jeune Afrique, França

“A maioria dos líderes africanos rejeitaram no domingo os novos acordos comerciais exigidos pela União Europeia, dando um golpe nos esforços para forjar uma nova parceria económica na primeira cimeira UE-África em sete anos.”
Mail&Guardian, África do Sul

“Os líderes africanos que se reuniram em Lisboa, Portugal, para uma cimeira com os seus colegas da União Europeia, ontem, disseram que o seu objectivo não é a caridade, mas que os seus países sejam autorizados a tornar-se grandes jogadores na economia global.”
This Day, Nigéria

“A África continua à espera de ser considerado um continente soberano. Saberá a União Europeia transcender os seus preconceitos neocolonialistas para fundar com os seus vizinhos do Sul relações justas, equitativas e vantajosas para ambos.”
Liberté, Argélia

“Foi preciso esperar sete anos após a primeira cimeira do Cairo para ver os 70 chefes de Estado e de governo europeus e africanos que assistiram a esta segunda cimeira UE-África, em Lisboa, adoptar com satisfação a declaração de Lisboa que baliza com grande clareza e inteligência económica a nova relação de parceria estratégica entre estes dois continentes.”
La Tribune, Argélia

“O presidente da União Africana e chefe de Estado do Gana, John Kufuor, disse ontem que a Europa deve aproveitar a cúpula bilateral de Lisboa para ‘corrigir a injustiça histórica’ que significou a escravidão e o colonialismo.”
Jornal de Angola, Angola

“Um Robert Mugabe desafiador disse aos líderes da União Europeia, no domingo, que não recebe lições sobre como governar o Zimbabwe, respondendo à chanceler alemã e a outros líderes europeus que o acusaram de ignorar os Direitos Humanos. Mugabe ergueu o punho em desafio, sorrindo abertamente, quando a Reuters lhe perguntou qual a mensagem que queria enviar à Europa no segundo e último dia da cimeira UE-África.”
Reuters, África do Sul

“O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, recebeu tratamento completo de passadeira vermelha quando se encontrou com os líderes europeus, antes de ser acusado de ignorar os direitos humanos.”
Harare Post, Zimbabwe

“As discussões da segunda cimeira dos líderes europeus e africanos terminou em Lisboa, no domingo, com o foco no Presidente senegalês Abdullah Wade por ter dito: ‘Vou opor-me a estes acordos… nenhum país africano pode resistir ao levantamento das barreiras comerciais e aos subsequentes efeitos adversos nos ‘orçamentos’ dos países africanos.”
African Press Agency, Costa do Marfim

“O primeiro-ministro José Maria Neves, que representou Cabo Verde, considera que a cimeira ultrapassou as suas expectativas. ‘Deu para sentir que a cimeira decorreu num espírito aberto, as questões foram discutidas com frontalidade, mas deu para sentir também que há uma mudança profunda em África, que está a crescer um outro tipo de discussão e abordagem dos próprios dirigentes africanos em matéria de desenvolvimento do continente. Infelizmente, ainda há um certo preconceito quando o assunto é África.”
A Semana online, Cabo Verde

Artigo escrito com Cristina Peres e Luísa Meireles.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Tolerância zero à corrupção

A corrupção é um dos maiores desafios do continente africano. Uma ex-governante nigeriana dá dicas práticas sobre como ser eficaz nesse combate e identifica bons exemplos africanos a seguir

PIXABAY

“Quem, nesta sala, sabe o nome do Presidente da Suíça?” Uma cidadã suíça sabia, o que tirou impacto ao desafio lançado por Ngozi Okonjo-Iweala, a nigeriana que integrou um painel de discussão sobre “Assuntos de Governança e Corrupção em África”. A intenção desta executiva do Banco Mundial era demonstrar que apesar do nome do chefe de Estado suíço ser praticamente desconhecido, o país atrai muitos negócios porque tem instituições fortes e consolidadas. “Isto também previne a corrupção”, rematou a nigeriana, aludindo a um dos grandes problemas em África.

Ngozi Okonjo-Iweala sabe do que fala. Até há bem pouco tempo, foi ministra dos Negócios Estrangeiros e, antes disso, ministra das Finanças. Nessa altura, promoveu medidas anti-corrupção que agora cita como exemplo: mandou publicar nos jornais quanto é que cada governo regional recebia por mês do poder central – rendimentos esses provenientes da partilha dos rendimentos do petróleo. “Então, muitos cidadãos que frequentemente viam os seus salários não serem pagos por falta de verbas começaram a confrontar os governos regionais: ‘Como é que vocês não têm dinheiro para nos pagar se recebem tanto?'”.

A nigeriana acredita que “o ciclo da corrupção pode ser quebrado”. Para tal, “há que ter tolerância zero à corrupção”, disse. Questionada pelo Expresso se em África não existem bons exemplos nesta matéria, respondeu de pronto: “Claro que há. O Botswana, por exemplo. Gere muito bem o dinheiro proveniente da venda de diamantes”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Economias africanas em perigo

Os Acordos de Parceria Económica celebrados entre a UE e os países menos desenvolvidos são exagerados, denuncia uma ONG britânica. A prosperidade de muitos Estados pode estar em causa

WIKIMEDIA COMMONS

A pensar no mercado uniformizado segundo as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), que entrará em vigor já a partir de 1 de Janeiro de 2008, a Oxfam lançou um alerta à margem dos trabalhos da cimeira UE-África: “Os acordos interinos de comércio celebrados entre a União Europeia e alguns dos países mais pobres do mundo situados em África, Caraíbas e Pacífico (ACP) vão minar a integração regional e prejudicar a sua prosperidade”, disse em comunicado esta organização não-governamental britânica.

Até ao momento, 15 países ACP — entre os quais 13 africanos — já começaram a aplicar os Acordos de Parceria Económica (APE) celebrados com a União Europeia no sentido de verem compensadas, através de programas de ajudas, os sectores mais afectados pela entrada em vigor da tabela OMC.

Um dos países africanos em causa é a Costa do Marfim que, segundo critérios das Nações Unidas, tem a esperança de vida mais baixa do continente africano. Jomanhon Affia Nadege, uma dirigente juvenil marfinense de 26 anos que participou na Cimeira da Juventude que terminou na sexta-feira em Lisboa, deu conta ao Expresso das suas preocupações nesta capítulo: “O que eu quero da Europa é um quadro de trocas com África que tenha em conta as realidades de cada país africano. Cada país tem uma realidade própria, problemas próprios, há países em crise, há países que sofrem com o flagelo da sida, etc. É necessário adaptar as políticas a essas realidades”, diz a jovem marfinense.

Segundo a Oxfam, os APE são, de uma forma exagerada, “amplos” e “apertados”. Um exemplo: dentro de 15 anos, os países em desenvolvimento estão obrigados a remover as tarifas alfandegárias sobre 97% das importações provenientes da Europa. “Queremos a reciprocidade entre duas entidades idênticas”, continua Jomanhon. “Mas enquanto não formos iguais, esta situação é um pouco desumana”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui