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As pirâmides abriram, faltam os turistas

Pirâmides de Gizé reabriram ao público mas não havia interessados em visitá-las. Para protestar contra a falta de turistas, Mohammed invadiu a praça Tahrir a cavalo… Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

Encerradas ao público desde o início da contestação popular a Hosni Mubarak, as pirâmides de Gizé reabriram ao público na quarta-feira. Nas entradas do parque arqueológico mais famoso do Egito não havia, porém, turistas para as visitar. “Por causa desta revolução, nove milhões de turistas fugiram do Egito”, diz Ashraf, 34 anos, que trabalha como guia nas pirâmides desde os 18.

Ashraf tem sentimentos mistos em relação ao que se passa na praça Tahrir. “Eu gosto de Hosni Mubarak. Com ele, o Egito era um país seguro. Quiseram fazer esta revolução, tudo bem. Ele já disse que se vai embora. Agora, deixem o governo trabalhar. Se não gostarem, voltam a fazer outra revolução. Agora, o país precisa de trabalhar!”

Ashraf propõe-se guiar o Expresso numa visita ao parque, mas a entrada não se afigura fácil. Nos últimos dias, o Egito começou a recuperar o seu modus operandi quotidiano, inclusive a nível burocrático…

Há dois dias, os jornalistas estrangeiros receberam a informação de que para continuarem a trabalhar no país teriam de se acreditar junto do Ministério da Informação. Mas para visitar as pirâmides essa autorização nada vale. “A autorização que têm apenas visa o vosso trabalho na praça Tahrir. Para entrarem aqui precisam de outra autorização”, diz o agente da Polícia do Turismo, numa das entradas.

Lojas às escuras, cavalos sem clientes

A visita do Expresso às pirâmides fica então reduzida a um passeio de cavalo ao longo da cerca de arame que rodeia o perímetro do sítio. Muito concentrado no seu trabalho, o pequeno Saad puxa os cavalos pelo deserto do Sara adentro. Tem apenas 12 anos, mas já abandonou a escola para trabalhar.

JORGE SIMÃO

Não há turistas a fazer o tour e dentro do parque não se vislumbra vivalma. Nas aldeias em redor do sítio — totalmente dependentes dos turistas – as lojas de artesanato estão às escuras e os cavalos e os camelos acumulam-se nos estábulos sem clientes para transportar.

Mohammed, de 20 anos, não tem o que fazer. Há uma semana, ele foi um dos 30 homens oriúndos da zona das pirâmides que, numa ação de grande espetacularidade, irromperam pela praça Tahrir montados em cavalos e camelos, provocando a ira dos manifestantes anti-Hosni Mubarak.

“Não recebi dinheiro de Mubarak” 

Acusados de terem recebido dinheiro do regime para provocarem desacatos entre os manifestantes, Mohammed desmente: “Não recebi dinheiro de ninguém. Estávamos aqui à conversa, sem nada para fazer, e decidimos ir até lá. Queríamos protestar contra a falta de trabalho nas pirâmides”.

Mohammed diz não ter sentido medo, nem mesmo quando, no meio da confusão, ficou sem o seu cavalo. “Não fiquei ferido. Saí a correr da praça.”

Numa rua estreita, dois miúdos distraem-se à conversa. À passagem dos cavalos, um deles atira: “Bem vindos ao Alasca!” É inverno no Egito, mas o frio não é tão rigoroso que justifique a comparação. Mas, sem gente, a área à volta dos monumentos mais famosos do Egito torna-se (ainda mais) desértica e inóspita.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”

Manifestantes à porta do Parlamento

Os protestos anti-Mubarak transbordaram a praça Tahrir e chegaram ao Parlamento. O vice-Presidente Omar Suleiman advertiu para o perigo de um golpe de Estado. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

Ao 16º dia de protestos, os manifestantes que exigem a demissão de Hosni Mubarak rumaram até ao edifício do Parlamento, não muito longe da praça, gritando “fora Mubarak”. Pretendiam exigir a dissolução da Assembleia e mostrarem-se solidários com os manifestantes que, ontem à noite, acamparam em frente ao Parlamento.

A praça continua cheia, mas o epicentro da contestação transferiu-se, assim, para junto de uma das sedes do poder. O edifício do Parlamento está protegido por um dispositivo do exército, que não interveio. Da mesma forma, o exército não impediu que os manifestantes saíssem da praça em direção ao Parlamento.

A praça Tahrir continua cheia, mas o epicentro da contestação transferiu-se para junto de uma das sedes do poder JORGE SIMÃO

Pela primeira vez, os manifestantes reclamaram o julgamento de Mubarak, responsabilizando-o pela repressão exercida pelo seu regime nos últimos há 30 anos.

Tudo isto acontece um dia após a praça Tahrir ter acolhido a maior manifestação contra o regime. Acontece também após o vice-Presidente Omar Suleiman ter afirmado que o Egito não está preparado para a democracia e ter advertido para o perigo de um golpe de Estado se o diálogo com a oposição falhar. “Não queremos lidar com a sociedade egípcia com meios policiais”, disse.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”

Praça Tahrir cheia como nunca

A praça Tahrir registou hoje a sua maior manifestação desde o início dos protestos contra Mubarak. De um espaço de contestação, a praça transformou-se num local de celebração. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

A praça Tahrir encheu hoje para aquela que foi a maior manifestação anti-Mubarak desde o início dos protestos, a 25 de janeiro. Desde a manhã, longas filas de pessoas estendiam-se pelas ruas circundantes à praça e pela Qasr al-Nil, a ponte sobre o rio Nilo mais próxima da praça. Projetava-se uma jornada de luta memorável.

A entrada na praça foi mais demorada do que o habitual e, pela primeira vez, os jornalistas — a quem habitualmente os manifestantes concediam prioridade no acesso à praça — tiveram dificuldade em entrar, bloqueados na massa humana que avançava compacta.

Ultrapassados os controlos de segurança — do exército e dos manifestantes —, um ambiente de grande festa aguardava quem chegava, como que se a praça (um local de contestação) se tivesse transformado num espaço de celebração. A circulação fazia-se com dificuldade, mas os manifestantes não perdiam o sorriso. A praça transpirava confiança.

Muitas mulheres na praça

Comparativamente aos dias anteriores, era flagrante a presença de muitas mais mulheres. Os voluntários cantavam enquanto ofereciam comidas e bebidas. A meio da tarde, um cortejo de cerca de 30 homens entrava na praça carregando à cabeça pacotes de cobertores embalados em plástico, destinados a dar conforto a quem optasse por passar lá a noite.

A rotunda central — anteriormente, um espaço verde — estava transformada num campo de campismo, com coberturas de plástico a darem algum conforto a quem por lá dormitava.

Comparativamente aos dias anteriores, era flagrante a presença de muitas mais mulheres JORGE SIMÃO

Os manifestantes deixavam-se ficar junto a pequenos palcos improvisados onde, ora se repetiam slogans anti-Mubarak, ora surgiam pequenos momentos musicais. Um jovem carregava nos braços uma resma de folhas A3.

As pessoas aproximavam-se e outro jovem ia escrevendo nas folhas as palavras de ordem que as pessoas pediam. Uma longa bandeira do Egito, carregada por dezenas de pessoas percorria a praça.

Abdallah, de 31 anos, explica que as terças, as sextas e os domingos serão os dias do “protesto do milhão”, para que Mubarak não esqueça que a principal exigência da multidão continua por cumprir — a sua retirada do poder.

Desconfiados de Mubarak

Apesar do Presidente ter dito que não se recandidataria, os manifestantes não confiam nas suas promessas. “Na semana passada, Mubarak discursou na televisão e, a dada altura, afirmou que queria morrer e ser enterrado no Egito. As pessoas ficaram muito emocionadas, eu inclusive. Mas depois, no dia seguinte, ele manda homens montados em cavalos e em camelos , pela praça dentro, para bater nas pessoas. Como é que ele quer que as pessoas acreditem nele?”

Abdallah é médico. Tem uma clínica no Cairo. Na semana passada, não trabalhou e, esta semana, trabalha dia sim, dia não. “Nos dias em que não trabalho, venho para a praça. Temos uma missão a cumprir.”

Ultrapassados os dias mais complicados, a praça parece ter recuperado energia. Os manifestantes sabem que a demissão de Mubarak pode ser demorada. Até lá, não arredam pé.

Com o cair da noite, a praça ficava tomada pelo “efeito pirilampo” provocado pelos telemóveis levantados, sempre a filmar e a fotografar. Às cavalitas dos pais, muitas crianças gritam palavras de ordem que a multidão em redor, divertida pelo desembaraço dos miúdos, repete.

“As crianças são a nossa segurança”, comenta Hisham, um jornalista que, por estes dias, tem-se recusado a trabalhar em protesto contra a linha editorial da sua rádio, que não cobre as manifestações na praça. “É muito bom vê-las por aqui. Significa que estão a captar a mensagem.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”