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Casa Branca diz que Irão está a cumprir acordo nuclear. Mas…

De três em três meses, o Departamento de Estado norte-americano tem de certificar o trabalho realizado pelo Irão em matéria de cumprimento do acordo internacional sobre o seu programa nuclear, “o pior acordo de sempre”, como o qualificou Donald Trump. Pela segunda vez este ano, o balanço é… positivo, ainda que com reticências

É uma espécie de boa avaliação contrariada. Pela segunda vez desde que está em funções, a Administração Trump admite que o Irão está a cumprir com os termos do acordo internacional de 14 de julho de 2015 sobre o seu programa nuclear.

A cada 90 dias, o Departamento de Estado norte-americano tem de comunicar ao Congresso a sua apreciação sobre o trabalho desenvolvido por Teerão. A segunda avaliação do ano tinha de ser feita até à meia noite de segunda-feira. “Com base nas informações disponibilizadas aos Estados Unidos, as condições foram cumpridas”, afirmou, a coberto do anonimato, um responsável da Casa Branca, citado pela agência noticiosa AFP.

Assim sendo, continuarão em vigor não só o acordo como o alívio às sanções internacionais impostas a Teerão dele decorrente.

Obama foi “generoso”

Durante a campanha presidencial, Donald Trump tinha qualificado o documento assinado em Genebra como “o pior acordo de sempre”, deixando no ar a possibilidade de o rasgar se fosse eleito.

Já após tomar posse, Trump não se conteve na “guerra” ao documento. “O Irão está a brincar com o fogo — eles não apreciam o quão ‘generoso’ o Presidente Obama foi com eles. Mas comigo não!”, escreveu no Twitter a 3 de fevereiro.

Os factos têm impedido Donald Trump de avançar com medidas radicais, ainda que o Presidente não abdique de esboçar ameaças. Segundo a AFP, a Casa Branca equaciona adotar novas sanções contra a República Islâmica em virtude do desenvolvimento do programa iraniano de mísseis balísticos, que não está abrangido pelo documento mas que Washington considera ser uma violação do “espírito” do acordo, que tem contribuído para agravar a tensão no Médio Oriente.

A partir de Nova Iorque, onde, na segunda-feira, se encontrou com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, falou de “sinais contraditórios” por parte da Administração norte-americana. “Não sabemos qual deles interpretar e de que forma.”

O governante iraniano disse que “não há comunicações” entre ele e o homólogo norte-americano, Rex Tillerson. “Isso não quer dizer que não possa haver. As possibilidades de compromisso… sempre estiveram abertas.”

Em declarações à Al-Jazeera, o presidente do Conselho Nacional Irano-Americano, Trita Parsi, defendeu: “Trump não entende inteiramente as consequências do desmantelamento [do acordo]”, disse. “Penso que os seus assessores entendem e foram encarregados de encontrar uma maneira de destruí-lo sem provocar uma crise, sem isolar os Estados Unidos. Seis meses depois da [entrada em funções da] Administração Trump, eles ainda não conseguiram encontrar uma maneira.”

Assinado a 14 de julho de 2015 pelo Irão e pelo grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — EUA, Rússia, China, França e Reino Unido — e a Alemanha), o acordo colocou o programa nuclear iraniano, que se suspeitava visar fins militares, sob supervisão internacional. Em compensação, o Irão viu algumas sanções económicas serem levantadas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

Um rei do xisto que tem medo dos xiitas

Périplo do Presidente Donald Trump pelo Médio Oriente e pela Europa põe a nu os dilemas geopolíticos dos Estados Unidos

Ao longo de uma semana Donald Trump passou pelo equivalente ao que os instruendos aprendem na recruta: um percurso de obstáculos através do chamado campo de infiltração com valas, saltos, arame farpado e fogo real. Sobreviveu à provação mas sabe que vai ter de a repetir não tarda.

Ao contrário de antecessores como Obama, Carter, Nixon ou Truman, cujas primeiras viagens foram ao México, Canadá ou a países europeus (o que era relevante no tempo da Guerra Fria), Trump optou pelos sauditas, aliados estratégicos mas rivais económicos, capazes de fazer implodir as cotações do petróleo em defesa dos seus interesses como em 2014/15. Prosseguiu com um exercício de equilíbrio no arame entre judeus e palestinianos. Continuou com uma passagem-relâmpago pelo Vaticano, onde o Papa diz e faz o oposto do Presidente dos EUA em quase tudo. Passou pelos aliados da NATO, para os quais olhou menos como um aliado e mais como um cobrador de impostos, exigindo aos parceiros europeus os retroativos de anos abaixo do investimento de 2% do PIB na defesa. E concluirá hoje com uma passagem pela cimeira do G7 na Sicília.

110 mil milhões de armas

Com os sauditas a relação é ambivalente. Os EUA precisam do gigante saudita para contrabalançar o poder crescente do Irão que, beneficiando da implosão do Iraque e da Síria, estende influência de Teerão a Mossul, Damasco e Tripoli. Daí a substancial venda de armas anunciada por ocasião da visita à Arábia Saudita no valor de 110 mil milhões de dólares (98 mil milhões de euros).

Mas se o reino saudita só sobrevive com a ajuda militar norte-americana já lá vai o tempo em que os EUA dependiam do petróleo de Riade. Com o advento do gás e do petróleo de xisto, há uma quase autossuficiência americana que reduz para uns meros 18% o peso das importações da península arábica (e de 5% no caso específico da Arábia Saudita).

A diferença relativamente à política de Obama é que este aproveitava este momento favorável para tentar reconverter o modelo energético para uma menor dependência dos combustíveis fósseis. Trump faz o oposto, reativando projetos de oleodutos e campos petrolíferos congelados por razões ambientais e pondo em lugares-chave climatocéticos e gente ligada às multinacionais do petróleo. Ainda assim para chegar à autossuficiência energética ainda precisa de aumentar a produção de combustíveis fósseis em 50%, o que não será já amanhã.

Mantendo-se ou agravando-se o modelo de hiperconsumo de combustíveis fósseis lá virá o dia em que os EUA podem voltar a precisar do petróleo saudita…

No discurso pronunciado no domingo, 21, em Riade, Trump definiu um novo “eixo do mal”: já não o postulado por George W. Bush (Irão/Iraque/Coreia do Norte) mas o Irão xiita e o Daesh, afirmando que Teerão “financia, arma e treina terroristas que semeiam o caos na região”. Não se tratando do Daesh que é sunita e que o Irão combate ao lado dos americanos no norte do Iraque (nomeadamente no cerco da cidade de Mossul) só pode estar a pensar na milícia xiita libanesa Hezbollah. Na Síria esta é decisiva, não tanto no combate ao Daesh (fundamentalmente a cargo dos curdos apoiados pelos americanos, como sucede no cerco a Raqqa, “capital do califado”) mas na manutenção do regime do ditador Assad, igualmente apoiado pelos russos. O Hezbollah é, ainda, o inimigo nº 1 de Israel que se revelou um osso duro de roer na invasão israelita do sul do Líbano em 2006.

Ora, para cortar este nó górdio, isto é para afastar Moscovo de Teerão e diminuir a influência iraniana no Médio Oriente, Trump precisaria de uma manobra de génio diplomático ao nível da que Kissinger preparou para Nixon em 1973, em plena Guerra do Vietname, visitando Pequim e desanuviando relações com a China maoísta em detrimento da União Soviética. Isso implicaria uma negociação mais ampla de esferas de influência que incluísse outras latitudes como a Crimeia e o leste da Ucrânia. Ora a única coisa que Trump tem em comum com Nixon é a prática de manobras internas no limiar do processo de destituição. Quanto a um Kissinger, manifestamente não o tem na sua equipa.

Pompa e fracos resultados

Se da visita às Arábias resultou uma megavenda de armas, o saldo da visita às terras bíblicas é pobre. Trump escudou-se atrás de um discurso genérico, falando mais de paz do que de outra coisa e nada dizendo sobre o que realmente é relevante: Que estatuto para Jerusalém? A favor ou contra a solução de dois estados para Israel ou Palestina? Falou com o primeiro-ministro, Netanyahu, e com o presidente da Autoridade Palestiniana, Abbas, mas não houve, nem enumeração de pontos a discutir nem calendarização dos mesmos.

Como saldo, apenas a agregação do Estado judaico ao eixo Washington-monarquias do Golfo para combater a expansão xiita no Médio Oriente. Como a História é irónica e às vezes cruel, vai fazer 50 anos que os sauditas ao lado de egípcios, jordanos e sírios travaram a Guerra dos Seis dias contra Israel, da qual resultou a conquista de territórios como Jerusalém e os Montes Golã, ainda hoje no centro dos conflitos do Médio Oriente.

Sendo que as monarquias do Golfo e os sauditas em particular são os campeões do atraso cívico e político na região, com a instauração de um regime ditatorial e teocrático, com polícia religiosa e onde, por exemplo, as mulheres têm direitos residuais. Sem esquecer que a Al-Qaeda e mesmo o Daesh sempre encontraram generosos patronos e financiadores ao mais alto nível no Golfo e que a doutrina político-religiosa vigente no reino saudita, o wahhabismo, é afim da visão do mundo dos extremistas do Daesh. E que 15 dos 19 terroristas do 11 de Setembro eram sauditas (como o próprio Bin Laden) tal como um quinto dos 779 presos de Guantánamo.

Artigo escrito com Rui Cardoso.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de maio de 2017. Pode ser consultado aqui

Polícia de Baltimore absolvido da morte de jovem negro

Edward Nero era um dos cinco agentes acusados da morte do afroamericano Freddie Gray, em abril de 2015, quando estava sob custódia policial. O caso desencadeou a violência nas ruas de Baltimore. Conhecida a sentença, esta segunda-feira, a “mayor” da cidade já veio apelar à calma

Um tribunal de Baltimore ilibou Edward Nero, um dos seis polícias acusados da morte do jovem negro Freddie Gray, em abril de 2015. O caso desencadeou atos de violência naquela cidade do estado de Maryland e trouxe para as ruas o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Contam), que considerou esta morte um crime racista.

Conhecido o veredito, esta segunda-feira, um grupo de manifestantes perseguiu familiares do agente num parque de estacionamento gritando: “Se não há justiça, não há paz”.

Stephanie Rawlings-Blake, “mayor” de Baltimore, também ela negra como a maioria dos 620 mil habitantes da cidade, emitiu um comunicado apelando à calma. “Hoje o juiz Barry G. Williams considerou o agente Edward Nero não culpado de todas as acusações. Este é o sistema de justiça norte-americano e os polícias têm a garantia do mesmo tratamento que qualquer outro cidadão na cidade, no estado, no país. Agora que o processo criminal chegou ao fim, o agente Nero irá enfrentar um processo administrativo no Departamento de Polícia. Mais uma vez apelamos aos cidadãos que sejam pacientes e que permitam que todo o processo seja concluído. No caso de qualquer distúrbio na cidade, estamos preparados para responder. Iremos proteger os nossos bairros, os nossos negócios e o povo da nossa cidade.”

Freddie Gray, de 25 anos, foi detido a 12 de abril de 2015 e morreu uma semana depois. A acusação alega que sucumbiu na sequência de uma lesão na espinal medula infligida quando estava dentro de uma carrinha, sob custódia da polícia. A procuradora estadual Marilyn Mosby disse que Gray foi detido sem razões.

Perante uma sala de audiências a abarrotar, o juiz Williams considerou que o agente Nero, de 30 anos, que enfrentava acusações de agressão em segundo grau, descuido e má conduta, atuou como qualquer outro o teria feito. “Com base nas provas apresentadas, este tribunal considera que o estado não fez o ônus da prova, para além de qualquer dúvida razoável, relativamente aos crimes imputados. Por isso, o veredito para cada acusação é não culpado”, declarou.

Juntamente com Nero, outros cinco polícias foram acusados da morte de Gray. Anteriormente, o julgamento de outro agente, William G. Porter, foi declarado invalido por erros processuais e reagendado para setembro. A 6 de junho próximo, começará o julgamento do condutor da carrinha, Caesar Goodson Jr, acusado de assassínio em segundo grau.

A morte de Freddie Gray causou uma grande revolta entre a população negra de Baltimore, desencadeando atos violentos que danificaram ou destruiram perto de 400 edifícios. O caso contribuiu também para o debate nacional sobre o policiamento junto de comunidades minoritárias.

“Isto vem a acontecer há muito tempo. Não é novo, e não devemos fingir que é novo”, afirmou Barack Obama numa reação ao caso Freddie Gray. “A boa notícia é que talvez haja alguma consciência recém-descoberta, por causa das redes sociais e das câmeras de vídeo, no sentido de que existem problemas e desafios quando se trata do policiamento e da aplicação das leis em determinadas comunidades. Temos de prestar atenção a isso.”

O nome de Freddie Gray integra uma lista de mortes de afroamericanos em ações ou em custódia policial desde meados de 2013 e que revoltaram a população negra dos Estados Unidos. Nessa lista constam também Jonathan Ferrell, 24 anos (Charlotte, 14 de setembro de 2013), Eric Garner, 44 anos (Nova Iorque, 17 de julho de 2014), Michael Brown, 18 anos (Ferguson, 9 de agosto de 2014), Tamir Rice, 12 anos (Cleveland, 23 de novembro de 2014), Eric Harris, 44 anos (Tulsa, 2 de abril de 2015), Walter Scott, 50 anos (North Charleston, 4 de abril de 2015), Sandra Bland, 28 anos (Waller County, 13 de julho de 2015) e Samuel DuBose, 43 anos (Cincinnati, 19 de julho de 2015).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de maio de 2016. Pode ser consultado aqui

Obama já dispensou o Congresso para atacar outro país

Os últimos Presidentes dos EUA envolveram o país em guerras internacionais. Todos esperaram por autorização do Congresso, menos Obama

O Congresso norte-americano começou a discutir a possibilidade de autorizar uma intervenção militar norte-americana na Síria.

Os quatro últimos ocupantes da Casa Branca envolveram as Forças Armadas dos Estados Unidos em guerras internacionais. Bush (pai), Clinton e George W. Bush aguardaram pela “luz verde” do Congresso, mas Barack Obama, Prémio Nobel da Paz 2009, apenas se dirigiu à instituição depois de mandar atacar a Líbia.

FALTA INFOGRAFIA

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de setembro de 2013. Pode ser consultado aqui

Ataque à Síria “dentro de dias”

A oposição síria garante que haverá ação muito em breve. Um governante norte-americano diz que se aguarda apenas uma decisão do Presidente Obama

Fontes da oposição ao regime sírio garantiram à agência Reuters que está iminente um ataque ao território. “Foi dito à oposição, de forma clara, que nos próximos dias poderá haver ação para impedir o uso de mais armas químicas por parte do regime de Assad. E que a oposição deverá preparar-se para conversações de paz em Genebra”, afirmou, hoje, uma fonte não identificada.

Segundo a Reuters, a fonte citada participou numa reunião realizada num hotel em Istambul entre membros da Coligação Nacional Síria (CNS), o principal grupo da oposição apoiado pelo ocidente, e enviados de 11 países “amigos da Síria”.

Entre os presentes estiveram Ahmad Jarba, presidente da CNS, e Robert Ford, enviado dos Estados Unidos para o problema na Síria. Segundo a Reuters, Jarba apresentou uma lista de dez potenciais alvos, que inclui o Aeroporto Militar Mezze, nos arredores de Damasco, e instalações da Quarta Divisão Mecanizada, uma unidade de elite chefiada por Maher al-Assad, o temido irmão do Presidente, e composta sobretudo por alauitas, a comunidade de Assad. 

Qual a opção de Obama?

Em entrevista à BBC, o secretário de Defesa dos Estados Unidos disse, hoje, que as forças norte-americanas “estão prontas” para “cumprir e corresponder ao que o Presidente (Barack Obama) decidir”, disse Chuck Hagel.

Em território sírio há mais de uma semana, uma equipa de inspetores das Nações Unidas tenta investigar o incidente de 21 de agosto, nos arredores de Damasco, onde se suspeita que centenas de pessoas tenham morrido após um ataque com armas químicas.

Na segunda-feira, a missão da ONU foi alvo de disparos por parte de atiradores furtivos, mas conseguiu aceder ao bairro de Mouadamiya, uma das áreas atacadas. Os inspetores recolheram amostras de sangue e entrevistaram várias vítimas. Uma segunda visita está prevista para quarta-feira.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de agosto de 2013. Pode ser consultado aqui