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Palestina provoca efeito dominó… mas só nos Parlamentos

O Parlamento francês vota amanhã o reconhecimento do Estado palestiniano. A Dinamarca vota uma moção no início de janeiro. Em Portugal, o Parlamento já trabalha um texto semelhante e o Governo está a avançar no mesmo sentido. Perante o impasse nas negociações de paz israelo-palestinianas, o reconhecimento da Palestina tomou de assalto da agenda europeia

Europa Ocidental e América do Norte são os dois grandes blocos geopolíticos que ainda não reconheceram o Estado da Palestina. Porém, a fortaleza Europa, no que a esse assunto diz respeito, começou a abrir fendas. O reconhecimento da Palestina por parte do Governo da Suécia, a 30 de outubro, assemelhou-se a um sismo político que está a provocar réplicas um pouco por toda a Europa.

Até ao momento, nenhum outro país seguiu os passos do Governo de Estocolmo. Mas na Europa está lançado o debate sobre o reconhecimento da Palestina, inclusive em Portugal onde o Parlamento já prepara um projeto de resolução e onde, como o Expresso noticiou na última edição impressa, o Governo está decidido a proceder a esse reconhecimento.

Em Ramallah, as notícias sobre as movimentações políticas em Lisboa são acolhidas sem grande euforia: “Era bom que isso acontecesse. Espero que isso nos ajude. Há muita frustração por aqui…”, comenta ao Expresso Shadi, 37 anos, um dos muitos palestinianos que, diariamente, tem de atravessar um checkpoint israelita para ir de casa para o trabalho. “Esses reconhecimentos fazem a diferença. Precisamos deles.”

  • 1988 Bulgária, Chipre, Hungria, Malta, Polónia, Roménia, Eslováquia e República Checa (quando ainda não pertenciam à União Europeia)

Amanhã, a Assembleia Nacional de França vota uma moção apelando ao Governo de François Hollande que reconheça a Palestina. O texto foi discutido na semana passada no Parlamento, onde o ministro dos Negócios Estrangeiros não deixou dúvidas sobre a posição de Paris: “A França reconhecerá o Estado da Palestina. Esse reconhecimento não é um favor, mas antes um direito”, disse Laurent Fabius. “A questão que se nos coloca agora não tem a ver com o princípio, mas tem a ver com a modalidade, ou seja, quando e como.”

Reticências na Dinamarca

Textos semelhantes àquele que os deputados franceses se preparam para votar já passaram na Câmara dos Comuns do Reino Unido (13 de outubro), no Senado da República da Irlanda (22 de outubro) e no Congresso dos Deputados de Espanha (18 de novembro). São os governos, e não os Parlamentos, que detêm a prerrogativa do reconhecimento de Estados. Essas votações são, por isso, apenas simbólicas, ainda que politicamente relevantes pela pressão política que exercem sobre os governos.

Na Dinamarca, três deputados de partidos de esquerda com fraca representação parlamentar elaboraram uma moção no mesmo sentido, que será discutida a 11 de dezembro e votada em inícios de janeiro. “Julgo que não iremos conseguir uma maioria, mas pelo menos teremos uma boa discussão”, disse Holger K. Nielson, um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros dinamarquês e um dos políticos na origem da proposta.

A primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, já se afirmou contrária ao reconhecimento da Palestina a curto prazo. “Apoiamos a solução de dois Estados, mas escolhemos outra direção”, disse. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros explicou que o reconhecimento da Palestina é inevitável, mas deve ser feito na altura certa. Martin Lidegaard defendeu, prioritariamente, uma discussão sobre a política israelita de construção de colonatos em território palestiniano e a tomada de medidas por parte da União Europeia. “Israel continua a expandir colonatos ilegais de forma inaceitável e isso prejudica de facto a solução de dois Estados”, afirmou. “A união da UE no sentido de influenciar, na realidade, o conflito aumentará se nós considerarmos mais medidas contra os colonatos.”

Lóbi israelita no Parlamento Europeu

O princípio de “dois Estados para dois povos” continua a ser a solução aceite por israelitas e por palestinianos, mas as partes tardam em acordar o melhor caminho para lá chegar.

A discussão está em curso também no Parlamento Europeu onde a votação de uma moção sobre o reconhecimento da Palestina, prevista para a semana passada, foi adiada para 18 de dezembro. Proposta pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE) e pelo Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, a sua votação foi adiada a pedido do Grupo do Partido Popular Europeu.

Os proponentes defendem que o reconhecimento do Estado reforçará a posição negocial palestiniana e poderá ajudar à obtenção de um acordo de paz com Israel. Por seu lado, os opositores querem condicionar o reconhecimento da Palestina à obtenção prévia de um acordo negociado com Israel.

Segundo o diário israelita “The Jerusalem Post”, na base do adiamento desta votação em Estrasburgo está uma intensa campanha lobista por parte da diplomacia de Israel, no sentido de “ganhar tempo e alterar mentalidades”. Outras razões que terão levado ao adiamento prendem-se com “dificuldades entre vários grupos parlamentares relativas à linguagem da resolução” e ainda “a oposição de alguns membros, especialmente da Alemanha”.

135
países já reconhecem o Estado palestiniano a nível bilateral

Esta agitação no seio da UE, acentuada após a última intervenção militar israelita na Faixa de Gaza, em julho e agosto passados, reflete uma crescente frustração europeia relativamente à contínua expansão de colonatos em terras palestinianas (as fronteiras reconhecidas internacionalmente são as anteriores à guerra de 1967). Bruxelas é igualmente o maior doador dos palestinianos em termos de assistência financeira, ajuda essa muitas vezes concretizada em projetos destruídos durante operações militares de Israel, como aconteceu com o Aeroporto Internacional de Gaza, por exemplo.

Federica Mogherini, a italiana que iniciou funções a 1 de novembro como chefe da diplomacia na União Europeia, defende que para além de ser “payer” (pagante), a UE tem de ser “player” (jogador/ator) no processo de paz para o Médio Oriente. A primeira deslocação internacional de Mogherini foi precisamente a Israel e aos territórios palestinianos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. “Ficarei feliz se no final do meu mandato (2019) o Estado palestiniano existir”, declarou.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 1 de dezembro de 2014. Pode ser consultado aqui

Palestina pede adesão a 15 tratados internacionais

Após Israel falhar a libertação do último grupo de prisioneiros palestinianos, a Autoridade Palestiniana desencadeou um processo de adesão a várias organizações internacionais

Bandeira da Palestina WIKIMEDIA COMMONS

O ministro palestiniano dos Negócios Estrangeiros, Riad Malki, entregou esta quarta-feira quinze pedidos de adesão da Palestina a tratados internacionais ao enviado das Nações Unidas para o processo do Médio Oriente, Robert Serry, e aos representantes suíço e holandês, as partes depositárias dos tratados em causa.

Esta ofensiva diplomática palestiniana foi aprovada por unanimidade, na terça-feira à noite, numa reunião de emergência da Autoridade Palestiniana. Entre os tratados em causa estão a Convenção de Haia (IV) relativa às leis e costumes da guerra, a Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime do Apartheid e a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.

A decisão foi tomada após Israel não ter libertado o último grupo de prisioneiros palestinianos a que se tinha comprometido. “Havia um compromisso relativo à libertação de um quarto grupo de prisioneiros a 29 de março. Houve promessas mas não resultados”, afirmou o Presidente palestiniano Mahmud Abbas. 

“Isto acontece apesar do acordo dado pela liderança palestiniana de se abster de recorrer à ONU durante nove meses, a fim de garantir a libertação de prisioneiros”, acrescentou.

O trunfo do espião 

Após obter o estatuto de Estado observador das Nações Unidas, a 29 de novembro de 2012, Ramallah comprometeu-se a não usar a organização para retaliar contra Israel, que ocupa o território palestiniano da Cisjordânia. Em contrapartida, Telavive comprometeu-se a libertar, em quatro fases, 104 prisioneiros palestinianos detidos antes dos Acordos de Oslo (1993).

A ofensiva diplomática palestiniana apanhou de surpresa a Casa Branca. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, era esperado hoje em Ramallah mas a visita foi cancelada.

Graças a John Kerry, as negociações de paz entre israelitas e palestinianos foram relançadas em julho de 2013. Os dois lados desavindos comprometeram-se a manter o diálodo durante nove meses, prazo que termina no final de abril.

A estratégia de Kerry para aproximar as partes inclui a libertação de Jonathan Pollard, um cidadão norte-americano preso em 1985 e condenado a prisão peropétua por espiar a favor de Israel. Em troca, Israel libertará centenas de prisioneiros palestinianos e manifestará moderação na construção de colonatos na Cisjordânia.

Questão sensível em Israel 

A libertação de prisioneiros palestinianos, muitos deles condenados por crimes de sangue, é um assunto sensível em Israel, governado por uma coligação que integra a extrema-direita.

Inversamente, na Palestina, é motivo de celebração popular e contribui para o fortalecimento político do Presidente Abbas e para um enfraquecimento dos grupos islamitas que se opõem ao diálogo com Israel.

“O Governo israelita tem de compreender que as negociações são um instrumento não-violento para alcançar a paz”, lê-se num comunicado divulgado esta quarta-feira pelo Departamento dos Assuntos de Negociações da Organização de Libertação da Palestina (OLP).

“Não é uma cortina de fumo por trás da qual é possível continuar a violar os direitos humanos, prosseguir com a política de colonização e tornar a solução de dois Estados cada vez mais impossível.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de abril de 2014. Pode ser consultado aqui