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Bancos israelitas fazem negócio às custas da ocupação

Os bancos israelitas são cúmplices da ocupação da Palestina. Financiando projetos de construção, concedendo empréstimos ou simplesmente abrindo balcões — aos quais a população palestiniana não pode aceder — contribuem para perpetuar uma situação ilegal e discriminatória. Um relatório da Human Rights Watch, divulgado esta terça-feira, põe o dedo na ferida

Judeus usam o multibanco, fora de uma agência bancária no colonato de Modi’in Ilit, Cisjordânia HUMAN RIGHTS WATCH

O que de ilegal pode ter uma caixa multibanco num aglomerado populacional? Tudo, se o terminal pertencer a um banco israelita e a povoação em causa for um colonato judeu no território palestiniano da Cisjordânia. Ao abrigo do direito internacional, os colonatos são ilegais, pelo que o financiamento de projetos de construção, a concessão de empréstimos a autoridades locais ou a abertura de agências bancárias nos colonatos tornam os bancos israelitas cúmplices de crimes de guerra.

“Fazer negócios com ou nos colonatos contribui para graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário”, defende ao Expresso Sari Bashi, diretora do programa da Human Rights Watch (HRW) para Israel e a Palestina. “Infelizmente, as empresas não podem mitigar esses abusos, porque eles são inerentes aos colonatos”, que se desenvolvem em terras confiscadas ilegalmente e em condições de discriminação.

Esta terça-feira, a HRW divulgou o Relatório “Bankrolling abuse: Israeli banks in West Bank settlements” no qual defende que os maiores bancos de Israel fornecem serviços que “apoiam e ajudam a manter e a expandir os colonatos na Cisjordânia”.

“Os serviços prestados nos colonatos são intrinsecamente discriminatórios, porque os palestinianos da Cisjordânia não podem entrar nos colonatos, exceto se forem trabalhadores e tiverem licenças especiais”, explica Sari Bashi. “Por isso, os palestinianos não podem obter hipotecas para comprar casas nos colonatos — porque não podem aceder às terras dos colonatos. Não podem usar os multibancos nos colonatos — porque não podem lá entrar. Não desfrutam dos empréstimos dos bancos aos colonatos para a construção de piscinas e centros recreativos — porque o acesso a essas instalações está-lhes vedado.”

Os bancos israelitas defendem-se alegando estarem obrigados pela lei do Estado. A HRW contesta, dizendo que os bancos podiam cessar muitas das suas operações nos colonatos sem consequências legais adversas. “Contrariamente ao que dizem os bancos israelitas, eles não estão obrigados à maioria dos serviços que prestam nos colonatos”, diz Sari Bashi, que antes de trabalhar na HRW cofundou o grupo israelita de direitos humanos Gisha — Centro Legal para a Liberdade de Movimento. “Para cumprir as suas responsabilidades ao nível dos direitos humanos, os bancos deveriam cessar as suas atividades nos colonatos.”

Num relatório publicado em setembro, a HRW já tinha feito um levantamento das atividades bancárias nos colonatos. “É um mapeamento muito parcial, porque os sete grandes bancos contactados recusaram-se a divulgar publicamente o âmbito e a extensão das suas operações nos colonatos”, diz Sari Bashi. “Esse levantamento sugere que os serviços são prestados mediante oportunidades de negócios.”

Por exemplo, os bancos optam por estabelecer balcões em colonatos grandes, onde potencialmente têm mais clientes. Concorrem entre si na concessão de empréstimos às autoridades locais. E escolhem os projetos de construção que querem “acompanhar”. “Os bancos fazem negócios, mas na opinião da HRW essas decisões são contrárias às suas responsabilidades relativas aos direitos humanos” — que constam dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, adotados pelas Nações Unidas em 2011.

Segundo a HRW, quatro grandes bancos israelitas — Bank Hapoalim, Bank Leumi, Bank Discount e Mizrahi Tefahot — subscreveram o Pacto Global da ONU, uma iniciativa que encoraja as empresas a adotarem políticas sustentáveis e de responsabilidade social e que inclui um compromisso no sentido do respeito pelos direitos humanos proclamados internacionalmente. “Cada banco publica um relatório anual sobre responsabilidade social empresarial”, lê-se no documento da HRW. Porém, “nenhum deles, nas edições de 2016, as mais recentes, aborda especificamente atividades nos colonatos israelitas”.

O relatório divulgado esta terça-feira concretiza a cumplicidade entre bancos e ocupação. Na aldeia palestiniana de Azzun, atravessada pelo chamado “muro da Cisjordânia”, o Leumi é parceiro num projeto de construção de cinco novos edifícios no colonato de Alfei Menashe, que cresceu em terras que anteriormente pertenciam à aldeia.

Noutro caso, o Mizrahi Tefahot “acompanha” dois novos projetos residenciais, nos arredores da aldeia palestiniana de Mas-ha, num total de 251 casas. Basicamente, estes planos expandem o colonato de Elkana na direção de Mas-ha, restringindo o acesso dos palestinianos às terras e forçando a deslocalização de populações.

“A transferência, por parte do ocupante [Israel], de membros da sua população civil para o território ocupado [Cisjordânia] e a deportação ou transferência de membros da população do território são crimes de guerra”, conclui o relatório. “As atividades dos bancos financiam um passo perigoso” desse processo. Ao viabilizarem a expansão dos colonatos, facilitam a transferência ilegal de população.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 29 de maio de 2018 e republicado no “Expresso Diário” no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

Palestinianas obrigadas a ter os filhos junto ao muro com Israel

Na Cisjordânia, vive-se uma situação de “apartheid”, denuncia o político independente Mustafa Barghouti. Reportagem na Palestina

Socorrendo-se de slides, Mustafa Barghouti vai demonstrando que, hoje, o Estado palestiniano não é mais do que “aglomerados, guetos e bantustões” MARGARIDA MOTA

“Há palestinianas que saem de casa três meses antes de dar à luz e vão viver com amigos ou familiares, noutras regiões. Têm medo de, na hora do parto, perder os bebés… Foi o que aconteceu a 35 de 86 mulheres obrigadas a ter os filhos junto ao Muro ou em checkpoints. Israel não as deixou passar para irem ao hospital.”

A imagem é forte. Por isso mesmo, Mustafa Barghouti escolhe-a para exemplificar os dramas que se vivem na Cisjordânia. Este médico de 59 anos não é do Hamas nem da Fatah. Em 2002, em plena segunda Intifada, lançou a Iniciativa Nacional Palestiniana, uma espécie de “terceira via”, alternativa à tradicional dicotomia política palestiniana.

Em Ramallah, recebeu um grupo de jornalistas portugueses e espanhóis, entre os quais o Expresso de visita à Cisjordânia a convite da União Europeia  para quem fez um briefing, transmitido em direto pela Palestine TV, sobre a perspetiva palestiniana do conflito.

Socorrendo-se de slides, foi sobrepondo mapas da região desde 1947, demonstrando como a mancha do território palestiniano é cada vez menor e como, hoje, o Estado palestiniano não é mais do que “aglomerados, guetos e bantustões”.

Um projeto de “Apartheid”

“Primeiro, Israel construiu colonatos, depois instalou checkpoints para impedir a liberdade de circulação dos palestinianos. Mais tarde veio o Muro”, diz. “Israel vem aplicando este plano desde 1967.” (Plano Allon)

Vinte anos após o último tratado de paz Acordos de Oslo (1993) , Barghouti não tem dúvidas: “O conceito de áreas A, B e C (referentes, respetivamente, ao controlo total israelita, controlo civil palestiniano e controlo total palestiniano) não é mais do que um esforço de Israel para transformar Oslo, que era um projeto para resolver o problema e passou a ser um projeto de consolidação do apartheid.”

Em outubro passado, uma sondagem realizada em Israel, pela empresa Dialog, revelou que a maioria dos inquiridos apoiava o estabelecimento de um regime de apartheid em Israel se a Cisjordânia for formalmente anexada.

Nas mãos da comunidade internacional

O Expresso pergunta a Barghouti que hipótese de sobrevivência tem a solução de dois Estados, que as duas partes defendem para resolver o problema. “Corre um grande risco. E morrerá se continuarem a permitir que Israel atue desta maneira”, responde.

“Os palestinianos não o conseguem impedir sozinhos”, continua. “Temos o movimento de resistência pacífica e várias outras formas de resistência. Mas sem uma componente internacional de boicotes, desinvestimentos e sanções contra Israel não teremos sucesso. Na prática, a resposta à pergunta ‘Pode a solução de dois Estados ser salva?’ está nas mãos da comunidade internacional.”

Israel dá nega a Durão Barroso

Nascido em Jerusalém, Mustafa Barghouti viu Israel retirar-lhe a autorização para se deslocar à cidade onde também trabalhou como médico durante 15 anos na sequência da sua candidatura às presidenciais palestinianas, em 2005. (Ficou em segundo lugar, atrás de Mahmud Abbas, com cerca de 20% dos votos.)

No ano passado, o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, foi à região e demonstrou interesse em receber Barghouti. A União Europeia pediu autorização a Israel para que o encontro acontecesse em Jerusalém. Israel recusou.

Artigo publicado no Expresso Online, a 4 de março de 2013. Pode ser consultado aqui