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Com o Trump do norte ausente, o ‘Trump do sul’ desiludiu

O Presidente do Brasil debutou na cena internacional com um discurso curto e generalista no Fórum Económico Mundial, em Davos. A braços com problemas internos, Trump, May e Macron faltaram à ‘cimeira dos poderosos’. Mas sobretudo o norte-americano não foi esquecido…

É um clássico a cada ano que passa. Na segunda metade de janeiro, políticos, empresários, financeiros, cientistas e celebridades sobem aos Alpes suíços, carregados de neve, para participarem no Fórum Económico Mundial. No conforto da estância de esqui de Davos, “os multimilionários dizem aos milionários como a classe média se sente”, assim qualificou o evento, em 2016, um antigo participante, Jamie Dimon, presidente executivo do banco norte-americano JP Morgan Chase.

O Fórum de Davos, que este ano decorre entre 22 e 25 deste mês, serve também para dar palco a novos rostos da política internacional. O discurso do recém-empossado Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, era por essa razão aguardado com expectativa. Mas quem o ouviu ficou desiludido. “Flop de Bolsonaro em Davos, incapaz de responder em concreto às perguntas de Klaus Schwab. 15 minutos de generalidades”, tweetou Sylvie Kauffmann, diretora editorial do jornal francês “Le Monde”. Klaus Schwab é o economista alemão que fundou e preside ao evento.

Na mesma linha crítica, Heather Long, do jornal norte-americano “The Washington Post” ,escreveu na mesma rede social: “E… que fiasco. O Presidente brasileiro Bolsonaro falou menos de 15 minutos. Grande falhanço. Ele tinha o mundo todo a vê-lo e a sua melhor frase foi dizer às pessoas que vão de férias ao Brasil. Bolsonaro é apelidado de ‘Trump sul-americano’ mas pareceu morno”.

No Brasil, porém, as palavras de Bolsonaro que mais impacto tiveram foram ditas fora de palco. Esta quarta-feira, em entrevista à agência Bloomberg, o militar na reserva disse que atitude terá se ficar provado que o seu filho, o senador eleito Flávio Bolsonaro, errou: “eu lamento como pai, mas ele terá de pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. Flávio é implicado num caso de avultadas transações financeiras que envolvem um assessor. Segundo a Bloomberg, essa investigação corre o risco de “minar a agenda anticorrupção do Presidente”.

Os holofotes visaram Bolsonaro com maior intensidade dada a ausência de alguns líderes de peso com presença anunciada. O Presidente francês, Emmanuel Macron, cancelou a sua participação alegando agenda cheia, sobrecarregada com negociações decorrentes dos protestos dos “coletes amarelos”. Às voltas com o Brexit, também Theresa May, a primeira-ministra britânica, faltou ao compromisso. Em Davos, um antecessor, Tony Blair, defendeu a reversibilidade do processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

A grande ausência foi Donald Trump, também ele com graves problemas domésticos. “Devido à intransigência dos democratas sobre a segurança na fronteira e a grande importância da segurança para a nossa nação, cancelo, com todo o respeito, a minha importante viagem a Davos”, anunciou o Presidente dos Estados Unidos, no Twitter, a 10 de janeiro. Fez esta terça-feira um mês que o Governo norte-americano está parcialmente encerrado (“shutdown”), com mais de 800 mil funcionários públicos parados em casa, sem trabalhar nem receber, por força de um braço de ferro entre o Presidente e a maioria, democrata, no Congresso sobre ao financiamento do muro na fronteira com o México.

Retido em Washington DC, Trump não foi esquecido em Davos, ainda que não de uma forma declarada. No seu discurso, esta quarta-feira, a chanceler alemã, Angela Merkel, elogiou o multilateralismo e o fortalecimento da ordem internacional. Já o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, realçou os benefícios do comércio livre — e da Parceria Transpacífico, um dos acordos internacionais que Trump denunciou — e defendeu o fim das emissões de CO2 até 2050. Todo um mundo que o inquilino da Casa Branca faz por destruir.

Com o Presidente dos EUA ausente, um dos seus mais recentes ‘ódios de estimação’ foi tema de conversa nos corredores de Davos. Numa entrevista recente ao programa da CBS “60 Minutes”, uma das estrelas da nova bancada democrata no Congresso, Alexandria Ocasio-Cortez, de 29 anos, defendeu um imposto de 70% sobre ganhos superiores a 10 milhões de dólares (quase nove milhões de euros). “Um sistema que permite a existência de multimilionários quando há zonas do Alabama onde as pessoas continuam a ter micoses porque não têm acesso a [cuidados de] saúde pública é mau”, afirmou a congressista, esta segunda-feira, durante um evento alusivo ao Dia de Martin Luther King.

“É assustador”, reagiu, em Davos, Scott Minerd, da Guggenheim Partners, empresa de serviços financeiros e consultoria global. “Quando chegarmos às eleições presidenciais, [esta proposta] vai ganhar mais força. Eu acho que a probabilidade de uma taxa de imposto de 70%, ou algo assim, concretizar-se numa medida política é muito real.”

(FOTO O Fórum Económico Mundial reúne-se, anualmente, num resort nos Alpes, na região suíça de Davos FLICKR WORLD ECONOMIC FORUM)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 23 de janeiro de 2019. Pode ser consultado aqui