Para Randa Nabulsi, delegada-geral da Palestina em Portugal, Israel combateria mais eficazmente os róquetes do Hamas se levantasse o bloqueio a Gaza. A palestiniana reconhece que o fim da trégua foi um erro

A Autoridade Palestiniana (AP) foi previamente consultada ou informada por parte de Israel acerca da operação na Faixa de Gaza?
Apesar da existência de negociações de paz longas e entediantes ao longo de mais de 16 anos, e fotografias aqui e ali, nós reconhecemos que estamos sob a autoridade da ocupação. A AP aposta na paz para alcançar a independência, com base nas fronteiras de 1967 e nas resoluções de legitimidade internacional e dos direitos humanos. Israel não tem ajudado, pois considera-se um Estado acima da lei. Yasser Arafat foi cercado e humilhado ao longo de mais de dois anos e poderá ter sido envenenado. Durante o mandato de Mahmud Abbas, Israel não tirou um único dos 700 checkpoints na Cisjordânia, que toprnaram a vida dos seus habitantes num inferno. Os colonatos quadriplicaram e a construção do muro de separação racista prosseguiu em violação das resoluções do Supremo Tribunal de Justiça de Haia. Israel não libertou os mais de 11 mil detidos. Por tudo isto, percebemos porque a AP interrompeu as negociações com Israel após este brutal ataque contra Gaza. Nenhum palestiniano irá aceitar regressar a Gaza em cima de um tanque israelita. A agressão a Gaza colocou os árabes numa situação muito embaraçosa, especialmente os países árabes que têm acordos de paz com Israel, mas foi a AP que ficou mais embaraçada e com raiva. E, a propósito, quando Tzipi Livni foi interrogada sobre esta questão, querendo referir-se ao Egipto, declarou, com arrogância, que Israel não consultou, informou ou pediu permissão a alguém.
A suspensão unilateral da trégua, por parte do Hamas, foi um erro?
Em princípio, o não-prosseguimento da trégua foi um erro. O Presidente Abbas e o Egipto tinham tentado evitar a não-renvação das tréguas. Israel tem, repetidamente, violado as tréguas através do encerramento das passagens de fronteira, deixando os habitantes de Gaza à fome. A abertura das fronteiras para permitir a entrada de mercadorias era o pilar mais importante da trégua, em troca do fim do lançamento dos róquetes. Mas a situação era a oposta: Israel encerrou todas as entradas na Faixa de Gaza, impedindo que o combustível, electricidade e medicamentos entrassem no território, cometendo assim crimes contra o direito internacional e os direitos humanos. Inevitavelmente, as tréguas teriam de chegar ao fim. Com o bloqueio, Israel exerce uma política de punição colectiva contra os habitantes de Gaza, sejam quais forem as suas tendências políticas. Esta resposta de Israel foi desproporcional: a destruição das infraestruturas, os bombardeamentos bárbaros de civis (4 mortos e 12 feridos israelitas / 425 mortos e 2200 feridos palestinianos) e a loucura da morte em Gaza foram condenadas pela comunidade internacional. Estas agressões põem certamente um fim à ideia de paz, que não pode ser imposta através de Apaches e F-16 contra civis e crianças. O sangue palestiniano continua a pagar o custo das eleições israelitas. Qual o resultado de tudo isto? A raiva ao nível da liderança e do povo palestiniano e um aumento do extremismo nos países árabes e no mundo em geral.
O mandato presidencial de Mahmud Abbas está a terminar. O que se seguirá na agenda política palestiniana?
Na lei básica que rege a vida política da AP até à formação da Constituição definitiva pós-independência existe um parágrafo que diz que o mandato presidencial é de quatro anos. No mesmo artigo (cláusula 34), diz-se também que as eleições presidenciais e legislativas devem realizar-se ao mesmo tempo. Em épocas de crise, a decisão final fica nas mãos do povo. Esta duplicação não foi devidamente estudada pelo legislador palestiniano quando, um tanto à pressa, formalizou aquela lei. A próxima data para as eleições não teria sido problema se o golpe na Faixa de Gaza não tivesse acontecido. Para sair deste impasse, o Presidente Mahmud Abbas quer realizar as eleições presidenciais e legislativas no próximo Verão, caso se chegue a uma unidade nacional de coesão entre as duas partes. Estamos orgulhosos da nossa experiência democrática e queremos aproveitá-la. Estamos a trabalhar para o regresso à reconciliação interna e talvez a raiva que varreu a liderança palestiniana e os cidadãos da Cisjordânia nos últimos dias depois do bárbaro ataque a Gaza possa provar ao Hamas que a nossa discórdia política não elimina o facto de sermos um povo com as mesmas ambições para um futuro seguro e brilhante num Estado palestiniano independente com Jerusalém como sua capital.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2009. Pode ser consultado aqui. Uma versão reduzida da entrevista foi publicada no “Expresso”, no mesmo dia


