Na União Europeia, há nove países que reconhecem o Estado da Palestina. Entre eles, apenas a Suécia deu esse passo quando já era membro da comunidade europeia, em 2014. A decisão não originou o esperado efeito de contágio na Europa e, nos últimos anos, Estocolmo tem-se reaproximado de Israel. No atual Governo, há quem defenda a reversão dessa política que, para já, não está a ser considerada. Para os palestinianos, o reconhecimento do seu Estado é, acima de tudo, um apoio moral, em especial em contexto de guerra
A questão da Palestina não passa totalmente ao lado da campanha para as legislativas em Portugal. Nos programas eleitorais, há três partidos que inscreveram o tema nas suas prioridades de política externa.
A Coligação Democrática Unitária (CDU) diz que, “por uma política externa em prol da paz, da amizade e da cooperação no mundo”, solidariza-se “com os povos em luta em defesa da sua soberania e direitos”, nomeadamente com vista “ao cumprimento dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a criação do Estado da Palestina”.
Na mesma linha, o programa do Livre consagra o direito à autodeterminação do povo palestiniano e propõe “reconhecer a Palestina como Estado independente e com as fronteiras de 1967 definidas pelas Nações Unidas”. O Bloco de Esquerda defende o “reconhecimento imediato do Estado da Palestina por parte de Portugal”.
A concretizar-se o reconhecimento bilateral do Estado palestiniano, Portugal tornar-se-ia o segundo país da União Europeia (UE) a fazê-lo enquanto membro da comunidade.
A Suécia foi pioneira ao reconhecer a Palestina em 2014. À época, outros oito membros da UE já o tinham feito, mas nos anos 1980 quando ainda não tinham aderido ao bloco comunitário: seis eram do leste europeu, então sob a esfera de influência da União Soviética, e os outros dois ilhas do Mediterrâneo.

“A minha impressão é que [o reconhecimento da Suécia] foi importante para os palestinianos, mas principalmente foi simbólico”, diz ao Expresso o sueco Jacob Eriksson, professor no Departamento de Política da Universidade de York, no Reino Unido. “Foi uma afirmação importante do direito palestiniano à autodeterminação, mas não gerou o impulso no sentido de um reconhecimento mais generalizado entre os Estados-membros da UE que tanto o Governo sueco como o palestiniano esperavam.”
Não só a iniciativa da Suécia não teve o efeito de contágio que se anteciparia — hoje, dos 27, continuam a ser os mesmos nove a tratar a Palestina com igual estatuto político — como, no atual contexto de guerra e de um quotidiano de morte, fome e destruição na Faixa de Gaza, o reino escandinavo não disfarçou uma recente mudança de posição de maior proximidade a Israel.
Suspensão da ajuda à Palestina
Após o ataque de 7 de outubro do Hamas a Israel, a Suécia demorou apenas quatro dias para suspender a ajuda à Palestina, isentando dessa decisão a assistência humanitária. Um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 11 de outubro revelava um apoio inequívoco a Israel. “O Governo condena sem reservas os ataques a Israel realizados pela organização terrorista Hamas”, lia-se.
“Em resposta aos ataques, o Governo instruirá a Sida [Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional] a realizar uma revisão da ajuda à Palestina para garantir que nenhum dinheiro sueco vá para atores que não condenem incondicionalmente o Hamas, que pratiquem violência, ameacem ou encorajem a violência contra o Estado de Israel, ou a sua população, ou prossigam uma agenda antissemita, nem para pessoas associadas a tais atores.”
O atual Executivo sueco é liderado por Ulf Kristersson, do partido Moderados (centro-direita), que governa apoiado numa coligação que inclui também Democratas-Cristãos, Liberais e é apoiada pelos Democratas Suecos (extrema-direita), que formalmente não fazem parte do Governo, mas conseguiram impor a sua política de imigração.
“Os Democratas Suecos e o Partido Liberal — dois partidos tradicionalmente fortemente pró-Israel — continuam a apelar ao Governo para revogar o reconhecimento [da Palestina], mas isso tem sido rejeitado pelo Executivo”, diz Jacob Eriksson. “O atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Tobias Billström, foi ele próprio contra o reconhecimento da Palestina, descrevendo-o como prematuro e infeliz, mas mesmo assim comprometeu-se a defender essa política.” O governante defendeu que esse passo “beneficiaria o Hamas”.
A 22 de novembro, uma gaffe do primeiro-ministro Ulf Kristersson, num evento público em Gotemburgo, expôs de forma embaraçosa a defesa acérrima de Israel. “A Suécia e a União Europeia estão unidas no sentido de que Israel tem o direito a [praticar] genocí… tem o direito à legítima defesa”, corrigiu, não evitando reações da audiência. “Israel tem o direito de cometer genocídio?” “Nós ouvimos!” “Isso não é legítima defesa.”
Na sua última posição relativamente à guerra, a 22 de fevereiro, e já após muito sangue derramado no território palestiniano, o Governo sueco equilibrou argumentos. Defendeu que “Israel tem claramente o direito de se defender contra o terrorismo e o lançamento indiscriminado de foguetes”, mas acrescenta que “o direito à defesa de Israel não é absoluto” e que “deve ser exercido em conformidade com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional”.
A Suécia reconheceu a Palestina a 30 de outubro de 2014, na sequência da subida ao poder de um Governo liderado pelo Partido Social-Democrata (esquerda). No seu primeiro discurso no Parlamento, a 3 de outubro, o primeiro-ministro Stefan Lofven afirmou:
“O conflito entre Israel e a Palestina só pode ser resolvido através de uma solução de dois Estados, negociada de acordo com o direito internacional. (…) Uma solução de dois Estados requer reconhecimento mútuo e vontade de coexistência pacífica. A Suécia reconhecerá, portanto, o Estado da Palestina.”
O reconhecimento sueco assemelhou-se a um sismo político que ameaçava provocar réplicas por toda a Europa. Isso aconteceu não ao nível de governos, mas apenas de parlamentos. No espaço de dois meses, ao estilo de um efeito dominó, a Palestina foi reconhecida (de forma não vinculativa) pela Câmara dos Comuns do Reino Unido, pelo Senado da República da Irlanda, pelo Congresso dos Deputados de Espanha, pela Assembleia Nacional francesa e pelo Parlamento Europeu. Outras assembleias juntar-se-iam à lista.
A 12 de dezembro de 2014, também a Assembleia da República portuguesa aprovou uma resolução que “insta o Governo a reconhecer, em coordenação com a União Europeia, o Estado da Palestina como um Estado independente e soberano, de acordo com os princípios estabelecidos pelo Direito Internacional”.
A falta de adesão de outros países europeus ao exemplo da Suécia levou o reino nórdico, com o passar do tempo, a equilibrar a sua posição e, ainda na época da governação social-democrata, a reaproximar-se de Israel. A 18 de outubro de 2021, a ministra dos Negócios Estrangeiros Ann Linde deslocou-se a Jerusalém, naquela que foi a primeira visita a Israel de um chefe da diplomacia sueca em dez anos.
Mais recentemente, a 28 de agosto passado, uma delegação de deputados suecos democratas-cristãos foi recebida, em Israel, pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que, como escreveu na rede social X, expressou “apreço pela mudança de posição da Suécia em relação a Israel”.
Outro país que redefiniu a sua posição foi a República Checa. Esta nação do leste europeu reconheceu o Estado da Palestina em 1988, porém, nos últimos anos, tem-se revelado um fiel aliado de Israel.
A 29 de novembro de 2012, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas votou favoravelmente a atribuição do estatuto de “Estado observador” à Palestina, os checos pronunciaram-se contra, juntamente com apenas mais oito países de um total de 188 que participaram na votação. Ao lado da República Checa, para além de Israel, votaram Estados Unidos, Canadá, Panamá, Micronésia, Palau, Nauru e Ilhas Marshall.
Jacob Eriksson diz que, na Suécia, o assunto Palestina mobiliza, mas não ao nível, por exemplo, da guerra na Ucrânia que precipitou a adesão do país à NATO, viabilizada, na semana passada, pela ratificação no Parlamento da Hungria, o último dos 30 membros da Aliança Atlântica a fazê-lo.
A 15 de novembro, em entrevista ao jornal sueco “Dagens Nyheter”, a embaixadora palestiniana em Estocolmo, Rula Almhaissen, disse sentir-se triste: a Suécia “não é mais o país que conheci”.
Jacob Eriksson considera a política sueca “importante no atual contexto da guerra, pois afirma a visão política a que a grande maioria da comunidade internacional, incluindo o mundo árabe, apela no sentido da garantia de uma paz duradoura”, diz.
“Qualquer progresso relativamente à abertura de relações entre Israel e outros países árabes, como a Arábia Saudita, e à reconstrução de Gaza depende de passos concretos na direção de uma solução sustentável de dois Estados. Se outros Estados-membros da UE decidirem reconhecer o Estado palestiniano à luz da guerra em curso, como há rumores que o sugerem, e houver progressos no sentido de uma solução de dois Estados, então o Governo social-democrata sueco de 2014, que reconheceu a Palestina, sentir-se-á justificado.”
Para os palestinianos, como Abdul Rahman Haj Ibrahim, professor na Universidade de Birzeit, de Ramallah (Cisjordânia ocupada), “qualquer reconhecimento da entidade palestiniana por parte de qualquer Estado dá um apoio moral à [nossa] causa”, diz ao Expresso.
“E é por isso que é muito importante para nós sermos reconhecidos pela Suécia ou qualquer outro Estado, especialmente agora em que vivemos um genocídio em Gaza e uma limpeza étnica na Cisjordânia. Esperamos que a nossa causa prevaleça e que vejamos um Estado da Palestina livre e soberano.”
(IMAGEM PALESTINIAN RETURN CENTRE)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de março de 2024. Pode ser consultado aqui

