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Coreia do Sul vai a votos: campanha marcada pelo preço do cebolinho e o surgimento de um ‘partido de protesto’

Os sul-coreanos escolhem, esta quarta-feira, o seu próximo Parlamento. Nos boletins de voto, haverá candidatos afetos a um novo partido antissistema que tem concentrado a insatisfação dos eleitores desiludidos com os partidos tradicionais. O custo de vida e a elevada inflação dos alimentos tornaram o cebolinho um dos protagonistas destas eleições legislativas

A visita de um chefe de Estado a um mercado, com os órgãos de informação atrás, é um momento que, à partida, não antecipa grande interesse para além do seu lado pitoresco. Mas na Coreia do Sul, a ida do Presidente Yoon Suk-yeol a um supermercado, num bairro de Seul, a 18 de março, originou grande polémica.

Junto à banca do cebolinho, o líder sul-coreano pegou num molho e disse: “Acho que 875 won [0,60€] por cebolinho é um preço razoável”. O comentário desencadeou um coro de críticas e tornou esta planta aromática um tema de campanha das eleições legislativas desta quarta-feira, com os líderes da oposição a usarem o episódio para acusar o Presidente de estar desfasado da realidade quotidiana dos cidadãos.

Rapidamente se apurou que na véspera, naquele mesmo espaço, o preço do cebolinho era de 1000 won (0,70€) e uma semana antes era vendido a 2760 won (1,90€). No próprio dia da visita de Yoon, o preço médio do cebolinho no comércio a retalho era de 3018 won (mais de 2€).

Para expor a discrepância de preços no mercado, políticos afetos à oposição desataram a comprar cebolinho a diferentes preços e a sugerir, com ironia, que o Presidente passasse a visitar os supermercados locais para controlar os preços.

Nas sondagens, o custo de vida e a elevada inflação dos alimentos surgem como grandes preocupações dos eleitores sul-coreanos. Na quarta maior economia asiática, o preço do cebolinho tornou-se assim uma arma de arremesso político.

As eleições desta quarta-feira visam eleger os 300 deputados que vão ter assento na Assembleia Nacional nos próximos quatro anos. A atual maioria parlamentar é afeta ao Partido Democrático (PD, centro-esquerda), que se opõe ao Partido do Poder Popular (PPP, conservador), do Presidente Yoon Suk-yeol.

O Presidente — que detém o poder executivo, já que na Coreia do Sul o sistema é presidencial — vai a caminho de metade do seu mandato, que será único por determinação constitucional. Ganhou as eleições presidenciais por escassos 0,73%, a margem mais magra da história do país, o que ditou um mandato de grande dificuldade. Estas eleições são vistas também como uma espécie de referendo à sua atuação.

“Ao longo dos últimos dois anos, o mandato tem sido marcado por uma forte oposição por parte da maioria simples no Parlamento, marcada por conflitos, obstruções legislativas e dificuldades na aprovação de orçamentos, a que se juntam vários escândalos e até um debate em torno da qualidade da democracia na Coreia do Sul”, diz ao Expresso Rita Durão, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

“Apesar do Presidente ter certos poderes independentes, reformas estruturais nas áreas da economia, educação, saúde ou do trabalho — que são cada vez mais pedidas pelos sul-coreanos e nomeadamente pelos mais jovens — necessitam de apoio dos dois maiores partidos.”

Outros temas quentes da campanha eleitoral foram a greve prolongada de milhares de médicos, em protesto contra o plano governamental de reforma do sector, a fraca taxa de crescimento demográfico da Coreia do Sul — que tem 52 milhões de habitantes e a taxa de fertilidade mais baixa do mundo — e também a corrupção.

Desde 1987, quando o país ascendeu ao clube das democracias, cinco Presidentes foram detidos, julgados ou condenados a penas de prisão, no âmbito de casos de corrupção.

Um dos casos mais recentes teve no centro a primeira dama. Kim Keon Hee foi filmada secretamente a receber uma mala Christian Dior no valor de 2200 dólares (pouco mais de 2000€). A lei anticorrupção sul-coreana proíbe os cônjuges de funcionários públicos de receberem presentes de valor superior a um milhão de won (680€).

Nas fileiras da oposição também se lida com o problema. Durante a campanha eleitoral, o líder do Partido Democrático, Lee Jae-myung, compareceu três vezes em tribunal para responder em processos por corrupção.

Novos partidos a tempo das eleições

A política sul-coreana tem sido amplamente dominada por dois partidos. Atualmente, o PPP detém a presidência e o PD goza de maioria simples na Assembleia Nacional. Em conjunto, têm quase 250 em 300 deputados. Mas o próximo Parlamento pode ser mais fragmentado.

A pensar nestas eleições, antigos líderes destas duas formações fundaram novos partidos. Em janeiro, foi fundado o Partido Nova Reforma, coliderado por um antigo presidente do PPP, Lee Jun-seok, e por um ex-primeiro-ministro, Lee Nak-yon. No mês seguinte, um grupo dissidente do PD liderado por um antigo primeiro-ministro, Lee Nak-yon, fundou o Partido Novo Futuro.

“Existe muita flexibilidade partidária na política sul-coreana, focada em líderes carismáticos, sem forte lealdade a um partido específico”, explica Rita Durão, doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa. “Há, muitas vezes, partidos novos ou fusão de partidos durante o período de eleições.”

À semelhança de outros países, como Portugal, o descontentamento de muitos sul-coreanos relativamente ao modus operandi dos partidos tradicionais e de sucessivos escândalos que salpicam a classe política levou à emergência de um ‘partido de protesto’ — o Partido da Reconstrução da Coreia.

“Este partido tem vindo a subir nas sondagens devido à insatisfação generalizada com o Governo e a oposição que, muitas vezes, têm membros e líderes envolvidos em escândalos. A postura mais populista, ‘antigoverno’ ou ‘antissistema’ acaba por apelar aos eleitores cansados e desiludidos com o status quo do sistema político atual”, acrescenta a investigadora.

Pedras no sapato

Fundado há pouco mais de um mês, o novo partido é liderado por Cho Kuk, um antigo ministro da Justiça que enfrenta uma pena de dois anos de prisão por fraude. O político foi condenado por usar a sua influência para beneficiar de favores académicos, nomeadamente admissões universitárias para os seus filhos e interferir na investigação de um caso de corrupção.

A 8 de fevereiro, um tribunal de recurso confirmou a sentença aplicada em primeira instância. Segundo o jornal “The Korea Times”, a justiça “não colocou Cho sob detenção imediata, alegando baixo risco de fuga, poucas hipóteses de destruição de provas e a necessidade de garantir o seu direito de defesa”.

A Assembleia Nacional determinará a agenda da política interna para os próximos quatro anos, mas não será relevante ao nível da política externa, área que é da competência do Presidente. Após subir ao poder, Yoon Suk-yeol endureceu a relação com a Coreia do Norte.

“O atual Presidente tem sido fortemente criticado pela sua tendência em alinhar-se com os Estados Unidos (fortalecendo a aliança de segurança) e com o Japão (um caso muito delicado dadas as tensões entre os dois países por razões históricas), alienando e antagonizando a China (a parceira económica mais importante da Coreia do Sul)”, conclui Rita Durão.

“Independentemente do resultado eleitoral, a agenda da política externa de Yoon Suk-yeol vai permanecer inalterada.” Mas uma vitória do seu partido criará condições parlamentares para que governe sem estar refém de uma maioria adversa e possa deixar marca no país.

(FOTO Apoiantes do Partido Democrático, de oposição ao Presidente sul-coreano, numa ação de campanha, em Seul ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui

Jornada eleitoral no Paquistão: eleitores votaram com comunicações suspensas e fronteiras encerradas

Os paquistaneses foram a votos num escrutínio que desafiou, em múltiplas frentes, a democracia que o país reclama. A Internet foi suspensa, as fronteiras com dois países foram encerradas, houve milhares de agentes mobilizados em nome da segurança da jornada eleitoral, mas pelo menos nove pessoas morreram em atos violentos. Tudo acontece com o político mais popular do país detido e objeto de sucessivas penas de prisão

Imran Khan, o político mais popular do Paquistão, está preso DEVIANT ART

O Paquistão realizou, esta quinta-feira, as 12.ª eleições gerais desde que se tornou um país independente, em 1947. Exatamente 128.585.760 eleitores — numa população de mais de 243 milhões — foram convocados para escolher os membros da próxima Assembleia Nacional e também das assembleias das quatro províncias — Balochistão, Khyber Pakhtunkhwa, Punjab e Sindh.

Durante mais de três décadas, o país foi governado pelos militares, mas nos últimos 16 anos, pelo menos oficialmente, o Governo tem estado nas mãos de civis, naquele que é o período ininterrupto mais longo de liderança civil. Cada ato eleitoral é, por essa razão, uma oportunidade de consolidação da democracia. Esta quinta-feira, alguns episódios expuseram um país no fio da navalha.

O político mais popular está preso

Imran Khan, de 71 anos, é uma antiga estrela do críquete — capitão da seleção paquistanesa na única vez que venceu o Mundial, em 1992 — que manteve intacta toda a sua popularidade quando decidiu entrar na política.

Foi afastado do poder em abril de 2022, no âmbito de uma moção de censura, e tem vindo a ser condenado em sucessivos processos na justiça. A última sentença foi-lhe atribuída no sábado passado: um tribunal civil considerou que o seu casamento com Bushra Bibi, celebrado em 2018, violava a lei islâmica e condenou ambos a sete anos de prisão.

Dias antes, Khan fora condenado a 10 anos, considerado culpado num caso de divulgação de segredos de Estado. Já em meados de 2023, tinha sido condenado a três anos de prisão por corrupção.

Detido na Prisão Adiala, em Rawalpindi, o líder do partido Pakistan Tehreek-e-Insaf (PTI), fundado em 1996 com o propósito de acabar com a corrupção no pais, votou por via postal.

Uma campanha de repressão visando apoiantes do PTI, nos dias que antecederam o escrutínio, avolumaram preocupações acerca do caráter livre e justo das eleições. Nos boletins de voto, onde os partidos são identificados por símbolos, o taco de críquete que identifica o PTI foi proibido.

Blackout nas comunicações

Durante o período de votação, as comunicações móveis e os serviços de dados estiveram suspensos em todo o país.

blackout teve impacto na dinâmica eleitoral, já que eleitores perderam formas de se coordenarem na ida às urnas, candidatos ficaram sem canais de comunicação com os seus representantes nas assembleias de voto, informações importantes emitidas divulgadas por SMS pela Comissão Eleitoral deixaram de estar acessíveis.

Na página da Comissão Eleitoral, a instituição disponibilizou um endereço de e-mail para os eleitores — privados de acesso à Internet — apresentarem queixas e denunciarem situações irregulares.

Estes constrangimentos levaram o PTI, de Imran Khan, a sugerir um truque: “Paquistaneses, o regime ilegítimo e fascista bloqueou os serviços de telemóvel em todo o Paquistão no dia das eleições. Vocês estão todos convidados a combater este ato covarde, removendo as passwords das vossas contas pessoais de WiFi, para que qualquer pessoa nas proximidades possa ter acesso à Internet neste dia extremamente importante”.

Violência é arma de combate político

Por todo o Paquistão, a Comissão Eleitoral estabeleceu 90.777 assembleias de voto, considerando 29.985 “sensíveis”, no que respeita às condições de segurança, e 16.766 “altamente sensíveis”, noticiou o jornal digital “Pakistan Observer”. Cerca de 44 mil foram consideradas “normais”.

Para garantir um ato eleitoral seguro, o Governo mobilizou para o efeito cerca de 650 mil agentes das forças de segurança. Ainda assim, pelo menos nove pessoas, incluindo duas crianças e seis agentes, foram mortas na sequência de ataques com granadas, explosões de bombas e tiroteios, em várias regiões do país.

Já a véspera da jornada eleitoral foi sangrenta com pelo menos 28 mortos contabilizados em dois ataques à bomba junto a sedes de candidatura, na província do Balochistão. Estes atentados foram reivindicados pelo autodenominado “Estado Islâmico” (Daesh).

Duas das quatro fronteiras encerradas

Outra medida temporária, à semelhança da suspensão das comunicações, foi o encerramento das fronteiras com o Irão e o Afeganistão. O Paquistão tem fronteira também com a Índia e a China.

O Ministério do Interior justificou as restrições adotadas no dia das eleições dizendo: “Como resultado dos recentes incidentes de terrorismo no país, nos quais vidas preciosas foram perdidas, as medidas de segurança são essenciais para a manutenção da lei e da ordem e para lidar com possíveis ameaças”.

As fronteiras foram encerradas à circulação automóvel e também pedestre. Em comunicado, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou que a normalidade nas fronteiras será retomada na sexta-feira.

Votar ainda está vedado a muitas mulheres

Entre os mais de 128 milhões de eleitores, 59 milhões são mulheres, quase metade portanto. No entanto, no universo de 5121 candidatos aos 265 assentos na Assembleia Nacional, há apenas 312 do sexo feminino. Para além dos 4807 homens, há ainda dois candidatos transgénero.

No país que se notabilizou por ter eleito, pela primeira vez em todo o mundo, a primeira mulher muçulmana para a sua liderança — a primeira-ministra Benazir Bhutto, em 1988 —, as paquistanesas continuam a esbarrar com conservadorismo social e costumes tribais.

Reportagens como esta da agência France Presse, realizada em Dhurnal, na província do Punjab, revelam que, na hora de votar, muitas mulheres são impedidas de o fazer pelos homens da família, sejam o marido, o pai, um irmão ou um filho.

“A mulher não tem autonomia para tomar decisões de forma independente”, diz uma viúva de 60 anos, mãe de sete raparigas, seis delas com formação universitária. “Falta aos homens a coragem para garantir às mulheres os seus direitos.”

Dinastia política continua a fazer escola

Um dos principais partidos a ir a votos é o Partido Popular do Paquistão (PPP), fundado em 1967 por Zulfikar Ali Bhutto, que viria a ser primeiro-ministro e Presidente do Paquistão e seria condenado à morte por enforcamento na sequência de um golpe militar.

Zulfikar era o pai de Benazir Bhutto, que foi primeira-ministra entre 1988 e 1990 e ainda entre 1993 e 1996. Benazir foi assassinada a 27 de dezembro de 2007, num ataque suicida realizado durante um comício eleitoral em Rawalpindi. À semelhança do pai, também Benazir liderou o PPP.

Atualmente, quem dirige esse partido político é Bilawal Bhutto-Zardawi, filho de Benazir e neto de Zulfikar. O seu pai, Asif Ali Zardari, foi também Presidente do Paquistão, entre 2008 e 2013.

Nascido em 1988, Bilawal desenvolveu uma campanha com ênfase nas alterações climáticas e na igualdade de género na economia. Apesar de ter uma irmã mais nova — Aseefa Bhutto-Zardari, que também já debutou na política —, é ele o descendente desta importante dinastia política paquistanesa, muito atingida pela violência política.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de fevereiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Mais de um quarto da população mundial vai a votos em oito países asiáticos: em quase todos, a democracia derrapa

Num aparente sinal de vitalidade democrática, pelo menos 64 países realizam eleições nacionais no decurso de 2024. Na Ásia, o continente com a maior concentração de dinastias políticas e onde vive 60% da população mundial, há razões de preocupação. Nalguns países, o exercício do direito ao voto pode resultar na consagração de poderes autocráticos. Foi assim, esta semana, no Bangladesh

Este será um ano de importantes definições políticas em todo o mundo. Pelo menos 64 países realizam eleições legislativas ou presidenciais, entre os quais sete dos dez países mais populosos do mundo: Bangladesh, Paquistão, Indonésia, Rússia, Índia, México e Estados Unidos, por ordem cronológica. Portugal terá a sua quota de atenção com legislativas a 10 de março.

Esta ampla jornada eleitoral terá um impacto particular no continente asiático, onde vive cerca de 60% da população mundial e os sistemas de governo são muito marcados por dinastias políticas.

Do Irão à Indonésia, um total de 13 atos eleitorais permitirão uma avaliação às tendências políticas regionais e, alguns casos serão verdadeiros testes à democracia. Oito casos merecem especial atenção.

174 milhões de habitantes

Este país da Ásia do Sul foi a votos no domingo passado 7 de janeiro, com um vencedor anunciado à partida. Aos 74 anos, Sheikh Hasina — que preside à Liga Awami (partido de centro-esquerda) e está no poder, de forma ininterrupta, desde 2009 — foi reeleita para um quarto mandato consecutivo como primeira-ministra do Bangladesh. (Exerceu um primeiro mandato entre 1996 e 2001.)

A previsibilidade do resultado, a detenção de centenas de opositores nos meses que antecederam as eleições e o boicote decretado pelo Partido Nacionalista do Bangladesh (centro-direita), o outro partido dominante no país, afastaram eleitores das urnas. A taxa de afluência ficou-se pelos 40% — nas últimas eleições, em 2018, tinha sido de 80,2%. A primeira-ministra desvalorizou o boicote e disse:

“Cada partido político tem o direito de tomar decisões, a ausência de um partido nas eleições não significa que a democracia esteja ausente”

Sheikh Hasina é filha de Sheikh Mujibur Rahman, o homem que declarou a independência do país, em 1971. Pioneira nessa luta, a Liga Awami conquistou agora 222 dos 300 lugares no Parlamento.

No ranking “Varieties of Democracy” — que agrupa os países em “democracias liberais”, “democracias eleitorais” (como Portugal), “autocracias eleitorais” e “autocracias fechadas” —, o Bangladesh surge no terceiro grupo.

“Estamos perante um caso que resvalou claramente para a autocracia, com a preocupação adicional de, neste país, assistirmos a uma crescente violência”, diz ao Expresso Luís Tomé, professor na Universidade Autónoma de Lisboa.

“Quando os mecanismos institucionais — que, neste caso, deveriam ser democráticos, mas são-no apenas de fachada — não funcionam, o risco é o aumento da violência. A oposição e muitos cidadãos entendem que a única alternativa de demover o poder instituído é por um golpe.”

Adeus, multipartidarismo!

No hemisfério político ocidental do planeta, há receios cada vez mais vocais de que, aos 53 anos de vida, o Bangladesh esteja a caminho de se tornar um Estado de partido único.

“Os Estados Unidos partilham a opinião de outros observadores de que estas eleições não foram livres ou justas e lamentamos que nem todos os partidos tenham participado”, reagiu Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.

As dúvidas são partilhadas por outros países ocidentais, mas não por Rússia e China. Esta quarta-feira, os embaixadores destes dois países marcaram presença numa cerimónia de felicitações à primeira-ministra, na sua residência oficial, em Daca.

24 milhões de habitantes

As eleições presidenciais e legislativas na República da China (também conhecida como Taiwan ou Formosa), a 13 de janeiro, serão mais uma oportunidade de clarificação política relativamente ao sentimento prevalecente na ilha — de aproximação ou de afastamento — relativamente à República Popular da China.

Esta divisão dura desde o fim da guerra civil, em 1949, quando os nacionalistas (derrotados) se refugiaram naquele território insular, que se governa de forma autónoma, a cerca de 160 quilómetros da costa chinesa.

“A concretização da reunificação completa com a pátria é um curso inevitável de desenvolvimento, é justo e é o que o povo deseja. A pátria deve e será reunificada”

Xi Jinping
Presidente da República Popular da China, a 26 de dezembro, dia do 130.º aniversário do nascimento de Mao Tsé-Tung, o fundador do país

A integração de Taiwan na China Continental por via eleitoral “é o sonho de Xi Jinping e dos chineses de China Continental, que preferem a reunificação pacífica”, continua o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

“A partir do momento em que Taiwan avançou para uma plena democracia, nos anos 1990, Pequim teve sempre a expectativa de poder incluir Taiwan na mãe pátria, na lógica de ‘um país, dois sistemas’. E sempre interferiu, direta ou indiretamente, nos processos eleitorais em Taiwan, para que os candidatos que fossem mais abertos a essa possibilidade saíssem vencedores”, diz.

O precedente Hong Kong

“Mas sobretudo a partir da imposição da Lei de Segurança Nacional em Hong Kong, em 2019, a esmagadora maioria da população de Taiwan, e não apenas o tradicional partido independentista [Partido Democrático Progressista (DPP, na sigla em inglês)], deixou de acreditar na possibilidade de Pequim vir a respeitar as particularidades democráticas do sistema de Taiwan no caso de uma unificação.”

Em setembro passado, a China desvendou um plano de 21 medidas destinadas a potenciar o “desenvolvimento integrado” de Taiwan e de Fujian, a província costeira chinesa mais próxima à “província renegada”, como Pequim rotula Taiwan. O plano visa “fazer de Fujian o destino de primeira escolha de residentes e empresas de Taiwan para buscarem desenvolvimento no continente”.

Mas paralelamente, a China não pára de mostrar as garras a Taiwan. “Pequim tem muita dificuldade em gerir a lógica do bastão e da cenoura, como se vê à medida que se aproximam as eleições em Taiwan. Ao mesmo tempo que oferece algo de positivo para que os taiwaneses vejam aquilo que poderão ganhar com a reunificação da China, mantém uma enorme pressão militar, com ameaças, exercícios e declarações no sentido de que, no fundo, os taiwaneses vão ter que decidir entre a paz e a guerra”, continua Luís Tomé.

De uma solução acordada à reunificação pela força, “o relógio está a contar”, acrescenta. “O Presidente Xi Jinping disse que a questão de Taiwan vai ser resolvida no seu tempo, o que coloca uma enorme pressão no calendário.” Em 2027, será o centenário da criação do Exército de Libertação Popular, uma efeméride que pode ser aproveitada por Pequim para concretizar pela força o sonho há muito adiado.

243 milhões de habitantes

De crise em crise, o Paquistão tem eleições para a Assembleia Nacional marcadas para 8 de fevereiro, embora o Senado já tenha votado o seu adiamento. A decisão, não vinculativa, foi justificada com as “condições de segurança prevalecentes” no país.

A mais recente vaga de instabilidade decorre do afastamento do poder de Imran Khan, um antigo jogador de críquete que se tornou o político mais popular do país. Destituído do cargo de primeiro-ministro após uma moção de confiança, em abril de 2022, está atualmente preso, condenado por corrupção.

“O grande receio é que o Paquistão descambe numa guerra civil porque esta não será uma disputa política convencional em contexto democrático”, analisa o especialista em Relações Internacionais.

Trocar os EUA pela China

“Nos últimos tempos, tem acontecido de tudo um pouco ao país. Imran Khan, que era um indivíduo prestigiado e um pouco fora do sistema político, estava a fazer algumas reformas bem sucedidas. O problema é que começou a querer jogar a alta política internacional. Um dos seus maiores erros foi colocar o Paquistão demasiado na alçada da China e afastá-lo do outro aliado tradicional, os Estados Unidos. Desde os anos 1950, o Paquistão tem a particularidade de ter como aliados, em simultâneo, a China e os EUA.”

Imran Khan aproximou o Paquistão também da Rússia. Na véspera da invasão russa da Ucrânia, a 23 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin recebeu o chefe do Governo paquistanês no Kremlin, em Moscovo. “Essa foi uma das razões pelas quais depois foi feito o voto de desconfiança” a Khan.

Paralelamente à instabilidade política, o Paquistão enfrenta uma das suas piores crises económicas, resultante de opções políticas erradas, condições globais adversas, a pandemia de covid-19 e as inundações catastróficas de 2022 que submergiram um terço do país. “O Paquistão é uma soma de múltiplas crises”, diz Luís Tomé.

Este caos generalizado, combinado com tentativas externas de influência, a presença no território de grupos radicais terroristas com ligações a grupos como a Al-Qaeda, o Daesh e os talibãs, confluem para “uma situação delicada que pode degenerar numa guerra civil. E a preocupação maior resulta não só de ser um país com quase 250 milhões de habitantes, mas porque é um país com armas nucleares, com disputas com a Índia. O Paquistão está num momento perigoso e as eleições podem não facilitar”, alerta o académico.

279 milhões de habitantes

Com o Presidente Joko Widodo impedido de se recandidatar, dado já ter exercido dois mandatos, as eleições presidenciais indonésias de 14 de fevereiro estão transformadas num verdadeiro ‘negócio de família’.

Um dos três candidatos é o atual ministro da Defesa que escolheu para seu vice-presidente Gibran Raka, o filho mais velho do atual chefe de Estado. Raka tem 36 anos, quando a idade legal para concorrer ao cargo era de 40. A lei foi alterada à medida pela mão do presidente do Supremo Tribunal, que é cunhado do Presidente e tio de Raka.

“Quando Jokowi [como também é conhecido o atual Presidente] foi eleito em 2014, era um outsider político. Era um empresário da área do mobiliário que, aparentemente, rompia com a lógica das dinastias políticas, muito consolidada no Sudeste Asiático. Ele próprio escreveu, na sua autobiografia: ‘Tornar-me Presidente não significa canalizar o poder para os meus filhos’. Agora tem o filho a concorrer e ainda por cima com o ministro da Defesa que é, ele próprio, genro do antigo ditador Suharto”, alerta Luís Tomé.

O mal menor

A importância do exemplo indonésio transcende o próprio país. “Neste momento, a Indonésia é o medidor daquilo que acontece na região, e não só. Por um lado, há quem defenda que esta lógica das dinastias políticas é uma forma de, mesmo em democracia, sustentar algum equilíbrio. Ou seja, é preferível que as democracias funcionem em torno de algumas dinastias, porque mantêm a estabilidade do sistema político democrático. Outros discordam e defendem que isto é uma forma de certas famílias manterem privilégios que o resto da população não tem”, com consequências sociais de risco.

“Isto pode desiludir a população e levá-la a entender que a democracia não é um processo que permita a ascensão social, económica e política. E se o povo considerar que a democracia não serve, vai procurar alternativas. Isto acontece no Sudeste Asiático, que é uma das regiões onde mais se sente a pressão da China, que tenta dar ao mundo um modelo alternativo à democracia liberal — um modelo de regime autocrático, com desenvolvimento económico.”

89 milhões de habitantes

A 1 de março, os iranianos escolherão, simultaneamente, os seus representantes em dois órgãos: o Parlamento (Majlis) e a Assembleia de Peritos, esta última responsável pela nomeação do Líder Supremo.

“As eleições no Irão, em regra, têm uma faceta de grande liberdade. Os eleitores podem escolher os candidatos e não há propriamente manipulação de resultados. O condicionamento vem do papel do ayatollah [o Líder Supremo]. Na lógica xiita, aquilo que ele diz não é contestável.”, explica o investigador do IPRI.

“O condicionamento vem dos candidatos que podem constar no boletim. O regime seleciona os candidatos que o povo pode escolher e afasta muitos potenciais democratas que querem acabar com a Revolução Islâmica e que está fora de questão.”

No Irão, os partidos políticos não são muito relevantes. A dinâmica política gira em torno de dicotomias que se manifestam mais em contextos de tensão: conservadores versus reformistas, ortodoxos versus moderados, teóricos versus pragmáticos.

Na presente conjuntura, apesar das cíclicas vagas de protestos populares antigovernamentais, a tensão internacional permanente em que o Irão se encontra envolto — alvo de sanções, aliado da Rússia na guerra da Ucrânia e instigador do “eixo de resistência” no Médio Oriente (apoiando grupos armados como o palestiniano Hamas e o libanês Hezbollah) — tende a favorecer uma das fações.

“No contexto atual, os ortodoxos, que dominam neste momento a cena política iraniana, têm condições para se manter. Embora, economicamente, tenham sofrido quando os Estados Unidos aplicaram sanções, a apoiar o Irão ao nível económico têm estado a China, que se tornou o seu maior parceiro, e a Rússia”, vaticina Luís Tomé, especialista na região da Ásia-Pacífico.

52 milhões de habitantes

Esta democracia consolidada — apesar dos graves problemas de corrupção ao mais alto nível da política, com três dos últimos Presidentes condenados a penas de prisão — escolhe a próxima Assembleia Nacional a 10 de abril.

Paralelamente às questões económicas e sociais, a ferida aberta na península da Coreia desde 1953 — ano em que terminou a guerra entre as duas Coreias, que carece ainda da assinatura de um tratado de paz — é tema obrigatório em quaisquer eleições legislativas ou presidenciais. Que estratégia seguir em relação ao Norte?

Por um lado, há “uma linha tendente à unificação, mais apaziguadora com a Coreia do Norte, para minimizar tensões, introduzir laços, a pensar nas famílias de um lado e do outro do paralelo 38, e até a nível empresarial, para evitar o colapso no Norte e tentar, com tempo, levar as coisas a bom porto”, diz o professor da Universidade Autónoma.

Por outro, há a abordagem na linha do atual Presidente Yoon Suk-yeol “que entende que é preciso reagir de igual forma e, portanto, se a Coreia do Norte ameaça, a Coreia do Sul não se fica e ameaça de seguida”.

26 milhões de habitantes

No mesmo dia em que os sul-coreanos vão a votos (10 de abril), também os coreanos do norte farão escolhas. Em causa está a eleição da Assembleia Popular Suprema da República Popular Democrática da Coreia (vulgarmente chamada Coreia do Norte), órgão que exerce o poder legislativo.

Se a Ásia é o continente com a maior concentração de dinastias políticas, a lógica de sucessão familiar é levada ao extremo na Coreia do Norte. O país é governado desde a sua fundação pela mesma família e, apesar de ter apenas 40 anos — completados esta semana —, Kim Jong-un vai dando indicações de quem é hipótese para lhe suceder.

Boatos e especulações

Segundo as últimas especulações — ou não fosse a Coreia do Norte o país mais fechado do mundo —, Kim poderá passar o poder à sua filha, Kim Ju-ae, que terá, neste momento, 11 anos. “Mas à frente desta solução está a irmã [Kim Yo-jong]”, recorda Luís Tomé.

“Agora fala-se na filha, porque não sendo habitual, Kim Jong-un tem-na mostrado publicamente, e porque o poder tem passado de pai para filho. Numa lógica dinástica, quase monárquica, já se discute quem lhe sucederá. E ainda por cima, correm boatos de que Kim Jong-un, há dois anos, teve sérios problemas de saúde. Aquela que, aparentemente, é a sua preferida é a irmã, que é, muitas vezes, o rosto da sua política externa. O que se assume é que a irmã será a sucessora e que, a longo prazo, será a filha. Agora, por alguma razão, ele quer mostrá-la.”

1435 milhões de habitantes

A Índia é, desde o ano passado, o país mais populoso do mundo. Sempre que há eleições universais neste país organizado socialmente em função de um sistema de castas, o escrutínio decorre durante semanas. Este ano, será assim entre abril e maio próximos, quando os indianos forem eleger os 543 lugares no Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento.

O Partido Bharatiya Janata (conservador, nacionalista hindu), do primeiro-ministro Narendra Modi, é o favorito à vitória, na senda da grande popularidade do seu líder, que, aos 73 anos, busca um terceiro mandato consecutivo de cinco anos no poder.

Todos contra Modi

Numa espécie de “todos contra Modi”, uma coligação de quase 30 formações políticas, entre as quais o histórico Congresso Nacional Indiano, da dinastia Gandhi, uniram-se na Aliança Inclusiva para o Desenvolvimento Nacional Indiano.

Na língua inglesa, a sigla desta formação é INDIA, “julgo que para dar um significado nacionalista indiano e não hindu. Não sei se será suficiente para impedir nova vitória dos nacionalistas hindus e de Modi”, duvida Luís Tomé.

No Ocidente, “agrada-nos considerar a democracia indiana enquanto tal, porque é o país mais populoso do mundo e gostamos de ter um contrapeso à China. Tanto os Estados Unidos como a União Europeia têm procurado melhorar relações estratégicas com a Índia. Mas, na verdade, sob qualquer padrão, a democracia indiana tem deixado muito a desejar”, conclui Luís Tomé.

“Desde logo, em termos dos direitos das crianças, direitos laborais, direitos das mulheres e direitos das minorias, incluindo a minoria muçulmana de mais de 200 milhões de pessoas. A pretexto do problema do terrorismo e das tensões com o Paquistão, há regiões da Índia onde a Internet é bloqueada durante seis meses. Num regime democrático, isto não é muito abonatório”, critica.

“Enquanto nacionalista hindu, Modi tem progressivamente marginalizado os muçulmanos. Nenhuma democracia permitiria o que ele fez ao autorizar que imigrantes possam adquirir cidadania indiana, mas não imigrantes muçulmanos. É uma desigualdade flagrante. Modi está a criar uma situação escaldante.”

(IMAGEM FACEBOOK ASIA ELECTS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Israelitas árabes podem desbloquear o impasse, resta vencerem a apatia, a descrença nos políticos e o sentimento de discriminação

A minoria árabe de Israel corresponde a cerca de 20% da população, mas é apenas representada por 8% dos deputados no Parlamento. Tem, por isso, um potencial de crescimento que poderia beneficiá-la e interromper o ciclo de crises políticas que leva Israel, esta terça-feira, a realizar as quintas eleições legislativas dos últimos três anos e meio. Várias razões contribuem para que os israelitas árabes optem por ficar em casa, a começar pelas disputas entre os seus próprios partidos

Nos últimos quatro anos, em especial, os israelitas habituaram-se a ir às urnas com equipamento extra. Além do boletim de voto e do envelope onde o inserem para depois o depositarem na urna, levam também consigo — em sentido figurado — a máquina de calcular.

Num país que sempre teve governos de coligação desde que é independente, há mais de 70 anos, não basta que os eleitores escolham um partido. Há também que perceber que outras forças poderão ser hipótese para formar uma coligação de Governo.

Esta terça-feira, 6.788.804 israelitas estão convocados para votar nas quintas eleições legislativas dos últimos três anos e meio. Todas as sondagens realizadas desde o início da campanha eleitoral apontam um vencedor antecipado: o partido Likud (direita), liderado pelo antigo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

“Bibi”, como também é conhecido, é o israelita que mais tempo desempenhou o cargo de primeiro-ministro. Em 2019, chefiava o Governo quando foi acusado de corrupção, na justiça. O seu julgamento — cujo início foi objeto de sucessivos adiamentos — ainda decorre.

A circunstância de ser o político mais popular em Israel combinada com os problemas na justiça polarizou os corredores da política: de um lado, partidos que lhe são indefetíveis, do outro formações para quem é impensável apoiá-lo enquanto não resolver os seus problemas na justiça. Incluem-se neste grupo antigos aliados.

Da mesma forma que preveem a vitória do Likud, as sondagens profetizam que nem o bloco de partidos pró-Netanyahu nem aquele que se lhe opõe conseguirá uma maioria de 61 deputados no Parlamento (Knesset, com 120 membros).

A incógnita árabe

Na aritmética dos votos, e na sua tradução em deputados, há um sector da sociedade israelita sistematicamente sub-representado no Parlamento, por comparação ao seu peso demográfico — a minoria árabe.

Em caso de forte mobilização, o voto árabe pode contribuir de forma decisiva para desbloquear o impasse político que se arrasta desde 2019, favorecendo a formação de uma aliança anti-Netanyahu. Já uma fraca participação poderá estender a passadeira para o regresso do ex-primeiro-ministro à cadeira do poder.

“Sem dúvida, o poder está nas mãos dos cidadãos árabes”, diz ao Expresso Arik Rudnitzky, investigador no Israel Democracy Institute, de Jerusalém. “Não me ocorre uma única campanha eleitoral que dependa tanto do voto árabe como esta.”

Rudnitzky estuda padrões de comportamento dos eleitores árabes ao longo de décadas. Diz que “o número mágico” que poderá transformar os árabes na chave para o fim do ciclo de crises políticas no país é uma taxa de afluência a rondar os 55%. Acrescenta: “60% seria inacreditável, uma conquista notável.”

Uma sondagem publicada pelo Israel Democracy Institute na passada quinta-feira revelou que 70% dos eleitores árabes planeiam ir votar: 50,5% “têm a certeza” de que irão e 19,4% “pensam” fazê-lo. “Afinal de contas, o resultado será determinado pela capacidade dos partidos árabes de se organizarem no dia das eleições e de galvanizarem o seu público para votar”, defende a instituição, num comentário à sondagem.

Mais violência, menos votos

À luz da tendência de evolução da participação eleitoral da minoria árabe desde a fundação de Israel, a fasquia dos 55% pode ser uma quimera.

1949-1973 — A média de afluência foi de 83,8%, superior aos 81,4% nacionais.

1977-1999 — Neste período marcado pela Primeira Intifada (revolta palestiniana na Cisjordânia e na Faixa e Gaza), a média caiu para 73,4% e a nacional ficou nos 78,9%.

2003-2021 — A participação ressente-se da Segunda Intifada e de três guerras na Faixa de Gaza e desce para os 57%, enquanto a média nacional foi de 66%.

Esta terça-feira, irão a votos três listas árabes, em representação de quatro partidos que têm sido dominantes entre os israelitas árabes desde a criação do país.

RA’AM
A Lista Árabe Unida tem uma abordagem religiosa conservadora e representa o movimento islâmico no Knesset. Acredita que participar numa coligação de Governo traz benefícios. Foi nesse espírito que se tornou, após as eleições de 23 de março de 2021, o primeiro partido árabe a integrar um Executivo em Israel.

“Foi histórico”, comenta Rudnitzky. O Ra’am teve “algumas conquistas em termos de alocações orçamentais e medidas para responder ao problema da criminalidade [em alta nas cidades árabes] e à situação de comunidades beduínas no Negev [não reconhecidas pelo Estado]. Penso que houve boas intenções, tanto da parte do partido como do Governo. O problema é que não houve tempo suficiente [o Executivo durou pouco mais de um ano]. E a coligação não era homogénea [composta por oito partidos anti-Netanyahu, da esquerda tradicional à direita sionista]. Houve boas intenções, mas não houve resultados significativos no terreno que satisfizessem as expectativas dos cidadãos árabes.”

HADASH/TA’AL
Trata-se da fusão entre a Frente Democrática para a Paz e Igualdade (que engloba o Partido Comunista) — um partido árabe judeu não sionista que acredita na cooperação entre árabes e judeus — e o Movimento Árabe para a Mudança — um partido nacionalista moderado que procura influenciar sem ter de integrar o Governo.

BALAD
A Aliança Democrática Nacional representa a orientação nacionalista palestiniana. Recusa-se a participar no Executivo, argumentando não ver diferenças entre os blocos pró e anti-Netanyahu em matéria de políticas destinadas aos árabes israelitas e aos palestinianos. Apela à abolição da natureza sionista de Israel e defende que o país deixe de ser um Estado judeu e passe a ser um Estado para todos os seus cidadãos.

Quando, em 2015, pela primeira vez, estes quatro partidos foram a votos numa Lista Única fizeram história: elegeram 13 deputados e passaram a ser a terceira bancada mais numerosa no Knesset. Nesse ano, votaram mais de 60% dos eleitores árabes. “Provaram que o todo é maior do que a soma das partes”, comenta Rudnitzky.

Os bons resultados da opção pela união foram confirmados nas eleições de setembro de 2019 e de março de 2020 quando a Lista Única elegeu 13 e 15 deputados, respetivamente, com taxas de participação de 59,2% e 64,8%.

Inversamente, quando concorreram cada um por si, o entusiasmo do eleitorado árabe ressentiu-se e a representação parlamentar decresceu. Nas últimas eleições, em 2021, a participação árabe cifrou-se em 44,6%, com os 10 deputados eleitos a corresponderem a apenas 8% dos assentos no Knesset, muito longe dos 20% de árabes que vivem em Israel.

POPULAÇÃO DE ISRAEL (2020)

  • Total: 9.289.760
  • Judeus: 6.873.910
  • Árabes: 1,957.270

As sondagens para as eleições de terça-feira não são simpáticas para os partidos árabes. Preveem que a Lista Árabe Unida (Ra’am) eleja quatro deputados e a aliança Hadash-Ta’al consiga outros quatro. O Balad não deverá conseguir ultrapassar a fasquia de 3,25%, necessária para garantir uma bancada parlamentar.

Neste contexto, a votação dos árabes torna-se ainda mais crucial já que as sondagens atribuem também um forte aumento ao Partido Religioso Sionista (extremista), que poderá servir de muleta a Netanyahu nas contas visando a maioria de 61 deputados.

Várias razões contribuem, à partida, para desmobilizar o eleitorado árabe, mesmo numa altura em que poderiam fazer a diferença.

DIVERGÊNCIAS ENTRE PARTIDOS — A instabilidade política em Israel — traduzida em cinco eleições legislativas em 43 meses — contagia também os partidos árabes, levando-os a oscilar entre a união e a divisão. Disputas pessoais e desacordos políticos entre os líderes partidários “desmoralizaram as populações árabes”, já castigadas por um quotidiano de dificuldades, agravado nos últimos anos pela subida da criminalidade, comenta Rudnitzky. Em Israel, as comunidades árabes tendem a ser mais pobres e menos instruídas do que as judias e expressam mais razões de queixa, dizendo-se alvo de discriminação no acesso à habitação, empregos e serviços públicos.

VIOLÊNCIA NOS TERRITÓRIOS — Apesar de serem cidadãos do Estado de Israel, os israelitas árabes são “extremamente sensíveis” em relação ao que se passa nos territórios palestinianos, seja porque têm laços familiares com quem lá vive, seja por uma questão de identidade. Desde meio de outubro que a cidade de Nablus, na Cisjordânia, está cercada por forças israelitas numa operação de repressão ao grupo Covil do Leão, responsável por ataques contra militares judeus.

Para Rudnitzky, a situação nos territórios “é um fator decisivo” que condiciona o estado de espírito dos israelitas árabes. “É um problema. Lembra-me 1996, quando [o primeiro-ministro] Shimon Peres tentou mobilizar os eleitores árabes para que votassem nele [contra Netanyahu] e depois [a um mês das eleições] Israel desencadeou uma operação militar no Líbano [“Vinhas da Ira”, contra o Hezbollah] que resultou na morte de dezenas de libaneses inocentes. Esta operação na Cisjordânia, os acontecimentos de maio de 2021 [os distúrbios no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental] e os confrontos diretos entre Israel e o Hamas, tudo isto influencia, afeta e desencoraja os cidadãos árabes.”

Cidadãos com estatuto especial

Muitos israelitas árabes sentiram como uma facada as alterações feitas, em 2018, à chamada Lei da Nacionalidade. Essa lei básica consagrou o Estado de Israel como “nação do povo judeu”, concedeu o direito à autodeterminação “em exclusivo” aos judeus e atribuiu à língua árabe um “estatuto especial”, por comparação ao hebraico, que passou a ser “a língua do Estado”.

“É outro fator que avoluma a intenção de não votar”, diz Rudnitzky. “Quando a situação geral no sistema político árabe já não é boa, soma-se a isso a existência de legislação do Estado que discrimina. É outro fator que desencoraja os árabes a participarem no jogo político, que sentem que não os representa.”

Vistos como uma espécie de ‘quinta coluna’ por muitos conterrâneos judeus, dada a natural solidariedade para com os palestinianos dos territórios ocupados por Israel na guerra de 1967 (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental), os árabes de Israel somam esse desconforto à fadiga eleitoral comum a todos os cidadãos, cansados de irem às urnas sem perspetiva de Governo estável e duradouro.

Seja por apatia, desinteresse ou boicote, a comunidade que tem potencial para dar novo rumo político a Israel não tem esperança. E isso pode colocar o país na rota das sextas eleições. Ou então voltar a erguer Netanyahu ao poder, à frente de um Executivo integrado por fações religiosas ultraortodoxas e extremistas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de outubro de 2022. Pode ser consultado aqui

Israel vai a votos pela quinta vez em menos de quatro anos. Porquê tanta instabilidade?

A estabilidade política e governativa tornou-se um grande desafio em Israel. O país vai para as quintas eleições legislativas em menos de quatro anos e as sondagens dizem que ainda não será desta que um partido conseguirá formar uma coligação governativa estável. “Temos de alterar o grau de facilidade com que o Parlamento se dissolve”, diz um investigador israelita

Sete líderes partidários a votos nas eleições legislativas de 1 de novembro de 2022 ISRAEL POLICY FORUM

Nas últimas semanas, as autoridades de Israel têm multiplicado alertas de perigo destinados aos seus nacionais que planeiem viajar ou já estejam em território da Turquia. Na origem dos avisos estão informações que dão conta de operacionais iranianos envolvidos no planeamento de ataques contra cidadãos israelitas na cidade de Istambul.

Numa altura em que o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano — ao qual Israel se opõe — era objeto de intensas negociações em Viena com vista à sua reativação, Telavive e Teerão voltam a protagonizar tensão. É, pois, surpreendente que haja, em Israel, quem considere que a ameaça iraniana está longe de ser atualmente a maior dor de cabeça do país.

“O principal problema que Israel enfrenta é a estabilização do sistema político para sustentar a democracia”, diz ao Expresso o investigador Gideon Rahat, do Instituto de Democracia de Israel. “Em segundo lugar, temos de encontrar algum tipo de solução visionária para o conflito com os palestinianos e de lidar com a ameaça iraniana. Depois, há muitos problemas internos ao nível dos sistemas de saúde e educativo e dos transportes públicos, que em Israel são um grande problema. Temos muito para resolver e já perdemos muitos anos com eleições, uma após outra, com a pandemia de coronavírus a complicar ainda mais.”

Desde 1996, quando Benjamin Netanyahu foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez — o israelita que, desde sempre, mais anos chefiou o Governo do país —, Israel realiza eleições legislativas, em média, a cada dois anos e meio.

Essa média encurtou drasticamente nos últimos quatro anos. Os israelitas foram a votos em abril e setembro de 2019, março de 2020 e março de 2021. Irão às urnas de novo a 1 de novembro próximo, depois de, na semana passada, o Parlamento (Knesset) ter aprovado a sua própria dissolução.

“Temos de alterar o grau de facilidade com que o Knesset se dissolve”, comenta o académico israelita. Os partidos “deviam ter mais incentivos para procurar outras soluções políticas para produzir um Governo estável”, continua. “As eleições em Israel ocorrem numa única circunscrição nacional. Se adotarmos círculos eleitorais como em Portugal ou Espanha, por exemplo, podemos mudar a paisagem política para que os partidos sejam mais propensos a unir-se e a concorrer juntos. Se alguns partidos pequenos se fundirem, podem ser criados blocos maiores, ainda que não seja possível saber se isso levaria à estabilidade. Agora a divisão é real. Israel está quase dividido ao meio.”

No Knesset dissolvido, estavam representados 13 partidos ou coligações. O Executivo em funções era apoiado por oito formações com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos islamitas árabes.

“Em Israel, o voto é, antes de tudo, identitário. As pessoas identificadas como religiosas estão mais à direita, as mais seculares votam mais à esquerda, os árabes votam nos partidos árabes e comunista, os judeus nos partidos sionistas”, explica o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Votar tem que ver, primeiro, com identidade, e essas identidades estão ligadas a ideologias e políticas, além de durante décadas ficarem ligadas a personalidades concretas, como Netanyahu. Não é possível dizer que as pessoas votam apenas por assuntos.”

Que dizem as sondagens?

As sondagens realizadas após o anúncio da dissolução do Knesset confirmam o cenário de fragmentação, prevendo que, nas eleições de 1 de novembro, nem o bloco de partidos que apoia Netanyahu, nem o bloco que se lhe opõe obtenham votos suficientes para garantir o apoio de 61 dos 120 deputados e formar um Governo estável.

As sondagens indincam também que Netanyahu é o candidato favorito dos eleitores. “Sempre foi muito popular, mas nunca teve maioria. É esse o seu problema”, comenta Rahat. “É um líder populista, pelo que tem o apoio de algumas pessoas e é detestado por outras. O segredo da sua popularidade é o populismo. Vai contra a chamada velha elite, os media e os tribunais, em nome da maioria e da tradição judaicas, e às vezes até da religião.”

Após 15 anos na cadeira do poder, Netanyahu está com a justiça à perna. É réu em três processos por corrupção, fraude e abuso de confiança, num julgamento que começou a 24 de maio de 2020 e que, segundo Rahat, “pode demorar uma eternidade, não terminará em meses, vai demorar anos”. Segundo a lei, só na eventualidade de ser condenado e de serem esgotados os recursos é que se poderá colocar um cenário de afastamento de Netanyahu da vida política.

“Há interpretações à lei segundo as quais ele já devia estar impedido. Se se seguir estritamente a lei, terá de decorrer muito tempo até que seja impedido. É sempre possível que alguém recorra ao tribunal e este decida que Netanyahu não pode recandidatar-se a primeiro-ministro, mas não é muito provável.”

A mais recente crise política em Israel foi acelerada pela rejeição, no Knesset, de uma lei que, nas últimas décadas, não tem encontrado obstáculo para ser prorrogada: a chamada Lei dos Colonos, de 1967, que tem de ser renovada de cinco em cinco anos e que prevê a aplicação da lei civil israelita aos cerca de 500 mil colonos judeus que vivem de forma fortificada no território palestiniano ocupado da Cisjordânia (aos três milhões de palestinianos, Israel aplica a lei militar).

Naquela que vários órgãos de informação israelitas qualificaram de “uma das votações mais surreais da história” do país, alguns partidos que, ideologicamente, sempre apoiaram a lei desta vez rejeitaram a sua renovação. Foi o caso do Likud, o partido de direita liderado por Netanyahu. “Fizeram-no para abalar a coligação. A tática da oposição é votar contra qualquer coisa que a coligação proponha, mesmo que a apoie.”

A estratégia não só levou à dissolução do Knesset como salvou a Lei dos Colonos, que, graças à marcação de novas eleições, foi automaticamente renovada.

Biden a caminho do Médio Oriente

Outra consequência do abalo político foi a substituição de primeiro-ministro. Naftali Bennett (Yamina, direita sionista) abandonou o cargo, anunciou que não será candidato às próximas eleições e cedeu o lugar ao seu parceiro de coligação, Yair Lapid (do partido centrista Yesh Atid), com quem acordara alternar na chefia do Governo a meio do mandato e que era, até agora, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Será, pois, Lapid que irá receber o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com chegada prevista a Israel a 13 de julho. “A visita é, em primeiro lugar, uma expressão da estreita relação entre Israel e os Estados Unidos. Em segundo lugar, é indício de que o atual Governo dos Estados Unidos provavelmente prefere ter Lapid como primeiro-ministro, ou Bennett antes dele, do que Netanyahu, um claro defensor do Partido Republicano, mais conotado com essa formação do que seria recomendável a um primeiro-ministro israelita, dado tratar-se de política interna norte-americana.”

De Israel, Biden irá para a Arábia Saudita, um trajeto carregado de simbolismo, já que os dois países não têm relações diplomáticas. “Julgo que há uma tentativa para melhorar a relação que existe, de alguma forma, nos bastidores entre Israel e a Arábia Saudita. Mas Biden também tem um interesse próprio na Arábia Saudita, já que necessita de garantir gasolina suficiente para o seu povo, para que apoie os democratas nas eleições [para o Congresso] de metade de mandato”, de 8 de novembro próximo.

Não é líquido que eventuais êxitos internacionais de Israel angariem votos para 1 de novembro. “Na última década, o peso eleitoral das relações exteriores e da segurança diminuiu um pouco. Em relação aos palestinianos, há um impasse, porque os palestinianos estão divididos entre o Hamas na Faixa de Gaza e a Organização de Libertação da Palestina [de que a Fatah é a principal fação] na Cisjordânia. Em relação à ameaça iraniana, ou a outras ameaças, há consenso”, conclui Rahat.

Inversamente, explica: “O peso eleitoral das questões internas está a aumentar, incluindo junto dos cidadãos israelitas árabes. E das questões internas faz parte a democracia e perceber-se se a democracia é o Governo da maioria ou uma democracia mais liberal.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui