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Magrebe lança-se no nuclear

Nos últimos dois anos, pelo menos 13 países do Médio Oriente anunciaram planos nucleares. A proliferação está às portas de Portugal

O “Átomo Sorridente” criado pela organização Nuclear Power? Yes please

A perspectiva de um Irão nuclear não deixa o mundo árabe indiferente. Segundo um relatório do International Institute for Strategic Studies (IISS), de Londres, entre Fevereiro de 2006 e Janeiro de 2007, pelo menos 13 países do Médio Oriente anunciaram novos projectos ou recuperaram planos antigos para se dotarem de capacidade nuclear. No Magrebe, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia foram contaminados por esta súbita aspiração.

A escassez de recursos hídricos e o interesse económico em reservar para exportação uma parte considerável da produção nacional de petróleo e gás são duas das razões que ‘empurram’ os países do Norte de África para a opção nuclear. Na próxima segunda-feira, em Lisboa, a conferência ‘O Mediterrâneo, o Norte de África e a ameaça nuclear’ discutirá este fenómeno às portas de Portugal. O ex-director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica Hans Blix marcará presença no Instituto de Estudos Superiores Militares e falará do impacto regional e internacional dos programas nucleares mediterrânicos.

Segundo o relatório do IISS, a Argélia é o caso que suscita mais receios. Possui dos programas nucleares mais avançados do mundo árabe e é um país onde a Al-Qaeda está particularmente activa. “A sua situação pode ser comparada à do Paquistão: um Estado islâmico dominado por militares com um sério problema com o terrorismo, que goza de boas relações com os EUA, recebeu assistência nuclear da China e tem ligações próximas ao Irão”.

Ameaça ou oportunidade?

Vizinho da Argélia, com quem vive uma animosidade latente, Marrocos também está na corrida ao nuclear. Se tudo correr como previsto, em 2017, Rabat terá o seu primeiro reactor, em Sidi Boulbra. O consumo de electricidade cresce 8% ao ano e o país não tem grandes reservas de petróleo.

Na conferência no Instituto de Estudos Superiores Militares, Francisco Galamas apresentará a perspectiva lusa. “Portugal deve precaver-se contra as prováveis ameaças e aproveitar possíveis oportunidades. As ameaças podem ser definidas a nível do terrorismo e de acidentes nas centrais nucleares. Por outro lado, caso a ligação entre as redes eléctricas europeias e as do Norte de África se concretizar, poderemos beneficiar da energia eléctrica produzida nesta região”, afirmou ao “Expresso”.

À semelhança da Argélia, também a Líbia assinou com a França, em 2007, acordos de cooperação nuclear. Khadafi renunciou à produção de armas nucleares, mas persegue o nuclear para fins civis, designadamente para dessalinizar água do mar.

Na Tunísia, o processo está embrionário, ao nível de estudos preliminares para a construção de um reactor. Como refere o relatório do IISS, “novos projectos sustentados de reactores no Médio Oriente estão, pelo menos, a 10, 15 anos de distância da sua realização”. O efeito-dominó é já, porém, uma realidade.

Artigo publicado no Expresso, a 15 de novembro de 2008

Portugal ruma a Sul

O nosso país está cada vez mais presente no Norte de África. Mas os povos continuam de costas voltadas. No Magrebe, conhece-se o futebol português e pouco mais

Os portugueses não hesitam em ir de férias a Marrocos ou à Tunísia, sabem que a Líbia tem um Presidente um pouco excêntrico e que foi por causa de um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem as Pirâmides de Gizé. No Estreito de Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem. Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de estereótipos e de ideias feitas.

Amanhã e segunda-feira, decorre em Argel a II Cimeira Luso-Argelina. Em paralelo, será inaugurada a Feira Internacional de Argel que em 2007 recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre tivemos uma relação excelente do ponto de vista político e diplomático. A Argélia desempenhou um papel muito importante na formação da nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.

Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.

Geograficamente, Argel está mais próxima de Lisboa do que Paris ou Bruxelas — uma constatação ainda mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portuguesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela empresa Casais, de Braga.

Hoje, 58% do total de exportações portuguesas para o Norte de África vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que se viver no Magrebe. Se houver um surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina, Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.

Na corrida das empresas lusas ao mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o mais longínquo dos países da orla Sul e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco, por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga Árabe. Em 2007, Portugal assinou um Memorando de Entendimento com a organização que nos permite assistir às reuniões. Poucos países da União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.

A funcionar há pouco mais de um ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península Ibérica. Só no primeiro trimestre de 2008, foram assinados contratos que rondam os 1000 milhões de euros. Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só a das empresas que chegam aqui. Há que mostrar a cultura portuguesa e aquilo que somos capazes de fazer noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.

No término das conversas que o “Expresso” manteve com representantes de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África, é impossível iludir o forte contributo do futebol na imagem que os povos do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly — um clube com 50 milhões de adeptos… — é um ídolo. Já em Argel, é o embaixador Almeida Sampaio que não passa despercebido na rua… “As cores de um dos principais clubes de Argel — o Mouloudia — são o verde e o vermelho. Quando fico parado no trânsito, os miúdos vêm dar beijos à flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.

O que nos une

Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV, o território recebeu o nome de Al-Andalus. Situado em Granada, o palácio de Alhambra é o expoente máximo desse legado. Mas mais do que um património comum, hoje, os países da Península partilham com a orla árabe fóruns de diálogo que visam a aproximação entre as margens do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5 (os cinco países da UMA, da Mauritânia à Líbia, e cinco do Sul da Europa) e o Processo de Barcelona da União Europeia (37 membros). A União para o Mediterrâneo, de Nicolas Sarkozy, será a próxima ‘ponte’ sobre o ‘Mare Nostrum’.

MAURITÂNIA
Aprendeu a falar português a bordo dos barcos de pesca luso-mauritanos, ao largo do Sara. Hoje, Yussuf, um mauritano de 37 anos imigrado há oito em Portugal, tem no português a sua língua de trabalho, num posto de combustível de Portimão. “Integrei-me bem. Há pessoas que não gostam de imigrantes, mas não ligo”. Nas férias, vai à Mauritânia de carro. “O trajecto é fácil, há sempre estrada até lá”, durante 4000 quilómetros.

MARROCOS
Quando chegou a Portugal há nove anos, para fazer investigação, Omar, de 35 anos, teve de fazer “uma grande ginástica” para evitar a carne de porco e “adaptar-se à comida portuguesa”. Hoje, este professor de Estudos Árabes diz apreciar “a capacidade de desenrascar” dos portugueses. E critica a “falta de pontualidade e o ‘deixa andar’”, atitudes, confessa, também marroquinas.

ARGÉLIA
Em Portugal há 24 anos, Farida tem um sonho: “Criar uma associação de amizade luso-argelina. Temos uma história comum que deve ser publicada”, diz esta consultora internacional na área alimentar, de 58 anos. “Temos uma geração de casamentos mistos. O que vai ser feito dela? Não há uma escola de língua árabe, não temos onde praticar e mostrar a nossa cultura”. Preocupa-a o futuro do neto luso-argelino.

TUNÍSIA
A vida de Amel deu uma volta de 180 graus desde que chegou a Portugal, há 10 anos. Então, seguira o marido até um novo posto profissional; hoje, administra o Santarém Hotel e gere o operador turístico ‘Beauty Village’. “Gostamos muito do país, não é muito diferente da Tunísia, desde logo no clima. E o contacto entre as pessoas é muito caloroso”.

LÍBIA
O bigode escuro faz Saud, muitas vezes, passar na rua por português. Nascido há 48 anos, a 60 quilómetros de Tripoli, veio para Portugal como bolseiro e por cá ficou. “Gostei do país e da forma como fui tratado”. As duas filhas apreciam ir à Líbia de férias, mas “falam pouca coisa” de árabe. Gostava que os portugueses fossem “mais ambiciosos” e que “não dramatizassem tanto”. Faz de tudo um pouco na embaixada líbia. E torce pelo Sporting.

EGIPTO
“Nós, orientais, acreditamos muito no destino”, diz Badr. E o destino quis que este egípcio de 46 anos viesse a Portugal há 12 estudar a língua de Camões. “Gosto de fado e conheço todas as casas no Bairro Alto. É um tipo de música muito próxima da música árabe. Fala de pátria, saudade e amor”. Se dependesse de si, os portugueses não seriam tão passivos: “Recentemente, no Egipto, aumentou o preço do pão e houve logo protestos”.

Artigo publicado no Expresso, a 7 de junho de 2008

“Terrorismo abriu nova frente em Argel”

Uma mulher é consolada no exterior do hospital Zmirli, em Argel, para onde foram levadas as vítimas de um massacre, a 23 de setembro de 1997. Esta foto, que ficou conhecida como “Madonna de Bentalha”, venceu o World Press Photo em 1998 HOCINE ZAOURAR / WORLD PRESS PHOTO

Entrevista a Bruce Riedel ex-agente da CIA e investigador nos Estados Unidos

Há meio ano, Bruce Riedel, antigo agente da CIA durante 29 anos, alertou, num artigo na revista “Foreign Affairs”, para as “oportunidades” que se abrem em África ao extremismo islâmico. Esta semana, em entrevista ao “Expresso”, este investigador da Brookings Institution (Washington) disse que os atentados na Argélia são a prova de que a organização de Osama bin Laden está em força às portas da Europa.

O terrorismo no Norte de África beneficia dos conflitos no Afeganistão e no Iraque?
O que vimos, esta semana, em Argel é uma indicação muito dramática de que a Al-Qaida abriu com sucesso uma nova frente da “jihad” global no Norte de África. Essa frente está a ser muito dirigida por Osama bin Laden e pelos seus comandantes a partir de bastiões ao longo da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. A escolha de alvos, especialmente o ataque às Nações Unidas, demonstra que é a liderança de Bin Laden que está a tomar as decisões, uma vez que a ONU é um alvo da “jihad” global e não da “jihad” argelina. Nesse sentido, as movimentações da Al-Qaida estão a beneficiar muito da guerra, especialmente no Paquistão e no Afeganistão, que está a correr mal e que lhes está a proporcionar portos de abrigo para desencadearem operações e expandirem a “jihad” para o Norte de África. A guerra no Iraque também os beneficia no sentido de que fornece motivação e é um terreno para desenvolver e testar todos os tipos de novas técnicas.

Podemos então dizer que a seguir ao Afeganistão, ao Paquistão e ao Iraque, a Argélia é o país onde a Al-Qaida está mais activa?
Sim. Há mais de um ano, a liderança da Al-Qaida decidiu afectar recursos para tornar a Argélia a próxima frente da guerra. O objectivo visa não só desestabilizar a Argélia mas também criar uma base no seio da diáspora argelina para atacar a Europa Ocidental, sobretudo a França.

E porquê a França?
A maior comunidade magrebina na Europa está em França. O objectivo é usar a Al-Qaida para o Magrebe Islâmico e penetrar as comunidades argelina, marroquina e tunisina na Europa Ocidental, Portugal incluído. É preciso dizer que a esmagadora maioria dos magrebinos na Europa Ocidental são cidadãos honestos e moderados. A Al-Qaida procura uma pequena minoria para poder recrutar e usar na expansão da “jihad” para fora da Argélia e para dentro da Europa.

Como pode a Europa combater esta ameaça?
Os serviços secretos europeus estão muito concentrados neste problema. Para assegurar a derrota da Al-Qaida no Magrebe e impedir que se instale uma base forte na Argélia há que procurar formas de fortalecer as forças moderadas em Argel. Nos últimos anos, muitos esforços da União Europeia para fazer progredir o Processo de Barcelona foram sensatos. Provavelmente, são precisos mais meios. Uma política inteligente é apostar num Magrebe mais próspero para prevenir a expansão do extremismo islâmico. Outra é intensificar os esforços em redor do núcleo da Al-Qaida no Sul da Ásia, onde está o quartel-general da organização. Isto implica um papel mais forte da NATO no Afeganistão e pressão sobre o Paquistão para que acabe com a permissividade aos portos de abrigo.

Os Estados Unidos preocupam-se com o terrorismo no Norte de África?
Há uma preocupação considerável nos Estados Unidos, mas a Administração Bush afectou todos os recursos da luta contra o terrorismo na guerra do Iraque. Foi um erro nas prioridades porque por muito sério que seja o problema iraquiano não é lá que estão situados os quartéis-generais da Al-Qaida. O centro do movimento para a “jihad” global está no Paquistão e no Afeganistão. Os nossos recursos foram usados erradamente.

A captura de Osama bin Laden deveria ser a prioridade das prioridades?
Sem dúvida. Os ataques desta semana em Argel provam que ele é ainda uma força activa nesta “jihad” global. O comunicado do grupo que levou a cabo os atentados diz que eles seguem Osama bin Laden. Chamam-lhe “o nosso emir”.

DE CASABLANCA A ARGEL

16/05/2003 — Casablanca (Marrocos)
Cinco ataques suicidas contra um restaurante espanhol, um hotel de luxo e um centro judeu matam 45 pessoas.

11/04/2007 — Argel (Argélia)
Várias bombas matam 33 pessoas em ataques reivindicados pela Al-Qaida.

06/09/2007 — Batna (Argélia)
Um ataque suicida, antes de uma visita do Presidente Abdelaziz Bouteflika, mata 20 pessoas e fere 107.

08/09/2007 — Porto de Dellys (Argélia)
Um carro-bomba mata 37 pessoas nas casernas da guarda costeira.

11/12/2007 — Argel (Argélia)
Duas explosões matam 31 pessoas: uma bomba visou o Conselho Constitucional, a outra a representação das Nações Unidas.

(Foto: Pintura exposta no Museu Nacional do Mujahidin, em Argel MARGARIDA MOTA)

Artigo publicado no Expresso, a 15 de dezembro de 2007