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“Instabilidade no Norte de África já tem impacto nos fluxos migratórios para a Europa”, e para a costa algarvia

A instabilidade na Tunísia, a ausência de Estado na Líbia e a tensão militar entre Marrocos e Argélia podem alimentar fluxos migratórios na direção da Península Ibérica. Ao Expresso, o diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group diz que “um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não é provável para já”, mas… esta terça-feira o tema será discutido numa conferência organizada pelo Observatório do Mundo islâmico, em Lisboa

Nos últimos anos, o Mediterrâneo tornou-se um cemitério para migrantes desesperados que arriscam a vida (e em muitos casos perdem-na) em frágeis embarcações para tentar chegar às costas da Europa. Um fluxo migratório tem-se feito sentir com maior intensidade junto às fronteiras da Europa de Leste, com milhares de pessoas escondidas em florestas (onde já existem campas de migrantes que morreram ao frio) à espera de oportunidade para pôr o pé em território da União Europeia.

De forma mais discreta e menos numerosa, há cada vez mais embarcações provenientes do continente africano a lançarem-se na direção da Península Ibérica e a chegarem à costa algarvia.

“Por enquanto, o número de tentativas para chegar ao Algarve é limitado. Não é possível falar numa verdadeira rota de imigração ilegal a partir de Marrocos. Portugal já recebeu cerca de 100 migrantes provenientes de Marrocos dessa forma e parece haver um ligeiro aumento este ano comparado com 2020”, diz ao Expresso Riccardo Fabiani, diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group.

“Ao longo deste ano, já foi possível observar um aumento (comparativamente a 2020) de embarcações provenientes de Marrocos para Espanha. Vale a pena lembrar também que a rota do Mediterrâneo Ocidental é a segunda mais importante, depois da rota entre Líbia/Tunisia e Itália.”

Maioria dos migrantes é magrebina

Uma constatação importante para se perceber e conseguir prever a evolução deste fenómeno prende-se com o facto de a maioria dos migrantes que usam a rota do Mediterrâneo Ocidental ser magrebina. “Isso revela que a situação política e económica no Norte de África está a piorar e que esta instabilidade já tem impacto na população e nos fluxos migratórios para a Europa”, explica Fabiani, que esta terça-feira irá desenvolver o tema na conferência “Norte de África: tensões e conflitos”, organizada pelo Observatório do Mundo Islâmico e realizada na Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant´Anna, em Lisboa (18h30), com transmissão online aqui.

“Há várias explicações para este fenómeno. Em primeiro, a situação económica no Norte de África é cada dia mais difícil, especialmente por causa da covid-19 mas também porque a esses países falta um modelo de desenvolvimento capaz de oferecer um número suficiente de empregos, sobretudo para os jovens”, desenvolve o investigador do International Crisis Group. “Em segundo, nos últimos anos, a promessa de abertura política e democracia desapareceu.”

  • TUNÍSIA: Dez anos após o movimento da Primavera Árabe, o país onde tudo começou continua sem consolidar a sua democracia e sem conseguir estabilidade. Invocando a urgência em combater a corrupção, em julho passado, o Presidente Kaïs Saïed dissolveu o Parlamento e concentrou em si os principais poderes do Estado. “A maioria da população está desiludida com a democracia, que não produziu os efeitos esperados de desenvolvimento económico e de combate à corrupção”, comenta Fabiani.
  • LÍBIA: É outro país que ainda não encontrou o seu rumo após a queda do ditador Muammar Kadhafi, há dez anos. Duas autoridades políticas disputam o poder, condenando a sociedade a uma ausência de perspetivas que se arrasta. “Assistimos a um impasse político devido às divisões crescentes entre as fações líbias relativamente às eleições [legislativas e presidenciais] previstas para 24 de dezembro”, neste país rico em petróleo.
  • MARROCOS: Em novembro de 2020, a Frente Polisário pôs termo a um cessar-fogo que durava há dez anos e retomou a luta armada contra Marrocos em nome da autodeterminação do território do Sara Ocidental. Este conflito contamina a relação entre Marrocos e a vizinha Argélia (que abriga milhares de refugiados sarauís). “Estas tensões militares entre Marrocos e a Frente Polisário e um risco cada dia maior de uma guerra entre Argélia e Marrocos podem alimentar nova vaga migratória”, alerta Fabiani.

“Embora um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não seja provável para já, há uma hipótese de a desestabilização do Norte de África poder levar mais pessoas a tentar chegar a Espanha e a Portugal, e tornar a gestão da imigração ilegal nessa região muito mais complicada do ponto de vista político e logístico”, alerta Fabiani.

A estratégia de Portugal

A chegada ao Algarve de embarcações com migrantes marroquinos levou Portugal, em agosto do ano passado, a encetar conversações com Marrocos com vista à criação de uma rede de migração legal, dada a necessidade de Portugal relativamente a mão de obra estrangeira para determinadas atividades.

“O Governo português parece apostar numa estratégia preventiva face ao risco de um aumento da imigração ilegal e negocia com Marrocos um acordo para permitir a imigração legal deste país para Portugal. Parece-me uma estratégia inteligente mas também um sinal de que o problema da imigração clandestina poderia se tornar mais perigoso nos próximos anos.”

Com os migrantes a procurarem rotas alternativas para tentarem para chegar à Europa, a abordagem da União Europeia mantém-se a mesma de sempre: desembolsar milhões para conter o problema na margem sul do Mar Mediterrâneo. “A estratégia nunca mudou: a UE continua a apoiar os Estados ‘tampão’ do Norte de África para gerir os fluxos provenientes da África subsariana e para monitorizar o litoral e assim impedir tentativas de travessia para a Europa”, conclui Fabiani.

“Trata-se de uma estratégia focada na segurança e no controlo das fronteiras e que não presta muita atenção aos outros fatores por detrás deste fenómeno, como o desemprego, a instabilidade, as alterações climáticas e a falta de desenvolvimento económico.”

(FOTO Refugiados tentam atravessar o Mediterrâneo num insuflável, desde a costa da Turquia até à ilha grega de Lesbos MSTYSLAV CHERNOV / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Histórias de imigrantes no Porto. “É muita ingenuidade nossa achar que é um papel que determina o direito a uma vida digna”

No centro do Porto, uma mostra fotográfica a céu aberto alerta para dificuldades na integração sentidas por imigrantes residentes na cidade. “Identidades do Porto”, da documentarista luso-brasileira Sabrina Lima, dá voz a quem anseia por deixar de ser apontado pela sua origem. “Quando é que os portugueses me vão considerar um deles?”, questiona o norte-americano Foster, um dos retratados

Sabrina Lima, junto à exposição “Identidades do Porto”, que está patente até 25 de junho, em frente à estação da Trindade FERNANDO VELUDO / NFACTOS

Pode passar despercebida a quem passa de forma mais apressada, mas quem nela repara não resiste a observá-la demoradamente. De frente para a estação de metro da Trindade, não muito longe do edifício da Câmara Municipal do Porto, uma exposição composta por oito retratos a preto e branco colados num muro de granito dão cara e voz a outros tantos imigrantes residentes na cidade.

Fotos e mensagens convidam os transeuntes a parar e a colocar-se no lugar de quem aceitou posar e partilhar um pouco da sua história em curtas frases impressas nas fotos.

“O objetivo é levar os portugueses a perceberem que essas pessoas [nascidas na Ucrânia, Bangladesh, Cuba, Síria, Angola, Brasil, Venezuela e Estados Unidos] fazem parte da sociedade onde vivem, independentemente do país de onde vêm”, diz ao Expresso a documentarista Sabrina Lima, autora do projeto a que chamou “Identidades do Porto”.

Com esta iniciativa, a luso-brasileira procura também incentivar outros imigrantes que se revejam naqueles testemunhos a partilharem experiências passadas ao longo do seu percurso de integração.

“Eu sempre sou visto como o americano turista que fala português do Brasil, as pessoas não entendem muito bem o que estou fazendo aqui. Não sei quando vamos ultrapassar estes rótulos. Quando vou poder dizer que faço parte da sociedade portuguesa? Quando os portugueses vão me considerar um deles?”

Foster Hodge,
 31 anos, nasceu nos Estados Unidos, vive em Portugal há 1 ano

“Eu me formei como adulta em Portugal, o meu pensamento intelectual é europeu, mas o meu sentir é venezuelano. Acho que o meu pai compreende isto porque ele próprio viveu 30 anos na Venezuela, mas sentiu-se sempre português.”

Roxana Suárez, 
35 anos, nasceu na Venezuela, vive em Portugal há 20 anos

Os oito retratados são pessoas com quem a autora se cruza nas suas rotinas diárias ou procurou deliberadamente durante passeios pela Invicta. “Eu procurei essa representatividade, gente de todos os cantos. Tem um pouco de tudo”, continua Sabrina. “São pessoas que fazem parte da cidade. Uma cidade não é só um conjunto de prédios e de monumentos, é também as pessoas que a habitam, e que não são só nacionais, são de diversas nacionalidades e tentam fazer parte da sociedade”.

Os oito retratados são oriundos da Ucrânia, Bangladesh, Cuba, Síria, Angola, Brasil, Venezuela e Estados Unidos FERNANDO VELUDO / NFACTOS

Nascida no Rio de Janeiro, em 1981, Sabrina Lima vive no Porto desde fevereiro de 2017. Ela própria tem uma história de emigração para partilhar. Neta de emigrantes portugueses, oriundos de Gondomar que rumaram para o Brasil no pós-guerra, cresceu com o conceito de migração muito presente na sua vida.

“Eu cresci a ouvir a minha avó a contar histórias de quando trabalhava no mercado do Bolhão. Cresci entre cartas trocadas entre os meus avós e os primos, entre Portugal e o Brasil.”

O privilégio de ser branca, com passaporte europeu

Quando, há 15 anos, se tornou emigrante, começando por viver em Barcelona, a artista começou a inquietar-se. “O meu principal incómodo era perceber os privilégios que eu tinha — e que tenho — por ser branca, ter ascendência europeia e um passaporte que diz União Europeia”, assume.

“É muita ingenuidade nossa achar que é um papel, um documento, uma fronteira física que determina o que sentimos e o direito a uma vida digna. Somos todos humanos.”

“Sou Engenheiro Agrónomo e aqui não consigo trabalho com o meu diploma. No final vim trabalhar num restaurante. Tem que ser mais fácil. Pediram uma declaração do curso que eu fiz na Síria. Se a minha universidade funcionasse, eu conseguiria, mas ela está destruída, é impossível.”

Sherbel Jabro, 
41 anos, nasceu na Síria, vive em Portugal há 9 anos

“Quando vim para Portugal, eu sabia que não iam me reconhecer como brasileira. Acham que sou chinesa, turista ou de Macau. Quando digo que sou descendente de japoneses, parece que valorizam mais, e essa categorização me incomoda muito. É tudo gente, é tudo gente.”

Patrícia Nakamura, 
40 anos, nasceu no Brasil e vive em Portugal há 4 anos

A documentarista luso-brasileira, licenciada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com estudos desenvolvidos na área do Cinema, Fotografia e Documentário Interativo em Barcelona e Etnografia Urbana na Universidade do Porto, considera o Porto “uma cidade muito acolhedora. Mas essa é a minha experiência, enquanto uma pessoa branca e europeia”, acrescenta.

As pessoas fotografadas são imigrantes residentes na cidade do Porto FERNANDO VELUDO / NFACTOS

“Portugal tem uma coisa muito bonita que é o voluntariado. Há muitas associações que trabalham pelo acolhimento dos imigrantes, isso é muito importante. Mas temos de sair desse olhar da caridade e pensar em políticas públicas de verdade. Entre os países da União Europeia, Portugal é dos mais abertos e que têm mais boa vontade.”

“Eu me sinto próxima a Portugal por causa da língua portuguesa. Mas sou angolana e não espero mudar o meu sotaque.”

Jenice Rogério, 
36 anos, nasceu em Angola e vive em Portugal há 8 anos

“Passei dois meses de férias no meu país. Nas primeiras duas, três semanas, senti falta de Portugal. Depois, quando voltei, senti falta de Bangladesh.”

Fahim Ahmed, 
32 anos, nasceu em Bangladesh e vive em Portugal há 11 anos

“Identidades do Porto” é um projeto iniciado em 2017, com o apoio do Programa de Arte Urbana, da Câmara Municipal do Porto, que agora Sabrina enriqueceu com novos testemunhos. “Uma diferença que sinto de 2017 para cá é que agora as pessoas estão muito mais abertas a falarem sobre essa questão. Ao mesmo tempo que vivemos um momento perigoso com o crescimento da extrema-direita no mundo, alguns assuntos estão a ser mais falados, mais expostos. Eu senti, nos entrevistados, mais vontade de participar e de partilhar.”

A mostra “Identidades do Porto” está instalada em frente à estação de metro da Trindade FERNANDO VELUDO / NFACTOS

Hoje, a imigração tornou-se praticamente o principal tema de trabalho de Sabrina Lima, que integra o coletivo Living City Porto. “Eu acredito que o audiovisual tem um grande potencial de sensibilização da sociedade. Um dos meus objetivos com este projeto é criar novas narrativas que ultrapassem o modelo predominante ‘números-fronteiras-segurança nacional’ quando se fala sobre migração. É humanizar as pessoas e as suas histórias.”

O seu próximo projeto poderá mesmo ter como matéria-prima um episódio que a documentarista viveu no momento em que a pandemia de covid-19 tomava conta do mundo.

Sabrina tinha ido ao Brasil fazer uma formação de dois meses e na véspera de regressar a Portugal, num voo que faria escala em Marrocos, as fronteiras começaram a fechar. Acabou por conseguir embarcar num voo direto entre Portugal e o Brasil, mas, após contactar a embaixada portuguesa em Rabat, ficou a saber que, se tivesse necessitado, haveria um voo de repatriamento para os portugueses retidos em Marrocos.

“É inevitável pensar nos milhares de africanos que se veem obrigados a arriscar a vida em travessias precárias para fazer a mesma rota porque calhou terem nascido em países periféricos. É uma coisa que me dói na alma. Não consigo achar normal que se valorize mais ou menos uma vida em função da nacionalidade.”

Sabrina Lima integra o coletivo Living City Porto FERNANDO VELUDO / NFACTOS

O Expresso desafia Sabrina Lima a colocar-se na pele de um dos seus fotografados e a partilhar a sua mensagem.

“A história da humanidade passa pela migração. A vida toda o ser humano migrou pelos mais diversos motivos. Por que não se quer acolher e integrar? Por que um documento, um pedaço de papel que diz em que país a pessoa nasceu, determina quem tem direito ou não a uma vida digna? Somos todos humanos e temos muito mais semelhanças do que diferenças.”

Sabrina Lima, 39 anos, nasceu no Brasil e vive em Portugal há 4 anos

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui

Caravana da pobreza segue imparável rumo aos Estados Unidos

Milhares de migrantes oriundos da América Central seguem a pé e à boleia na direção dos Estados Unidos. Donald Trump está disposto a enviar 15 mil soldados para a fronteira para conter a “invasão estrangeira”. O Presidente transformou a caravana dos migrantes um dos principais assuntos da campanha para as eleições para o Congresso desta terça-feira e, num comício, elogiou o “lindo arame farpado” colocado junto à fronteira com o México

Fizeram-se à estrada a 12 de outubro para fugir à pobreza, ao desemprego, à violência dos gangues e à instabilidade política. Partiram da cidade de San Pedro Sula, nas Honduras, e pelo caminho foram ganhando a companhia de muitos outros que, como eles, aspiram por uma vida melhor. São, sobretudo, hondurenhos, mas também cidadãos da Guatemala, de El Salvador e da Nicarágua.

Há quase um mês que milhares de pessoas, divididas agora em três grandes grupos, seguem a pé e à boleia através da América Central com pouco mais do que a roupa do corpo. Na mente, têm um só objetivo: chegar aos Estados Unidos e aí começar uma nova vida.

No último domingo, o grupo que segue na dianteira entrou na Cidade do México, que dista cerca de 800 quilómetros do ponto de fronteira mais próximo do Texas. Para trás, outro grupo seguia ao longo da chamada “estrada da morte”, na direção da cidade de Cordoba, no estado de Veracruz.

O número total de migrantes que integra esta caravana é difícil de determinar, já que este longo cordão humano está constantemente a perder gente — que, vencida pelo cansaço, decide regressar a casa — e a ganhar novos participantes, convictos de que pouco ou nada têm a perder e que partir em caravana é mais seguro do que tentar imigrar com a “ajuda” de traficantes, a quem há que pagar dinheiro que não têm.

Caravana chega aos EUA… através da campanha eleitoral

Na sexta-feira passada, um grupo oriundo de El Salvador, com mais de 1000 pessoas, lançou-se às águas do Rio Suchiate, que serve de fronteira entre o México e a Guatemala. Inicialmente, tentaram fazer o percurso através de uma ponte, mas mudaram de planos quando as autoridades mexicanas exigiram passaportes e vistos e começaram a processar as entradas em grupos de 50 pessoas.

Por pressão norte-americana, o México tem tentado refrear o avanço da caravana, oferecendo documentos de identificação temporários e trabalho a quem pedir asilo nos estados de Chiapas e Oaxaca. No sábado, as autoridades mexicanas informaram que já tinham em mãos 2800 pedidos de asilo e que cerca de 1100 pessoas já tinham sido deportadas.

A maioria dos migrantes quer, porém, seguir caminho rumo a um confronto inevitável com um país sem portas abertas para os receber. “O México está a tentar. Eles estão a tentar mas nós somos diferentes, temos os nossos militares junto à fronteira”, congratulou-se Donald Trump, num comício em Montana. “E reparei em todo aquele lindo arame farpado que estava a ser colocado. O arame farpado, quando usado corretamente, pode ser uma vista bonita.”

Empenhado nas eleições desta terça-feira — nas quais os republicanos batalham por manter o controlo do Congresso —, o Presidente americano tornou o assunto um dos principais temas de campanha. Trump diz estar disposto a mobilizar para a fronteira até 15 mil soldados, para impedir a “invasão estrangeira ilegal” — numa operação que poderá custar 220 milhões de dólares (193 milhões de euros) —, ainda que uma avaliação do Pentágono tenha concluído que a caravana não constitui qualquer ameaça à segurança dos Estados Unidos.

FOTOGALERIA

Migrantes de El Salvador atravessam o Rio Suchiate, que serve de fronteira entre a Guatemala e o México CARLOS ALONZO / AFP / GETTY IMAGES
Uma família hondurenha escala uma floresta após ter atravessado o Rio Lempa, entre as Honduras e a Guatemala JORGE CABRERA / REUTERS
Caminhando pelo asfalto a superfície é menos acidentada, mas o trânsito torna-se um perigo CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Com muitos quilómetros nas pernas, boleias são sempre bem vindas, ainda que em condições desumanas PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
UESLEI MARCELINO / REUTERS
HANNAH MCKAY / REUTERS
Caminha-se dia e noite, sempre para norte, na direção dos Estados Unidos PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ao longo do caminho, os migrantes vão encontrando locais de descanso montados para os apoiar, como estas tendas no espaço da Feira Internacional Mesoamericana, em Tapachula, México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Pausa para comer e dormir, num pavilhão desportivo em Arriaga, México CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Migrantes dormem numa praça pública de Tecun Uman, Guatemala CARLOS GARCIA RAWLINS  REUTERS
Passeios da cidade mexicana de Mapastepec transformados em colchões PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ponte cheia de gente à espera de cruzar a fronteira entre a Guatemala e o México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Corpos exaustos, indiferentes ao desconforto provocado pelas pedras e pelos carris UESLEI MARCELINO / REUTERS
Um plástico protege da chuva, durante a pausa da noite PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
 
Fé e esperança num novo dia de marcha e numa nova vida nos Estados Unidos CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Enquanto isso, junto à fronteira com o México, militares norte-americanos desfiam rolos de “lindo arame farpado”, como disse Donald Trump DELCIA LOPEZ / REUTERS
O percurso não se faz sem obstáculos. Este portão na fronteira entre a Guatemala e o México veio abaixo PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
A polícia guatemalteca ficou para trás. Segue-se “o confronto” com as forças mexicanas JOHN MOORE / GETTY IMAGES
JOHN MOORE / REUTERS
UESLEI MARCELINO / REUTERS
Agentes da Marinha mexicana patrulham o Rio Suchiate, na fronteira com a Guatemala EDGARD GARRIDO / REUTERS
O hondurenho Luis Acosta segura com toda a força a sua filha Angel, de cinco anos, enquanto atravessam o Rio Suchiate ADREES LATIF / REUTERS
Num ribeiro de Pijijiapan (México), a hondurenha Dari aproveita para dar um banho à sua pequena Rose ADREES LATIF / REUTERS
Durante uma paragem na cidade mexicana de Metapa, alguns migrantes refrescam-se e lavam as roupas CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Em muitas povoações, como em Huixtla (foto), no México, os locais preparam comida quente para os migrantes ADREES LATIF / REUTERS
Noutros locais, como no caso deste grupo de homens em Tecun Uman (Guatemala), a refeição é a possível CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Um homem descasca um ananás, num acampamento improvisado em Isla, México HANNAH MCKAY / REUTERS
“Obrigado México por abrirem os vossos corações”, agradece este hondurenho ORLANDO SIERRA / AFP / GETTY IMAGES
Chegado ao México, o hondurenho Norlan, de 18 anos, estará convencido de que já falta pouco para viver o sonho americano EDGARD GARRIDO / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Longa marcha para a morte

A descoberta de 58 chineses mortos no contentor de um camião em Dover (depois de um odisseia de quatro meses) chocou o Mundo e «aqueceu» o debate da imigração ilegal para a Europa. No 10º aniversário da Convenção Schengen

Alertados para a presença de um camião «suspeito», dois funcionários do porto de Dover (Sul de Inglaterra) tentaram, no domingo à noite, que a abordagem fosse tão natural quanto possível.

Habituados às situações mais insólitas, nunca lhes ocorreu, porém, estarem prestes a testemunhar a mais macabra das cenas de horror. Após abrirem as portas de um camião-frigorífico de matrícula holandesa, e abrirem caminho por entre o pequeno carregamento de caixas de tomate, que «disfarçava» a entrada do contentor, depararam com uma pilha de 58 cadáveres.

Os criminosos não deixaram impressões digitais, mas as autoridades policiais não param de apontar o dedo às mafias chinesas, «donas e senhoras» de um dos negócios mais rentáveis deste final de milénio — o tráfico de imigrantes ilegais para a Europa.

Calcula-se que esta trágica odisseia tenha começado em Fevereiro, na província chinesa de Fujian. Agentes locais das mafias da emigração ilegal terão aliciado as vítimas, com o «Eldorado europeu» no horizonte (ver texto nesta página).

Durante uma semana, estes clandestinos terão viajado de comboio até Moscovo, onde terão apanhado outro comboio até Praga. Da República Checa terão passado «a salto», pela montanha, para a Alemanha — entrando, assim, no espaço Schengen —, onde foram albergados junto de familiares ou células das mafias.

Supõe-se que este seja o grupo de chineses que, em Abril, foi encontrado em Bornem e Puurs — duas aldeias belgas, a sul de Antuérpia. Expulsos do país, foram metidos num comboio com destino a Antuérpia. Mas não foram escoltados, pelo que rapidamente se lhes perdeu o rasto.

Entregues a si próprios, os ilegais passaram, desde então, a constituir uma tentação para quem quer que fizesse da ganância o lema de vida. Já com os chineses em mira, Arjen van der Spek, um engenheiro holandês de 24 anos, acabado de sair de uma prisão espanhola, onde cumprira pena por traficar haxixe de Marrocos, criou — três dias antes da tragédia de Dover… — uma companhia de transportes com o seu nome e sediada em Roterdão.

De seguida, preocupou-se em encher um camião com a maior quantidade possível de «cabeças» — no caso, 60 pessoas, todas com menos de 30 anos, entre as quais quatro mulheres — e entregou o volante a Perry Wacker, um holandês de 32 anos, com algumas incursões no roubo de cargas.

A primeira etapa seria feita por terra, até ao porto de Zeebrugge (Norte da Bélgica); a segunda de «ferry» até Dover, a antecâmara da «terra prometida».

Um «descuido»

Mas ainda em Zeebrugge, um «descuido» tinha levantado suspeitas: o pagamento à P&O Stena Line — a transportadora marítima que assegura a rota Dover-Zeebrugge — fora feito em dinheiro, o que não era habitual.

A suspeita atraiu as atenções e novo alerta foi dado: a Van der Spek era uma empresa totalmente desconhecida. Quando, às 19h30 de domingo, o «ferry» partiu para Dover, já aí era disfarçadamente aguardado.

As quatro horas de travessia do canal da Mancha poderão ter sido fatais. Esse dia tinha sido o mais quente do ano, em Inglaterra, com o mercúrio a ultrapassar os 30ºC. Dentro do contentor, hermeticamente fechado e com o sistema de refrigeração desligado — dada a escassez de carga transportada —, o calor terá superado os 50ºC, levando à morte, por asfixia, de 58 clandestinos.

Os dois sobreviventes são agora preciosos para os 60 agentes ingleses que, juntamente com belgas e holandeses, tentam desmontar a teia criminosa.

Três pessoas detidas

O condutor, o pai deste e o dono do camião foram já detidos. O primeiro incorre numa multa de 120 mil libras (cerca de 38 mil contos) — 2 mil libras (cerca de 636 contos) por cada ilegal transportado — e já respondeu ontem em tribunal por homicídio involuntário.

Ao fim de quatro meses, os malogrados imigrantes chineses chegaram finalmente ao destino — mas mortos. «A imigração é uma guerra. Brevemente, será necessário erigir um monumento ao ‘imigrante desconhecido’», comentou «L´Unità», o diário italiano ligado aos democratas de esquerda.

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de junho de 2000