Apesar de ser uma prioridade dos EUA, capturar Osama bin Laden não acaba com o terrorismo no mundo. A convicção é de David Auerswald, professor no National War College de Washington
David Auerswald, professor de estratégia no National War College, de Washington, inaugurou, na terça-feira, o Ciclo de Conferências Internacionais “Visões Globais para a Defesa” do Instituto de Defesa Nacional (IDN), em Lisboa. Em entrevista ao Expresso, diz que, no Afeganistão, há facções talibãs com quem o diálogo é possível.
Acredita numa solução militar para o Afeganistão? Muitos afegão dizem que os norte-americanos terão o mesmo tratamento que os soviéticos e os britânicos…
A Administração já afirmou que não há uma solução puramente militar para o Afeganistão. Há uma crença generalizada no Governo norte-americano que também é necessária uma solução política, bem como soluções que passem pela boa governação e pela viabilidade económica do país.
É inevitável envolver pessoas como mullah Omar nesse processo político?
A Administração disse que quer envolver, no diálogo político, membros talibãs ou outros grupos que não estejam exclusivamente empenhados na violência. Se conseguíssemos trazer estas pessoas conciliáveis para o processo político, seria uma grande ajuda. Contudo, há insurgentes, talibãs, membros da Al-Qaeda que não querem qualquer compromisso, nem depor as armas.
Se tivermos os talibãs de volta ao poder no Afeganistão, para que serviram oito anos de guerra?
Essa é uma conclusão demasiado simplista… Há talibãs que têm potencial de reconciliação. Outras facções talibãs não têm vontade de participar num processo político de paz. Com o primeiro grupo, podemos provavelmente chegar a um acordo; com o último, tal não parece ser possível. É preciso olhar para as diferentes facções dentro dos talibãs e para os diferentes grupos que estão a apoiar a insurgência. A mesma estratégia aplicada a todos não funciona necessariamente. É preciso talhar a estratégia a cada grupo individualmente.
E mullah Omar, em qual dos lados se coloca?
Prefiro não falar de grupos individualmente.
Apanhar Bin Laden não acaba com o terrorismo
A captura de Osama bin Laden deixou de ser uma prioridade?
A Administração já repetiu várias vezes que adoraria capturar Osama bin Laden. Permanece uma prioridade. Porém, a sua captura não vai acabar com o conflito no Afeganistão. Nem significará o fim dos ataques terroristas em todo o mundo.
Tem um roteiro para propor a Obama sobre a situação no Afeganistão?
Em primeiro lugar, temos de fazer com que a população se sinta segura. Em segundo, precisamos de combater a corrupção dentro do governo afegão, que parece estar a responder a essa exigência feita pelos EUA e por outros governos. Não podemos ficar no Afeganistão para sempre. Portugal não pode ficar no Afeganistão para sempre. Para que a população se sinta segura, tem de haver um aparelho de segurança profissional e não corrupto. Outra questão importante tem a ver com o papel construtivo que os vizinhos do Afeganistão possam ter. Presentemente, há mais de um milhão de refugiados afegãos no Irão. O que lhes vai acontecer? Por seu lado, os paquistaneses estão a ter um papel mais activo no âmbito desta grande ofensiva contra os talibãs, no Waziristão. Será que o governo paquistanês pode suster a situação? Nós estamos a actuar de um lado da fronteira, não podemos estar nos dois lados, ao abrigo dos acordos políticos que existem presentemente. Os paquistaneses não nos querem a actuar em larga escala do lado deles.
Na recente visita ao Paquistão, a secretária de Estado Hillary Clinton afirmou que Islamabad está a fazer muito pouco no combate à Al-Qaeda. Não se percebe se, para os EUA, o Paquistão é um amigo ou um adversário…
Os EUA cooperam com o Paquistão como amigos. Não quero entrar em questões políticas e no que pode ser o futuro desta relação.
Como é que o Ocidente pode ajudar a resolver o problema da corrupção que se regista ao mais alto nível em países como o Afeganistão e o Paquistão?
Uma das formas de ajudarmos é darmos o exemplo. Em segundo lugar, devemos prestar assistência para que esses governos desenvolvam um sistema judicial profissional, sensível às normas de comportamento e às tradições desses países, mas que tenha barreiras contra a corrupção. É preciso ter um sistema onde ninguém possa obter a liberdade pagando a um juiz.
Portugal deu o exemplo
Como está o processo de encerramento de Guantánamo?
O Presidente gostava de encerrar Guantánamo no fim do ano. Infelizmente, está a demorar mais tempo do que desejaríamos. Há dois tipos de obstáculos. Primeiro, precisamos de encontrar lugares para colocar estas pessoas: ou os libertamos ou os colocamos nalgum lugar. Encontrar países que aceitem estas pessoas tem sido muito difícil. Portugal liderou este processo, ao aceitar dois antigos detidos, mas muitas nações não aceitam nenhum. Em segundo lugar, o Congresso dos EUA tem colocado muitos entraves à transferência de detidos de Guantánamo para território norte-americano, seja para serem julgados ou para serem presos. Tudo tem atrasado o processo.
O Presidente Obama vai conseguir retirar as tropas do Iraque na data prevista?
Julgo que os comandantes no Iraque estão a tentar acelerar esse processo. Em Agosto de 2010, teremos 35 mil a 50 mil tropas de combate no Iraque e a 31 de Dezembro de 2011 já não deveremos ter nenhuma. Este é o acordo que os EUA têm com o Governo iraquiano.
Será uma retirada realista ou está a ser acelerada porque os EUA precisam de mais tropas no Afeganistão?
De uma forma ou de outra, é um processo realista. Sem dúvida! O governo iraquiano expressou o seu desejo de que os EUA retirassem as suas tropas de combate. Nós concordamos.
No Iraque como no Afeganistão, o Irão pode ter um papel a desempenhar na estabilização dos dois países. Como antevê a evolução do contencioso com o Irão a propósito do seu programa nuclear? A possibilidade da uma guerra está sobre a mesa?
Ninguém na Administração quer entrar em guerra com o Irão. O programa nuclear iraniano é um assunto complicado no sentido de que não é claro se a liderança iraniana está unida em torno desta questão. Os sinais que recebemos do Irão são difíceis de perceber. Não é claro se eles têm ou não um programa de armamento nuclear. A diplomacia não parece estar a funcionar. As sanções dificilmente funcionarão, a não ser que a China e a Rússia também participem de uma forma activa. E mesmo nessa situação… Já estudei este assunto. É muito difícil encontrar exemplos históricos onde as sanções realmente funcionaram e alteraram comportamentos. A força militar tem dificuldades e repercussões tremendas associadas. A situação transbordará para o Afeganistão e para o Iraque. Como reagirá o Hezbollah? Como reagirá Israel? O que acontecerá ao preço do petróleo? O que acontecerá ao uso pacífico do Golfo Pérsico e do Estreito de Ormuz? Fico aliviado por não ter de tomar decisões sobre o assunto…
ILUSTRAÇÃO CARLOS LATUFF / WIKIMEDIA COMMONS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de novembro de 2009. Pode ser consultado aqui





