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Da Amazon para as frentes de batalha, os drones estão a moldar a forma como se faz a guerra

De forma crescente, os drones têm assumido protagonismo em contextos de guerra. O conflito na Ucrânia é o mais recente exemplo. Ágeis, sofisticados e polivalentes, os veículos aéreos não tripulados — mesmo que comprados em sites tão populares como a Amazon — proliferam em ações de vigilância, de combate ou suicidas. Ao Expresso, um investigador da área alerta: “Enquanto a tecnologia drone é barata e extremamente avançada, desenvolvendo-se a uma velocidade estonteante, a tecnologia antidrone, que permite impedir ou neutralizar um drone, está muito menos desenvolvida e tem imensos problemas ao nível da eficácia”

Na era das ciberguerras, os drones são os guerreiros perfeitos. Matam sem remorsos, obedecem sem questionar e nunca denunciam os chefes.” Esta frase foi escrita há dez anos pelo uruguaio Eduardo Galeano, no livro “Os Filhos dos Dias” (Antígona, 2020). Nas últimas semanas, três contendas internacionais parecem confirmar o perfil guerreiro dos veículos aéreos não tripulados. E é tão simples como isto: “Qualquer pessoa pode comprar um drone na Amazon e depois armá-lo”.

Na guerra da Ucrânia, a Rússia — apanhada de surpresa pela contraofensiva de Kiev sobre territórios que Moscovo já tinha formalmente anexado — retaliou com enxames de drones sobre cidades ucranianas distantes da linha da frente, incluindo a capital.

Não muito longe, no Irão, o regime — acossado há mais de um mês por manifestações populares desencadeadas pela morte de uma mulher curda às mãos da polícia — recorreu a drones para bombardear grupos armados curdos, baseados no Curdistão iraquiano, a quem acusou de instigar os protestos.

Ainda na região do Médio Oriente, sexta-feira passada, o Governo do Iémen intercetou drones armados disparados pelos rebeldes huthis na direção de um petroleiro que se preparava para atracar num terminal no sul do país.

Novas dinâmicas no campo de batalha

De forma crescente, os drones têm vindo a assumir protagonismo em contextos bélicos. Ainda que não vão ao ponto de mudar totalmente a forma como se faz a guerra,“claramente, os drones introduzem novas dinâmicas”, diz ao Expresso o investigador Bruno Oliveira Martins, do Peace Research Institute Oslo (PRIO), estudioso da temática dos drones. “Estas dinâmicas são multifacetadas”, acrescenta. E exemplifica:

  • Ao alcance dos civis. “Na Ucrânia, por exemplo, grupos de civis, como engenheiros, organizaram-se para desenvolver drones com tecnologia comercial. Com os seus conhecimentos técnicos, colocam os drones ao serviço do exército.”
  • Resistência aos poderosos. “Porque os drones são, em geral, uma tecnologia muito mais barata do que muitas outras armas, exércitos e forças menos poderosas podem oferecer resistência significativa face a adversários mais poderosos.”
  • Novos produtores, novas alianças. “Existe uma nova geopolítica em torno do surgimento de atores internacionais ao nível da produção de armas. Isso faz com que algumas alianças e posicionamentos diplomáticos que reconhecemos no passado não existam totalmente, ou estejam a ser adaptados ou modificados.”

Foi nos anos 90, nos Balcãs, que os drones começaram a ser usados em contexto de guerra, para recolher imagens em tempo real das movimentações no terreno — as chamadas ações de Informação, Vigilância e Reconhecimento (ISR, na sigla em inglês).

Desde então, estes “zangãos” (tradução da palavra inglesa “drones”) tornaram-se mais sofisticados, polivalentes e… ameaçadores.

“Na viragem do milénio, surgiu a ideia de armar os drones, para que não só providenciassem imagens como fosse possível atuar em função desse tipo de informação recolhida”, diz Oliveira Martins, que no PRIO coordena um projeto no valor de 1,2 milhões de euros para investigar a integração de drones no espaço civil na União Europeia.

“Os primeiros drones armados apareceram em Israel e nos Estados Unidos, entre 2000 e 2010. E começaram a ser utilizados em conflitos mais convencionais.” Hoje, são usados como arma letal, essencialmente de três formas:

  1. Drone com míssil
    No grupo de drones armados, o exemplo clássico é aquele que transporta um míssil. Disparado o projétil, o veículo tem capacidade para regressar à origem.
  2. Drone improvisado
    É construído com base em tecnologia comercial, à venda em lojas. “Qualquer pessoa pode comprar um drone na Amazon e depois armá-lo”, diz o perito do PRIO. “Grupos terroristas não estatais armam este tipo de drone com granadas, por exemplo.”
  3. Drone kamikaze
    O próprio drone é a arma. Descartável, é disparado contra um alvo, destruindo-o e destruindo-se, replicando o modus operandi dos pilotos de caça japoneses suicidas na II Guerra Mundial. Este tipo de drone foi muito usado pelo grupo terrorista Daesh (o autodenominado Estado Islâmico) na Síria e no Iraque, e por grupos rebeldes em África. Hoje, “é utilizado abundantemente na Ucrânia”, por ambos os lados.

Se se distinguir entre drones comerciais (para utilização civil) e drones para uso militar, Portugal surge em lugar de destaque num dos rankings. “Há dezenas de países, decerto mais de uma centena, que produzem drones para utilização civil. Portugal tem uma empresa, a Tekever, que é líder europeia ao nível de drones utilizados, por exemplo, para vigilância marítima”, refere Oliveira Martins.

Já quanto aos drones armados, se numa primeira fase os principais produtores eram os Estados Unidos e Israel, “depois, foram surgindo novos produtores que, atualmente, representam uma fatia cada vez maior do mercado: de início a China, depois os Emirados Árabes Unidos, o Irão e a Turquia”.

“Neste momento, Irão e Turquia são quem mais atenção internacional têm atraído, nomeadamente a Turquia. Nos últimos anos tornou-se, praticamente a partir do nada, um país extremamente importante na produção de drones armados.”

Na guerra da Ucrânia, drones turcos e iranianos têm servido em trincheiras opostas. Fabricados na Turquia — que assumiu o papel de mediador entre Moscovo e Kiev —, os drones Bayraktar (porta-estandarte, em turco) foram preciosos, nas primeiras semanas do conflito, para a Ucrânia repelir as ofensivas russas.

Num momento dissonante em relação aos horrores da guerra, um grupo de militares ucranianos protagonizou um bem-humorado vídeo musical de exaltação a esse aliado turco.

Mais recentemente, foram drones kamikaze cuja origem se atribui ao Irão a sobressair no arsenal da Rússia. “No verão de 2022, Teerão transferiu centenas de drones militares para a Rússia, numa tentativa de melhorar a sua baça capacidade ao nível dos drones” de combate, diz ao Expresso o iraniano Mohammad Eslami, investigador na área dos drones na Universidade do Minho. Batizados por Moscovo de Geran-2, no Irão são designados por Shahed-136.

“O Irão fabrica drones armados e possui vários modelos de drones de combate que complementam o seu programa de mísseis balísticos. É algo que permite a Teerão compensar as suas forças aéreas relativamente fracas e antiquadas”, diz Eslami.

Em 2019, a República Islâmica promoveu um exercício com drones no Golfo Pérsico intitulado “Rumo a Jerusalém”. O professor iraniano considera esta operação “uma das ações mais provocadoras nos anos recentes. A designação que os responsáveis iranianos deram a este exercício militar transmite a ideia que ‘confrontar Israel’ é uma das funções mais importantes que o Irão confere ao seu programa de drones”.

No conflito ucraniano, nem a Rússia confirma ter comprado drones ao Irão, nem este admite tê-los vendido. Mas um negócio entre estes dois países não seria surpreendente, dado serem os Estados mais castigados com sanções pela comunidade internacional — com a invasão da Ucrânia, a Rússia ultrapassou o Irão.

Acresce que, a 18 de outubro de 2020, expirou o embargo de armas ao Irão decretado pelas Nações Unidas, conforme previsto no acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, assinado cinco anos antes. Isto “eliminou qualquer obstáculo oficial à venda e aquisição de armas entre a Rússia e o Irão”, recorda Eslami.

A forma como Turquia e Irão se tornaram referências no fabrico de drones confirma uma consequência importante desta indústria. “Com o surgimento destes novos produtores, a tecnologia de drones armados democratizou-se. Hoje, é muito mais comum um determinado país conserguir adquirir esta tecnologia pelo simples facto de haver cada vez mais Estados e empresas que podem e estão interessados em vendê-la”, diz Oliveira Martins.

“Quando a produção da tecnologia era praticamente um monopólio entre Israel e os Estados Unidos, basicamente só os países da esfera de alianças e parcerias desses dois tinham acesso à tecnologia. A partir do momento em que mais e mais países, de esferas geopolíticas diferentes, começaram a desenvolver capacidade para produzir drones armados, o número de países com acesso a esses equipamentos cresceu exponencialmente.”

Drones turcos tiveram uma importância significativa na última guerra em torno de Nagorno-Karabakh (em defesa do Azerbaijão), na Líbia (em apoio do Executivo de Trípoli, reconhecido pela ONU) e também na Etiópia (adquiridos pelo Governo, contra as forças da Frente Popular de Libertação do Tigray).

Drones em mãos erradas

Além dos conflitos convencionais, os drones tornaram-se protagonistas também nas mãos de grupos terroristas. “Vimos o Estado Islâmico utilizar largas centenas, senão milhares de drones vendidos pela China”, recorda o investigador do PRIO. “Aponta-se para a existência de cerca de 65 grupos não estatais que utilizam drones armados. Mas esse número pode ser bastante mais elevado.”

Ao arrepio de quaisquer motivações políticas ou ideológicas, drones são usados por grupos de criminalidade organizada, nomeadamente narcotraficantes mexicanos. “À medida que a tecnologia prolifera, fica ao alcance de todo o tipo de grupos e para todo o tipo de utilizações.”

“Enquanto a tecnologia drone é barata e extremamente avançada, desenvolvendo-se a uma velocidade estonteante, a tecnologia antidrone — que permite impedir ou neutralizar um drone — está muito menos desenvolvida e tem imensos problemas ao nível da eficácia”, explica Oliveira Martins. “Ainda não se configura uma resposta adequada ao problema securitário que decorre da entrada em massa de drones no espaço aéreo civil.”

Durante a Administração Obama, nos Estados Unidos, o uso de drones em especial no Paquistão, Iémen e Somália — no âmbito de assassínios seletivos de suspeitos de terrorismo — contribuiu para uma perceção negativa da utilidade destes veículos aéreos, em virtude do número de civis mortos.

Para Oliveira Martins, é indiscutível que “os drones são uma tecnologia mais precisa do que outro tipo de bombas mais poderosas”. Porém, “o nível de precisão dos drones varia bastante, consoante o tipo de drone, da tecnologia utilizada, da capacidade do utilizador ou das condições no terreno”.

“Muitas vezes a precisão não é tão elevada quanto é anunciado. E em virtude da existência de uma narrativa em torno da precisão, a fasquia para se decidir utilizar um drone armado num ataque é hoje mais baixa do que antes. Porque há a ideia de que os drones são mais precisos, então vamos utilizá-los, disparar um míssil, porque temos mais confiança na eficácia desse ataque. E o que verifica quem estuda as consequências dos ataques com drones é que muitas vezes a informação que suporta a decisão para atacar com um drone não é suficientemente forte.”

Tragédias americanas

  • A 12 de dezembro de 2013, durante uma operação de contraterrorismo nos arredores da cidade de Rad’a (centro do Iémen), um drone dos Estados Unidos disparou quatro mísseis Hellfire na direção de um comboio de onze carros e pick-ups. O ataque provocou 12 mortos e 15 feridos, todos civis. Os veículos integravam um cortejo de casamento.
  • A 29 de agosto de 2021, dias após a retirada militar dos Estados Unidos do Afeganistão, um ataque desencadeado por um drone americano, em Cabul, matou dez pessoas, incluindo sete crianças. “A pessoa identificada não era terrorista, nem sequer suspeito”, recorda Oliveira Martins. “Suspeitaram do tipo de comportamento e dos sítios que essa pessoa frequentou e decidiram disparar.”

Nestes dois casos, o drone foi preciso, ainda que a informação que validou os ataques fosse incorreta. Mas, como alertou Eduardo Galeano, o drone “obedeceu sem questionar” e “matou sem remorsos”.

(FOTO Veículo aéreo não tripulado MQ-9 Reaper WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de outubro de 2022. Pode ser consultado aqui

Drones e robôs no lado certo do combate à covid-19

A pandemia do novo coronavírus acelerou a utilização de tecnologias. Da Argentina a Hong Kong, há robôs ao serviço em hospitais, farmácias e parques públicos e drones em missão de vigilância, higienização e transporte de material médico

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ÍNDIA. Num hospital de Bangalore, um profissional de saúde testa um robô equipado com câmara térmica que vai fazer a triagem preliminar dos pacientes à chegada ao hospital para impedir a disseminação de covid-19 MANJUNATH KIRAN / AFP / GETTY IMAGES
CHILE. Um drone do município de Zapallar entrega um saco com medicamentos a um casal de idosos que vive em isolamento social por causa da pandemia REUTERS
ITÁLIA. Sem necessidade de proteção especial, este robô ajuda a tratar de doentes covid recolhendo informação junto dos pacientes, num hospital de Varese FLAVIO LO SCALZO / REUTERS
ALEMANHA. Drone para transporte de equipamento médico nos céus de Berlim HANNIBAL HANSCHKE / REUTERS
SINGAPURA. Um cão robô patrulha um parque para dissuadir ajuntamentos EDGAR SU / REUTERS
MALÁSIA. Drone ao serviço da polícia de Kuala Lumpur e da imposição das regras de confinamento LIM HUEY TENG / REUTERS
ITÁLIA. À entrada desta farmácia de Turim, um robô mede a temperatura aos clientes STEFANO GUIDI / GETTY IMAGES
FRANÇA. Um drone pulveriza uma rua da cidade de Cannes com substâncias desinfetantes ERIC GAILLARD / REUTERS
SINGAPURA. Este robô lembra aos corredores, através de mensagens sonoras, que devem manter uma distância segura EDGAR SU / REUTERS
PERU. Enquanto estão na fila para serem testados à covid-19, em Lima, estes cidadãos são desinfetados por um drone SEBASTIAN CASTANEDA / REUTERS
CHINA. Neste restaurante de Xangai, é um robô que leva a comida à mesa ALY SONG / REUTERS
REINO UNIDO. Um robô usado para fazer entregas tem a vida facilitada por estes dias, com as ruas e passeios da cidade inglesa de Milton Keynes vazios LEON NEAL / GETTY IMAGES
MARROCOS. Um funcionário de uma “startup” dirige um drone equipado com uma câmara térmica, perto de Rabat FADEL SENNA / AFP / GETTY IMAGES

EUA. Um robô entrega comida ao domicílio, na Beverly Boulevard, em Los Angeles, após ser decretado o encerramento de todos os serviços não-essenciais AARONP / BAUER-GRIFFIN / GETTY IMAGES

CHINA. Um robô-polícia acompanha três profissionais de saúde, no aeroporto de Wuhan, após o levantamento das restrições à circulação na cidade onde o novo coronavírus primeiro apareceu ALY SONG / REUTERS
ALEMANHA. Junto às caixas de um supermercado da cidade de Lindlar, este robô humanóide apresenta informação sobre medidas de proteção em relação à covid-19 WOLFGANG RATTAY / REUTERS
ÁFRICA DO SUL. Usado para sulfatar propriedades agrícolas, este drone está a ser atestado para desinfetar áreas populosas, na cidade de Tshwane ALET PRETORIUS / GETTY IMAGES
HONG KONG. No aeroporto internacional, a higienização das casas de banho está por conta de robôs equipados com luz ultravioleta TYRONE SIU / REUTERS
ARGENTINA. Nos autocarros de Buenos Aires, há robôs a participar na desinfeção AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS
ITÁLIA. No parque Valentino, em Turim, um “carabinieri” opera um drone para vigiar o cumprimento das regras de confinamento MASSIMO PINCA / REUTERS
JAPÃO. Neste hotel de Tóquio, que está a ser usado para acomodar doentes com sintomas leves de covid-19, há dois robôs ao serviço: Pepper dá as boas vindas e Whiz limpa o chão PHILIP FONG / AFP / GETTY IMAGES
INDONÉSIA. Não é um robô, é um homem vestido com um fato de autómato a impor a distância física, numa rua da cidade de Bandung R. FADILLAH SIPTRIANDY / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui