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Irão dispara em várias frentes para evitar asfixia económica. Vêm aí as sanções dos EUA

As novas sanções ao Irão decretadas por Washington após Donald Trump retirar os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano estão a três semanas de começar a produzir efeitos. Teerão tenta contrariá-las através da diplomacia e dos tribunais

O Irão está numa corrida contra o tempo. A 6 de agosto, entra em vigor o primeiro lote de sanções anunciadas pelos Estados Unidos após a retirada do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, anunciada por Donald Trump em maio. Um segundo pacote está previsto para entrar em vigor a 4 de novembro, dois dias antes das eleições intercalares nos Estados Unidos.

Na segunda-feira, o Irão apresentou uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça contra os Estados Unidos visando responsabilizar Washington “pela reintrodução ilegal de sanções unilaterais”, anunciou, no Twitter, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, um dos artífices do acordo de 2015.

As novas sanções dos EUA visam sobretudo os sectores energético, petroquímico e financeiro. A agência Reuters estima esta terça-feira que, até ao final do ano, as exportações de petróleo iraniano possam cair “em dois terços” devido ao efeito das sanções.

Exportações de crude em queda

A Índia é o mais recente “campo de batalha” entre EUA e Irão. Temendo retaliações por parte dos Estados Unidos sobre as empresas nacionais que negoceiam com Teerão, a Índia — que é o segundo maior importador de petróleo iraniano, a seguir à China — está a reduzir a sua dependência energética em relação ao Irão.

Em junho, as importações de crude iraniano caíram 16%, de 705 mil barris por dia para cerca de 593 mil.

Esta segunda-feira, Abbas Araqchi, vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, foi à Índia pela segunda vez desde maio. “Não há dúvidas que todos os países que estão a cooperar com o Irão estão determinados em salvar o acordo [sobre o nuclear], e tentam encontrar formas de garantir os benefícios do Irão no quadro do acordo. Esse facto revela o isolamento dos EUA”, afirmou Araqchi à agência iraniana IRNA.

Na semana passada, em Bruxelas, na conferência de imprensa após a cimeira da NATO, Donald Trump abordou o assunto: “Eu sei que [os iranianos] estão a ter muitos problemas e que a economia deles está a colapsar. Em determinado momento, eles irão telefonar-me e dizer: ‘Vamos fazer um acordo’ e faremos um acordo. Eles estão a sofrer muito agora”.

Em junho, greves motivadas pela acentuada desvalorização do rial iraniano encerraram o Grande Bazar de Teerão. E em frente ao Parlamento, protestos contra o enfraquecimento da economia levaram à intervenção da polícia.

UE firme ao lado do Irão

Esta segunda-feira, a União Europeia reafirmou o seu apoio ao acordo sobre o nuclear iraniano, dando cobertura às empresas europeias a operar em solo iraniano.

“Hoje, o Conselho [Europeu] aprovou a atualização do anexo do Estatuto de Bloqueio sobre o acordo nuclear com o Irão”, afirmou a chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, no fim da reunião dos 28 ministros dos Negócios Estrangeiros.

Segundo a legislação europeia, “o Estatuto de Bloqueio proíbe as empresas da UE de cumprir os efeitos extraterritoriais das sanções dos EUA, permite às empresas a obtenção de indemnizações decorrentes de tais sanções junto da pessoa causadora dos prejuízos, e anula o efeito na UE de quaisquer decisões judiciais estrangeiras que se baseiem nelas”.

Concluiu Mogherini: “Continuaremos a fazer tudo o que pudermos para tentar impedir que este acordo seja desmantelado porque acreditamos que as consequências disso seriam catastróficas para todos”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui

Um Nobel da Paz que embaraça os senhores do mundo

Atribuído à Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, o Nobel da Paz deste ano não desencadeou polémicas. Um analista português do Instituto de Investigação para a Paz de Oslo leu o prémio nas entrelinhas e explica por que o considera “altamente político” e uma derrota para a política externa portuguesa

Encontro de voluntários da ICAN, realizado em Londres, a 6 e 7 de julho de 2015 ICAN

A atribuição de um Nobel da Paz a causas — e não tanto a personalidades — isenta a escolha, normalmente, de grandes críticas e polémicas. Foi o que aconteceu este ano com a distinção da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN), uma organização não governamental com sede em Genebra e parceiros em mais de 100 países. Limpar o mundo de um poder tal, mortífero e destruidor, não pode, humanamente, merecer objeções. Mas…

“Apesar de ser tentador pensar que este é um daqueles Nobel que nos provoca boas sensações, em que se premeia uma ONG sem entrar em polémicas com os Estados mais poderosos, interpreto este Nobel como sendo altamente político”, comenta ao “Expresso” Bruno Oliveira Martins, investigador no Instituto de Investigação para a Paz de Oslo (PRIO). “Envia uma mensagem forte a todos aqueles que foram e são responsáveis pelo contexto internacional em que estamos. Pela primeira vez em muitos anos, um conflito nuclear internacional não parece totalmente impossível.”

https://twitter.com/nuclearban/status/883362944456810497

Nos últimos meses, dois assuntos competem perigosamente para pôr o mundo à beira de um ataque de nervos. Por um lado, a crescente tensão no Pacífico, com a Coreia do Norte a testar, com regularidade, armas nucleares cada vez mais potentes e ameaçadoras, e a retórica entre Pyongyang e Washington a ganhar contornos cada vez mais belicistas.

Este sábado, recorrendo ao Twitter, Donald Trump deitou mais lenha para a fogueira: “Os Presidentes e os seus governos andam há 25 anos a falar com a Coreia do Norte, foram feitos acordos e pagas grandes quantidades de dinheiro… e não funcionou, os acordos foram violados antes da tinta secar, fazendo de tolos os negociadores dos Estados Unidos. Desculpem, mas só uma coisa vai resultar!”

Um segundo tema quente é a incerteza quanto ao futuro do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, alcançado em Viena, a 14 de julho de 2015 e assinado pelo P5+1 (EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha) e pelo Irão. Esta semana, durante uma sessão fotográfica, na Casa Branca, com responsáveis militares, com quem se reuniu, Donald Trump afirmou, de forma enigmática, diante dos repórteres: “Vocês sabem o que é que isto representa? Talvez a calma antes da tempestade…”

Apesar da insistência dos jornalistas, o Presidente dos EUA não concretizou a que se referia, mas não faltou quem recordasse que a 15 de outubro a Administração norte-americana tem de certificar o cumprimento do acordo por parte de Teerão — um procedimento que se repete a cada 90 dias. Se a Casa Branca concluir pelo incumprimento, poderá haver lugar à reintrodução de sanções económicas ao Irão por parte do Congresso.

Boicote ao Tratado

“É inevitável pensar que entre os visados por este Nobel está, em primeiro lugar, Donald Trump e a sua Administração absolutamente errática e irresponsável”, refere o investigador português. “Trump está a criar instabilidade e imprevisibilidade nos dois cenários internacionais com mais potencial para conflito: Coreia do Norte e Irão. Naturalmente que as provocações principais surgem da Coreia do Norte, mas é verdade que essas provocações sempre existiram e sempre foram geridas de forma a conter a ameaça, não a potenciá-la.”

Um segundo alvo deste Nobel, para este analista, são os países que “boicotaram” o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, aprovado a 7 de julho passado, nas Nações Unidas. O documento, que resultou do trabalho da ICAN, passou com os votos de 122 países — nenhum deles detentor de ogivas nucleares, nenhum deles membro da NATO… “A palavra é mesmo boicote, porque, com a exceção da Holanda, que votou contra, todos esses Estados estiveram ausentes da votação”, diz Bruno Oliveira Martins.

Para além de estar ausente da votação, Portugal não participou nas negociações do Tratado, uma posição antecipada a 23 de dezembro de 2016, quando votou contra a resolução 71/258 da Assembleia Geral da ONU, que estabeleceu o mandato para os países negociarem o Tratado. Portugal argumenta que “as armas nucleares dos Estados Unidos são essenciais à sua segurança”, lê-se no sítio da ICAN. Esta posição é partilhada por outros 29 países, na sua esmagadora maioria membros da NATO. “Há que dizê-lo claramente que este Nobel vai explicitamente contra uma opção de política externa portuguesa”, comenta o investigador.

https://twitter.com/antonioguterres/status/916267044353474560

No sítio da ICAN, lê-se que o Tratado entrará em vigor assim que 50 países o ratifiquem. Até ao momento, foi assinado por 53 países e ratificado por apenas três, uma meta insuficiente para que possa aumentar a pressão sobre o “clube do nuclear” — sejam os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) sejam países como Índia, Paquistão e Israel, detentores de arsenais atómicos e que nunca assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em vigor desde 1970.

Tratado e Nobel são, por isso, instrumentos importantes para a cruzada anti-nuclear. “Obrigam a que haja um maior debate interno nos Estados e que a questão do desarmamento nuclear abandone o nicho das ONG pacifistas e entre na esfera da política real.”

O investigador do PRIO recorda que, no passado, esta fórmula já deu frutos. A 10 de outubro de 1997, a Academia Nobel atribuiu o galardão da Paz à Campanha Internacional para a Eliminação de Minas. Menos de dois meses depois, era assinado o Tratado de Otava, que entraria em vigor em 1999. “Gerou-se um grande consenso em torno de uma oposição incondicional às minas pessoais”, recorda o analista. “No caso do nuclear, estamos muito longe disso, mas este passo é importante.”

Yes, I CAN

A viver em Oslo, Bruno Oliveira Martins conhece de perto o trabalho do braço norueguês da ICAN e, através dele, a própria organização. “Julgo que a questão mais interessante em torno da ICAN é a estratégia e a lógica intelectual seguida para atingir os objetivos. A argumentação da ICAN tem a ver não com considerações geostratégicas ou geopolíticas, mas com princípios humanitários relacionados com o caráter arbitrário e desproporcional dos danos causados pelas armas nucleares.”

O investigador realça o facto da ICAN ser um movimento das bases, que emerge do seio da sociedade civil. “Está nos antípodas da política das grande potências que normalmente envolve as questões nucleares. É um movimento amplo, aberto, baseado em ONG e em muito voluntariado por parte de pessoas que efetivamente acreditam nesta causa e que entregam as suas vidas à luta por um mundo sem armas nucleares.

Subtilmente, a sigla, em inglês, ICAN tem um apelo implícito a esse voluntarismo e contributo individual: “i can” (eu posso, em inglês).

“Em vários países da NATO, sendo ou não potências nucleares — incluindo aqui na Noruega —, o trabalho desta organização, e dos seus parceiros, é sujeito a grandes pressões e críticas por parte dos governos nacionais, que os consideram idealistas e, por vezes, demagogos e populistas. Por tudo isso”, conclui, “este Nobel é efetivamente político.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 8 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui

Coreia do Norte diz que testou a bomba H, mas há dúvidas

A Coreia do Norte acaba de aceder ao “grupo dos Estados nucleares avançados”, garantem as autoridades de Pyongyang. A realização de um teste nuclear, esta quarta-feira, não está em causa. Mas especialistas duvidam que tenha envolvido uma bomba de hidrogénio, como os norte-coreanos reclamam

A Coreia do Norte tem uma capacidade única de acordar o mundo em sobressalto. Em virtude da diferença horária, quando grande parte do planeta está a despertar do sono, já o dia vai lançado no país. E quando um líder como Kim Jong-un decide fazer jus à sua megalomania, a abertura dos noticiários internacionais está garantida.

Foi o que aconteceu esta quarta-feira quando, às primeiras horas da manhã em Portugal, foi conhecida a realização, na Coreia do Norte, de um teste envolvendo um dispositivo nuclear de hidrogénio miniaturizado. Segundo a agência oficial KCNA, o ensaio nuclear — o quarto desde 2006 — aconteceu às 10 horas locais (uma e meia da madrugada em Lisboa).

“Esta é a medida de auto-defesa que temos de tomar para defender o nosso direito de viver em face das ameaças nucleares e chantagens por parte dos Estados Unidos e para garantirmos a segurança da península coreana”, justificou a apresentadora da televisão estatal norte-coreana. “Não vamos desistir de um programa nuclear, enquanto os EUA mantiverem a sua postura agressiva.”

Coreia do Sul pede mais sanções

O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de urgência para discutir este aparente significativo avanço das ambições militares norte-coreanas. Park Geun-hye, a Presidente da Coreia do Sul — com quem o Norte continua tecnicamente em guerra desde 1953, quando foi assinado um armistício mas não um tratado de paz após a Guerra da Coreia —, instou a comunidade internacional a adotar sanções mais duras contra a Coreia do Norte.

Pyongyang garante que a detonação da bomba de hidrogénio (bomba H) coloca o país “no grupo dos Estados nucleares avançados”. Mas, na região, especialistas questionam os componentes usados no ensaio, defendendo que a atividade sísmica detetada no sítio de testes de Punggye-ri (nordeste) — 5.1 na escala de Richter — sugere a utilização de um dispositivo menos potente.

Citado pelo jornal “The Japan Times”, o australiano Crispin Rovere, especialista em política nuclear e controlo de armas, afirmou: “A informação sísmica recebida indica que a explosão é significativamente mais baixa do que a que seria de esperar de um teste com a bomba H. O que me parece é que eles realizaram com sucesso um teste nuclear, mas não conseguiram completar a explosão de hidrogénio”.

Uma bomba de hidrogénio — também designada bomba termonuclear — tem um poder muito mais destruidor do que as bombas atómicas despejadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Enquanto estas baseavam-se em reações de fissão de elementos radioativos (urânio e plutónio respetivamente), a bomba H baseia-se numa reação de fusão de isótopos do hidrogénio, libertando quase mil vezes mais energia.

A bomba H nunca foi usada em tempo de guerra. A única vez que foi detonada foi a 1 de novembro de 1952, no atol de Eniwetok (Ilhas Marshall). Nesse ensaio (operação Ivy), a bomba teve um poder de explosão de cerca de 10 milhões de toneladas de TNT, sensivelmente 700 vezes o poder da bomba de Hiroshima.

A Coreia do Norte é, oficialmente, uma potência nuclear desde que, a 9 de outubro de 2006, realizou o seu primeiro ensaio atómico. Nessa altura, já se havia retirado do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de 1970. Fê-lo a 10 de janeiro de 2003, após os EUA terem acusado Pyongyang de possuírem um programa secreto de enriquecimento de urânio.

Do “clube do nuclear”, fazem mais sete países: os cinco Estados permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China), a Índia e o Paquistão. A nona potência, não declarada, é Israel. Os três últimos não subscrevem o TNP.

O teste hoje anunciado por Pyongyang aconteceu dois dias antes do 32º aniversário de Kim Jong-un, no poder há quatro anos. Analistas referem que o líder norte-coreano busca um grande feito para dar visibilidade ao sétimo congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia, marcado para maio — o partido no poder já não reune em congresso há 36 anos.

“Não creio que tenha sido um teste com uma bomba H. A explosão teria de ser maior”, disse Choi Kang, vice-presidente do Instituto Asan de Estudos Políticos, sedeado em Seul (Coreia do Sul), citado pelo diário “The Japan Times”. “Eu acho que eles estão a disfarçar o teste realizado, porque recentemente Kim Jong-un falou do assunto.”

No mês passado, durante uma inspeção militar, o líder norte-coreano sugeriu que o país já tinha desenvolvido a bomba H. Fora de portas — então, como agora —, o anúncio foi acolhido com ceticismo.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 6 de janeiro de 2016. Pode ser consultado aqui