A covid-19 não afetou só a saúde – prejudicou também o exercício da fé. O caos provocado pela pandemia atingiu a prática religiosa, em especial das minorias. Rumores e teorias da conspiração implicaram-nas falsamente na origem e proliferação do vírus, contribuindo para aumentar os casos de discriminação e perseguição em dezenas de países. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS
O pânico gerado pela covid-19 e, em especial, as perguntas inquietantes desencadeadas pela infeção simultânea de milhões de pessoas em todo o mundo – como esta, por exemplo –, originaram as mais variadas teorias da conspiração sobre a origem da pandemia.
Algumas recuperaram preconceitos sociais preexistentes e transformaram comunidades religiosas em bodes expiatórios.
Os judeus, por exemplo, foram acusados de terem criado e espalhado o vírus com o intuito de beneficiarem financeiramente do caos que se seguiria.
Na Índia, famílias muçulmanas foram atacadas depois de rumores as terem associado à proliferação da doença.
Já no Paquistão, instituições de caridade negaram ajuda alimentar e kits de emergência médica a populações carenciadas, por serem cristãs.
E no universo terrorista, grupos como a Al-Qaeda ou o Daesh, ou com agendas regionais, como o Al-Shabaab ou o Boko Haram, incorporaram a pandemia na sua propaganda. Descreveram a covid-19 como castigo de Deus sobre o Ocidente decadente, que chegou às terras muçulmanas trazido por forças cruzadas. Quem as combater ficará imune ao vírus e ganhará lugar no paraíso.
A pandemia acentuou um problema que se sabia existir e que até já está mapeado.
Em 49 países, há histórias de discriminação por razões religiosas.
Noutros 26 países, onde vive mais de metade da população mundial, a intolerância religiosa é mais grave e há casos de perseguição. Quase metade são países africanos, mas dois asiáticos destacam-se: Myanmar, que persegue e empurra a minoria muçulmana rohingya para fora do país, e a China, que enclausura a comunidade muçulmana uigure em campos de reeducação.
Na China, o próprio Estado, que tem em funcionamento um dos motores de controlo religioso mais eficazes do mundo, tirou partido da desorientação gerada pela emergência de saúde pública e inibiu ainda mais a prática religiosa instalando câmaras de vigilância em locais de culto.
Faz ideia de quantas câmaras equipadas com inteligência artificial existem na China?
Passado o período crítico da pandemia, muitos espaços religiosos tiveram dificuldades em reabrir. Ou porque não passavam nas inspeções sanitárias obrigatórias ou por terem no exterior referências a Deus ou símbolos religiosos, como a cruz.
Mas, sendo a religião o assunto, não faltam exemplos de solidariedade e altruísmo.
Nos Camarões, por alturas do último Natal, muçulmanos e cristãos juntaram-se em Igrejas para rezarem em conjunto pela paz e pelo fim da pandemia.
No Bangladesh, quando começou a haver dificuldades em organizar funerais de vítimas de covid-19 por causa do estigma, uma organização de caridade islâmica ajudou a enterrar não só muçulmanos como hindus e cristãos.
E na ilha de Chipre, dividida entre gregos e turcos, muçulmanos rezaram no Túmulo do Apóstolo Barnabé, o patrono do país, em nome dos cristãos ortodoxos que ficaram sem poder deslocar-se ao local devido às restrições de movimentos justificadas com a pandemia.
Episódio gravado por José Cedovim Pinto.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui

























