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Olhos no céu, tropas em terra

A NATO rendeu-se aos drones não armados e investiu numa frota que dá meia volta ao mundo sem abastecer

O ano de 2013 abriu a caixa de Pandora do potencial civil dos drones. Nas Filipinas, devastadas pelo tufão Haiyan, ONG recorreram a veículos
aéreos não tripulados para mapear a destruição e direcionar ajuda. No Quénia, drones baratos revelaram-se armas eficazes na proteção de elefantes, localizando caçadores furtivos e afastando manadas de zonas de risco. Nos EUA, a Amazon anunciou que irá fazer entregas recorrendo a estes aparelhos.

Estes exemplos revelam como, aos poucos, os drones se afirmam na área comercial e deixam de ser vistos exclusivamente como máquinas assassinas — perceção que decorre dos milhares de mortos, sobretudo
no Afeganistão, Paquistão e Iémen, por drones da CIA.

Talvez por isso, entre os militares, a palavra drone seja incómoda — preferem falar de veículos aéreos não tripulados (UAV). Porém, não escondem o entusiasmo perante o potencial civil destes aparelhos.

Um grande investimento em curso é o projeto de Vigilância Terrestre da NATO (AGS), que consiste na aquisição de cinco Global Hawk 40, não armados. Os portões da Base da Força Aérea dos EUA de Grand Forks, no Dakota do Norte, abriram-se ao Expresso e a cinco outros órgãos de informação europeus para um raro contacto com um destes drones. O ‘pássaro’, mais parecido a uma baleia branca, tem 40 metros de envergadura, 14,5 de comprimento e 4,7 de altura.

Equipado com sofisticadas câmaras, radares e sensores, sobe a 60 mil pés (18 km) — bem acima dos aviões comerciais — e voa ininterruptamente durante mais de 30 horas. Com um único tanque de combustível, dá quase meia volta ao mundo. Indiferente às nuvens e à poeira, o Global Hawk 40’ observa tudo o que mexe à superfície — até uma pessoa a andar.

Ao serviço da justiça

Na era dos drones, os pilotos continuarão a ser necessários, mas já não se sentarão no cockpit. Os veículos serão dirigidos à distância — por vezes a milhares de quilómetros da área que sobrevoam — por operacionais sentados à secretária. De olhar no ecrã e mão no rato do computador, não ouvem sons nem sentem acelerações ou travagens. O drone voa programado por GPS e o piloto vai fazendo zooms sobre pontos de interesse que surjam no ecrã.

O ‘risco zero’ que estes drones implicam para quem os opera é uma mais-valia deste tipo de tecnologia. Outra é a possibilidade de os pilotos se revezarem sem que o aparelho tenha de interromper a missão.

Nos EUA — onde, por exemplo, na Universidade do Dakota do Norte já se ensina a pilotar drones —, há muito que as forças de segurança se renderam ao uso civil destes aparelhos. Marinha e Força Aérea usam o ‘Global Hawk? desde 1998. Também o Departamento de Segurança Interna possui dez ‘Predator B’, usados para patrulhar a fronteira e em missões policiais. Em janeiro, pela primeira vez, um americano foi condenado com base em imagens recolhidas por um ‘Predator’.

Quando receber a frota de ‘Global Hawk 40’ — prevê-se que em 2017 —, a NATO irá usá-los na escolta de frotas humanitárias, na identificação de povoações devastadas por catástrofes naturais, no apoio a populações em fuga de guerras ou na vigilância em alto-mar.

A recolha de informação em tempo real será também importante para apoiar forças militares em situações de conflito — “olhos no céu para tropas em terra”, como a NATO descreve o projeto. Em 2011, durante a intervenção militar da NATO na Líbia, liderada por franceses e britânicos, a Aliança dependeu fortemente de meios americanos sobretudo ao nível da vigilância terrestre.

Em San Diego, na Califórnia, onde se situa um dos Centros de Excelência de Sistemas Não tripulados da Northrop Grumman — o gigante da indústria da Defesa que está a produzir os ‘Global Hawk’ para a NATO —, as paredes de uma sala de reuniões estão repletas de capas de revistas onde os drones e seus antepassados são a estrela. Algumas têm dezenas de anos. Para a Northrop Grumman — cujas vendas em 2012 rondaram os $25 mil milhões (€19 mil milhões) —, o ‘Global Hawk’ é apenas a última novidade. Desde os anos 40 que a empresa, então chamada Northrop Corporation, se dedica a colocar espiões no ar, cada um mais sofisticado do que o anterior. E mais intrusivo também.

DRONES EM MISSÃO NOS EUA

11 DE SETEMBRO, 2001
Um ‘exército’ de robôs terrestres PackBot saiu às ruas para ajudar nas ações de resgate. “São socorristas que não são afetados pela carnificina, poeira e fumaça”, escreveu então o jornal “The New York Times”, “imunes à fadiga e ao desgosto”.

INCÊNDIOS NA CALIFÓRNIA, 2007
O Global Hawk juntou-se aos ‘soldados da paz’, voando dia e noite para identificar casas em perigo, focos de reacendimento e alterações bruscas na direção das chamas.

TERRAMOTO NO HAITI, 2010
No âmbito da operação “Resposta Unificada”, dos Estados Unidos, drones filmaram estradas e pontes para determinar vias transitáveis para a assistência humanitária.

DESASTRE DE FUKUSHIMA, 2011
Um Global Hawk estacionado na base de Guam sobrevoou a central nuclear japonesa para recolher dados e fornece-los ao Governo de Tóquio. Em 2013, Estados Unidos e Japão acordaram que “dois ou três” Global Hawk norte-americanos EUA ficariam em solo japonês.

FURAÇÃO LESLIE, 2012
A NASA aproveitou este furacão no Atlântico para estudar formas de “rastrear furacões e tempestades tropicais”. Um Global Hawk doado pela Força Aérea americana seguiu o Leslie durante dez horas para analisar a sua formação e alterações de intensidade.

AO SERVIÇO DA NATO

5
Global Hawk 40 serão comprados pela NATO para missões de vigilância terrestre. O projeto ficará sedeado na base de Sigonella (Itália), onde as informações recolhidas pelos drones serão analisadas e partilhadas

15
membros financiam o projeto — não é o caso de Portugal. A informação recolhida nas operações da NATO será disseminada pelos 28 membros e pelos 22 países da Parceria para a Paz. Durante a realização de exercícios, os dados serão partilhados apenas por quem pagou

1,7
mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) é o valor do contrato assinado entre a NATO e a empresa Northrop Grumman, na Cimeira de Chicago de maio de 2012. Os Estados Unidos pagam 42% do projeto

FORÇA AÉREA INVESTE NO UAV PORTUGUÊS

As Forças Armadas portuguesas ainda não usam aeronaves não tripuladas nas suas missões, mas a Força Aérea já desenvolveu e colocou no ar vários protótipos

As Forças Armadas portuguesas estão em contagem decrescente para começar a utilizar drones nas suas operações. Atualmente, o desenvolvimento de tecnologia para veículos aéreos autónomos não tripulados (UAV) é a grande prioridade do Centro de Investigação da Academia da Força Aérea (CIAFA). “A utilização destas aeronaves está a aumentar exponencialmente”, refere a major Maria Madruga Matos, subdiretora do CIAFA, durante uma visita guiada ao laboratório do Centro, na Base Aérea nº 1, em Sintra. “Aqui juntamos a necessidade de ter plataformas para testar tecnologia e necessidades operacionais da Força Aérea, que já começou a pensar como é que veículos não tripulados podem ser integrados em ações de vigilância marítima.”

Em situações de busca e salvamento, por exemplo, os drones têm várias vantagens comparativamente aos meios tripulados. “Já temos capacidade para fazer voos noturnos”, diz o tenente-toronel José Morgado, diretor do CIAFA. “E em caso de ventos ou mau tempo, os riscos podem ser mais assumidos do que quando se usam plataformas tripuladas, uma vez que não há ninguém a bordo.” Em termos de combustível, uma hora de voo numa plataforma destas fica-se pelos 50 cêntimos.

No CIAFA, os protótipos são construídos de raiz. Isso permite, nas palavras do tenente-coronel Morgado, “fazer o caminho das pedras: produzir um protótipo, instalar pilotos automáticos, fazer integração de sistemas, desenvolver algoritmos, etc. Não teríamos todo este conhecimento se nos limitássemos a comprar coisas feitas.”

A partir da base da OTA, o Centro já testou mais de 15 plataformas de três modelos diferentes, ultrapassando os 900 voos autónomos e as 500 horas de voo. Estes resultados são possíveis graças ao PITVANT — Projeto de Investigação e Tecnologia em Veículos Aéreos Não Tripulados (2008-2015), financiado pelo Ministério da Defesa (€2 milhões) e desenvolvido em parceria com a Faculdade de Engenharia do Porto.

Em julho, o PITVANT deu um ar da sua no exercício REP13, organizado pela Marinha. Ao largo de Portimão, 100 kg de pipocas despejados no mar simularam uma mancha de óleo. Aos drones coube identificar o navio poluidor, acompanhar a evolução da mancha e enviar informações, em tempo real, para o comando da operação, que nunca saiu de Lisboa.

TRÊS PERGUNTAS A

José Morgado
Tenente-coronel, diretor do Centro de Investigação da Academia da Força Aérea

O que já foi conseguido no âmbito do Projeto PITVANT? 
Entre 2009 e 2012, estivemos fechados na OTA a desenvolver tecnologia, capacidade de integração de sistemas e procedimentos de operação. Em 2012, começámos a operar os sistemas em ambiente marítimo. Este ano, queremos fazer voos de longa duração sobre o mar e estudar a forma como estas plataformas podem interagir com meios tripulados da Força Aérea.

Qual é a autonomia dos voos?
Em Porto Santo fizemos voos de hora e meia e em Santa Cruz e Portimão fizemos de três a três horas e meia. Atualmente, temos autonomias que vão até às seis horas e estamos a preparar plataformas que irão até às 15 horas para um objetivo específico que queremos concretizar em 2014: voar entre Porto Santo e as Selvagens (600 km, ida e volta).

O eventual alargamento da Zona Económica Exclusiva portuguesa aumenta a utilidade desta tecnologia?
Nesse cenário, este tipo de tecnologia faz todo o sentido. No processo de candidatura, Portugal tem de mostrar capacidade para vigiar e monitorizar toda essa área. Os veículos aéreos autónomos não visam substituir as plataformas tripuladas, mas sim complementá-las.

Viagem a convite da Missão dos EUA na NATO

Artigo publicado no Expresso, a 12 de abril de 2014