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Pressão total sobre Israel e o Hamas: o que se sabe sobre a mais recente proposta de cessar-fogo em Gaza?

Este fim de semana, algures na Europa, os chefes dos serviços secretos dos Estados Unidos, de Israel e do Egito irão reunir-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Catar para tentar desbloquear uma pausa nos combates na Faixa de Gaza que permita uma troca de prisioneiros. Quase quatro meses após o início da guerra, ainda há 136 israelitas nas mãos do Hamas. A ofensiva de Israel já provocou mais de 26 mil mortos no território palestiniano

Palestinianos manifestam-se entre os destroços de Gaza, a 17 de outubro de 2023 SALEH NAJM E ANAS SHARIF / WIKIMEDIA COMMONS

Vai haver uma trégua em Gaza?

É esse, pelo menos, o objetivo de conversações que estão previstas, este fim de semana, algures “na Europa”, noticiou o jornal digital “The Times of Israel”.

Por determinação do Presidente Joe Biden, o enviado dos Estados Unidos será o diretor da CIA, William J. Burns, com a missão expressa de “ajudar a mediar um acordo ambicioso entre o Hamas e Israel”, escreve “The Washington Post”.

Do lado israelita, irá igualmente o chefe dos serviços secretos, David Barnea, que lidera a Mossad.

Quem são os mediadores?

Há dois países empenhados na aproximação entre Israel e o Hamas. Um deles é o Egito, que foi o primeiro país árabe a celebrar um tratado de paz com Israel, em 1979, e que será representado por Abbas Kamel, chefe dos serviços de informação do país.

O outro é o Catar, um dos financiadores do Hamas, e que desde o início da guerra tem assumido o papel principal nos esforços de mediação. Nestas conversações, o pequeno reino do Golfo será representado pelo primeiro-ministro e simultaneamente ministro dos Negócios Estrangeiros Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al-Thani.

Al Thani deverá seguir depois para os Estados Unidos já que, na segunda-feira, tem prevista a participação num evento organizado pelo think tank Atlantic Council, em Washington D.C., onde, entre outros tópicos, vai falar sobre como inverter a escalada do conflito no Médio Oriente.

As partes aceitam os mediadores?

Nos últimos dias, a relação entre Israel e o Catar sofreu um abalo, após terem sido divulgadas palavras do primeiro-ministro de Israel, proferidas num encontro com familiares de reféns. “Vocês não me ouvem agradecer ao Catar. Essencialmente, o Catar não é diferente da ONU ou da Cruz Vermelha e, em certo sentido, é ainda mais problemático. Não tenho ilusões sobre eles”, afirmou Benjamin Netanyahu.

A divulgação da gravação destas declarações junto dos órgãos de informação israelitas foi autorizada pelo gabinete do próprio Netanyahu, o que revela uma intenção de que fossem tornadas públicas.

Em reação, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Catar considerou as palavras de Netanyahu “irresponsáveis” e “destrutivas”. Na rede social X, Majed Al Ansari escreveu que Netanyahu está “a obstruir e a minar o processo de mediação, por razões que parecem servir a sua carreira política, em vez de dar prioridade ao salvamento de vidas inocentes, incluindo reféns israelitas”.

O que poderá ganhar Israel com um acordo?

A principal reivindicação do Governo de Telavive é a libertação da totalidade dos 132 reféns levados pelo Hamas no dia do ataque e que Israel estima que estejam ainda em cativeiro.

Segundo a agência Reuters, em cima da mesa estará a possibilidade de todos serem libertados, por fases e por categorias — começando pelos civis e concluindo com os militares —, ao longo de uma pausa de um mês nos combates.

Para Israel, uma trégua significa também uma pausa naquela que já é a guerra mais duradoura em quase 76 anos de história do país.

E o Hamas, o que tem a ganhar?

O grupo islamita, que controla a Faixa de Gaza, garantiria, para além da trégua, a libertação de milhares de palestinianos detidos nas prisões israelitas.

Para a população de Gaza, uma pausa na guerra seria também sinónimo de um grande alívio, com a entrada no território de ajuda humanitária. Esta sexta-feira, as Nações Unidas alertaram para a explosão de casos de hepatite A nos acampamentos de deslocados.

Há alguém contrário a um acordo?

Desde logo, o primeiro-ministro de Israel que, não só se tem mostrado defensor da guerra em Gaza como opositor a um Estado palestiniano.

No domingo, na sequência de uma conversa telefónica com Joe Biden, Benjamin Netanyahu declarou ter dito ao Presidente norte-americano que rejeitava as exigências do Hamas considerando que um acordo significaria que outro ataque do género do de 7 de outubro “seria apenas uma questão de tempo”.

Por seu lado, o Hamas tem reiterado a rejeição a qualquer acordo que não conduza ao fim da guerra.

Esta trégua pode prenunciar um cessar-fogo definitivo?

Longe disso. Netanyahu não está sozinho na oposição ao fim da guerra. De forma consistente, governantes israelitas têm-se mostrado contrários a um cessar-fogo permanente sem que a capacidade militar do Hamas seja totalmente destruída.

Esta sexta-feira, o assunto foi objeto de comentário por parte de um antigo secretário-geral da NATO, em termos muito negativos e comprometedores para com o primeiro-ministro de Israel. Em entrevista ao diário espanhol “El País”. Javier Solana considerou que o fim da guerra é improvável “com este Netanyahu”.

“Quando [Josep] Borrell [o chefe da diplomacia da União Europeia] diz que o Hamas foi financiado por Israel, não está a mentir. Disse-o de uma forma muito crua. É verdade que tudo o que Netanyahu podia fazer para dividir os palestinianos, fê-lo.”

Uma trégua seria inédita nesta guerra?

Não. Em novembro, as partes respeitaram uma pausa nos combates que durou sete dias, que permitiu a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e a concretização de uma troca de prisioneiros: o Hamas libertou 105 reféns israelitas e Israel abriu as portas das suas cadeias a 240 mulheres e menores palestinianos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

“A esperança e a alegria questionam o modelo de opressão de Israel.” Em Gaza, há palhaços a tentar animar quem tudo perdeu

Num território destruído e massacrado, como é hoje a Faixa de Gaza, o combate ao medo e ao trauma, sobretudo junto das crianças, passa muito pela tontice dos palhaços. Em entrevista ao Expresso, o galego Iván Prado, referência mundial do circo solidário, fala da intervenção da sua associação, Palhaços em Rebeldia, nos territórios palestinianos. Recorda um episódio antigo em Gaza que lhe despertou a consciência de que o palhaço é um interlocutor da parte da humanidade “que não se deixa vencer pelas bombas”

Na Faixa de Gaza, o sorriso é uma arma, ainda que ali não haja atualmente motivos para sorrir. No sul daquele território palestiniano, consumido por uma guerra sem trégua vai para quatro meses, uma brigada de “capacetes azuis do riso” desloca-se entre escolas e acampamentos de tendas, onde vivem amontoadas milhares de pessoas que ficaram sem teto.

Estes saltimbancos são habitantes de Gaza, com formação na área das artes circenses. Eles próprios foram afetados e deslocados pelo conflito. “Desde a primeira semana de guerra, temos trabalhado com as crianças, para aliviar o seu sofrimento. Temos esse dever humanitário e profissional para com elas”, diz ao Expresso Majid Elmosalami, coordenador das atividades. “Temos feito muitas atuações em escolas-abrigo e em tendas para refugiados. As pessoas acreditam que são sítios seguros, mas a verdade é que não são.”

Os animadores são alunos e formadores da Gaza Stars Circus School, uma escola de circo estabelecida em 2014, em Beit Lahia, no norte do território. Esta região foi o alvo prioritário dos bombardeamentos e da posterior ofensiva terrestre das forças israelitas. “Não sabemos se a nossa sede foi atingida, mas temos a certeza de que perdemos tudo nesta guerra”, continua o responsável.

Junto dos deslocados, os artistas começam por realizar atividades descontraídas, jogos de grupo e pinturas faciais para criar um clima de diversão. Depois assumem o protagonismo e fazem alguns números de circo, da forma mais criativa possível, tendo em conta o escasso material que têm ao dispor.

A arrecadação onde guardavam os acessórios para as atuações ficava numa escola que foi bombardeada. Com tudo reduzido a cinza, estes voluntários socorrem-se da criatividade. Procuraram materiais intactos e ferramentas caseiras nas ruas e entre escombros e construíram massas, bolas e arcos com as próprias mãos. O vídeo abaixo mostra como.

FALTA VÍDEO

A técnica do improviso não é nova para estes artistas. Por causa do bloqueio à Faixa de Gaza, imposto por Israel e pelo Egito desde 2007, estão impedidos de receber determinado tipo de materiais.

“Não há ninguém nem nenhum sector que não tenha sido afetado por esta guerra. Aconteceu também na área do entretenimento. Perdemos todo o equipamento de circo que recolhemos junto dos nossos amigos estrangeiros durante os últimos dez anos”, diz Majid Elmosalami.

A escola ficou também sem o circo móvel, destruído num bombardeamento. Este miniautocarro, destinado a levar animação — e, com isso, apoio psicológico e psicossocial — às zonas mais devastadas de Gaza, tinha sido adquirido há pouco mais de dois anos na sequência de uma campanha de crowdfunding promovida por um dos principais parceiros: o coletivo espanhol Palhaços em Rebeldia.

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

Esta associação cultural com sede em Pontevedra, na Galiza, que encara a figura do palhaço e as artes circenses no geral como antídotos para as desigualdades, as injustiças, a dor e o sofrimento, tem um compromisso especial com a Palestina. “Temos uma relação de vários anos com a Gaza Stars Circus School” diz Iván Prado, o palhaço que fundou e dirige a organização, em entrevista ao Expresso.

“Visitámo-los, fazemos atuações conjuntas e damos-lhes formação. Mas fundamentalmente damos-lhes apoio económico para que possam andar pelas escolas das Nações Unidas. Neste momento, estão a trabalhar sobretudo em Khan Yunis e Rafah [no sul da Faixa de Gaza]. Também querem dar apoio humanitário — roupa, comida, medicamentos —, por isso estamos a fazer uma campanha para angariar mais dinheiro.”

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

Nascido em Lugo, em 1974, Iván Prado é uma referência mundial do circo solidário. Esse percurso internacional levou um forte impulso precisamente na Palestina, em 2002, estava Gaza ainda sob ocupação israelita e, também na Cisjordânia, as ruas estavam tomadas pela segunda Intifada (revolta palestiniana). “Descobrimos a importância da alegria e do mundo dos palhaços — a palhaçaria — para as populações que sofriam, após bombardeamentos constantes. Éramos três palhaços e fizemos 28 espetáculos em 22 dias, por toda a Cisjordânia e em Gaza.”

Nessa primeira imersão palestiniana, constataram a esperança que o simples abraço de um palhaço pode provocar. Em Gaza, na zona de Erez, quando estavam prestes a iniciar um espetáculo, no pátio de uma escola, começou um bombardeamento israelita não muito longe dali. “As crianças puseram-se de pé a cantar e a bater palmas para tentar abafar o som das bombas e incentivar os palhaços a atuarem. Preferiam ficar a assistir ao espetáculo, em vez de fugirem e esconderem-se das bombas”, recorda.

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

Este episódio marcou Iván até hoje. “Levou-me a tomar consciência de que o palhaço é um interlocutor dessa parte da humanidade que crê na esperança e no ser humano e que não se deixa vencer pelo medo, pelo terror ou, neste caso, pelas bombas.”

Se, em contexto bélico, o palhaço pode ser uma “arma de diversão maciça”, como defende a Palhaços em Rebeldia, pode também tornar-se um alvo. Foi o que aconteceu com o galego, em 2010, noutra viagem aos territórios palestinianos: foi detido pelas autoridades de Israel e interrogado durante mais de cinco horas.

“Disseram de tudo, que eu tinha o número de um terrorista no meu telefone, que me recusei a colaborar com eles, na realidade queriam que abrisse o meu correio eletrónico num computador do Shin Bet [serviço de segurança interna de Israel], o que é ilegal”, conta. “Mas acima de tudo não queriam que fizéssemos um festival de palhaços, porque para eles a esperança e a alegria é algo que questiona o seu modelo de opressão.”

Passou uma noite numa prisão em Telavive e foi deportado “por razões de segurança”. O ‘caso do palhaço preso’ teve ampla difusão mediática. Apesar de expulso, o espanhol conseguiu voltar à Palestina no ano seguinte para lançar a semente de um projeto improvável, que vingou: o Festiclown Palestina.

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

A primeira edição deste festival internacional de palhaços, em 2011, contou com a participação de 40 artistas — incluindo os Irmãos Esferovite, uma banda de palhaços de Vila do Conde —, que realizaram mais de 100 atuações por toda a Palestina.

De Pontevedra para o mundo

As deslocações dos ‘narizes vermelhos’ vão sendo possíveis graças ao financiamento da casa-mãe — Festiclown —, um festival do riso nascido em 1999, no município de Pontevedra, dirigido por Iván Prado. No seu sítio na Internet, o evento apresenta-se como “artefacto de alegria rebelde, que usa o riso como alavanca para mover o mundo”.

Além da Gaza Stars Circus School, a Palhaços em Rebeldia tem uma escola de circo no Lajee Center, no campo de refugiados de Aida, em Belém (na Cisjordânia ocupada) e apoia, no mesmo território, a Escola de Circo Palestiniana (Birzeit), outra em Silwan (Jerusalém Oriental) e a organização Human Supporters (Nablus).

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

“Conseguimos enviar-lhes um mínimo de apoio económico para que façam o que sabem, que é animar, levar alegria, tentar aplicar as artes mágicas e esperançosas do circo. No fundo, o nosso universo é aquele lugar onde as coisas impossíveis se tornam possíveis e as coisas possíveis se tornam belas. É a nossa função e é por isso que o fazemos, viajando até lugares, como a Palestina, que leva 75 anos de limpeza étnica e apartheid”, acrescenta Prado.

Na Palhaços em Rebeldia, colocamos a nossa arte ao serviço da humanidade. O que me faria muito feliz seria que futuros palhaços e palhaças entendessem que a nossa arte é uma ferramenta para construir os sonhos e as utopias da humanidade e que sempre estará ao serviço dos que mais sofrem”, prossegue.

CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL

A vocação internacional desta associação galega já a fez galgar muitas fronteiras e tornou Iván num nómada, com deslocações frequentes a lugares do mundo onde as pessoas que ali vivem não sabem se estarão vivas no dia seguinte. Para lá dos territórios palestinianos, já esteve nos acampamentos sarauís no deserto da Argélia, nos campos de refugiados em Idomeni (Grécia) e nas favelas do Rio de Janeiro. Quando conversou com o Expresso, tinha acabado de chegar de terras indígenas de Chiapas (México).

Nessas regiões esquecidas, apesar das dificuldades e do sofrimento, é fácil provocar o riso, garante. “A ferramenta usada pelo palhaço é a estupidez humana, a partir do próprio ridículo de cada um de nós. Essa é uma linguagem internacional e universal. Quando alguém se põe ao ridículo, faz de tonto e trabalha a partir da lógica da estupidez, consegue estabelecer uma relação em qualquer idioma, cultura e circunstância. Há potencial de comunicação de sobra.”

Quando a guerra terminar, associações como a Palhaços em Rebeldia terão um papel importante num território com muitas crianças órfãs e um grande trauma para debelar. “Seremos imprescindíveis. Nós já estamos a tentar viajar agora para a Palestina. Estamos a ver como e por onde.”

(FOTO PRINCIPAL CORTESIA GAZA STARS CIRCUS SCHOOL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Morte do n.º 2 do Hamas “não ficará sem uma resposta ou punição”, garantiu o líder do Hezbollah

Hassan Nasrallah fez o seu segundo discurso em três dias. O líder do Hezbollah prometeu vingar a morte do alto responsável do Hamas, ocorrida em território libanês, e dirigiu-se às populações do norte de Israel, aconselhando-as a pressionar o Governo de Israel para “acabar com a agressão em Gaza”

Logotipos do Hamas e do Hezbollah ACEH ONLINE

Hassan Nasrallah discursou, esta sexta-feira, pela segunda vez em três dias. O secretário-geral do Hezbollah, a organização armada xiita implantada no sul do Líbano, defendeu que o grupo ficaria exposto se não reagisse ao assassínio de Saleh al-Arouri, o número dois do Hamas, em Beirute, num ataque com drone atribuído a Israel, na terça-feira à noite.

Nasrallah referiu-se a Al-Arouri como “um amigo próximo” com quem estava coordenado a vários níveis. “Digo-vos com certeza que isto não ficará sem uma resposta ou punição”, disse Nasrallah, explicando que serão as forças no terreno a decidir a natureza da resposta “no momento e no local apropriados”.

“Não podemos permanecer calados sobre uma violação desta gravidade porque isso significa que todo o Líbano, as cidades e os números ficarão expostos”, continuou Nasrallah.

Israel não assumiu a responsabilidade do ataque que vitimou Al-Arouri, mas, nas redes sociais, responsáveis políticos, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, saudaram a morte do responsável do Hamas.

Na rede social X, Danny Danon, deputado e antigo embaixador de Israel nas Nações Unidas, felicitou “as Forças de Defesa de Israel, o Shin Bet, a Mossad e as forças de segurança pelo assassinato de Saleh al-Arouri”, em Beirute.

“Oportunidade histórica” para reaver território

No seu discurso, gravado previamente e transmitido esta sexta-feira na televisão, Nasrallah disse que, desde 8 de outubro, o Hezbollah já realizou 670 ações militares ao longo da fronteira com Israel, com as quais destruiu um “grande número de veículos e tanques israelitas”.

Nasrallah acrescentou que essas manobras abriram uma “oportunidade histórica” para o Líbano libertar a sua terra ocupada por Israel, aludindo, entre outras contendas territoriais fronteiriças, às Quintas de Shebaa, disputadas pelas duas partes.

“Enfrentamos uma oportunidade real para libertar cada centímetro das nossas terras libanesas e evitar que o inimigo viole as nossas fronteiras e espaço aéreo”, disse.

Objetivo: aliviar a pressão em Gaza

Nasrallah dirigiu-se também às populações que vivem no norte de Israel e que, em virtude da troca de fogo diária entre Israel e o Hezbollah, tiveram de ser transferidas para locais mais seguros.

“Os libaneses historicamente fugiram de Israel, e hoje quem foge são os israelitas”, disse o líder do Hezbollah. “Israel já estabeleceu uma zona de segurança no sul do Líbano – hoje, a zona de segurança está no norte de Israel. Os habitantes do norte de Israel estão errados ao exigir uma guerra contra o Hezbollah, não os ajudará. Pelo contrário, o que os ajudará a regressar a suas casas é pressionarem o governo para acabar com a agressão em Gaza.”

Nasrallah admitiu que o Hezbollah começou a atacar o norte de Israel para dividir as atenções das Forças de Defesa de Israel e aliviar a pressão sobre a Faixa de Gaza. “A batalha que está a ocorrer no sul do Líbano estabilizou o equilíbrio da dissuasão”, disse.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Um terço das vítimas são crianças

O número de mortos não pára de aumentar: em 12 dias já morreram quase 700 pessoas em Gaza, entre as quais 220 crianças. Israel quer punir o Hamas, mas os civis não estão a salvo

ILUSTRAÇÃO DE CARLOS LATUFF

A guerra na Faixa de Gaza pode estar para durar. Na quarta-feira, os doze ministros que compõem o gabinete de segurança de Israel aprovaram a continuação da operação militar naquele território palestiniano. Depois dos bombardeamentos aéreos e da incursão terrestre, está agora em causa uma terceira fase que passa pela penetração nas zonas mais populosas.

Ao 12º dia da incursão israelita, Gaza é uma cidade sitiada pelos tanques israelitas. Na quarta-feira, um cessar-fogo de três horas, que Israel decretou por razões humanitárias, permitiu a entrada no território de 80 camiões com mantimentos e combustível industrial. As populações formaram fila para se abastecer e as organizações humanitárias aproveitaram a aberta para socorrer os necessitados. Israel diz que apenas quer punir o movimento islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, mas as agências humanitárias denunciam uma crise “total”. Desde o início da operação, já terão morrido 693 palestinianos, entre os quais 220 crianças.

Na terça-feira, o bombardeamento de uma escola gerida pela ONU, no campo de refugiados de Jabalia, perto de Gaza, resultou na morte de cerca de 40 pessoas. Centenas de pessoas tinham procurado segurança à sombra da bandeira da ONU. Cerca de 1,5 milhões de palestinianos estão impedidos de sair do território. Inversamente, muitos jornalistas acumulam-se no lado israelita da fronteira, proibidos de entrar na Faixa de Gaza. De longe, os repórteres vão dando conta do barulho da guerra, designadamente das sirenes de alerta nas cidades israelitas mais próximas da fronteira que apitam sempre que o Hamas dispara mais um roquete a partir de Gaza.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de janeiro de 2009. Pode ser consultado aqui

“Israel tem de proteger os seus cidadãos”

Na véspera de se despedir de Portugal, onde foi embaixador de Israel nos últimos quatro anos, Aaron Ram disse ao Expresso que o objectivo da ofensiva em Gaza é atingir severamente a infraestrutura do Hamas

Bandeiras de Israel e Portugal EMBAIXADA DE ISRAEL EM PORTUGAL

A deposição do Hamas é o principal objectivo desta operação?
Há apenas uma semana, centenas de mísseis e morteiros foram lançados sobre civis israelitas (incluíndo 80 mísseis num só dia). Israel tem de proteger os seus cidadãos destes ataques através de uma resposta militar contra a infraestrutura terrorista em Gaza. Esta não é mais que a tradução básica do direito à auto-defesa de qualquer país. O alvo desta operação é, pois, atingir severamente a infraestrutura terrorista do Hamas e seus aliados em Gaza e proteger os cidadãos israelitas por forma a melhorar as condições de segurança no sul de Israel a longo prazo, impedindo os ataques e o rapto de cidadãos.

Israel consultou ou informou previamente a Autoridade Palestiniana acerca desta operação?
Israel tem estado sistematicamente comprometido em negociações com o governo Palestiniano eleito, liderado pelo Presidente Mahmud Abbas e pelo primeiro-ministro Salam Fayyad. Paralelamente, desenrola-se a luta constante contra os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas e outros grupos radicais na oposição, avessos a qualquer tipo de acordo ou solução pacífica. O Hamas é, para além do mais, o principal obstáculo à paz entre Israel e o povo palestiniano no seu desejo de implementação da visão de dois Estados. Consequentemente, qualquer enfraquecimento no poder ilegítimo do Hamas sobre Gaza irá fortalecer a posição moderada Palestiniana.

Não teme que esta operação militar em Gaza constitua a sentença de morte de Gilad Shalit? 
Israel vê o Hamas como único responsável pela situação em que se encontra o soldado Gilad Shalit, raptado por esta organização, em 2006. Israel não o esquece por um minuto e está comprometido em lutar pelo seu regresso a casa, são e salvo, o mais rapidamente possível.

Israel iniciou os bombardeamentos num Shabbat. Queria surpreender o Hamas? 
A decisão que fundamentou quando e como espoletar esta operação foi tomada em consultas entre a liderança política e os comandos militares, de acordo com circunstâncias operacionais que tiveram em atenção factores como o clima, a preparação das forças, etc. O Shabat é o dia mais sagrado da semana para o povo judeu, mas quando a segurança dos cidadãos está em risco, até as leis religiosas mais ortodoxas permitem uma tomada de acção.

A partir da próxima semana, Israel será representado em Lisboa por um novo embaixador. Nascido em Jerusalém, em 1946, Ehud Gol é um diplomata de carreira, com passagens pelos Estados Unidos, Brasil, Espanha e Itália. Em Israel, foi porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 1986 e 1989. Mais recentemente (2002-2006), foi o representante permanente de Israel na FAO, em Roma. Desde 2007, era embaixador não residente para a Arménia, Quirguistão, Tajiquistão e Turquemenistão. É fluente em cinco línguas, entre as quais o português.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2009. Pode ser consultado aqui. Uma versão reduzida da entrevista foi publicada no “Expresso”, no mesmo dia