Refém do bloqueio ao Qatar, decretado, há meio ano, por três dos seus membros, o Conselho de Cooperação do Golfo realizou a sua cimeira anual esta terça-feira. Sem brilho e com um anúncio preocupante: Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estabeleceram uma parceria em separado
Não há como esconder — ou remendar — a crise no Golfo Pérsico. Reunido esta terça-feira, no Kuwait, para a sua cimeira anual, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) exibiu brechas que fazem temer pelo seu futuro.
Previsto para durar dois dias, o encontro entre seis países ribeirinhos ao Golfo esgotou a agenda — não tornada pública — em apenas um, “com todos os delegados a deixarem o Kuwait após uma sessão à porta fechada”, reporta a Al-Jazeera.
Fundado em 1981, o CCG vive a sua pior crise de sempre. Há precisamente meio ano, a 5 de junho, três dos seus membros cortaram relações diplomáticas e decretaram um bloqueio por terra, mar e ar contra um quarto membro. De um lado, Arábia Saudita, Bahrain e Emirados Árabes Unidos (EAU), a que se junto o Egito (todos Estados árabes sunitas), do outro o Qatar, acusado de apoiar o terrorismo e de ter uma relação próxima com o arqui-inimigo Irão (país persa xiita).
Esta divergência agravou-se nesta cimeira, no Kuwait, país que tem tentado servir de mediador nesta crise. Segundo um comunicado emitido pelo ministério dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos, este país juntamente com a Arábia Saudita celebraram uma nova parceria militar e comercial, à margem da organização regional.
A nova aliança entre Riade e Abu Dabi visa “a cooperação e coordenação” entre os dois países “em todos os campos a nível militar, político, económico, comercial e cultural”. Teme-se, porém, que contribua para esvaziar a organização e intensificar, ainda mais, os antagonismos nesta região estratégica.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de dezembro de 2017. Pode ser consultado aqui
Separados pelo Golfo, árabes e iranianos não morrem de amores uns pelos outros. Em Abu Dhabi, a cimeira do Conselho de Cooperação do Golfo espelha essa inimizade. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos
No centro de imprensa, jornalistas de todo o mundo assistem, pela televisão, à chegada dos chefes de Estado participantes na cimeira MARGARIDA MOTA
Khalid não gosta de iranianos. Nunca visitou o Irão nem tem curiosidade. Basta-lhe o contacto com os iranianos que trabalham no seu país — os Emirados Árabes Unidos —, sobretudo em oficinas de reparação de automóveis, e o interesse esgota-se. “Bem, no fundo, eles devem ser como qualquer povo”, diz condescendente. “Há boas e más pessoas…”
Natural de Sharjah e a trabalhar como motorista em Abu Dhabi — dois dos sete territórios que constituem os Emirados Árabes Unidos —, Khalid prefere os passeios de carro com a mulher e os quatro filhos até qualquer um dos países vizinhos a atravessar o Golfo e dar uma saltada ao Irão. Para além da antipatia, trata-se também de uma questão prática…
Para um cidadão dos Emirados Árabes Unidos, um fim de semana passado no vizinho Qatar, por exemplo, é apenas uma questão de quilometragem. Os dois países — juntamente com a Arábia Saudita, o Kuwait, Omã e o Bahrain — formam o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) que, à semelhança da União Europeia, é uma organização que visa a integração regional e que, nesse sentido, privilegia a circulação de cidadãos dos seus Estados membros. Chegado à fronteira, Khalid apenas terá de mostrar o bilhete de identidade — não precisa de passaporte, muito menos de visto.
WikiLeaks ateia a chama
Esta terça-feira, termina em Abu Dhabi, a 31ª cimeira anual do Conselho de Cooperação do Golfo, ao nível dos chefes de Estado. A reunião foi dominada por preocupações de segurança regionais, que vão desde o terrorismo interno na Arábia Saudita até ao aumento do extremismo no Iémen.
A recente revelação, pela WikiLeaks, de que os sauditas, em privado, ter-se-iam mostrado favoráveis a um ataque militar contra o Irão veio aumentar a tensão entre as duas margens do Golfo Arábico, para os países da margem ocidental (árabes); chamado de Pérsico pelos iranianos.
Aproveitando a presença em solo emirati, o emir do Kuwait não perdeu a oportunidade para recordar disputas antigas e, na sessão de inauguração da cimeira, apelou ao “fim da ocupação iraniana” de três ilhas reclamadas pelos Emirados Árabes Unidos desde 1971.
As conclusões finais da cimeira serão conhecidas esta terça-feira. Com uma nova ronda de conversações em curso, em Genebra, entre o Irão e o grupo dos 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha) sobre o programa nuclear de Teerão, o Conselho de Cooperação do Golfo não deixará de tomar posição.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui
Na passagem de ano islâmica, seis países ribeirinhos ao Golfo Pérsico reuniram-se em Abu Dhabi. Querem fazer da região um exemplo de desenvolvimento. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos
Sala da cimeira, no Hotel Intercontinental, em Abu Dhabi MARGARIDA MOTA
“Sempre que se realiza uma cimeira destas, fala-se destes assuntos todos. No entanto, a situação não pára de piorar, sofremos com a crise, a pobreza está a aumentar…” Na conferência de imprensa que assinalou o fim da 31ª cimeira do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), um jornalista árabe expressou-se nestes termos para questionar a quantidade de assuntos que constavam da Declaração de Abu Dhabi.
Do Irão às redes de transportes, da segurança alimentar aos direitos aduaneiros, da água ao terrorismo, as conclusões finais da reunião do CGG foram férteis e diversificadas. (ver caixa no fim do texto) “Todos estes assuntos são discutidos a pensar nos cidadãos”, respondeu-lhe o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos (EAU), sheikh Abdullah bin Zayed Al-Nahyan. “Os países do CCG têm grandes conquistas nestes domínios. Se não tivesse confiado no Qatar, acham que a FIFA lhe teria atribuído o Mundial de 2020?”
Durante pouco mais de 24 horas, o sumptuoso Emirates Palace foi a residência de quatro monarcas da região do Golfo (Arábia Saudita, Bahrain, Qatar e EAU). Faltaram ao encontro o sultão Qaboos de Omã e o monarca saudita, Abdullah, a recuperar de uma intervenção cirúrgica em Nova Iorque, que se fizeram representar.
“Lei seca” chega por email
Coincidente coma a passagem da realeza árabe por Abu Dhabi, os restaurantes emiratis estavam proibidos de vender álcool aos clientes. Num restaurante brasileiro, um empregado explica que, em três, quatro vezes ao ano, os bares e restaurantes têm de observar a “noite seca”, não podendo nesses dias servir álcool.
Desta vez, ele não sabia qual era a razão para a proibição (desde as 18 horas de segunda-feira até às 18 horas de ontem). Seria por causa da cimeira? Seria uma forma de não ferir a suscetibilidade religiosa dos monarcas visitantes? Perante a curiosidade, o empregado predispõe-se a consultar o computador de serviço para ler o email que as autoridades municipais enviaram para o restaurante. “Já sei, é por causa do Ano Novo islâmico!”, explica depois.
Esta terça-feira, os Emirados — e todo o mundo muçulmano — celebraram o primeiro dia do ano 1432 do calendário da Hégira: a fuga do Profeta Maomé de Meca para Medina. Não fosse o tal email municipal e, porventura, o empregado nem teria dado pela entrada do novo ano. O evento é assinalado com um feriado, mas não é celebrado. Não há fogo de artifício, iluminações públicas a preceito, animações populares nem desejos para o novo ano. E mesmo nos bares e restaurantes, os hábitos rapidamente retomam a normalidade. Ontem à noite, se algum restaurante de Abu Dhabi se recusasse a servir cerveja, vinho ou whisky, só podia ser por rutura de stock.
“Líderes unidos na estabilidade”, titula o jornal emirati de língua inglesa “The National” MARGARIDA MOTA
TRÊS ASSUNTOS EM DESTAQUE
Água — Os países do Golfo são ricos em petróleo e gás, mas pobres em recursos hídricos. Ainda assim, os EAU possuem um dos mais altos consumos per capita de água, com uma média de 550 litros por dia. De Abu Dhabi, saiu um apelo à necessidade de consumos moderados e de colocar a tecnologia ao serviço de projetos de reciclagem e de dessalinização.
Irão — O CCG reconhece o direito do Irão desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos, desejo que eles próprios, por várias ocasiões, também já o expressaram. Exigem, porém, que o vizinho persa cumpra com as suas obrigações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atómica, bem como das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Mercado Comum — Enquanto organização de integração regional, o CCG estuda os passos a dar para a sua concretização. Em 2011, as empresas oriundas de qualquer um dos seis Estados membros deverá beneficiar de igualdade de tratamento comparativamente às empresas nacionais. Num encontro com Sultan bin Nasser al-Suwaidi, governador do Banco Central dos EAU, à margem da cimeira, este reafirmou duas ideias fortes do atual momento económico dos EAU e da região. Primeiro: “O dólar americano ainda é a melhor escolha para o nosso país”. (O dirham emirati está indexado ao dólar.) Segundo: “Uma moeda única deve ser o último passo. Há que esperar, pois tudo tem o seu tempo! É uma lição que estamos a aprender o que se passa na Europa”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.