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Irão diz ter abortado o segundo ciberataque em menos de uma semana

Segundo Teerão, os dois ataques foram intercetados pela “Fortaleza de Dejfa”, o seu projeto de cibersegurança. “Os servidores dos espiões foram identificados e os ‘hackers’ foram rastreados”, garante um ministro

O Irão detetou “malware” de espionagem estrangeira nos servidores do seu Governo, denunciou este domingo o ministro iraniano das Telecomunicações. O ciberataque foi “identificado e neutralizado por um escudo de cibersegurança”, garantiu Mohammad Javad Azari Jahromi.

O governante garantiu também que “os servidores dos espiões foram identificados e que os ‘hackers’ também foram rastreados. Sem fazer acusações diretas, o ministro disse que a “Fortaleza de Dejfa“ (nome de um projeto iraniano de cibersegurança) conseguiu impedir o ataque no qual foi usado o “conhecido APT27”, que os especialistas vinculam a espiões de língua chinesa.

Segundo a agência noticiosa oficial iraniana IRNA, este foi o segundo ciberataque em menos de uma semana. Na passada quarta-feira, segundo o mesmo ministro, a infraestrutura eletrónica do Irão já tinha sido alvo de um ciberataque “massivo” e “governamental”, que também foi abortado.

Curiosamente, na véspera, o mesmo governante tinha negado relatos segundo os quais bancos iranianos tinham sido alvo de ciberataques e que contas de milhões de clientes tinham sido expostas aos espiões.

(IMAGEM KAI STACHOWIAK / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui

Espião que azedou a relação entre EUA e Israel vai sair em liberdade

Há 30 anos foi condenado a prisão perpétua por espiar a favor de Israel. O norte-americano Jonathan Pollard vai ser libertado dentro de quatro meses. Há quem diga que os EUA querem acalmar o Estado hebraico, que não aceita o acordo sobre o nuclear iraniano

O norte-americano Jonathan Pollard foi condenado a prisão perpétua por espiar a favor de Israel U.S. NAVY / WIKIMEDIA COMMONS

Tem sido a pedra no sapato das relações entre Estados Unidos e Israel nos últimos 30 anos. Mas já tem solução agendada. Jonathan Pollard, o norte-americano condenado a prisão perpétua em 1985 por espionagem a favor de Israel, será libertado a 21 de novembro.

A decisão tomada na Comissão de Liberdade Condicional do Departamento de Justiça dos EUA foi confirmada na terça-feira pelos advogados de Pollard (que o defendem pro bono), Eliot Lauer e Jacques Semmelman, e também pelo secretário de Estado John Kerry, que garantiu não haver qualquer relação entre esta decisão e o recente acordo sobre o nuclear iraniano, ao qual o aliado israelita se opõe fortemente.

Em Israel, porém, a leitura é outra. “A libertação de Pollard parece ser um prémio de consolação para Israel por causa do acordo com o Irão”, lê-se no diário “Ha’aretz”. Ainda assim, muitos não esconderam o seu entusiasmo: “Trinta longos anos depois, o momento por que ansiávamos chegou”, afirmou o ministro israelita da Agricultura, Uri Ariel.

Israel pagou e pediu desculpa

Pollard, hoje com 60 anos, é o único cidadão norte-americano alguma vez condenado a prisão perpétua por espiar a favor de um país aliado. À altura, trabalhava como analista de informações na Marinha dos EUA. Quando passou informação secreta para o Governo de Israel, era Ronald Reagan Presidente em Wahington e Shimon Peres primeiro-ministro em Telavive.

Em 1987, o Governo israelita emitiu um pedido formal de desculpas aos EUA pela sua participação no ato de espionagem, mas só onze anos depois admitiu ter pago a Pollard pelas informações. Em 1995, Israel atribuiu ao espião a cidadania israelita.

Alistair Baskey, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, esclareceu na terça-feira que, após ser libertado, Pollard terá de permanecer nos EUA nos cinco anos seguintes. “O Presidente não tem qualquer intenção de alterar os termos da liberdade condicional de Pollard”, disse.

Nas últimas três décadas, as sucessivas administrações norte-americanas têm resistido à pressão israelita para libertar Pollard. Na sua autobiografia, o ex-Presidente Bill Clinton escreveu que, em 1998, o então diretor da CIA, George Tenet, ameaçou demitir-se se Pollard saísse em liberdade.

A libertação do espião tem sido objeto de rumores, ao longo dos anos, muitas vezes aventada como incentivo para Israel fazer concessões no âmbito das negociações com os palestinianos. É agora confirmada numa altura em que as relações entre Washington e Telavive já tiveram melhores dias.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

Venenos contra vozes incómodas

Envolta em mistério e entraves à investigação, a intoxicação do ex-agente do KGB traz à liça uma prática de poder que vem de longe

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Saiu a lotaria ao polaco Boguslaw Sidorowicz. Desde que o caso Litvinenko rebentou no Reino Unido que o seu restaurante, em Sheffield, aumentou significativamente o número de reservas. O estabelecimento chama-se Polonium, pelo que não é difícil adivinhar a origem da moda: sob efeito de polónio 210, o ex-espião do KGB Alexander Litvinenko definhou até à morte num hospital londrino.

Trata-se de uma substância “altamente radioactiva” e “muito tóxica”, esclareceu ao Expresso Fátima Rato, responsável pelo Centro de Informação Antivenenos. “Os seus efeitos adversos podem decorrer da inalação, ingestão ou exposição cutânea”. As consequências clínicas dependem da “radiação que é absorvida, da intensidade da radiação, da susceptibilidade individual e do tempo de exposição”, acrescentou. Sem cheiro, cor e sabor, o polónio 210 é a última expressão de uma prática tão antiga quanto a intriga política — o envenenamento como arma de poder.

Uma das vítimas mais famosas foi Georgi Markov, um dissidente búlgaro de língua afiada contra o regime comunista de Sófia. A 7 de Setembro de 1978, sobre a ponte Waterloo, em Londres, Markov sofreu um encontrão de um homem que segurava um guarda-chuva. Acabou o dia no hospital, com febres altas e morreu três dias depois. A autópsia descobriu uma esfera metálica com 1,52 milímetros de diâmetro na barriga da perna, com vestígios de ricina, uma toxina inserida pela espetadela do guarda-chuva. O ataque é atribuído aos serviços secretos búlgaros e ao KGB.

Envenenar é ainda uma arma política

Com a morte de Litvinenko, a Rússia volta a ser acusada de recorrer às tácticas da Guerra Fria para calar os opositores. “A opinião dentro da nossa agência (KGB) é de que o veneno é só uma arma, como uma pistola. Não é visto como no Ocidente, é um instrumento vulgar” — são palavras do próprio Litvinenko quando comentou no ‘New York Times’ o envenenamento de Victor Iuschenko, hoje Presidente da Ucrânia. Durante a campanha para as presidenciais, em 2004, Iuschenko, líder da oposição, adoeceu após uma refeição com o chefe da secreta ucraniana. Do dia para a noite ficou desfigurado.

De Saddam à Mossad

A lenta agonia de pessoas intoxicadas era uma das vinganças favoritas de Saddam Hussein. A 1 de Janeiro de 1988, Abdullah Ali, um homem de negócios iraquiano residente em Londres, jantou com três amigos num restaurante de Notting Hill. Morreria 15 dias depois com broncopneumonia após ser envenenado com tálio. Ali preparava-se para desertar dos serviços secretos iraquianos. Também Fidel Castro e Nelson Mandela foram alvo de planos de envenenamento com tálio, por parte da CIA e da secreta sul-africana, respectivamente.

Nos últimos dez anos, um dos casos mais surpreendentes ocorreu no Médio-Oriente. A 25 de Setembro de 1997, dez agentes da Mossad entraram na Jordânia com passaportes canadianos, para matar Khaled Meshal, um líder do Hamas. Injectaram-lhe uma substância tóxica, mas foram descobertos pelas autoridades jordanas que detiveram dois deles. Amã exigiu o fornecimento do antídoto, mas Telavive só cedeu por pressão dos EUA. Meshal foi salvo e, em troca da libertação dos dois agentes, Israel libertou Ahmad Yassin, o líder espiritual do Hamas. A forma precipitada como Yasser Arafat foi levado da Muqata de Ramallah para um hospital de Paris, onde morreu a 11 de Novembro de 2004, levanta suspeitas de envenenamento.

Tão clássica quanto a Antiguidade, a técnica continua eficaz. E nem os filmes de espionagem dispensam uma cena de envenenamento. Na sua última aventura (‘Casino Royal’), rodada em ambiente de grande sofisticação, James Bond escapa por um triz a uma tentativa de intoxicação durante uma partida de póquer.

Artigo publicado no Expresso, a 8 de dezembro de 2006