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Seis jordanos mortos junto à fronteira com a Síria

A explosão de um carro armadilhado junto a um campo de refugiados sírios matou seis militares e lançou o alerta na Jordânia. O país integra a coligação de combate ao Daesh

Pelo menos seis soldados jordanos foram mortos e outros 14 ficaram feridos após a explosão de um carro armadilhado, na área de Rukban (nordeste), junto à fronteira com a Síria.

O ataque ocorreu cerca das 5h30 da manhã desta terça-feira, numa zona tampão entre a fronteira e um campo de refugiados sírios, onde vivem cerca de 70 mil pessoas.

A televisão pública jordana qualificou o atentado, que não foi reivindicado, de “ataque terrorista covarde”. A AFP adianta que terá visado uma torre de vigia junto à fronteira. Um comunicado do Exército jordano informou que vários outros veículos “hostis” foram destruídos.

Fronteiro à Síria, Iraque, Arábia Saudita, Israel e ao território palestiniano da Cisjordânia, o Reino Hashemita da Jordânia é fortemente vulnerável à conflitualidade que o rodeia.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), há na Jordânia mais de 620 mil refugiados sírios registados. Mas milhares de outros aguardam a oficialização da sua situação em acampamentos em zonas desérticas, como em Rukban.

Ao integrar a coligação militar internacional de combate ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), torna-se também um alvo dos extremistas.

Num dos episódios mais famosos do terror do Daesh, o piloto jordano Moaz al-Kasasbeh, que participara nos bombardeamentos a Raqqa e fora detido pelos jiadistas após o seu caça se despenhar, foi queimado vivo dentro de uma jaula de ferro.

O ataque desta terça-feira acontece duas semanas após cinco agentes dos serviços secretos jordanos terem sido mortos quando um homem armado irrompeu pelo gabinete dos serviços de informação em Ain el-Basha, perto do campo de refugiados palestinianos de Baqa’a.

A Jordânia abriga mais de dois milhões de refugiados palestinianos. Na sua maioria, gozam de total cidadania, caso único entre os países árabes que acolhem refugiados palestinianos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de junho de 2016. Pode ser consultado aqui

Quem mata mais na Síria?

O autodenominado Estado Islâmico ultrapassou todos os limites do terror, mas na Síria são as forças leais ao regime que continuam a matar mais civis

A guerra na Síria leva mais de quatro anos, o autodenominado Estado Islâmico (Daesh) arrebatou as atenções ultrapassando todos os limites do terror, mas quem mata mais civis são as forças leais ao Presidente Bashar al-Assad.

Dados recolhidos pela ONG Rede Síria para os Direitos Humanos, revelam que, entre janeiro e julho deste ano, três quartos das mortes civis foram provocadas pelas tropas do regime, que continuam a ser o único contendor sírio com poder aéreo.

No último grande ataque levado a cabo pelos aviões de Damasco, pelo menos 111 pessoas foram mortas quando um mercado de Duma, arredores de Damasco, foi bombardeado, no domingo passado.

Controlada pelos rebeldes, a área de Duma situa-se na região de Ghuta onde, em 2013, foram realizados ataques com armas químicas, comprovados por uma missão das Nações Unidas (que, porém, não conseguiu determinar a sua origem).

“Bombas de barril”

Cinco grandes grupos armados são presentemente os protagonistas desta guerra: tropas do Governo, forças curdas, grupos extremistas islâmicos (como o Daesh), opositores ao regime e a coligação internacional (que começou a bombardear a 23 de setembro de 2014).

Segundo a ONG humanitária síria, este ano, as forças do Governo foram responsáveis por 7894 mortes, enquanto ao Daesh são atribuídas 1131 mortes. Grupos da oposição já terão morto 743 pessoas, as forças da coligação internacional 125 e as forças curdas 80. Outros 381 sírios foram mortos de forma não determinada.

O Governo de Damasco é acusado de largar “bombas de barril” sobre centros populacionais, que matam indiscriminadamente. Tratam-se de artefactos improvisados geralmente cheios de fragmentos metálicos, petróleo e armas químicas. São lançadas por via aérea e, devido à grande quantidade de explosivos que pode carregar, têm uma precisão baixa. O seu uso é ilegal.

Diplomacia marca passo

Na segunda-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, uma resolução apelando a um “processo político que conduza a uma transição política” que acabe com a guerra. Numa posição inédita, o Conselho expressou “uma séria preocupação pelo facto de a crise síria ser atualmente a maior emergência humanitária do mundo”, tendo já provocado 250 mil mortos e 12 milhões de deslocados.

Esta iniciativa política, prevista para começar em setembro, consiste na organização de quatro grupos de trabalho visando outros tantos problemas específicos: a segurança, o terrorismo, a reconstrução e questões legais e políticas.

Na segunda-feira, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, reafirmou que Moscovo não aceita a saída do poder de Bashar al-Assad como pré-condição para o lançamento de qualquer processo de paz. Juntamente com o Irão, a Rússia é dos últimos aliados do Presidente sírio.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de agosto de 2015. Pode ser consultado aqui

A Estalinegrado da Síria

Alepo. Uma cidade-ruína dividida e bombardeada diariamente. Jihadistas andam de BMW e a comida e a água valem ouro

Majad posa junto às ruínas em que se transformou a sua casa, bombardeada, e onde morreram oito pessoas GABRIEL CHAIM

A possibilidade de um ataque dos Estados Unidos à Síria tirou as imagens da guerra dos ecrãs, como se uma trégua tivesse entrado em vigor enquanto Barack Obama decidia o que fazer. Porém, na Síria, as bombas nunca deixaram de cair.

“Todos os dias ouço mais de dez bombas. Durante a noite, os caças do regime rondam, intimidando as populações. Nunca se sabe qual vai ser o próximo alvo”, relata ao Expresso Gabriel Chaim, fotógrafo brasileiro de 31 anos, em Alepo, maior cidade síria, disputada há meses entre guerrilha e exército.

Várias vezes, Gabriel dormiu com roupa e botas, preparado para fugir do quarto. “Quando a noite cai, sei que vai ser longa. O barulho das bombas faz tremer as paredes. Parece que entra no corpo.” À noite, os motoristas guiam de faróis apagados para não se tornarem alvos.

A maior parte da cidade está nas mãos de Assad, cujo poder aéreo — que os rebeldes não têm — faz toda a diferença. Gabriel circula pelo lado controlado pelos rebeldes. “Alepo está toda destruída. Há muitas pessoas armadas, misturadas com a população.”

Durante o dia, vive-se uma aparente normalidade. “Os mercados abrem e muita gente aproveita para fazer as compras básicas. Por vezes, eu estou em mercados e, ao fundo, ouço barulhos de bombas. Ninguém se preocupa muito. Talvez a cidade já esteja habituada a tantas bombas e mortes. Passou a ser rotina.” Não há falta de alimentos nos mercados. Mas por causa da guerra, a libra síria desvalorizou muito. “Tudo está mais caro, às vezes 700%.” A eletricidade falha muitas vezes ao dia e o preço da água aumentou muito. Gabriel só tomou o primeiro banho ao terceiro dia em solo sírio. A internet é melhor após a meia-noite, contrabandeada desde a Turquia.

Gabriel entrou no país no passado dia 4, dentro de uma ambulância. Na Síria, acompanhara os trabalhos de uma ONG síria que distribui bens de primeira necessidade às populações, gere abrigos e apoia o funcionamento de escolas. O brasileiro visitou cinco escolas improvisadas em subterrâneos de casas. No caso de caírem novas bombas, professores e alunos estão mais seguros abaixo da terra. As verdadeiras escolas foram bombardeadas ou abandonadas.

Professores pagos com comida

“Os professores recebem apenas comida como forma de pagamento. Comida básica que, dizem, não é suficiente”, conta Gabriel, que nos primeiros dias comia apenas feijão enlatado e pão. “Com a guerra, a comida tornou-se um luxo. Muitos professores já foram embora. É difícil encontrar pessoas que aceitem dar aulas em troca de comida básica e arriscando a própria vida. Algumas organizações estrangeiras, sobretudo italianas, começaram a ajudar. Alguns professores recebem 20 euros…”

Além dos dois milhões de refugiados registados pelas Nações Unidas — sírios que atravessaram a fronteira para fugir à guerra —, a Síria vive um drama humano ainda maior dentro de portas: a guerra já fez cerca de 4,5 milhões de deslocados internos.

Gabriel Chaim anda sempre acompanhado por três seguranças do Exército Livre da Síria (ELS), o principal grupo rebelde. A presença de grupos jihadistas, com ligações à Al-Qaeda, salta à vista, mas além do ódio a Bashar al-Assad as duas fações pouco têm em comum. “Andam nas mesmas ruas, mas não lutam juntos. OELS não gosta da Al-Qaeda, considera-a um grupo radical. Porém, lutam para derrubar o poder e respeitam-se, como irmãos de armas.” Em Alepo, há também jihadistas da República Islâmica do Iraque.

Gabriel visitou o quartel-general da Al-Qaeda, um antigo palácio de cinco andares, protegido por barricadas e muito movimentado, cheio de gente armada. “A Síria tornou-seumreduto da Al-Qaeda”, diz. “Andam em carros importados, BMW e outros carros caros, geralmente pretos, diferentes de tudo o resto. Os carros do ELS são velhos.”

Se Obama atacar, Assad ataca

Entre os combatentes do ELS há mecânicos, padeiros, cidadãos comuns que, de um dia para o outro, pegaram em armas para lutar contra o regime. Gabriel diz que estes rebeldes não querem a Al-Qaeda na Síria, nem desejam uma intervenção militar norte-americana. “Dão sempre o exemplo da invasão do Iraque. Dizem que os Estados Unidos vão entrar, devastar tudo e, depois de acabar com a Síria, vão embora.”

Por outro lado, receiam que Assad use as armas químicas como retaliação por um ataque dos EUA. “Todos falam nisso, demonstrando certeza que é o que vai acontecer. Mal os EUA lancem a primeira bomba, Assad lança uma ofensiva com mísseis Scud com ogivas químicas. Eles dizem que o regime tem 500 e que já usou cerca de 100.”

Oriundo de São Paulo, este filho de libaneses elegeu como “prioridade” das suas viagens pelo mundo o contacto com populações refugiadas — o que já aconteceu na Jordânia, Irão, Iraque, Faixa de Gaza e Turquia. Gabriel tem um projeto chamado “Kitchen4Life” que combina a paixão pela fotografia (que estudou em Itália), pela gastronomia (que estudou no Brasil) — fez uma especialização em Fotografia de Comida no Dubai — e a solidariedade para com as vítimas de conflitos e da intolerância. “Não vim para cá para fotografar a morte. Vim fotografar a vida, para tentar sensibilizar o mundo para as consequências da guerra.”

Faz hoje uma semana, Gabriel viveu algo que jamais esquecerá. “Fui até um hospital perto da frente de batalha. A maioria dos doentes eram combatentes. Entrevistei um médico e depois fomos fumar um cigarro, fora do hospital. Subitamente, um caça começou a disparar a menos de um quilómetro. Assustámo-nos e fugimos para dentro. Dez minutos depois, começaram a chegar os feridos, rebeldes do ELS. Sem recursos, o médico estava desesperado, tentando salvar aquelas vidas. Nenhum sobreviveu. Após morrer o último, uma enfermeira, numa sala ao lado, chamou-me. Queria mostrar-me algo. Um bebé acabava de nascer…”

Uma criança acaba de nascer num hospital onde todos os feridos de um bombardeamento ali perto acabavam de morrer GABRIEL CHAIM

QUEM SÃO OS JIHADISTAS?

Domenico Quirico, jornalista italiano, esteve cinco meses refém de grupos jihadistas na Síria. Libertado há uma semana, descreve “o surgimento de gangues, como na Somália, que se aproveitam do Islão e do contexto revolucionário para controlar partes do território, saquear, raptar pessoas e encher os bolsos”. Um dos grupos era liderado pelo emir Abu Omar, que disfarçava tráficos e atividades ilícitas com uma aura islamita. “Essa fação faz parte do Conselho Nacional Sírio (oposição reconhecida pelo Ocidente) e os seus representantes reúnem-se com governos europeus.” Quirico foi mais bem tratado enquanto esteve cativo da Frente Al-Nusra, o maior grupo jihadista. “Davam-me da comida deles. Levam uma vida simples. São radicais, islamitas fanáticos que querem tornar a Síria um Estado islâmico e transformar o Médio Oriente, mas face aos inimigos — nós, cristãos ocidentais — sentem honra e respeito.” Muitos carcereiros eram “jovens desequilibrados que aderiram à revolução por esta ter passado a ser feita por grupos, a meio caminho entre o banditismo e o fanatismo”. Jovens que seguem quem lhes dá armas e dinheiro, vestem Adidas e fumam Malboro. “Eu, que não fumo nem bebo, tinha um ar mais islâmico do que a maior parte deles.”

Artigo publicado no Expresso, a 14 de setembro de 2013

Bombas não param de cair na Síria

Um fotógrafo brasileiro descreve ao Expresso, desde Alepo, como se vive numa cidade destruída, bombardeada diariamente pelos caças de Assad

Gabriel Chaim é dos poucos repórteres a noticiar a partir do interior da Síria. Ele conta como, aos poucos, as populações habituaram-se ao barulho das bombas e como tentam improvisar uma vida normal. Os professores, por exemplo, dão aulas em subterrâneos e recebem comida como forma de pagamento.

Parte da cidade está ocupada pelos rebeldes e, nas ruas, há muita gente armada, designadamente jihadistas. Distinguem-se dos restantes rebeldes, entre outras coisa, por circularem em carros de luxo.

Apesar do ódio a Bashar al-Assad, os sírios não querem que os EUA ataquem. Têm medo que se repita o que aconteceu no Iraque. E também que o ditador retalie sobre o povo com armas químicas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de setembro de 2013. Pode ser consultado aqui

Bombardeado hospital de rebeldes sírios

Indiferente às manobras diplomáticas internacionais à volta de um possível ataque à Síria, a guerra continua

Aviões do regime de Bashar al-Assad bombardearam, esta quarta-feira, um hospital que assiste os rebeldes, no norte do país, segundo a agência Reuters.

Citando ativistas do Aleppo Media Centre, a Reuters refere que morreram 11 civis, incluindo dois médicos, e as salas onde funcionavam a urgência e a radioterapia foram destruídas. A agência de notícias síria, SANA, noticiou a morte de “14 terroristas”.

O ataque aconteceu na cidade de Al-Bab, a cerca de 30 quilómetos a nordeste de Alepo, a maior cidade síria.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de setembro de 2013. Pode ser consultado aqui