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“Sou sempre culpado, até prova em contrário”

É uma voz incómoda para Israel, que já o prendeu dezenas de vezes, mas também para a Autoridade Palestiniana, que recentemente o manteve detido seis dias. Issa Amro é um dos ativistas palestinianos mais carismáticos e corajosos. Esta terça-feira, foi ouvido num tribunal militar israelita. “Querem prender-me por resistir à ocupação pacificamente”

Issa Amro, ativista palestiniano residente em Hebron KEVIN SNYMAN / WIKIMEDIA COMMONS

Issa Amro é um ativista palestiniano que não passa despercebido às forças israelitas que ocupam o território da Cisjordânia. A casa onde vive, na área de Tel Rumeida, em Hebron, fica paredes meias com um colonato problemático, onde uma pequena comunidade de judeus radicais vive protegida por militares israelitas em maior número. E fazem o que querem.

À casa de Issa — onde funciona a organização Juventude Contra os Colonatos (YAS), que fundou — rumam, diariamente, ativistas, jornalistas, políticos e diplomatas de todo o mundo, incluindo de Israel, para ouvirem, na primeira pessoa, como se (sobre)vive numa cidade onde vigora uma situação de “apartheid” que, aos poucos, vai vencendo a população palestiniana pelo cansaço. Mas não Issa.

O Expresso visitou-o em março de 2013. Os colonos tinham acabado de tentar incendiar-lhe a casa, pela calada da noite. “Apresentei queixa. Foi a quarta vez, mas nunca acontece nada. Sou sempre culpado até prova em contrário”, disse este defensor da resistência pacífica e da desobediência civil.

Esta terça-feira, Issa (Jesus, em árabe), de 37 anos, compareceu diante de um tribunal militar israelita, na prisão de Ofer (na Cisjordânia), para responder por 18 crimes, alguns deles praticados em 2010. (A acusação foi formulada apenas em 2016.) Entre as ofensas estão uma cuspidela a um colono, obstrução e insultos aos soldados israelitas, protesto ilegal, entrada em zona militar exclusiva e incitamento à desobediência civil.

Para o ativista, tudo não passa de perseguição política. “Eu divulgo muitos vídeos que os embaraça. Eles não querem palestinianos moderados por aqui, daqueles que falam com diplomatas sobre a solução de dois Estados.”

Entre os períodos em que está preso, as palestras para quem o visita, o ativismo nas redes sociais e a participação em protestos exigindo a abertura da Rua Shuhada — a principal artéria comercial de Hebron, interdita aos palestinianos há mais de 20 anos —, Issa viaja pelo mundo tentando sensibilizar decisores políticos.

A 27 de setembro passado, foi recebido em Washington D.C. por Bernie Sanders (o senador que disputou com Hillary Clinton as primárias democratas de 2016) e outros congressistas. A 28 de junho, 32 deles tinham assinado uma carta endereçada a Rex Tillerson, o secretário de Estado de Donald Trump, apelando a que os EUA influenciem Israel no sentido de uma revisão do caso de Amro.

“Organizações dos direitos humanos declararam que as ações de Amro foram consistentes com desobediência civil não-violenta, apesar da lei militar o proibir na Cisjordânia”, lê-se no último relatório sobre os direitos humanos no mundo do Departamento de Estado dos EUA.

Desde a Guerra dos Seis Dias (1967) que aquele território palestiniano está submetido a legislação militar, ao abrigo da qual uma concentração “política” de 10 ou mais pessoas requer autorização do comandante regional das forças militares — que raramente é emitida. Sem ela, incorre-se numa pena de mais de 10 anos de prisão ou numa pesada multa.

Dias antes de viajar até aos Estados Unidos, Issa foi detido pelas forças de segurança da Autoridade Palestiniana (AP), em Hebron. Nas redes sociais, ele criticara a Lei palestiniana dos Crimes Eletrónicos, que esteve na origem da prisão do jornalista Ayman al-Qawasmi, que tinha apelado à demissão do Presidente palestiniano, Mahmud Abbas. Esteve preso seis dias e foi libertado sob fiança.

Hebron — que, à semelhança de Jerusalém, é sagrada para as três religiões monoteístas (ali se situa o túmulo de Abraão) — é uma espécie de conflito dentro do conflito. É a única cidade palestiniana que tem colonos judeus no seu interior.

De visita a Hebron, em março passado, onde conheceu Issa Amro, o ator norte-americano Richard Gere comparou a ordem ali vigente às Leis de Jim Crow, nos EUA, que instituíram a segregação racial entre 1876 e 1965. “Isto é exatamente como era o velho sul da América. Os negros sabiam onde podiam ir. Não podiam beber daquela fonte, não podiam ir àquele lugar, não podiam comer naquele sítio. Estava claro, e não se pisava o risco se não se quisesse levar um pontapé na cabeça ou ser linchado.” É ao que se arrisca Issa Amro, diariamente, na Palestina.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 26 de dezembro de 2017. Pode ser consultado aqui

André Freire: “Os jornalistas só se indignam com o Sr. Orbán ou a esquerda na América Latina. Quando são os judeus, não se vê grande sururu”

André Freire, politólogo e professor do ISCTE, é uma das 100 pessoas, entre escritores, cantores, deputados, economistas, sindicalistas, professores universitários e jornalistas, que assinaram o manifesto “Justiça para a Palestina”, uma iniciativa do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente. No dia em que o documento é apresentado ao público (18h30 desta quinta-feira na Fundação José Saramago, em Lisboa) e em que se cumprem 100 anos da Declaração Balfour, de apoio à criação de um país para os judeus na região da Palestina, o Expresso falou com André Freire. “Os jornalistas, que são sempre tão diligentes a defender os seus direitos – e eu apoio isso, claro – não têm falado sobre isto”

Porque decidiu acrescentar o seu nome a este manifesto?
Naturalmente porque me revejo no que está escrito no documento, que tem que ver com a defesa dos direitos da Palestina e do povo palestiniano. Isto não implica, obviamente, não reconhecer também os direitos ao povo judaico. Mas a verdade é que Israel tem incumprido e violado as orientações das Nações Unidas. A construção de colonatos continua e a vida das pessoas na faixa de Gaza é simplesmente impossível — vivem ali num gueto de grande densidade populacional, sitiadas, cercadas.

É preciso defender os direitos das duas partes, mas se há uma parte que tem muita força e que tem colocado, aliás, essa força à frente do direito, é Israel e são os judeus. São cometidas violações constantes dos direitos humanos. Os judeus estão a tentar fazer uma política de facto para que, quando chegar a fase das negociações, não haver sequer Cisjordânia, que está já completamente esquartejada.

O que espera que possa vir a mudar com a apresentação pública deste documento?
Tem havido uma grande indiferença em relação a este assunto. Os jornalistas, que são sempre tão diligentes a defender os seus direitos — e eu apoio isso, claro — não têm falado sobre isto. Só se indignam com o Sr. Orban [Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria) ou com os tipos de esquerda da América Latina. Quando são os judeus, não se vê grande sururu e, porém, isto é uma coisa muito grave. Em Portugal não houve praticamente discussão alguma. Repito: o Estado judaico tem violado todas as orientações e normativas das Nações Unidas, impedindo o povo palestiniano de ter uma vida minimamente digna, nomeadamente na faixa de Gaza. A perseguição de que os judeus foram alvo não pode servir para justificar tudo mais de 50 anos depois. É preciso inverter este processo. Até porque, com o novo inquilino na Casa Branca, a situação parece-me estar ainda mais difícil do que já estava, sobretudo no terreno, que está claramente pior. É preciso tomar uma posição e é por essa razão que o meu nome é um dos que consta do manifesto.

O conflito entre Israel e Palestina dura há décadas. O que acha que tem falhado na aproximação entre as duas partes?
Tem havido várias falhas e uma delas, na minha opinião, tem que ver precisamente com o posicionamento das grandes potências, nomeadamente os EUA, que deveriam pressionar os judeus para encontrar uma solução e não o têm feito. Os próprios judeus têm falhado, ao desrespeitarem as orientações das Nações Unidas, ao expandirem de forma indefinida e indeterminada os colonatos e ao aplicarem políticas de punição coletiva, nomeadamente quando há alguém que escolhe uma via mais radical e comete atentados, sendo depois punidos os membros da sua família. Tudo isso não tem ajudado. Não acho que a responsabilidade pela falta de um entendimento seja só de um lado. Não penso que seja isso e também não vale a pena entrar em maniqueísmos. Agora, não tenho dúvidas sobre qual o lado que tem estado com uma política de facto, de força, e sobre quem saído mais favorecido. Tudo isto tem destruído os países à volta, nomeadamente o Líbano.

Acredita que poderá haver, em breve, uma solução para o conflito?
Confesso que não estou muito otimista. Esta situação arrasta-se há décadas. E a geopolítica atual é provavelmente das mais desfavoráveis. Houve um sinal de mudança por parte de Barack Obama, mas agora a situação está bem mais complicada. Basta ver a abordagem atual dos israelitas, que é bastante mais musculada.

LISTA DOS 100 SIGNATÁRIOS DO MANIFESTO “JUSTIÇA PARA A PALESTINA”

Adel Sidarus, Professor universitário
André Freire, Politólogo, professor do ensino superior
André Pinotes Baptista, Deputado do PS
Aniceto Afonso, Coronel, historiador
Anselmo Dias, Bancário
António Arnaut, Advogado, ex-deputado do PS
António Avelãs Nunes, Professor universitário
António Delgado Fonseca, Oficial do Exército
António Madeira Bárbara, Embaixador
António Redol, Engenheiro
Aristides Gonçalves Leitão, Jurista
Arménio Carlos, Dirigente sindical
Augusto Flor, Antropólogo, dirigente associativo
Augusto Praça, Dirigente sindical
Avelino Gonçalves, Sindicalista bancário
Boaventura Sousa Santos, Professor universitário
Bruno Dias, Deputado do PCP
Carla Miranda, Deputada do PS
Carlos Alberto Moniz, Compositor, intérprete
Carlos Almada Contreiras, Almirante
Carlos Almeida, Historiador
Carlos Araújo Sequeira, Jurista
Carlos Esperança, Escritor, jornalista
Carlos Fragateiro, Professor universitário
Carlos Matos Gomes, Coronel, escritor
Carlos Moutinho de Macedo, Jurista
Cláudio Torres, Director do Campo Arqueológico de Mértola, prémio Pessoa
Deolinda Machado, Sindicalista
Diana Andringa, Jornalista
Fernando Rosas, Professor universitário
Fernando T. Marques, Actor
Francisco Assis, Eurodeputado do PS
Francisco Duarte Mangas, Escritor
Francisco Fanhais, Cantor
Frederico Gama de Carvalho, Investigador científico, VP da Fed. Mundial Trabalhadores Científicos
Frei Bento Domingues, Teólogo dominicano
Hélder Costa, Encenador
Helena Pato, Professora
Helena Rato, Economista
Ilda Figueiredo, Economista
Isabel Allegro de Magalhães, Professora universitária
Ivan Gonçalves, Deputado do PS
Jamila Madeira, Deputada do PS
Joana Mortágua, Deputada do BE
Joana Vilaverde, Artista plástica
João Corregedor da Fonseca, Jornalista
João Duarte Freitas, Médico
João Ferreira, Eurodeputado do PCP
Joaquim Correia, Advogado
Jorge Bateira, Professor universitário
Jorge Cadima, Professor universitário
Jorge Figueiredo, Editor resistir.info
Jorge Pé-Curto, Escultor
José António Gomes, Escritor, professor do ensino superior
José Baptista Alves, Coronel engenheiro
José Barata-Moura, Professor universitário
José Costa Neves, General
José Duarte, Jornalista, divulgador musical
José Ernesto Cartaxo, Sindicalista
José Fanha, Escritor, poeta
José Goulão, Jornalista
José Luís Ferreira, Deputado do PEV
José Manuel Pureza, Professor universitário, deputado do BE
José Manuel Rodrigues, Artista plástico, prémio Pessoa
José Neves, Fundador do Partido Socialista
Júlio de Magalhães, Economista
Levy Baptista, Advogado
Lumena Raposo, Jornalista
Mamadu Ba, Advogado
Manuel Alegre, Escritor e poeta
Manuel Begonha, Capitão de Abril
Manuel Duran Clemente, Capitão de Abril
Manuel Figueiredo, Economista
Manuel Freire, Cantor, compositor
Manuel Martins Guerreiro, Almirante
Manuel Valadares, Jurista
Manuela Tavares, Professora, dirigente da UMAR
Maria do Céu Guerra, Actriz, directora d’ A Barraca
Marília Villaverde Cabral, Coordenadora da URAP
Mário Beja Santos, Escritor
Mário Pádua, Médico
Marisa Matias, Eurodeputada do BE
Micaela Miranda, Encenadora em Jenin, Palestina
Miguel Viegas, Eurodeputado do PCP
Modesto Navarro, Escritor
Paulo Carvalho, Cantor
Pedro Bacelar de Vasconcelos, Deputado do PS
Pedro Borges, Jurista
Pedro Penilo, Artista plástico
Pedro Pereira Leite, Professor universitário
Pedro Pezarat Correia, General
Pedro Santarém, Engenheiro mecânico
Pilar del Río, Presidenta da Fundação José Saramago
Regina Marques, Dirigente do MDM
Rego Mendes, Coordenador nacional do Movimento Erradicar a Pobreza
Ribeiro Cardoso, Jornalista
Rui Coelho e Campos, Jurista
Rui Namorado Rosa, Investigador, professor universitário
Santiago Macias, Professor universitário
Sérgio Machado Letria, Programador cultural
Valter Hugo Mãe, Escritor
Vânia Dias da Silva, Deputada do CDS
Vasco Lourenço, Coronel
Victor Cavaco, Engenheiro do ambiente
Zeferino Coelho, Editor

Entrevista realizada por Helena Bento.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 2 de novembro de 2017, e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

Diálogo Fatah-Hamas começa a dar frutos

O processo de reconciliação nacional entre as principais fações políticas palestinianas, em curso no Egito, começa a produzir resultados. Esta quinta-feira, foi anunciada a obtenção de um primeiro acordo

Fatah e Hamas, as principais fações políticas palestinianas, desavindas há dez anos, alcançaram um primeiro acordo, no âmbito do diálogo de reconciliação a decorrer no Cairo, anunciou, esta quinta-feira, o líder dos islamitas, em comunicado. “Fatah e Hamas alcançaram um acordo ao amanhecer, sob o generoso patrocínio do Egito”, disse Ismail Haniyeh.

Uma fonte que pediu anonimato adiantou à agência noticiosa Associated Press que, ao abrigo desse acordo, forças da Autoridade Palestiniana (AP) — dominada pela Fatah e liderada pelo Presidente Mahmud Abbas — irão assumir o controlo do posto fronteiriço de Rafah, entre Gaza e o Egito. Do lado egípcio, a Península do Sinai tornou-se um porto de abrigo de grupos terroristas, pelo que, para as autoridades do Cairo, é urgente mais segurança e colaboração do lado de Gaza.

Detalhes sobre o acordo — que abordou questões civis, administrativas e de segurança interna — foram remetidos para uma conferência de imprensa, a ser realizada por representantes das duas fações, ainda esta quinta-feira.

Dossiês importantes como a formação de um governo de unidade nacional e o futuro das forças armadas afetas ao Hamas foram remetidos para uma nova ronda de conversações. “A próxima fase da reconciliação será um encontro entre representantes de todas as fações palestinianas no Cairo para discutir os grandes assuntos nacionais, tais como o braço armado do Hamas, a questão das armas e dos cargos políticos”, confirmou Hazem Qassem, porta-voz do Hamas.

Este entendimento entre a Fatah e o Hamas é o culminar de um processo de aproximação iniciado no mês passado, quando o Hamas (que governa a Faixa de Gaza) aceitou ceder poderes à AP (que controla a Cisjordânia). Na semana passada, foi dado um passo de gigante no sentido da criação de confiança entre as partes quando a AP realizou a sua reunião semanal não em Ramallah, como habitualmente, mas na cidade de Gaza.

Independentemente do seu desfecho, estas conversações poderão, a curto prazo, contribuir para aliviar a situação de penúria que afeta a população de Gaza. Nos últimos meses, muita da pressão exercida pela AP sobre o Hamas — para que ceda o poder no território — tem passado por medidas punitivas do quotidiano dos locais. Uma delas passou por pedir a Israel a redução do fornecimento de energia elétrica ao território — que, neste momento, não excede as quatro horas diárias. Outra foi o corte salarial dos funcionários da AP a residir em Gaza.

A disputa entre Fatah e Hamas remonta a 2007 quando os islamitas tomaram o poder pela força em Gaza. No ano anterior, tinham vencido as legislativas palestinianas, resultado que não foi reconhecido internacionalmente. Desde então, sucessivas tentativas de reconciliação nacional não produziram resultados, contribuindo para manter a Palestina dividida em dois territórios (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e dois poderes (AP/Fatah e Hamas).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui

Fatah-Hamas, o primeiro passo no sentido da reconciliação palestiniana

A Autoridade Palestiniana realizou a sua reunião semanal, esta terça-feira, não na Cisjordânia, como habitualmente, mas na Faixa de Gaza, território controlado pelo Hamas. Um “momento histórico” nas palavras do primeiro-ministro palestiniano, Rami Hamdallah, para quem o seu governo está pronto para assumir o poder naquele território

Fatah e Hamas, as fações políticas palestinianas desavindas há mais de dez anos, deram, esta terça-feira, um importante passo no sentido da reconciliação nacional — o último governo de unidade desmoronou-se em junho de 2015.

Rami Hamdallah, o primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana (AP, o executivo controlado pela Fatah de Mahmud Abbas que governa partes da Cisjordânia), presidiu à habitual reunião semanal do governo que dirige, desta feita não em Ramallah (Cisjordânia) mas na cidade de Gaza.

“Estamos aqui para virar a página da divisão, restaurar o projeto nacional na direção correta e estabelecer o Estado [da Palestina]”, disse Hamdallah, durante a reunião, citado pela Al-Jazeera. “Entendemos que devolver as instituições oficiais ao seu quadro legítimo e legal e acabar com todos as consequências da divisão vai requerer esforços exaustivos e muita paciência”, assim como “tempo e sabedoria”.

À cabeça de uma mesa oval ocupada pelos membros do Governo da AP, internacionalmente reconhecido, Hamdallah disse que a AP está pronta para começar a assumir responsabilidades administrativas naquele território — que o movimento islamita tomou pela força em 2007, após a sua vitória nas legislativas palestinianas não ter sido reconhecida nem pela Fatah nem internacionalmente. Desde então, a Faixa de Gaza é alvo de um bloqueio por terra, mar e ar, imposto pelas autoridades israelitas e egípcias.

A delegação da AP entrou em Gaza na segunda-feira, pelo posto de fronteira de Beit Hanoun (Erez, do lado de Israel). Segundo a agência palestiniana Wafa, tiveram “uma receção oficial e popular”, sendo recebidos pela guarda de honra da polícia do Hamas e por centenas de palestinianos, muitos deles agitando a bandeira da Palestina. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, cumprimentou Rami Hamdallah, sorridente e de forma efusiva.

Numa conferência de imprensa após entrar em Gaza, Hamdallah considerou a visita “um momento histórico” no sentido da unidade do povo palestiniano.

Segundo a Al-Jazeera, o processo de reconciliação será supervisionado por uma delegação egípcia, liderada por Hazem Khairat, o embaixador egípcio em Israel. Foi após um encontro no Cairo, entre uma delegação do Hamas e diplomatas egípcios, no mês passado, que o movimento islamita aceitou dissolver o seu polémico comité administrativo (criado em março com o objetivo de agilizar a administração da Faixa de Gaza, algo que enfureceu a AP, em Ramallah) e afirmou-se aberto à reconciliação com a rival Fatah.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui

Três israelitas mortos junto a colonato judeu

O atacante é um palestiniano de 37 anos com autorização de trabalho válida em comunidades israelitas. Em resposta, Israel ordenou a demolição da casa do homem, a anulação das autorizações de trabalho dos seus familiares e um bloqueio à aldeia onde vivia, e de onde agora só se sai “por razões humanitárias”

Três israelitas foram alvejados mortalmente, esta terça-feira de manhã, junto à entrada do colonato de Har Adar, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia. As vítimas são um agente da polícia e dois seguranças. Um quarto homem, o coordenador da segurança daquele colonato, ficou gravemente ferido.

O atacante, abatido no local pelas forças de segurança, é um palestiniano de 37 anos, com quatro filhos, residente na aldeia vizinha de Bayt Surik, e com autorização de trabalho válida em comunidades israelitas. Segundo “The Times of Israel”, o homem já tinha trabalhado naquele colonato, situado próximo de Jerusalém.

Segundo o diário “Haaretz”, o ataque aconteceu durante os habituais procedimentos de segurança que antecedem a entrada matinal dos trabalhadores palestinianos nos colonatos. Interpelado pela polícia, junto ao portão das traseiras, o homem puxou de uma pistola que trazia escondida debaixo da camisa e abriu fogo.

O ataque não foi reivindicado, mas Hamas e Jihad Islâmica, organizações islamitas implantadas na Faixa de Gaza, o outro território palestiniano, saudaram-no. Para o Hamas, que controla Gaza desde meados de 2006, “o ataque terrorista na área de Jerusalém é um novo capítulo na ‘intifada Al-Quds’ [revolta de Jerusalém] que prova que todas as tentativas de judaização da cidade não alterará o facto de Jerusalém ser uma cidade árabe e islâmica”, disse o porta-voz Hazzam Qassam.

Após o ataque, o exército israelita impôs um bloqueio a Bayt Surik, a aldeia do atacante: os moradores podem entrar livremente na localidade mas apenas poderão sair “por razões humanitárias”. O primeiro-ministro israelita anunciou que a casa do atacante será demolida e que as autorizações de trabalho de familiares serão anuladas.

A questão dos colonatos é um dos principais contenciosos entre israelitas e palestinianos. Atualmente, mais de 600 mil judeus vivem em comunidades construídas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, ambos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967). Os colonatos da Faixa de Gaza foram desmantelados em 2005. Ao abrigo do direito internacional, os colonatos são ilegais.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de setembro de 2017. Pode ser consultado aqui