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As causas e as contradições políticas de Diego Armando Maradona

Além de um futebolista talentoso, Diego Armando Maradona foi uma personalidade política. Foi íntimo de líderes socialistas revolucionários, tomou partido por causas e tornou-se porta-voz dos mais desfavorecidos. “A trajetória de Maradona representa a encarnação de um mito popular da cultura argentina, ‘a saga do pibe de ouro’”, diz ao Expresso um antropólogo brasileiro, que ajuda a desvendar o carisma do futebolista

É consensual que Diego Maradona foi uma lenda do futebol mundial, mas o impacto da sua personalidade não se esgotou nos relvados. Fora dos estádios, o argentino abraçou causas políticas, tornou-se voz dos mais desfavorecidos e assumiu-se como ponta de lança da esquerda revolucionária latinoamericana.

Tornou-se próximo de líderes como o cubano Fidel Castro, os venezuelanos Hugo Chávez e Nicolás Maduro e o boliviano Evo Morales, e adotou o seu discurso anti-imperialista. “Todas essas figuras expressam de modo coerente a atitude de ‘rebeldia contra os poderosos’ que sempre marcou a trajetória de Maradona”, comenta ao Expresso o antropólogo brasileiro Édison Gastaldo, que tem vários livros publicados na área do futebol.

“As tatuagens que fez representando Che Guevara [no braço direito] e Fidel Castro [‘o mais sábio de todos’, segundo Maradona, na sua perna esquerda, também a mais sábia] ajudam a compor esta representação mediática, vinculando-o ao atrevimento de, representando um pequeno país, desafiar as grandes potências em nome de suas crenças”, prossegue o especialista.

Com Fidel, Maradona tinha uma relação especial. Considerava-o “um segundo pai”. Ambos morreriam num 25 de novembro, separados por quatro anos. Para trás ficaram quase 30 anos de amizade improvável entre um político culto e um futebolista exagerado.

Maradona mostra a Fidel Castro a tatuagem do cubano na sua perna, durante um encontro a 29 de outubro de 2001, no Palácio da Revolução, em Havana REUTERS

Diego e Fidel conheceram-se em 1987, um ano após o futebolista liderar a Argentina na conquista do Mundial do México. A amizade criou raízes e, em 2000, três anos depois de Maradona ter arrumado as chuteiras, Fidel acolheu-o em Cuba para que se reabilitasse da dependência do álcool e da cocaína.

O argentino viveu quatro anos em Havana e, quando regressou a Buenos Aires, em 2005, experimentou a televisão, apresentando o programa semanal “La Noche del 10”, o seu número nos relvados. Fidel Castro foi um dos seus convidados.

A convivência com o ditador cubano determinou a aproximação de Maradona a outros líderes revolucionários e reforçou o seu sentimento anti-americano, que o argentino expressou de múltiplas formas. A 19 de agosto de 2007, foi convidado de Hugo Chávez no programa televisivo semanal “Aló Presidente”. “Acredito em Chávez, sou chavista. Tudo o que Fidel faz, tudo o que Chávez faz por mim é o melhor [que alguém pode fazer]”, disse. “Odeio tudo o que vem dos Estados Unidos. Odeio com todas as minhas forças.”

A 4 de novembro de 2005, Maradona surge na companhia de Hugo Chávez, com uma t-shirt onde chama “criminoso de guerra” a George W. Bush. Participavam ambos num protesto no estádio Mar del Plata, contra a realização da Cimeira das Américas, na mesma cidade argentina AFP / GETTY IMAGES

A profunda admiração do argentino por dirigentes socialistas e revolucionários tem raízes nas suas origens humildes. Diego Armando Maradona nasceu a 30 de outubro de 1960 e cresceu num barraco sem eletricidade nem água canalizada, no bairro Villa Fiorito, nos subúrbios de Buenos Aires. Era o quinto de oito lhos (e o primeiro rapaz) de Don Diego, operário, e Doña Tota, empregada doméstica. A dez dias de completar 16 anos, estreou-se na Primera División, pela equipa dos Argentinos Juniors, deixando definitivamente a escola para trás.

“Como jogador profissional desde a infância, Maradona teve poucas oportunidades de escolarização formal ou de formação política tradicional. A sua ‘escola’ foi a ‘escola da vida’”, a rma Édison Gastaldo. “Como diz o antropólogo argentino Eduardo Archetti [no livro ‘Masculinidades. Fútbol, tango y polo en la Argentina’ (2003)], a trajetória de Maradona representa a encarnação de um mito popular da cultura argentina, ‘a saga do pibe de ouro’”, uma das suas muitas alcunhas.

O truque da gambeta

“Pibe é gíria argentina para ‘garoto, ‘menino’, mas não um qualquer. O pibe é um menino pobre, que mora na periferia, anda descalço nas ruas e joga futebol num potrero [campo de terra], com uma bola feita de trapos cobertos por um pé de meia. No chão enlameado do potrero, o pibe não acredita em jogo coletivo. No jogo dos meninos, quem tem a posse da pelota é imediatamente acossado por todos os lados. Para livrar-se dos adversários, o pibe usa a gambeta, o drible, o jogo de corpo, a picardia”, continua o professor do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

“Esta associação que Maradona construiu desde a infância com o mito do pibe gambetero (e que sempre reforçou em atitudes e declarações públicas) explica, em boa medida, as muitas inconsistências e contradições no seu posicionamento político”, conclui Gastaldo. “Um pibe age por impulso, diz o que lhe vem à cabeça, não se importa com as consequências. Coerência, se a há, é que o pibe sempre disse o que estava a pensar.”

“La casa de D10S”, onde Diego Maradona cresceu, em Villa Fiorito, um bairro de lata nos arredores de Buenos Aires TOMAS CUESTA / GETTY IMAGES

Uma das contradições políticas do astro argentino prende-se com a forma como sempre abraçou a causa palestiniana e, ao mesmo tempo, ignorou a pretensão do povo sarauí à autodeterminação. “Apoio a Palestina sem qualquer receio”, disse Maradona, que chegou a descrever-se como “fã número um do povo palestiniano”.

Em 2018, esse apoio ficou registado em vídeo, durante um breve encontro com o Presidente da Autoridade Palestiniana, em Moscovo: “Sou palestiniano de coração”, disse Maradona, ao abraçar Mahmud Abbas.

Solidário com a Palestina ocupada, Maradona trocou de campo quando, em 2015, foi convidado por Marrocos para participar num Jogo pela Paz, realizado em El Aiune, capital do Sara Ocupado. Foi durante uma visita do rei marroquino Mohammed VI ao território, antiga colónia espanhola anexada em 1975.

“O comportamento político de Maradona era errático e volúvel, a sua coerência era mais afetiva do que programática”, justifica o académico brasileiro. “Ao longo de décadas de vida pública, passou de apoiante do [ex-Presidente argentino] Carlos Menem e do seu projeto neoliberal a amigo íntimo de Fidel Castro e Hugo Chávez.”

Desobedecer para ajudar quem precisa

Maradona sempre demonstrou empatia pelos necessitados e disponibilidade para colaborar com iniciativas solidárias. A 17 de março de 2008, desafiou uma ordem da FIFA e disputou um amigável, em La Paz, contra uma equipa capitaneada pelo Presidente da Bolívia, Evo Morales. O jogo visava angariar alimentos para vítimas de inundações provocadas pelo fenómeno climático La Niña.

A FIFA proibia jogos mais de 2750 metros acima do nível do mar e a capital boliviana fica a mais de 3500. “Demonstramos à FIFA que se pode correr em La Paz”, sentenciou Maradona.

Noutra partida reveladora do seu espírito irrequieto, citada no livro do antropólogo argentino Pablo Alabarces “Fútbol y patria. El fútbol y las narrativas de la nación en la Argentina” (2002), realizada a 15 de abril de 1992, Maradona disponibilizou-se a participar num jogo de homenagem a um futebolista falecido, que visava arrecadar fundos para a viúva.

O craque argentino estava suspenso dos relvados por 15 meses, apanhado nas malhas do doping. Por essa razão a FIFA ameaçava punir outros jogadores que participassem na iniciativa. O jogo foi avante com uma boa dose de criatividade e rebeldia: as equipas compuseram-se de 12 jogadores, a partida durou 82 minutos e os lançamentos laterais eram feitos com o pé. Não havia, pois, condições para a FIFA considerar a iniciativa um jogo oficial. “Gambetearam a proibição da FIFA”, comenta Édison Gastaldo.

Recém-chegado a Nápoles — onde jogou entre 1984 e 1992 —, Maradona ignorou as indicações do seu novo clube e acedeu a jogar num lamaçal para angariar fundos destinados a pagar a cirurgia de uma criança.

No pavilhão do Sportivo Pereyra de Barracas, em Buenos Aires, onde crianças jogam futebol de salão, Lionel Messi (à esquerda) e Diego Maradona recriam uma versão futebolística da obra de Miguel Ângelo “A Criação de Adão” JUAN MABROMATA / AFP / GETTY IMAGES

“No imaginário popular da Argentina, em Nápoles e em muitos outros lugares, el pibe de oro mostra-se como Robin dos Bosques ou Peter Pan, heróis jovens e rebeldes, que usam inteligência e malícia para enfrentar a força bruta dos poderosos”, explica o antropólogo brasileiro.

“Acredito que houve um ‘encaixe’ da figura pública de Maradona com um poderoso complexo cultural pré-existente. Isso fez com que muito do que ele disse ou fez fosse ‘lido’ ou ‘interpretado’ à luz desse complexo. Por isso, muitos torcedores na Argentina invariavelmente ‘compreendiam’ e ‘desculpavam’ as inúmeras recaídas de Maradona ou as suas punições por indisciplina. Afinal, os pibes são assim: intensos e inconsequentes. Mas, ao mesmo tempo, leais aos seus amigos e familiares. Pode-se acusar um pibe de muitas coisas, mas não de ingratidão.”

Porta-voz dos desfavorecidos

Quando, já retirado dos relvados, Maradona lançou a sua autobiogra a, intitulou-a “Yo soy el Diego de la gente” (2000). Autoproclamado campeão dos pobres, foi genuinamente uma voz dos desfavorecidos. Pode-se quase traçar um paralelo com Eva Perón, a primeira-dama (1946-52) de origens humildes que se proclamava defensora dos descamisados. Separadas por mais de meio século, as suas mortes geraram filas de fiéis à porta da Casa Rosada, residência oficial do Presidente argentino.

“Um ponto de relativa coerência na sua imagem pública consiste em apresentar-se como porta-voz dos desvalidos, daqueles que na Argentina são pejorativamente chamados ‘cabecitas negras’. Muitas vezes, Maradona fez uso dos fartos microfones e câmaras que o procuravam para falar em nome ‘de la gente’, do povo comum. Esse ‘tomar partido’ em público pelos pobres é uma opção bastante coerente com o mito que Maradona construiu para si.”

A 1 de setembro de 2014, Maradona foi recebido no Vaticano pelo conterrâneo Jorge Mario Bergoglio, ex-arcebispo de Buenos Aires. No mesmo dia, participou num “Jogo Interreligioso pela Paz”, organizado pelo Papa Francisco PIER MARCO TACCA / GETTY IMAGES

Ao longo da sua carreira, houve um jogo em particular que ajudou a consolidar o mito do “pibe de ouro”: o famoso Argentina-Inglaterra, nos quartos de final do Mundial do México, disputado a 22 de junho de 1986. Em quatro minutos, Maradona marcou dois dos golos mais famosos na história do futebol — a “Mão de Deus” e o “Golo do Século” — num desafio encarado como vingança dos argentinos sobre os ingleses.

Quatro anos antes, os dois países confrontaram-se durante dois meses numa guerra sangrenta pela posse do arquipélago das Malvinas (Falklands para os ingleses). Morreram mais de 600 argentinos e 250 britânicos e, no fim, as ilhas permaneceram sob a Coroa inglesa.

A 17 de agosto de 2015, durante uma visita a Tunes, para lmar um anúncio publicitário, Maradona pediu desculpa ao árbitro do jogo, o tunisino Ali bin Nasser, pela irregularidade do golo marcado com a mão. Porém, nunca pediu desculpa aos ingleses. Ainda em abril deste ano reivindicou a soberania argentina sobre as Malvinas, homenageando os veteranos numa publicação no Instagram: “A honra e a glória é tudo para vocês, rapazes. Ainda temos orgulho. As Malvinas são argentinas”.

O aperto de mão antes do início do jogo, entre Maradona e Peter Shilton, o guarda-redes inglês a quem o argentino iria marcar dois golos, no Mundial de 1986 DAVID CANNON / GETTY IMAGES

“Todos sabiam que aquele jogo era a chance de ‘desforra’ dos argentinos pela humilhante derrota militar nas Malvinas. Uma ‘desforra’ simbólica, mas uma humilhação verdadeira”, diz Édison Gastaldo.

Segundo o antropólogo Pablo Alabarces, Maradona declarou que, na ocasião, estavam todos instruídos para dizer que era apenas um jogo de futebol e que a partida nada tinha que ver com a guerra. No balneário, o sentimento que existia era de procura da vingança dos soldados argentinos (outros pibes como eles…) abatidos numa guerra estúpida.

No documentário “Maradona by Kusturica” (2008), o futebolista não se furtou a descrever o seu golo batoteiro: “Foi como roubar a carteira a um inglês”. Já no segundo, em que atravessou endiabrado mais de metade do campo até meter a bola na baliza, parecia estar a fintar meio exército britânico.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de dezembro de 2020. Pode ser consultado aqui

(FOTO PRINCIPAL Socialista, terceiro-mundista e sobretudo fidelista, Maradona foi, além de um futebolista talentoso, uma personalidade política MARCELO ENDELLI / GETTY IMAGES)

Ronaldo ou Messi? Estas 30 fotos mostram que não há necessidade de optar

Ronaldo e Messi estão fora da final da Champions, uma prova onde, ano após ano, não páram de deslumbrar. A ausência não passará despercebida a milhões de adeptos em todo o mundo que acompanham esta rivalidade, de forma mais ou menos apaixonada

Nem Cristiano Ronaldo nem Lionel Messi. Nenhum dos dois magos da bola estará na final da Liga dos Campeões a 1 de junho, em Madrid. No histórico da competição é preciso recuar até à época de 2012/2013 para encontrarmos esta dupla ausência no jogo final de uma prova onde um e outro não páram de surpreender.

Se esta época fica marcada pelo golaço do argentino frente ao Liverpool, na primeira mão das meias-finais, no ano passado foi o português a assinar um dos momentos mais fantásticos da prova com um golo marcado com pontapé de bicicleta, ainda pelo Real Madrid contra a sua atual Juventus.

Sempre que um ou outro deslumbra, inevitavelmente as redes sociais incendeiam-se a discutir qual deles é o melhor. Esta fotogaleria mostra que a admiração por CR7 e Messi é universal e que talvez seja um desperdício de tempo discutir se um é melhor do que o outro.

FOTOGALERIA

Ronaldo e Messi, uma dupla presente no universo de graúdos e de miúdos, como esta menina de Valência, Espanha MANUEL QUEIMADELOS ALONSO / GETTY IMAGES
Nesta assembleia de voto na cidade indonésia de Surabaya, as duas estrelas são usadas como “isco” para atrair eleitores JUNI KRISWANTO / AFP / GETTY IMAGES
Mural dedicado a Messi, Neymar e Cristiano, na favela Tavares Bastos, no Rio de Janeiro, Brasil YASUYOSHI CHIBA / AFP / GETTY IMAGES
Durante uma aula de culinária, na cidade chinesa de Shenyang, esculpem-se melancias e os dois futebolistas servem de modelo SHENG LI / REUTERS
Recortes em papel da autoria da artista chinesa Feng Shiping GETTY IMAGES
No Museu de Cera Madame Tussauds, na cidade indiana de Nova Deli SAJJAD HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Na cidade onde Messi é “rei”, Barcelona, uma obra do artista italiano Salva Tvboy celebra “o amor cego” LLUIS GENE / AFP / GETTY IMAGES
Parque de diversões feito de palha, numa propriedade agrícola, na cidade russa de Krasnoye. As pernas de fora pertencem a “Cristiano Ronaldo” e “Messi” EDUARD KORNIYENKO / REUTERS
Na baixa do Cairo, a estrela neste cibercafé é naturalmente o egípcio Mohamed Salah. Mas Messi e CR7 estão por perto KHALED DESOUKI / AFP / GETTY IMAGES
Adeptos argentinos revelam “fair play” usando máscaras do “seu” Messi e do “rival” CR7, durante o Mundial da Rússia ROBBIE JAY BARRATT / GETTY IMAGES
Neste bairro do Rio de Janeiro, “o maior” é Hulk, mas Ronaldo e Messi não são esquecidos SERGIO MORAES / REUTERS
Transformados em ardinas, na berma de uma rua de São Salvador, a capital de El Salvador JOSE CABEZAS / AFP / GETTY IMAGES
Bustos de Cristiano, Messi e Neymar, da autoria do artista cingalês Upali Dias, na residência do escultor, em Colombo LAKRUWAN WANNIARACHCHI / AFP / GETTY IMAGES
“Smartphones” com as imagens dos dois magos da bola, à venda numa loja num centro comercial de Moscovo ARTYOM GEODAKYAN / GETTY IMAGES
Uma criação da empresa de design catalã Brain & Beast, apresentada na semana da moda de Barcelona LLUIS GENE / AFP / GETTY IMAGES
Os rostos principais das seleções nacionais argentina e portuguesa PAUL ELLIS / AFP / GETTY IMAGES
Ladeados por Kemal Ataturk e Angelina Jolie, em melancias trabalhadas pelo artista turco Cook Halil Bozkurt CEM GENCO / GETTY IMAGES
Murais de CR7 e Messi pintados em edifícios na cidade russa de Kazan, que acolheu a seleção das quinas no Mundial da Rússia (2018). A ser pintado está Luka Modric YEGOR ALEYEV / GETTY IMAGES
Na retaguarda de um autocarro, por entre a confusão do trânsito da cidade de Croix-des-Bouquets, no Haiti ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERS
Inspirações para milhares de jovens palestinianos do campo de refugiados de Khan Yunis, na Faixa de Gaza ABED RAHIM KHATIB / GETTY IMAGES
No Complexo do Alemão, uma das mais complicadas favelas do Rio de Janeiro, a admiração por “Ronaldo” e “Messi” não cria conflitos JASPER JUINEN / GETTY IMAGES
Um pouco irreconhecíveis, entre estrelas da música e pesos-pesados da política mundial, numa montra de matrioscas, em Moscovo RYAN PIERSE / GETTY IMAGES
Figuras em destaque dentro e fora dos relvados, como nesta livraria no centro de Turim, Itália ROBBIE JAY BARRATT / GETTY IMAGES
“Na companhia” de Barack Obama, numa rua do bairro de Pelourinho, na cidade de Salvador, Brasil JORGE SILVA / REUTERS
Retratos dos dois futebolistas para venda, na berma de uma rua de Port-au-Prince, a capital do Haiti ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERS
Esculturas de areia, na praia de Copacabana, Brasil. Ao contrário de Neymar e Messi, que estão vestidos, Cristiano exibe os músculos SERGIO MORAES / REUTERS
No exterior do Estádio Nacional de Lima, xamãs peruanos realizam um ritual para desejar boa sorte a CR7 e Messi, nas vésperas do Mundial do Brasil, 2014 ENRIQUE CASTRO-MENDIVIL / REUTERS
Máscaras à venda na Cidade do México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Quase tão populares como Vladimir Putin, no Mercado de Izmailovo, em Moscovo MATTHEW ASHTON / GETTY IMAGES
Nas bancadas de Camp Nou, o estádio do Barcelona, este jovem mostra como se resolve o dilema LLUIS GENE / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 8 de maio de 2019. Pode ser consultado aqui

Mundial 2022: Jogar no Qatar, dormir no Irão

O Qatar e o Irão lutam, presentemente, contra situações de asfixia internacional. O primeiro tenta resistir ao embargo decretado por quatro “irmãos” árabes que temem a sua proximidade ao Irão. Este tenta sobreviver à reposição de sanções ordenada por Donald Trump. Poderá o Mundial 2022 — organizado pelo Qatar — ser, para ambos, um aliado no combate a esse isolamento?

O Qatar está a equacionar hospedar algumas seleções que vão disputar o Mundial 2022 noutros países, nomeadamente no vizinho Irão. Em declarações à agência noticiosa francesa AFP, o chefe do comité organizador da competição disse que o pequeno emirado recebeu “muitas propostas de países” interessados em acolher equipas participantes no torneio, mas que a decisão terá de ser tomada “em conjunto com a FIFA”. “Ainda nada foi decidido”, afirmou Hassan Al Thawadi, na segunda-feira, em Paris, à margem do Fórum para a Paz. “O assunto continua a ser discutido.”

Para o Qatar, a necessidade de ter outras opções para acolher as equipas decorre de uma conjuntura de dificuldades logísticas em virtude do embargo decretado a 5 de junho de 2017 por quatro países árabes — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito —, que acusam o rico emirado de apoiar grupos islamitas radicais e de estar cada vez mais próximo do Irão, o grande rival geopolítico dos sauditas.

Usar infraestruturas iranianas seria algo também do interesse da República Islâmica, a braços com uma asfixia económica e financeira crescente, em virtude da reintrodução, por parte dos Estados Unidos, de sanções que tinham sido suspensas após a assinatura do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em 2016. Na semana passada, foi reposto um pacote de sanções ao sector petrolífero, que ferem também empresas estrangeiras e países que continuem a fazer negócios com Teerão.

Em abril passado, o ministro iraniano dos Desportos, Massoud Soltanifar, disse que o Qatar poderia usar as dezenas de hotéis e de instalações desportivas existentes na ilha iraniana de Kish, a sul. “O Irão está pronto para fornecer ao Qatar qualquer assistência para ajudar o país a organizar melhor o torneio, que é visto por muitos milhões de pessoas”, disse Soltanifar, após um encontro com o homólogo do Qatar, à margem de uma reunião ministerial da Organização para a Cooperação Islâmica, em Baku, capital do Azerbaijão.

Se na Rússia foi bom, no Qatar será melhor

A competição está a quatro anos de distância — com o pontapé de saída previsto para 21 de novembro de 2022 —, mas o embargo que visa o Qatar não dá sinais de abrandar. “Espero que as nações que estão a realizar o bloqueio vejam o valor deste grande torneio e permitam que os seus povos beneficiem dele”, apelou Hassan Al Thawadi.

O responsável confirmou que o Mundial está a ser organizado mediante a fórmula de 32 equipas, apesar da FIFA, o organismo máximo que gere o futebol em todo o mundo, já ter aprovado um modelo de 48 equipas a partir do Mundial de 2026. “Há um estudo de viabilidade a pensar numa competição com 48 equipas. Uma decisão será tomada pela FIFA e por nós enquanto nação anfitriã”, acrescentou Al Thawadi.

Arranjar alojamento para mais 16 seleções complicaria enormemente a tarefa do Qatar. Durante uma recente visita às obras nos estádios, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, disse que o Mundial de 2022 a 48 seria “um desafio difícil”. Com a mesma certeza, afirmou: “O Mundial da Rússia foi o melhor de sempre, mas o Mundial de 2022 no Qatar — estou certo — será ainda melhor”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui

CR7, um herói na Palestina

Barcelona e Real Madrid não deixam nenhum palestiniano indiferente. Em noite de Liga dos Campeões, o Expresso viu o jogo de Ronaldo e Mourinho, num bar de Ramallah. Reportagem na Palestina

Televisões sintonizadas na Liga dos Campeões, no bar Beit Aneeseh, perto do centro de Ramallah MARGARIDA MOTA

Ao fim de uma hora a discorrer sobre Israel, a Palestina e as eternas divergências entre ambos, Yasser Abd Rabbo, secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP), aproveitando a presença de vários jornalistas espanhóis, saiu-se com uma tirada surpreendente: “Na Palestina, 90% das pessoas são adeptas do Barcelona. Os outros 10%… são ‘traidores'”, disse com uma gargalhada.

Os ‘traidores’ a que se refere Abd Rabbo são os simpatizantes do Real Madrid. Presente no encontro, realizado no edifício do Comité Executivo da OLP, o palestiniano Shadi, um confesso adepto do Barcelona, aproveitou para confidenciar ao Expresso: “Não serão 90%… Eu diria que 50% para cada lado”.

A avaliar pelos comentários dos palestinianos sempre que o assunto vem à baila, não é exagero afirmar que, na Palestina, a rivalidade entre o Barcelona e o Real Madrid é, porventura, mais ampla do que a disputa entre a Fatah e o Hamas.

Em noite de Liga dos Campeões, que incluía um renhido Manchester United-Real Madrid (dado o 1-1 na primeira mão), nada como ver o jogo entre locais para atestar da real popularidade do clube espanhol.

Cerveja, amendoins e Iphones

São cerca de 21h45 e as televisões do Beit Aneeseh, um bar perto do centro de Ramallah, sintonizam na Al-Jazeera Sports. A música ambiente cede lugar à voz de um relatador. E os clientes, homens e mulheres, acumulam-se junto aos dois plasmas: um na área das mesas, sobre as quais há cervejas, taças de amendoins e… iphones; o outro junto ao balcão, de frente para uma generosa montra de bebidas alcoólicas.

“Ronaldo”, “Mourinho”, “Nani”, “Coentrão”. O relato da Al-Jazeera Sports não tropeça nos nomes dos jogadores portugueses. Os olhares dos clientes do bar, esses, não desligam dos ecrãs e as jogadas mais emotivas são acompanhadas com a expectativa de quem se prepara para celebrar um golo.

O ‘Man United’ adianta-se no marcador e há alguns clientes que explodem de contentamento. Mas quando Nani é expulso da equipa britânica e, depois, Modric empata para os espanhóis, os adeptos palestinianos do Real embalam para a vitória.

Há aplausos a cada ataque madridista, mãos na cabeça a cada lance de perigo dos ingleses e pulos das cadeiras a cada bola que beija a baliza. Até que, ao minuto 69, CR7 faz o 2-1 final. Em Ramallah, retribuem-lhe a alegria com aplausos de pé.

Artigo publicado no Expresso Online, a 6 de março de 2013. Pode ser consultado aqui