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Educação derrota ameaça do terror

O sultanato omanita é “a estrela” do Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 das Nações Unidas. Foi o país que mais melhorias registou

Crianças omanitas, em Mascate MARGARIDA MOTA

Omã foi, num universo de 135 países, aquele que mais progressos registou no Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 — um barómetro encomendado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que avalia os países em matéria de saúde, educação e dos padrões de vida básicos — apresentado na semana passada.

O pequeno sultanato da região do Golfo — pequeno comparativamente ao vizinho e gigante saudita porque, na verdade, Omã é três vezes maior do que Portugal — vê, assim, consagrado o investimento feito na educação através dos ganhos do petróleo.

A educação formal em Omã começou apenas em 1970, ano em que Qaboos bin Said subiu ao trono do sultanato. “Mesmo que não tenhamos edifícios, temos de educar as nossas crianças, ainda que à sombra das árvores”, passou a ser o lema. Omã tinha apenas três escolas, frequentadas por 900 crianças — todas do sexo masculino —, não havia currículos nacionais e os professores eram contratados nos países vizinhos. Qaboos elegeu os recursos humanos como o maior recurso e o maior ativo de Omã e encetou um programa de modernização e abertura ao exterior — o seu pai e antecessor, Said bin Taimur, de uma forma paranoica, fechara o país ao mundo. Hoje, o sultanato tem à volta de 1300 escolas (públicas e privadas) e as crianças começam a aprender inglês e informática na escola primária. Rapazes e raparigas têm as mesmas oportunidades no acesso à educação e, nos últimos anos, as raparigas têm-se evidenciado com desempenhos superiores aos alunos do sexo oposto.

A aposta na educação é, paralelamente, um dos pilares do programa de omanização das estruturas produtiva e administrativa, em vigor desde 1988. Se há 40 anos, Omã necessitava de importar mão de obra qualificada para o país funcionar, hoje os omanitas conquistam cada vez mais postos de trabalho aos expatriados.

Num artigo publicado, há cerca de um mês, no “The New York Times” — intitulado “O que Omã nos pode ensinar” —, o colunista Nicholas Kristof, após visitar o país, escreveu: “Ao mesmo tempo que os EUA recorrem ao poder das armas para tentar esmagar o extremismo no Afeganistão, Paquistão e Iémen, poderiam, antes, considerar a lição do notável país árabe que é Omã”.

Geograficamente contíguos, Omã e Iémen — país que, como diz Kristof, “tornou-se uma incubadora para terroristas aliados da Al-Qaeda” — vivem realidades contrastantes em matéria de ameaça terrorista. Kristof conclui: “Uma das lições de Omã é que uma das melhores e mais eficazes formas para subjugar o extremismo é promover a educação para todos”.

Salalah, cidade portuária no sul de Omã onde teve início a revolução social e económica do país MARGARIDA MOTA

RELATÓRIO DO PNUD

76,1
anos é a esperança média de vida a que um recém-nascido omanita pode aspirar, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano 2010. O resultado de Omã é superior ao do Brasil (72,9) e à da comunitária Polónia (76). A média de Portugal é de 79,1. No capítulo da educação, as crianças omanitas têm 11,1 anos de escolaridade esperados

Artigo publicado no Expresso, a 13 de novembro de 2010

O cheiro que “Os Lusíadas” consagraram

Beneficiando de um clima tropical único, a árvore do incenso cresce de forma selvagem no Sul de Omã. Em 2000, a UNESCO inscreveu esta resina na lista de património da humanidade. Reportagem em Omã

Árvore do incenso, no sul de Omã MARGARIDA MOTA

“És cristã? Sabes que quando Jesus nasceu, o nosso rei foi a Belém oferecer-lhe incenso?” Em frente a uma loja de incenso no “suq” de Salalah (cerca de 1000 km a Sul de Mascate), Abdullah não se privou de recorrer à lenda de que os Três Reis Magos terão atravessado o actual território de Omã a caminho de Belém, para demonstrar o valor histórico daquele bem.

Apreciado nos mais antigos impérios e civilizações, onde chegou a ser mais valioso do que o ouro, o incenso é uma resina extraída, através de uma incisão, dos troncos de uma árvore chamada “Boswellia sacra”. Usado na medicina tradicional, na indústria de perfumes e em actos religiosos, é, ainda hoje, um produto de exportação para Omã.

Neste Sultanato, a árvore do incenso cresce, de forma selvagem e sem intervenção humana, na região de Dhofar, no Sul. Devido às monções que fazem com que durante três meses do ano (Junho, Julho e Agosto), esta região mais pareça a Irlanda, com prados e montanhas verdejantes , Dhofar tem um clima único, que a diferencia geograficamente do resto do país.

A 2 de Dezembro de 2000, a UNESCO inscreveu a “Terra do Incenso” na sua lista de Património Mundial da Humanidade. Esse reconhecimento já, 500 anos antes, Luís Vaz de Camões o fizera no Canto X de “Os Lusíadas”:

“Olha Dófar, insigne porque manda

O mais cheiroso incenso pera as aras;

Mas atenta: já cá destoutra banda

De Roçalgate, e praias sempre avaras,

Começa o reino Ormuz, que todo se anda

Pelas ribeiras que inda serão claras

Quando as galés do Turco e fera armada

Virem de Castelbranco nua a espada.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 3 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui

Por que não há piratas no Golfo Pérsico?

Contrariamente ao Golfo de Aden, no lado oposto da Península Arábica não há piratas. A Marinha de Omã é soberana na monitorização do tráfego marítimo. Reportagem em Omã

Se, nos dias que correm, o Golfo de Aden tornou-se uma armadilha para a marinha mercante que percorre o Mar Vermelho, é legítimo questionar por que razão o fenómeno da pirataria não se repete no Golfo Pérsico, no lado oposto da Península Arábica. Provavelmente, porque Aden não é longe da Somália, responde Said bin Khalfan Al-Harthy, assessor no Ministério da Informação, em entrevista ao Expresso. Julgo que a pirataria não é um problema crónico. Pode ser ultrapassado, mas os países envolvidos nesta ameaça têm de colaborar, têm de ir à raiz do problema, diz. Ou seja, enfrentar a situação que se vive na Somália, um Estado em progressiva desagregação.

Em matéria de navegação, os omanitas sabem do que falam. Nós somos um dos guardiães do Estreito de Ormuz, continua Al-Harthy. De frente para o Irão, a Península de Musandam território omanita encrostado nos Emiratos Árabes Unidos penetra no mar e afunila a passagem dos petroleiros que descem o Golfo Pérsico. No Estreito, cabe à Marinha Real de Omã a monitorização do trânsito e a segurança dos petroleiros.

Ao dominar Ormuz, Omã domina uma das rotas comerciais marítimas mais antigas e mais importantes do mundo. Os portugueses perceberam-no no século XVI e os Estados Unidos mais recentemente… Na Península de Musandam, está instalada uma base militar norte-americana.

Artigo publicado no Expresso Online, a 1 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui

Branco mais branco não há!

Omã surpreende pela sua limpeza. Quase não se vê lixo nas ruas e os homens trocam de “dishdasha” todos os dias. Reportagem em Omã

Um homem vestido com “dishdasha” tenta comprar um “kummah”, o tradicional chapéu omanita, numa loja em Mascate MARGARIDA MOTA

Se Omã tivesse uma cor oficial, seria muito provavelmente o branco. É esse o tom que predomina na paisagem do país, seja nos interiores dos edifícios, nas suas fachadas ou… nas vestes dos homens. Dia após dia, a esmagadora maioria dos omanitas veste-se com uma “dishdasha”, uma túnica tradicional árabe usada especialmente na Península Arábica.

Há-as de várias cores, mas são as brancas que enchem as lojas de roupa dos mercados. Por ser uma cor sujeita à sujidade, os omanitas trocam de “dishdasha” todos os dias. E não precisam de o dizer. Basta observar o seu estado permanentemente imaculado: limpo, passado a ferro e perfumado.

Mas não é só na maneira de vestir que os omanitas têm brio. Raramente se vê sujidade nas ruas e nos “suqs”, por exemplo, não se vive o caos do lixo que se constata noutros mercados do Médio Oriente. Dentro dos edifícios, as superfícies em mármore parecem acabadas de ser polidas. Nas vias públicas, cada pedaço de terra ajardinado, por mais pequeno que seja, está cuidado e dotado de um sistema de rega automática. E nos estaleiros das obras, as vassouras coexistem com as pás e picaretas, sendo possível observar um trabalhador a varrer um chão acabado de arranjar, enquanto outro, ali ao lado, ainda anda às voltas com o cimento.

Os omanitas dizem que os seus cuidados com a limpeza são ancestrais. Não fiando, o Sultanato está vigilante, não vá qualquer súbdito passar a ser desleixado… Andar na rua com um carro sujo pode motivar uma repreensão por parte de um polícia. Já atirar lixo pela janela de um carro dá multa pela certa.

Artigo publicado no Expresso Online, a 29 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

Mulheres de Omã

A maioria das mulheres omanitas cobre o cabelo com o véu. Mas também há as que não se tapam e as que, ainda que bastante tapadas, se recusam a sentar ao lado de homens. Reportagem em Omã

Mulheres às compras num mercado de Mascate MARGARIDA MOTA

Desculpe, não se importa de trocar de lugar? Estão ali duas senhoras que não querem fazer a viagem sentadas ao lado de um homem! Não questionei o pedido que a hospedeira da Oman Air me fez e acedi. Chegada ao meu novo lugar, vi que duas mulheres trajando o hijab o lenço usado por muitas muçulmanas que pode deixar à vista apenas os olhos seriam as minhas companheiras de voo, entre Mascate e Salalah, a segunda cidade de Omã, no Sul. Assim que me sentei, ambas me olharam, como que a agradecer, e uma disse-me, em inglês: Obrigada por compreender!

Observando as mãos das mulheres porque pouco mais do corpo estava à vista , conseguia perceber que uma era jovem e a outra mais velha, provavelmente mãe e filha. Durante a viagem, que durou cerca de hora e meia, mal falaram. A mais nova ocupou o tempo fazendo exercícios de Sudoku. A mais velha ia dormitando e lançando o olhar na direcção da janela. Quando foi servida a refeição, a mais nova levantou o véu para comer. A mais velha subia e descia o lenço à medida que metia mais uma colherada à boca.

Quando o avião aterrou em Salalah, a mais velha, de unhas pintadas, nas mãos e pés, apressou-se a ligar o telemóvel. De seguida, tirou um espelho da carteira para observar o rosto…, retocou o rímel, perfumou-se por debaixo do véu e meteu uma pastilha elástica à boca. A mais nova guardou o livro de Sudoku na mala do computador portátil e saiu atrás da mais velha. Perguntei, então, à hospedeira qual a razão daquela situação. Ela respondeu: As mulheres de Salalah não gostam de se sentar ao lado de homens que não sejam da sua família, presume-se.

Apenas olhos e mãos ficam destapadas no corpo desta omanita de Salalah MARGARIDA MOTA

Um dia passado em Salalah foi suficiente para perceber que as mulheres locais vestem de forma incomparavelmente mais conservadora do que as da capital. Em Mascate, a maioria das mulheres cobre o cabelo, mas muitas há que não se cobrem e não são, por isso, apontadas a dedo. Em Omã, as mulheres podem escolher a profissão que querem há quatro ministras no governo e não são obrigadas a observar regras quanto à forma de vestir. A não ser as regras ditadas pela própria família…

Artigo publicado no Expresso Online, a 28 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

NOTA: Este artigo foi reproduzido no manual de Filosofia “Clube das Ideias 10”, de Carlos Amorim e Catarina Pires, Areal Editores