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Chávez mais acossado do que o habitual

A Venezuela realiza eleições presidenciais este domingo e ninguém arrisca um prognóstico. Hugo Chávez e Henrique Capriles rivalizaram em megacomícios. Perfis dos dois candidatos

Hugo Chávez vai a votos pela terceira vez, mas a sua reeleição não parece, à partida, tão segura como anteriormente. Na imprensa venezuelana, fala-se de um embate ao estilo “David contra Golias”.

“Golias”: Hugo Chávez

Hugo Rafael Chávez Frías nasceu a 28 de julho de 1954, em Sabaneta, no estado de Barinas, o mais pobre da Venezuela. Filho de professores, concluiu a sua formação na academia militar em 1975.

Em 1992 liderou, sem sucesso, um golpe contra o então Presidente Carlos Andrés Perez e esteve preso dois anos. Venceu as eleições presidenciais de 6 de dezembro de 1998 e, no poder, converteu-se no líder mais polémico da América Latina.

Em 2011, revelou que tinha cancro e efetuou várias deslocações a Cuba para receber tratamentos. Esta semana, numa entrevista, afirmou: “Nem me lembro do cancro”.

Autoproclamado “Presidente dos pobres”, insiste na continuação da sua “revolução bolivariana” e prometeu, nesta campanha, ser “um Presidente melhor” no seu quarto mandato.

“David”: Henrique Capriles

Henrique Capriles Radonski nasceu em Caracas, a 11 de julho de 1972. É oriundo de uma família de judeus russos e polacos — os bisavôs maternos morreram no campo de concentração de Treblinka —, que chegou à Venezuela no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Estudou Direito na Universidade Católica Andrés Bello. Em 1998, foi eleito para o Congresso de Deputados, tornando-se o mais jovem deputado da História da Venezuela.

Em 2000, fundou o partido conservador Primeiro Justiça (centro-direita) e lançou-se na política autárquica, nunca perdendo uma eleição. Em 1998, ganhou a câmara de Baruta e, entre 2008 e 2012, foi governador do estado de Miranda.

A família é abastada e tem participações em jornais, cinemas e vários outros negócios. Confesso admirador de Lula da Silva, se vencer as eleições, promete dar mais protagonismo às empresas privadas e aumentar o salário mínimo para 2500 bolívares (450 euros).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de outubro de 2012. Pode ser consultado aqui

“A imprensa é golpista”

Mapa da Venezuela pintado com a bandeira do país DARWINEK / WIKIMEDIA COMMONS

Há quem diga que o monstro que trouxe a turbulência à Venezuela tem mil cabeças, mas há também quem não hesite na hora de apontar o dedo acusador. É o caso de Bernard Cassen, o francês que é presidente honorário da ATTAC — a mais expressiva das organizações antiglobalização —, para quem os órgãos de informação locais estão no centro da desestabilização. Estive na Venezuela há 15 dias e bastou uma hora para me aperceber do papel escandaloso que a comunicação social está a desempenhar. Os grandes jornais e a televisão fizeram uma espécie de pacto mafioso entre eles e praticam uma desinformação, eu diria, ao estilo de Goebbels, afirmou em entrevista ao “Expresso”.

Na segunda-feira, simpatizantes do Presidente Hugo Chávez bloquearam os acessos aos principais canais de televisão venezuelanos. Na véspera, e como que a confirmar o protagonismo dos media na crise política, o chefe de Estado tinha acusado a maioria dos órgãos de informação de promover uma guerra terrorista e sangrenta contra o seu Governo.

Para Bernard Cassen, o facciosismo dos media” foi particularmente evidente no passado domingo, quando cerca de dois milhões de pessoas desfilaram em Caracas em apoio a Hugo Chávez e à sua revolução bolivariana e a imprensa não fez eco da manifestação. Para Cassen, ao fazer o jogo da oposição a Chávez, os media” assumem-se como um poder absolutamente golpista, defensor dos grandes interesses” e cúmplice do que denominou como “uma greve de luxo”.

“A oposição recorreu a uma arma absoluta, que é o petróleo, um sector totalmente privatizado no interior, onde há muita corrupção e níveis de riqueza inimagináveis. O objectivo é “provocar o caos no sector petrolífero — o coração da economia venezuelana — e provocar a intervenção americana”, denunciou ao “Expresso. “É inacreditável ver que quem exige a partida de Chávez é a organização patronal e a central sindical. Era como ver em Portugal a CGTP e a CIP, lado a lado”, acrescentou.

De passagem por Lisboa, para promover o seu livro “Uma Economia ao Serviço do Homem” e participar numa conferência subordinada ao tema “Que Europa?”, o ex-presidente da ATTAC não se furtou a comentar a situação político-económica na América Latina. Para ele, a eleição de Lula da Silva, no Brasil, pode funcionar como um bálsamo para toda a região. “Mas a sua margem de manobra é extremamente limitada. Ele comprometeu-se a respeitar os acordos com o FMI”, afirmou.

Por outro lado, tem pela frente o desafio da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que Bernard Cassen denomina como uma tentativa de recolonização das Américas”. “Perante os Estados Unidos e o Canadá, potências industriais e tecnológicas, se os outros países aceitarem a ALCA vão ser destruídos e assistir ao encerramento de milhares de pequenas empresas. Foi o que aconteceu no México, com a NAFTA (Área de Livre Comércio para a América do Norte), que provocou a ruína da agricultura mexicana”, acrescentou.

Para Bernard Cassen, se dúvidas houvesse sobre a falência do conceito liberal, basta olhar para a Argentina, que aplicou à letra as prescrições do Fundo Monetário Internacional. É o desastre total”.

Artigo publicado no Expresso, a 14 de dezembro de 2002