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John R. Lewis High School, uma inspiração para as próximas gerações

Uma escola secundária do estado da Virginia substituiu o nome de um antigo general da Confederação pelo de um ícone da luta contra a discriminação racial. “A vida extraordinária de John Lewis e a sua defesa da justiça racial serão uma inspiração para os nossos estudantes”, diz a promotora da alteração

No próximo ano letivo, haverá uma “nova” escola nos Estados Unidos. Fisicamente já existe — situa-se em Springfield, no estado da Virginia —, mas acaba de mudar de nome numa reação direta a um momento sensível do país.

A até agora Escola Secundária Robert E. Lee passará a chamar-se Escola Secundária John R. Lewis. Abandona o nome de um antigo general da Confederação (a união política pró-esclavagista do século XIX) e adota o de um ícone da luta pelos direitos dos negros na América.

À direita na foto, John R. Lewis é, juntamente com Martin Luther King Jr., um dos líderes de uma marcha entre Selma e Montgomery, no estado do Alabama, em 1965 STEVE SCHAPIRO / ACADEMY OF ACHIEVEMENT

A decisão foi tomada na quinta-feira, pelo Conselho Escolar do Condado de Fairfax, que reuniu à distância e acolheu a proposta por unanimidade. Aconteceu seis dias após a morte do ativista e numa altura em que várias cidades norte-americanas estão tomadas por protestos anti-racismo que têm visado símbolos (maioritariamente estátuas) associados à escravatura.

“O nome Robert E. Lee está para sempre ligado à Confederação, e os valores confederados não estão alinhados com a nossa comunidade”, reagiu Tamara Derenak Kaufax, que fez a proposta, em fevereiro. “Creio que a vida extraordinária de John Lewis e a sua defesa da justiça racial serão uma inspiração para os nossos estudantes e para a nossa comunidade nas próximas gerações.”

Numa audição pública sobre a proposta de mudança de nome da escola, na quarta-feira à noite, um membro da comunidade, citado pelo jornal “USA Today”, afirmou: “A mudança começa nos níveis mais baixos de nós próprios, depois da nossa comunidade e depois do país. Devemos aos pioneiros da história continuar a lutar pela igualdade de todas as formas que pudermos.”

Um dos 13 “Cavaleiros da liberdade”

Nascido em 1940, em Troy (estado do Alabama), John Lewis foi um pioneiro no combate ao racismo nos EUA. Aos 17 anos conheceu Rosa Parks e aos 18 o carismático Martin Luther King.

Em 1961, tinha 21 anos, foi um dos 13 “Cavaleiros da liberdade” — sete brancos e seis negros — que ousaram percorrer de autocarro o Sul dos Estados Unidos, onde as leis antissegregação encontravam resistência para ser aplicadas.

Em 1965, participou nas três marchas ao longo de uma autoestrada que ligava as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama (87 km), iniciativa que levaria à aprovação da Lei dos Direitos de Voto, uma conquista histórica do movimento negro.

A primeira marcha ficaria conhecida como “Domingo Sangrento” (“Bloody Sunday”), em virtude da violência policial que se fez sentir sobre os manifestantes desarmados. Em março passado, já com a saúde debilitada, Lewis marcou presença em Selma para assinalar o 55º aniversário dos acontecimentos e deixou um conselho: “Votem como nunca votaram antes”.

John Lewis foi congressista durante mais de três décadas, eleito pela primeira vez em 1987, pelo estado da Georgia, abraçando causas que desafiassem a segregação, a discriminação e a injustiça — o combustível do movimento “Black Lives Matter” que está nas ruas norte-americanas.

Em 2011, Barack Obama — o primeiro Presidente negro na história dos EUA — atribuiu a John Lewis a mais alta honraria civil nos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade. Morreu a 17 de julho, aos 80 anos, de cancro no pâncreas.

(FOTO PRINCIPAL John R. Lewis ACADEMY OF ACHIEVEMENT)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de julho de 2020. Pode ser consultado aqui

Guerra aberta entre Donald Trump e a sua rede social favorita

Em menos de uma semana, o Twitter sinalizou duas publicações do Presidente dos Estados Unidos, sugerindo ao leitor a verificação de factos, e apagou outra por “incitamento à violência”, Pelo meio, Donald Trump aprovou legislação que retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos apagou-lhe, esta sexta-feira, uma publicação por “incitamento à violência”. Nesse post, relativo à morte do afro-americano George Floyd, asfixiado sob o joelho de um agente da polícia, Trump aludia aos edifícios queimados e às pilhagens de lojas que se verificaram em Mineápolis, onde ocorreu o crime.

Trump criticou a falta de liderança do mayor Jacob Frey — nas suas palavras “um radical de esquerda” — e ameaçou enviar a Guarda Nacional para controlar a cidade. “When the looting starts, the shooting starts.” (Quando o saque começa, começa o tiroteio.)

A publicação foi apagada, mas numa nota colocada no espaço do tweet é disponibilizado uma ligação que a torna visível. “Pode ser do interesse público que este tweet continue acessível”, explica a rede social. Porém, não é possível comentar, fazer “gosto” na publicação ou partilha-la sem fazer qualquer comentário.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1266231100780744704?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1266231100780744704%7Ctwgr%5E73b9a07c38f5d4282e42b5d78949f345654b4bf5%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2020-05-29-Guerra-aberta-entre-Donald-Trump-e-a-sua-rede-social-favorita

A guerra entre Trump e o Twitter começou terça-feira, depois de a rede social, pela primeira vez, ter sinalizado dois tweets do Presidente com um link de verificação de factos. Nas mensagens, Trump considerava “fraudulento” o voto por correspondência, opção que pode vir a ser alargada nas eleições presidenciais de 3 de novembro em virtude das limitações provocadas pela pandemia de covid-19.

Trump respondeu à intervenção do Twitter, quinta-feira, emitindo um decreto executivo “sobre prevenção da censura online”. O diploma retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet, possibilitando que os reguladores federais as penalizem pela forma como ‘policiam’ os conteúdos.

“Twitter, Facebook, Instagram e YouTube possuem imenso, se não inédito, poder de moldar a interpretação de acontecimentos públicos; de censurar, apagar ou fazer desaparecer informação; e de controlar aquilo que as pessoas veem ou não”, lê-se no decreto.

Zuckerberg em defesa de… Trump

Pressentindo perigo também para os seus lados, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, saiu em defesa de Donald Trump, afirmando em entrevista à televisão Fox News que o papel das empresas privadas não é serem “árbitros da verdade”. Respondeu-lhe Jack Dorsey, presidente executivo do Twitter: “A nossa intenção é ligar os pontos de declarações em conflito e mostrar as informações em disputa para que as pessoas possam julgar por si mesmas”.

Trump é penalizado no âmbito de um assunto sobre o qual tem sido muito criticado pela forma tardia como reagiu. George Floyd foi morto na segunda-feira, mas o Presidente norte-americano pronunciou-se sobre o caso pela primeira vez apenas quarta-feira à noite, quando Mineápolis já estava tomada por violência, pilhagens e edicícios a arder. No Twitter, claro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Revolta pela morte de George Floyd leva caos e destruição a Minneapolis

A cidade de Minneapolis acordou, esta quinta-feira, ainda com edifícios em chamas após uma noite de violência depois da morte de um cidadão afro-americano, asfixiado por um polícia. O “mayor” Jacob Frey mostrou-se incrédulo: “Tenho-me debatido com uma questão fundamental: Por que razão o homem que matou George Floyd não está preso?”

“Por favor, Minneapolis, não podemos deixar que a tragédia gere mais tragedia.” O apelo desesperado surgiu no Twitter na quarta-feira à noite na conta de Jacob Frey, o “mayor” da cidade de Minneapolis. Na segunda-feira, foi naquela cidade que foi brutalmente assassinado George Floyd, um afro-americano, sufocado pelo joelho de um polícia no seu pescoço.

Após duas noites de ajuntamentos pacíficos de milhares de pessoas em memória do homem de 46 anos — cuja morte foi filmada por testemunhas e divulgada na Internet —, as vigílias redundaram em violência, obrigando à intervenção da polícia com balas de borracha, granadas de atordoamento e gás lacrimogéneo.

A revolta concentrou-se junto a um posto da policia e entrou madrugada de quinta-feira adentro, com edifícios incendiados e lojas pilhadas. Um homem que participava no saque a uma casa de penhores foi alvejado pelo dono, vindo a morrer no hospital para onde foi levado.

Foi apenas com a violência nas ruas que o Presidente Donald Trump se pronunciou pela primeira vez sobre o caso. “A meu pedido, o FBI e o Departamento de Justiça já fazem parte da investigação à morte trágica e muito triste de George Floyd no Minnesota [o estado cuja maior cidade é Minneapolis]”, escreveu no Twitter, era quase meia-noite de quarta-feira.

“Isto foi claramente um assassínio”, reagiu Tara Brown, prima de George Floyd no programa “This Morning” da televisão CBS. “Nós queremos vê-los presos; queremos vê-los acusados; queremos vê-los condenados pelo que fizeram.”

Polícias despedidos mas em liberdade

Até ao momento, os quatro polícias que participaram na detenção de George Floyd foram apenas despedidos. Num “briefing” à imprensa, o “mayor” Jacob Frey mostrou-se incrédulo: “Nas últimas 36 horas, mais do que com qualquer outra coisa, eu tenho-me debatido com uma questão fundamental: Por que razão o homem que matou George Floyd não está preso? Se vocês ou eu o tivéssemos feito, estaríamos atrás das grades neste momento. Eu não consigo chegar a uma boa resposta.”

O assassínio de George Floyd aconteceu cerca de três meses após a morte de outro afro-americano ter gerado revolta nos Estados Unidos — a de Ahmaud Arbery, de 25 anos, alvejado a tiro por dois homens brancos na Geórgia enquanto fazia jogging.

Ambos os casos trazem à memória coletiva norte-americana — e às discussões públicas — vítimas passadas de um problema que persiste no país: a violência policial sobre cidadãos afro-americanos. Eric Garner (2014, em Nova Iorque), Tamir Rice (2014, Cleveland), Michael Brown (2014, Ferguson), Freddie Gray (2015, Baltimore), Alton Sterling (2016, Baton Rouge), Philando Castile (2016, Falcon Heights) são apenas alguns exemplos.

(Fotografia de George Floyd, colocada junto ao local onde George Floyd foi assassinado, no cruzamento da Chicago Avenue com a E. 38th, em Minneapolis, Minnesota LORIE SHAULL / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Twitter mostrou ‘cartão amarelo’ a Trump e este virou o jogo a seu favor

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos considerou dois tweets de Donald Trump infundados e sugeriu aos leitores a verificação dos factos. O visado protestou, mas não abandonou o Twitter e até inventou uma teoria da conspiração que inclui acusações falsas de homicídio. A menos de meio ano das eleições, e com taxas de aprovação negativas, a interferência na sua “liberdade de expressão”, de que acusa o Twitter, pode ter utilidade política

A rede social Twitter assinalou, pela primeira vez, dois tweets do Presidente dos Estados Unidos, disponibilizando um link de verificação de factos. Publicados na terça-feira, neles Donald Trump descredibilizou o voto por correspondência nas eleições presidenciais de 3 de novembro, recurso encarado por vários estados norte-americanos para contornar as dificuldades criadas pela pandemia de covid-19.

“As caixas de correio serão assaltadas, os boletins serão forjados e até impressos ilegalmente e assinados de forma fraudulenta”, vaticinou Trump. “Esta eleição será uma fraude. Não pode ser!”

Nos dois tweets que a mensagem ocupou, o Twitter adicionou um link — escrito a cor azul e sinalizado por um ponto de exclamação — que remete para uma página criada pela plataforma, com informação factual que rebate as imprecisões do Presidente, publicada em órgãos de informação ou divulgada por utilizadores credíveis.

Trump não gostou e procurou transformar a polémica desencadeada pela sua rede social favorita em proveito próprio. “O Twitter está agora a interferir na eleição presidencial de 2020. Está a dizer que a minha declaração sobre boletins de voto por correspondência, que conduzirá a corrupção em massa e fraude, está incorreta, com base em verificação de factos feita pela ‘Fake News CNN’ e pelo ‘Amazon Washington Post’. O Twitter está a sufocar completamente a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, e eu, como Presidente, não deixarei que isso aconteça!”

Na origem desta entrada em cena da empresa tecnológica está uma teoria da conspiração urdida pelo próprio Trump na mesma rede social, à volta de uma mulher chamada Lori Klausutis que morreu em 2001, de complicações cardíacas, quando trabalhava para Joe Scarborough, então congressista republicano eleito pela Florida.

Scarborough é hoje apresentador de um talk-show matinal na MSNBC e um dos ódios de estimação de Trump, que lhe chama ‘Psycho Joe Scarborough’. No Twitter, Trump insinuou que o ex-congressista estaria envolvido na morte de Lori.

Numa carta enviada a 21 de maio a Jack Forsey, CEO do Twitter, tornada pública na terça-feira, o viúvo de Lori pediu que as mensagens de Trump sobre o caso fossem apagadas. “Os tweets do Presidente que sugerem que Lori foi assassinada — sem provas (e contrariando o resultado da autópsia) — são uma violação das regras e dos termos de utilização do Twitter. Um utilizador comum como eu seria banido da plataforma por um tweet desses mas eu apenas peço que esses tweets sejam removidos”, escreveu Timothy Klausutis.

“Peço-vos que intervenham neste caso, porque o Presidente dos EUA apropriou-se de algo que não lhe pertence — a memória da minha esposa morta — e perverteu-o em nome de ganhos políticos.”

Sem filtro, para mais de 80 milhões de seguidores

O Twitter não apagou os posts de Trump, mas decidiu passar a sugerir ao leitor a “obtenção dos factos” sobre o assunto em questão. Os tweets do Presidente “contêm informações potencialmente enganosas sobre os processos de votação e foram assinalados para que seja fornecido contexto adicional”, justificou Katie Rosborough, porta-voz da tecnológica.

Com estes alertas, o Twitter abriu a ‘caixa de Pandora’. O protagonismo que Trump lhe dá contribuiu para atrair muitos utilizadores. Atualmente, o chefe de Estado ‘fala’ sem filtro e várias vezes ao dia para mais de 80 milhões de seguidores, muitas vezes em registo mentiroso, impreciso e intimidatório.

Se no passado a rede social sempre resistiu à pressão para que não pactuasse com falsidades expressas por Trump — já apagou publicações de Jair Bolsonaro, por exemplo —, após este precedente estará sob forte escrutínio relativamente à forma como irá tolerar algumas ‘tiradas’ do Presidente norte-americano.

Um trunfo político a não desperdiçar

A curto prazo, a polémica servirá para que Trump se mostre como um líder combativo a quem querem calar — até o Twitter. Tudo acontece a menos de seis meses das eleições presidenciais de 3 de novembro, com evidente interesse político para a sua campanha, em especial numa altura em que a gestão da crise provocada pelo novo coronavírus — prestes a atingir os 100 mil mortos no país — lhe atribui taxas de aprovação abaixo dos 50%.

“Sempre soubemos que Silicon Valley [onde estão sediadas as grandes tecnológicas, como o Twitter] faria todos os esforços para obstruir e interferir com o Presidente Trump, passando a sua mensagem aos eleitores”, reagiu Brad Parscale, diretor da campanha Trump 2020.

Menos de 24 horas após publicar os tweets assinalados pelo Twitter como infundados, Trump já voltou à rede pelo menos 40 vezes, no seu estilo de sempre. Numa delas escreveu: “Hoje ultrapassamos os 15 milhões de testes, de longe a maior quantidade do mundo. Abrir [o país] em segurança!” Será caso para o Twitter intervir?

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

A fórmula de Trump para que não falte dinheiro à ONU

António Guterres alertou os funcionários da ONU para a possibilidade da organização ficar sem dinheiro até ao final do mês. Esta quarta-feira, no Twitter, Donald Trump disse-lhe como resolver o problema

As Nações Unidas estão quase sem dinheiro e, esta semana, o secretário-geral António Guterres enviou uma carta aos 37 mil funcionários da organização alertando para o perigo real do dinheiro faltar até ao fimd este mês.

Esta quarta-feira, no Twitter, como é seu hábito, Donald Trump deu-lhe um conselho: “Então faça com que todos os países paguem [as suas contribuições], e não apenas os Estados Unidos!”

As palavras de Trump vão ao encontro de um comunicado divulgado pelo porta-voz de Guterres apelando a que os Estados membros da ONU cumpram com os compromissos financeiros que assumiram perante a organização. Stéphane Dujarric alertou para o facto de apenas 70% do orçamento para 2019 estar assegurado.

Historicamente, os Estados Unidos têm sido de longe o maior contribuinte para o orçamento das Nações Unidas. Mas com Donald Trump na Casa Branca, o cheque tem vindo a perder zeros. Há cerca de um ano, o próprio Presidente anunciou a diminuição em 25% das contribuições norte-americanas para as missões de paz da ONU.

Anteriormente, Washington já tinha cortado o seu financiamento à UNESCO, uma agência especializada das Nações Unidas que, desde 2011, reconhece o Estado da Palestina como membro de pleno direito.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui