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China autoriza três filhos por casal. E assim reconhece que algo vai mal no país mais populoso do mundo

Seis anos apenas após acabar com a política do filho único, autorizando os casais a terem um segundo filho, o Governo de Pequim permite agora o nascimento de um terceiro. A população chinesa está a envelhecer e a classe trabalhadora a diminuir. A medida, que revela “urgência”, indicia também a “tarefa hercúlea” que a China tem pela frente, diz ao Expresso a especialista em Assuntos Asiáticos Raquel Vaz-Pinto

Uma pintura de propaganda promove a ideia da família com um só filho WIKIMEDIA COMMONS

O país mais populoso do mundo está a envelhecer rapidamente e as autoridades que o governam já não escondem a preocupação com essa tendência demográfica. Esta segunda-feira, Pequim anunciou uma importante alteração na sua política de controlo da natalidade e decretou que os casais chineses podem ter um terceiro filho.

Trata-se da última manifestação da ‘engenharia social’ com que o regime chinês, desde há décadas, procura controlar o planeamento familiar dos seus cidadãos, que até há meia dúzia de anos estava limitado a um filho só.

“A assertividade com que a política do filho único foi concretizada levou não só a uma quebra em termos geracionais, como fez com que, tendo em conta os custos com a educação, seja muito difícil para os chineses terem um segundo filho, quanto mais um terceiro”, explica ao Expresso Raquel Vaz-Pinto, professora de Estudos Asiáticos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. “É, no fundo, uma contabilidade que muitas famílias fazem nas próprias sociedades desenvolvidas.”

Suportar as despesas com a educação de uma criança, incluindo atividades extracurriculares, e também a preocupação em tornar possível o acesso a uma boa universidade (na expectativa posterior de um bom emprego), é algo que os chineses não encaram de ânimo leve, em especial os que vivem nas cidades, onde o custo de vida é sobrecarregado pelo preço da habitação, da alimentação e dos transportes.

O relaxamento da política de controlo demográfico, que foi agora anunciado, após uma reunião do Politburo — o órgão de cúpula do Partido Comunista Chinês, presidido pelo Presidente Xi Jinping —, surge na sequência do apuramento das conclusões do último censo nacional, conhecidas há três semanas. A China atualiza o seu recenseamento todas as décadas.

Entre 2010 e 2020, o número de chineses aumentou para mais de 1410 milhões, mas o ritmo de crescimento ao ano é inferior a 1%. Nesse período, a população da China aumentou em média 0,53% ao ano, enquanto na década anterior (2000-2010), esse crescimento tinha sido de 0,57%.

Durante cerca de 35 anos, a China procurou conter o rápido crescimento da sua população impondo uma política de filho único. Mas nos últimos anos, a estratégia oficial de controlo da natalidade já reverteu por duas ocasiões.

DATAS-CHAVE

1979

Entra em vigor a política de filho único

2016

Os casais chineses passam a poder ter um segundo filho. Quem arrisca ter o terceiro pode ser multado

2021

Pequim autoriza a procriação do terceiro filho

O fim da política do filho único revelou-se, porém, insuficiente para garantir um crescimento demográfico sustentado. Pelo contrário, a aceitação de um terceiro filho escassos seis anos após admitir um segundo é “uma consciência clara de uma situação de urgência”, afirma Vaz-Pinto.

“O espaço de tempo entre 2016 e 2021 é muito curto. Quer se queira quer não, acaba por ser a confirmação de que há um problema. Há um conjunto de reformas que são necessárias internamente, ainda que nunca se venha a reconhecer que o Partido se calhar foi longe demais neste tipo de política”, diz a investigadora.

“Esta medida que foi anunciada, no fundo, vem tarde”, continua. “E tem de ser englobada num pacote que torne atrativa a concretização prática desta política. Será que vão mexer na idade das reformas?”

Estudiosos da evolução demográfica chinesa preveem que o número total de habitantes possa começar a diminuir já em 2022. Espera-se também que, em 2026, a Índia ultrapasse a China como país mais populoso do mundo.

Em Pequim, na primeira linha das preocupações relativas estão o rápido envelhecimento da população — que coloca a China ao nível de sociedades com grandes percentagens de idosos, como a japonesa ou a italiana — e a diminuição da classe trabalhadora.

Segundo o último censo, na última década, a população ativa (dos 16 aos 59 anos) diminuiu em cerca de 45 milhões de pessoas, enquanto o número de chineses com mais de 60 anos subiu para 264 milhões, correspondendo a 17% do total da população. Presentemente, a taxa de fertilidade das chinesas é de 1,3 filhos por mulher.

“Esta medida denota sobretudo uma preocupação com a própria situação económica da China”, comenta a professora. Mas “para que esta nova decisão seja acolhida e confirmada pelos cidadãos chineses — já que a medida de 2016 não teve grande efeito — deve ser acompanhada por um pacote de reformas que vão da educação, aos preços da habitação e ao apoio aos mais velhos”.

“O índice de fertilidade que a China tem hoje está em linha com as preocupações do conjunto das economias desenvolvidas”. Porém, “não existe ainda na China uma rede de proteção, de segurança social que encontramos nas sociedades desenvolvidas”, prossegue Raquel Vaz-Pinto.

“A China tem uma tarefa hercúlea pela frente. Isso implica fazer reformas, que serão muito duras porque a geração que está agora a reformar-se e que trabalhou a vida toda tem expectativas. Há um conjunto de factores que tornam estas decisões ainda mais difíceis mesmo tratando-se de uma ditadura tão forte quanto a do Partido Comunista Chinês.”

Segundo a agência Reuters, numa sondagem promovida pela agência noticiosa chinesa Xinhua na rede social Weibo, em que era perguntado se os chineses estavam dispostos a ter três filhos, cerca de 29 mil dos 31 mil participantes responderam que “jamais pensariam nessa possibilidade”. Esse inquérito acabou por ser retirado da Internet.

Conclui Vaz-Pinto: “Seria interessante que a China pudesse, com humildade — já que a sua política externa tem sido de enorme assertividade, nos últimos anos —, aprender um pouco mais com as sociedades que já lidam e têm de gerir estes dilemas em matéria de equilíbrios entre sociedade, economia e até mesmo investimentos”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui

Uma bomba prestes a detonar

A tendência demográfica e o impasse no conflito com os palestinianos confrontam Israel com um desafio à sua identidade enquanto Estado. A prazo, sem uma Palestina independente, terá de optar se quer conservar a sua maioria judaica ou ser uma democracia

“O ventre da mulher árabe é a minha arma mais forte.” A máxima do líder histórico palestiniano, Yasser Arafat, soa como uma maldição em Israel, onde uma “bomba” bate silenciosamente, em contagem decrescente para a explosão — a demografia. Atualmente, entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão — abarcando Israel e os territórios palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza —, existe praticamente uma paridade entre judeus e árabes.

“Ainda não há uma paridade real, mas está-se a aproximar disso. Há uma pequena maioria de judeus, digamos de 51% contra 49% de árabes”, diz ao Expresso o italiano Sergio DellaPergola, um dos maiores especialistas mundiais em demografia israelita e judaica.

O número de judeus na Terra Santa ronda os 6.900.000 — 400.000 deles vivem em colonatos na Cisjordânia; os árabes são cerca de 6.500.000 — incluindo 1.500.000 com cidadania israelita. Porém, “a população árabe está a crescer mais rapidamente do que a judaica”, alerta este professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Por isso, algures no futuro, num horizonte de 15 a 20 anos, é possível que se chegue a uma paridade real. A tendência é muito clara.”

Esta constatação coloca a demografia no coração do processo de paz israelo-palestiniano. “A questão é fundamentalmente política”, diz Sergio DellaPergola. “Se considerarmos apenas Israel e a Cisjordânia [sem a Faixa de Gaza], que é a situação ‘de facto’ atualmente, a maioria de judeus é de pouco mais de 60%. Se retirarmos da equação a população palestiniana da Cisjordânia, então a maioria de judeus chega quase aos 80%.”

Isto significa que a solução política que daria a Israel uma ampla maioria de judeus no seu Estado é aquela que o Governo de Benjamin Netanyahu (direita nacionalista) mais se tem empenhado em destruir: a de dois Estados para dois povos. Com a contínua expansão dos colonatos judeus na Cisjordânia, a aplicação de um bloqueio por terra, mar e ar à Faixa de Gaza, com as negociações entre as partes estagnadas e o tradicional mediador, Estados Unidos, a tomar parte por Israel — reconhecendo Jerusalém como sua capital —, uma Palestina independente é cada vez mais inviável.

Por essa razão, entre os palestinianos, há cada vez mais vozes a defenderem um Estado único, binacional. Esse cenário coloca Israel num dilema: ser um Estado judeu ou ser uma democracia? “Para ser um Estado judeu, Israel tem de ter uma forte maioria de judeus e, para tal, tem de abdicar de territórios e da população não judaica que aí vive”, explica o especialista. “Se Israel quiser manter os territórios, mas não quiser dar às populações não judaicas direitos cívicos e participação em eleições livres então será um Estado judeu mas não será democrático.”

“Se não acordarmos das ilusões da anexação [da Cisjordânia], perderemos a maioria judaica. É simples”, afirmou, recentemente, a ex-ministra israelita dos Negócios Estrangeiros e atual deputada Tzipi Livni, apologista da fórmula de dois Estados.

Os milagres da imigração

Se hoje Israel tem 8.500.000 habitantes, à época da criação do Estado não ia além dos 850.000. “Em 70 anos, a população cresceu dez vezes”, constata Sergio DellaPergola. “Mais de 3.500.000 deve-se à entrada de imigrantes, um contributo muito significativo para o aumento da população.”

Em 1950, apenas dois anos após a criação do Estado, Israel aprovou a Lei do Retorno que confere a “todos os judeus” o direito de irem para Israel com garantia imediata de cidadania. Fazer a “aliyah” — a viagem para Israel com o intuito de lá ficar — tornou-se, na mente de judeus de todo o mundo, um imperativo moral para alimentar o sonho sionista.

O impacto da imigração no Estado de Israel tem sido crucial para as estatísticas mas também para a qualidade da mão de obra que tem construído o país ao longo de décadas. “A imigração para Israel não foi seletiva, não mobilizou apenas as camadas mais baixas, mas todos os sectores sociais. Foi uma imigração muito motivada por situações negativas que afetaram todos os judeus independentemente do sítio onde viviam e sem distinção entre ricos e pobres, inteligentes e estúpidos”, defende Sergio DellaPergola. “Entre aqueles que foram para Israel, muitos eram peritos em tecnologia, sobretudo vindos da União soviética, e especialistas em muitas outras áreas, o que enriqueceu muito o capital humano de Israel. O país fez um progresso sócio-económico tremendo devido à imigração e à assimilação dos imigrantes.”

Rodeado de países árabes, o desafio de Israel começa dentro de portas, onde um quinto da população é árabe. “A taxa de fertilidade [número de filhos] de judeus e árabes não é muito diferente: os judeus têm em média 3,1 filhos e os árabes à volta de 3,2. Há uma motivação muito grande para se ter filhos, e não apenas junto dos sectores religiosos.”

Mas a maioria de judeus tende a sofrer uma erosão a cada ano que passa. “A população árabe é bastante mais jovem do que a judaica, logo há mais árabes que podem ter filhos. O crescimento anual dos judeus anda à volta de 1,5% a 1,8% e os árabes crescem a um ritmo de 2,5% a 2,8%. A diferença é de um ponto percentual, mas imaginemos que vamos a um banco e depositamos 100 euros a uma taxa de 1,5% ao ano e outros 100 a 2,5%? Ao fim de 10 anos, a diferença é considerável.”

O Expresso pergunta a Sergio DellaPergola se acha que o Governo de Benjamin Netanyahu é sensível às questões demográficas. O professor solta uma gargalhada antes de responder: “Não tenho a certeza. A atitude deles é dizerem que sabem que há um problema e que é importante, mas que há outros mais importantes, como o Irão, a Síria, o Líbano, Gaza. Por isso, dirão: ‘O melhor, por enquanto, é não se falar muito de demografia. Pensemos nisso noutro dia’.”

(Imagem: Um árabe e um judeu disputam o território entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão GEORGRAPHY.MRDONN.ORG)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 14 de maio de 2018. Pode ser consultado aqui

População cresce muito e rapidamente

A humanidade demora cada vez menos tempo a somar 1000 milhões de pessoas às que já vivem no planeta. Estima-se que a população mundial tenha chegado aos 1000 milhões em 1804 e que tenha demorado 123 anos a atingir a fasquia dos 2000 milhões. Porém, foram necessários apenas 12 anos para passar de 6000 milhões para os atuais 7000 milhões.

Recentemente, as Nações Unidas reviram as suas previsões e concluíram que a Índia vai ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo mais cedo do que se julgava. Por volta do ano 2022, ambos terão cerca de 1400 milhões de habitantes. Depois, a Índia continuará a crescer e a China estabilizará.

Os dois países estão, porém, confrontados com desafios tão gigantescos quanto a sua população: na China, a política do filho único tem contribuído para o envelhecimento da população; na Índia, o exponencial crescimento da população não tem sido acompanhado por progresso social. No último Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a Índia surge apenas no 135º lugar entre 187 países; a China está em 91º.

As previsões da ONU indicam também que, cerca de 2050, a Nigéria ultrapassará os EUA no terceiro lugar e que um terço da população da Europa terá mais de 60 anos.

Pela mesma altura, os habitantes da Terra (hoje 7300 milhões) serão 9700 milhões; e 11.200 milhões em 2100, altura em que dez países africanos, como Angola, terão cinco vezes mais pessoas do que hoje.

As regiões subdesenvolvidas serão o grande motor deste crescimento. “A concentração do crescimento [populacional] nos países mais pobres tornará mais difícil a erradicação da pobreza, o combate à fome e a expansão dos sistemas de saúde e educativos”, alerta John Wilmoth, chefe da Divisão de População da ONU.

“A Índia é um país cheio de oportunidades com 65% da população abaixo dos 35 anos”, NARENDRA MODI, primeiro-ministro indiano

“A maior mudança do nosso tempo? África vai crescer dos 1000 milhões para 4000 milhões de pessoas!”, HANS ROSLING, professor de Saúde Global, Instituto Karolinska, Suécia

1979

Entrou em vigor na China a política do filho único, para reduzir o crescimento populacional. Em 2013, a lei foi flexibilizada, possibilitando um segundo filho aos casais em que um dos cônjuges é filho único. Ficaram isentados também as minorias étnicas reconhecidas oficialmente e os casais das áreas rurais com um primeiro filho menina ou deficiente.

DUAS PERGUNTAS A JOSEPH BISH,
RESPONSÁVEL DO POPULATION MEDIA CENTER

1. É urgente estabilizar o número de pessoas na Terra?

A estabilização da população não é uma ‘varinha mágica’ que garanta, por si só, a sustentabilidade global, mas tem impacto. Aceitar a necessidade de estabilização da população e o subsequente declínio é um ponto de viragem mental importante que nos leva a adotar uma conceção mais humilde do lugar da humanidade no todo planetário. O nosso pensamento deixa de se centrar apenas nas necessidades e desejos do ser humano e fica consciente de toda a ecoesfera e do direito à existência das outras espécies.

2. O planeta chega para todos?

A Terra está a passar por um aumento incrível da população. Em 1967, a taxa de crescimento era de 2,11% numa população de 3400 milhões, o que originou um crescimento anual de 73 milhões de pessoas. Agora o crescimento global caiu em 50% mas aplica-se a uma população de 7300 milhões. Isto resulta em mais 80 milhões de pessoas por ano, 1,5 milhões por semana, 220 mil por dia, 9000 por hora, 150 por minuto e quase três por segundo. Esperamos que a Terra forneça automaticamente os recursos para todos. É um pedido exagerado para um planeta finito.

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de agosto de 2015