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Uma promessa impossível

É um dos documentos polémicos da História e faz 100 anos esta quinta-feira. Pela Declaração Balfour, os britânicos prometeram um “lar nacional” aos judeus num território que não era deles e onde os judeus eram minoritários. Hoje, os israelitas festejam; os palestinianos exigem a reparação dessa “injustiça histórica”

Arthur James Balfour, secretário britânico dos Negócios Estrangeiros entre 1916 e 1919 e autor da Declaração Balfour, de 2 de novembro de 2017 WIKIMEDIA COMMONS

Para os judeus, foi o tiro de partida para a concretização de um sonho bíblico: a criação do Estado de Israel. Para os árabes, o prenúncio de uma “catástrofe” que expulsou centenas de milhares de pessoas da terra onde sempre viveram. Assinada em 2 de novembro de 1917, a Declaração Balfour — através da qual a Grã-Bretanha prometeu aos judeus um “lar nacional” no território da Palestina — é uma das traves-mestras do Médio Oriente como hoje o conhecemos e onde Israel é, para os árabes, um vizinho permanentemente incómodo.

Corria o ano de 1917 e o mundo estava tomado pela Grande Guerra. De um lado os Aliados, entre os quais a Grã-Bretanha, do outro um conjunto de potências do Centro da Europa, uma delas o Império Otomano. Numa carta enviada a Walter Rothschild, líder da comunidade judaica do Reino Unido, o secretário britânico dos Negócios Estrangeiros, Arthur James Balfour, expressa o apoio do Governo de Sua Majestade ao “estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”, lê-se. O Governo “irá envidar os seus melhores esforços para facilitar a realização desse objetivo, entendendo claramente que nada deve ser feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas existentes na Palestina”.

Ficava implícito que a concretização do Estado judeu dependia da derrota do Império Otomano no conflito e da capacidade britânica de se apropriar de alguns dos seus de territórios. “Nunca houve nada parecido”, escreveu Gideon Levy, no domingo, no diário israelita “Haaretz”: “Um império prometeu uma terra que ainda não tinha conquistado a um povo que não vivia lá, sem nada perguntar aos seus habitantes. Não há outra forma de descrever a inacreditável temeridade colonialista que clama de cada letra da Declaração Balfour”.

Este documento não passaria de uma pura opção de política externa não fosse, dois anos antes, os britânicos terem feito aos árabes uma promessa que, se concretizada, inviabilizaria esta feita aos judeus. Em outubro de 1915, Sir Henry McMahon, Alto Comissário britânico no Egito, ofereceu um Estado árabe independente ao Sherif Hussein de Meca se ele os ajudasse na luta contra os otomanos.

Se os britânicos queriam ganhar a guerra, Hussein desejava libertar-se das amarras do califa. Estavam, pois, criadas as condições para uma revolta interna árabe contra o suserano otomano, onde sobressairia um britânico: T. E. Lawrence, mais conhecido por “Lawrence da Arábia”.

Corrida aos despojos otomanos

À época, os judeus eram menos de 10% da população da Palestina. Ao incorporar a Declaração Balfour nos termos do mandato sobre a Palestina que lhe coube em sorte — desmembrado e repartido o Império Otomano entre as potências vencedoras da guerra —, Londres cumpre a promessa feita aos judeus e ignora o Estado árabe garantido ao Sherif Hussein.

Com proteção britânica, milhares de judeus — muitos deles em fuga a perseguições, nomeadamente na União Soviética — começam a rumar a essa “terra prometida”. Entre 1922 e 1935, a população judia na Palestina cresce de 9% para 27%.

Em 1948, com o Holocausto já a pesar na consciência do mundo, o Estado de Israel é criado na Assembleia Geral das Nações Unidas. Finda, então, a administração britânica da Palestina e começa o pesadelo palestiniano: cerca de 750 mil árabes são expulsos do território, dando origem ao problema dos refugiados palestinianos (que hoje afeta milhões de pessoas) e a um trauma coletivo que leva os palestinianos a referirem-se ao nascimento do Estado judeu como uma “catástrofe” (nakba).

Um desastre sem fim

Em setembro passado, na Assembleia Geral da ONU, o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, instou os britânicos a “corrigirem uma injustiça histórica”, pedindo desculpa ao povo palestiniano ou reconhecendo o Estado da Palestina. Mas os passos de Londres vão no sentido oposto. Esta semana, o convidado de honra da chefe de Governo britânica, Theresa May, nas comemorações do centenário da Declaração Balfour em Londres será… o seu homólogo de Israel, Benjamin Netanyahu.

“Os primeiros-ministros de Israel e do Reino Unido celebrarão uma grande conquista sionista”, defende Gideon Levy. “Agora é hora também de um exame de consciência. A celebração acabou. Cem anos de colonialismo, primeiro britânico e depois, inspirado por ele, israelita, aconteceram à custa de outro povo e isso é o seu desastre sem fim.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de novembro de 2017. Pode ser consultado aqui