Luta para ficar à tona

As  pequenas ilhas, que raramente prendem as atenções, concentram em si vários dos problemas que afligem a Humanidade, servindo de laboratório para a ONU, que na segunda e terça-feira dedica uma sessão especial à questão 

Vista aérea sobre Malé, a capital das Maldivas, no Oceano Índico SHAHEE ILYAS / WIKIMEDIA COMMONS

As pequenas ilhas — que polvilham o planisfério nas zonas onde, aparentemente, só vemos azul — raramente prendem as atenções. No entanto, elas existem, são aos milhares, muitas são habitadas e têm preocupações “do tamanho do mundo”.

Muitas das vulnerabilidades que afectam estas ilhas advêm quer dos seus contornos físicos quer da sua localização geográfica. Por isso, 41 delas instituíram, em 1990, a AOSIS (Aliança das Pequenas Ilhas Estados), uma organização que, desde então, tem funcionado como um laboratório das Nações Unidas para os problemas mais prementes. Quanto mais não seja porque muitas dessas “dores de cabeça” — as ecológicas, especificamente — serão partilhadas pelos países maiores (e mais desenvolvidos) num futuro não muito distante.

Longe do mediatismo que caracteriza outras reuniões do género — com participantes bem menos discretos — a Assembleia Geral da ONU vai dedicar, na segunda e terça-feira, uma sessão especial às pequenas ilhas e suas especificidades.

As alterações climáticas

Na viragem do milénio, as alterações climáticas constituem uma das principais fontes de preocupação para as pequenas ilhas. O aquecimento global da Terra (entre 1 e 3,5 graus centígrados, até 2100) e a consequente subida do nível do mar (entre 15 e 95 centímetros) colocam estas ilhas na “linha da frente”, como potenciais vítimas das catástrofes naturais.

As ilhas Tuvalu, por exemplo — que são o quinto Estado independente mais pequeno do mundo — correm mesmo o risco de, no próximo século, desaparecerem do mapa. Elas consistem em nove atóis de origem coralinea, habitados por cerca de 9500 pessoas, e o seu ponto mais alto não ultrapassa os cinco metros. Também as Maldivas — um arquipélago com quase 2000 ilhas, onde habitam cerca de 275 mil pessoas e cujo “pico montanhoso” não vai além dos seis metros — poderão ter a mesma “sorte”.

Para agravar a situação, todas as ilhas membros da AOSIS (exceptuando Malta, Chipre, Bahrein e parte das Bahamas) situam-se na região intertropical do Globo, onde o clima é mais quente e mais húmido do que em qualquer outra parte do planeta.

A Ásia-Pacífico, em particular, é a região onde as manifestações naturais decorrentes dos fenómenos “El Niño” e “La Niña” se tem feito sentir, desde há 20 anos, com maior frequência e intensidade. Logicamente, os seus efeitos devastadores ganham maior amplitude quando estão em causa pequenas massas de terra.

Com excepção da Papua Nova Guiné e Cuba, todas as outras ilhas da AOSIS são mais pequenas do que Portugal e mais de metade têm, inclusivamente, um tamanho inferior ao da Grande Lisboa. Em Março de 1982, em virtude do “El Niño”, o arquipélago do Tonga — uma área que, apesar de ser inferior à da ilha da Madeira, detém o recorde mundial de terrenos cultivados (79%) — viu a maior parte das suas colheitas (amêndoa e banana) serem completamente destruídas pelo ciclone “Isaac” que se abateu sobre a Oceania.

Mais recentemente, em Julho de 1998. a província de Sepik, no Noroeste da Papua-Nova Guiné, foi atingida por um forte maremoto, seguido de uma onda gigante de 10 metros de altura, que mataram perto de 2000 pessoas, ou seja, aproximadamente um quinto da população que habitava a região.

A pequenez das ilhas face à agressividade climática contribuiu para que elas tomassem consciência da sua importância ao nível das energias alternativas. Muitos especialistas defendem já que as pequenas ilhas reúnem condições invejáveis para liderar a revolução energética global, através da utilização de fontes “verdes”, tais como a água, o vento e a biomassa.

Em Sukiki, nas Ilhas Salomão, o aproveitamento energético da luz solar, em detrimento das lâmpadas de querosene, foi feito com muito sucesso e com inegáveis benefícios económicos e ambientais para as populações.

O desgaste do turismo

As costas das ilhas são as zonas mais expostas às intempéries. Para além de concentrarem a maior parte da população, elas abrigam os principais recursos económicos — o peixe e o potencial turístico (praias exóticas, águas límpidas e recifes de corais). A sua degradação significa, portanto, um sério revés para a capacidade de sobrevivência das ilhas.

O turismo, em particular, é vital para estas ilhas. Verdadeiros “paraísos na Terra”, quanto mais pequenas, isoladas e longínquas são, mais apetecíveis se tornam. As pequenas praias das Seychelles, por exemplo, atraem, anualmente, mais de 130 mil turistas. Tendo em conta que este arquipélago é constituído por mais de 100 ilhas que, juntas, têm uma área pouco superior a metade da ilha da Madeira e que só tem cerca de 77 mil habitantes, os receios da pressão humana são evidentes e compreensíveis.

Mas nem só a intervenção humana desgasta estes “lugares de sonho”. Também as forças da natureza afastam os turistas. Na ilha de Nevis, por exemplo, a praia de Pinney vem sofrendo uma erosão permanente, desde a década de 70. Periodicamente, mais uma fila de palmeiras é arrancada ao solo e o hotel já forma mesmo uma pequena península no meio do mar. O seu restaurante, com a ajuda do furacão “Luís”, em 1995, perdeu mesmo toda a clientela: um mês após estar pronto, já só via peixes, algas e muita água entrarem pela porta adentro. A UNESCO está ciente destes fenómenos e informou que há regiões insulares no Leste das Caraíbas, onde a erosão das praias e das dunas avança à razão de cinco metros por ano.

Ecossistemas em crise

As populações nativas, nem sempre dão o melhor exemplo aos forasteiros, no que se refere à necessidade imperiosa de manter os ecossistemas em equilíbrio. Inevitavelmente, quem acaba por pagar, directamente, esta cara factura é a biodiversidade das ilhas, que se vê amputada de algumas das suas espécies mais apreciadas.

Neste âmbito, a amplitude da degradação dos bandos de aves nas Caraíbas é particularmente preocupante. O “Pato Sibilante da Índia Oriental”, por exemplo, uma espécie que habita os pântanos de vários países da região, é já considerado uma espécie ameaçada: em Cuba e nas Bahamas, devido à caça ilegal; no Haiti, devido à utilização dos seus “habitats” para o cultivo do arroz; na República Dominicana, por causa dos pesticidas e, na Antígua e Barbuda, devido ao desvaste de extensas áreas de mangais.

O recurso a áreas protegidas é uma solução que algumas ilhas adoptam para salvaguardar a biodiversidade. A Jamaica, por exemplo, já delimitou cinco extensões com esse objectivo, a maior das quais Portland Bight — ocupa quase o dobro da área do Parque Natural da Serra da Estrela. Estabelecida em Abril passado, esta reserva abriga as maiores florestas secas de origem calcária de toda a América Central e Caraíbas. São cerca de 48 quilómetros quase contíguos de mangais, 53 espécies vegetais que só existem na Jamaica e pântanos habitados por aves aquáticas e crocodilos, o símbolo nacional do país.

A falta de água

Rodeadas de água por todos os lados, é difícil perceber em que medida este recurso pode constituir, por si só, um motivo de preocupação para as ilhas. Mas, mesmo as ilhas onde chove abundantemente podem não ter vida fácil.

Por um lado, a sua baixa altitude proporciona que os lençóis freáticos subterrâneos sejam facilmente contaminados, quer por agentes poluidores, quer pela água salgada dos oceanos. Por outro lado, o abastecimento de água às populações implica infra-estruturas de armazenamento e distribuição de vulto, raramente existentes.

Em Tarawa, o atol mais populoso do arquipélago de Kiribati, o acesso às reservas subterrâneas de água doce gerou, em 1996, um conflito, que se arrastou por dois anos, entre a comunidade de Bonkiri e o Governo. Em Tarawa, os cuidados com a água são tais, que já se tornou um hábito ferver toda a água que se bebe. Periodicamente, o dispêndio da água que se consome é racionado, e os filtros para a sua purificação já fazem parte dos utensílios domésticos.

Artigo publicado no Expresso, a 25 de setembro de 1999

Embaixador do Paquistão: “Nos meus encontros com a comunidade, aconselho a que respeitem sempre a lei do país, para que sejam respeitados”

Portugal e o Paquistão celebram 75 anos de relações diplomáticas. Em entrevista ao Expresso, o embaixador paquistanês, Muhammad Khalid Ejaz, fala sobre o potencial da relação bilateral, dos principais desafios que o seu país enfrenta e da integração da comunidade paquistanesa em Portugal. Após a rusga no Martim Moniz, admite, “houve alguma preocupação entre os membros da comunidade”

o Paquistão levava apenas dois anos de vida, enquanto Estado independente, quando, a 7 de novembro de 1949, Portugal estabeleceu relações diplomáticas bilaterais.

Essa ligação revelou-se preciosa quando a União Indiana invadiu Goa, em dezembro de 1961. Então, o Paquistão prestou apoio logístico e diplomático, possibilitando a saída de muitos portugueses daquela possessão ultramarina.

O episódio foi recordado pelo atual embaixador do Paquistão em Portugal, numa entrevista ao Expresso, como exemplo da cooperação que os dois países têm desde a primeira hora.

Muhammad Khalid Ejaz iniciou a missão diplomática em maio passado. Diz que trabalha “dia e noite” para que “os estereótipos contra o Paquistão sejam eliminados”.

Portugal e o Paquistão estabeleceram relações diplomáticas há 75 anos. O que há para celebrar?

Desde o início, as relações têm sido muito amigáveis e de grande cooperação. Desenvolvemos boas memórias. Cooperámos nas Nações Unidas em diferentes ocasiões. Lenta e progressivamente, o nosso comércio também se desenvolveu. Atualmente, o comércio bilateral ronda os 300 milhões de dólares [287,9 milhões de euros], mas o potencial é muito grande. Paquistão e Portugal têm muito para oferecer um ao outro.

Antes, enfrentávamos dois desafios, que se reduziram nesta era moderna. Por exemplo, a barreira linguística. Agora, temos tradução disponível online, que se pode fazer facilmente a partir do telemóvel. Penso que a comunicação entre os empresários dos dois países pode aumentar.

Em segundo lugar, temos a distância geográfica. Mas com as modernas tecnologias, é muito fácil organizar reuniões online. Desta forma, as pessoas aproximam-se mais umas das outras.

E há uma comunidade paquistanesa considerável no país…

Nos últimos 20 anos, a comunidade paquistanesa em Portugal cresceu de forma constante. Atualmente, somos cerca de 30 mil paquistaneses naturalizados ou com residência permanente. E depois entre 5000 e 7000 estão à espera de regularizar a sua situação. Estas pessoas constituem uma boa ponte entre os dois países, já que permitem que os nossos contactos interpessoais melhorem.

Existe também uma comunidade estudantil. Na Universidade do Minho, onde estive recentemente, há cerca de 25 estudantes paquistaneses a estudar. Nas universidades de Lisboa, de Coimbra e do Algarve, que já visitei, também há um número considerável de estudantes paquistaneses.

Vêm propositadamente para estudar em Portugal?

Sim. Alguns vieram da Ucrânia. Mas enfrentam desafios, como o facto de existirem certos estereótipos contra o Paquistão. Alguns são admitidos nas universidades portuguesas, mas não conseguem obter vistos com facilidade.

O Paquistão foi uma colónia britânica. Por isso, inicialmente, os nossos estudantes iam para os Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, países de língua inglesa. Com o passar do tempo, por várias razões, começaram a ir também para universidades europeias. Acresce que as universidades americanas e australianas são muito caras. Há paquistaneses que gostariam de vir para Portugal para obter formação superior e diversificar a sua formação.

O Paquistão tem cerca de 225 milhões de habitantes e uma diáspora de cerca de 10 milhões. As pessoas querem enviar os seus filhos para países seguros para frequentarem o ensino superior, e encontraram um bom sítio em Portugal. Se os estereótipos contra o Paquistão forem eliminados — trabalho para isso dia e noite —, os paquistaneses, que são muito estudiosos e bons alunos, também acrescentam valor ao ambiente académico.

O que alegam as autoridades portuguesas para não concederem os vistos?

Por vezes, dizem que a pessoa não dispõe de fundos suficientes. Outras vezes, que o seu objetivo não é vir estudar. Destaco o caso das raparigas. No Paquistão, nos últimos 20, 25 anos, as mulheres estudam mais. Estão a obter mais educação superior e a ter mais mérito também. Algumas querem vir para universidades melhores, fazer mestrado e doutoramento. Querem ter uma experiência europeia e gostariam de vir para Portugal. De acordo com os nossos valores culturais, estas raparigas acabam por ter de regressar ao seu país.

Tenho procurado encontrar-me com responsáveis e dizer-lhes que estas estudantes proporcionam muitas oportunidades para as universidades, desde logo ao nível do conhecimento do mundo muçulmano, do Paquistão e dos países orientais. O intercâmbio de conhecimentos seria benéfico para ambas as partes. As relações bilaterais devem assentar no comércio e nos intercâmbios humanos.

Que relatos lhe chegam sobre a integração dos paquistaneses na sociedade portuguesa?

Inicialmente, chegavam jovens solteiros que pensavam em ir imediatamente para outro país. Mas agora há famílias que querem ficar. Conheci famílias em que o pai ainda está a trabalhar no Médio Oriente e a mãe e os filhos estão cá. O pai está a trabalhar e a trazer dinheiro para Portugal e os filhos estão a estudar em universidades e colégios em Portugal. Para estas pessoas, Portugal é a sua casa, querem integrar-se, conhecer pessoas e interagir.

E aprendem a língua?

Eles estão a aprender a língua. Os portugueses são pessoas muito amigáveis, à exceção de algumas pessoas que têm tendências islamofóbicas. Por isso, aqui, os paquistaneses não se sentem ameaçados. Aqui, uma mulher com véu ou com vestidos islâmicos não sente que alguém a possa prejudicar. Sente-se segura.

Após a rusga no Martim Moniz, ouviu queixas relativamente a atos de racismo ou xenofobia contra a comunidade?

Quando aconteceu esse incidente, no Martim Moniz, várias pessoas contactaram-me. A segur, fui pessoalmente visitar aquela zona. Houve alguma preocupação entre os membros da comunidade. Por vezes, as autoridades têm de tomar determinadas medidas porque têm de garantir a lei e manter a área segura. Nos meus encontros com os paquistaneses, aconselho-os a respeitarem sempre a lei do país, para que sejam respeitados. Mas por causa de algumas pessoas que os designam com de uma região que agrega vários países, incluindo o meu [hindustânicos], isso reverbera na sua psique. Eu defendo que se formos boas pessoas, se nos concentramos na nossa educação e respeitarmos o vizinho, as pessoas continuarão a respeitar-nos e não haverá retórica que funcione contra.

Quais são os principais problemas que o Paquistão enfrenta atualmente?

Há muitos problemas que decorrem da nossa vizinhança. Continua a ser uma região conturbada. No território do Paquistão, há mais de dois milhões de refugiados afegãos. Alguns são extremistas, foram doutrinados e algumas pessoas têm, digamos, as suas próprias ideias de tribalismo, que querem impor também no Paquistão.

Por vezes, militantes extremistas atacam as nossas instituições, as nossas forças, por não seguirmos as suas ideias. O Paquistão é uma nação progressista, muito resiliente. Proporcionamos igualdade de oportunidades e as nossas raparigas estão a destacar-se em todos os campos. Do ponto de vista tribal, isso não é bom, mas não podemos ceder às pressões, temos de seguir caminho e, enquanto nação, decidir o nosso próprio destino. Um dos desafios que enfrentamos são os ataques terroristas através da fronteira.

Na nossa fronteira oriental, há um grande conflito entre o Paquistão e a Índia por causa de Caxemira, que é a zona mais militarizada do mundo per capita. No lado ocupado pela Índia, há mais de 800 mil militares, que cometem excessos. As pessoas são assediadas, as mulheres molestadas, idosos e crianças feridos. Existe uma grande pressão sobre os direitos humanos. E isso também se repercute no nosso lado.

Depois, também somos vizinhos do Irão. A posição geográfica do Paquistão coloca muitos desafios, mas queremos convertê-los em oportunidades. Queremos ser uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e entre diferentes religiões. E queremos proporcionar corredores comerciais.

Como pode ser resolvida a disputa pela Caxemira?

Este é um conflito reconhecido internacionalmente. A vontade do povo da região da Caxemira deve ser expressa através de um plebiscito sob os auspícios das Nações Unidas, como determinam as resoluções do Conselho de Segurança. Se isso acontecer, qualquer que seja a decisão é aceitável para nós.

Usar a força militar pura e simples não é aceitável. Agora, [os indianos] estão a tentar mudar a demografia da Caxemira. Adotaram novas leis e trazem colonos para a região. Esta política contraria as Convenções de Haia. Condenamo-lo veementemente e pedimos à comunidade internacional que analise o assunto.

Está em causa um país [a Índia] que aspira a ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O seu historial em matéria de direitos humanos é muito mau. Este problema é uma mancha para eles.

Muitas vezes se diz que o conflito entre a Índia e o Paquistão é aquele que com mais facilidade pode evoluir para uma guerra nuclear. Os dois países estão conscientes dessa linha vermelha? Ou o mundo deve preocupar-se?

É verdade que ambos os países têm armas nucleares. E sendo o Paquistão um país muito responsável, defendemos sempre que essas armas não podem ser usadas em nenhuma situação. Desenvolvemo-las apenas por uma questão de dissuasão. A Índia fabricou-as e detonou-as primeiro. Se não tivermos armas nucleares, ficamos sempre ameaçados e sob coação.

Nos anos 1990, o Paquistão foi um dos três países a reconhecer o governo dos talibãs, no Afeganistão. Agora que eles voltaram ao poder, não os reconhece. O que mudou?

O Paquistão tem essa experiência anterior, por isso, desta vez, fomos muito cautelosos e esperamos para ver, juntamente com a comunidade internacional, como se comporta o novo regime. Damos-lhes essa oportunidade. Continuamos a dialogar com eles, a nossa embaixada está a funcionar e, devido à proximidade, as relações comerciais estão a decorrer, bem como o intercâmbio de pessoas. Mas, mesmo assim, juntamo-nos à comunidade internacional para decidir, como um todo, o que fazer.

Donald Trump está de regresso à Casa Branca. No seu primeiro governo, ele cortou a ajuda ao Paquistão. O que espera desta vez?

O Paquistão tem uma relação multifacetada com os Estados Unidos. Somos um grande aliado fora da NATO. A América é o maior parceiro comercial do Paquistão e temos uma grande diáspora nos EUA. Consideramos que as nossas relações vão continuar a crescer. Congratulamo-nos com qualquer que seja a decisão do povo norte-americano.

Desde 1 de janeiro, o Paquistão é membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. Quais são as prioridades?

É a oitava vez que o Paquistão, por uma maioria esmagadora, é eleito para um assento não permanente. O Paquistão sempre se esforçou e continuará a esforçar-se pela paz, segurança e estabilidade no mundo. E continuaremos a dar voz às nações mais pequenas, que não têm um lugar permanente. Continuaremos também a dizer que as disputas, especialmente as de Caxemira e da Palestina, que há muito se arrastam, devem ser resolvidas de acordo com as resoluções da ONU.

Em segundo lugar, o Paquistão gostaria que os desafios colocados pelas alterações climáticas, que afetam toda a gente, fossem resolvidos de forma equitativa e que fossem encontradas soluções amigáveis e viáveis.

Como tem recuperado o país das grandes cheias de 2022? Um terço do território ficou submerso…

Atualmente, as inundações tornaram-se desproporcionais. Ocorrem quase todos os anos. Estamos a tentar mitigar os problemas, mas os glaciares estão a derreter e há muitas outras alterações climáticas que provocam inundações. Por isso dizemos que não se trata de um problema individual, mas sim de um problema coletivo que a comunidade internacional deve enfrentar. Estamos muito gratos ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que visitou o Paquistão para expressar a sua solidariedade para com as pessoas afetadas pelas cheias. É um bom amigo dos paquistaneses.

Por causa do degelo dos glaciares dos Himalaias, os paquistaneses estão na fila da frente do impacto das alterações climáticas…

Sim, testemunhamo-lo. E não somos poluidores, não produzimos muita pegada de carbono, mas somos muito afetados pelas alterações climáticas.

O Paquistão vê necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU?

A necessidade de reforma é transversal a tudo. Mas a reforma não deve ser feita de forma a prejudicar ainda mais o sistema. Se acrescentarmos um novo membro permanente com um mau historial em matéria de direitos humanos e desejos hegemónicos, estaremos a acrescentar mais problemas. O Paquistão gostaria de ver algumas reformas mais representativas e equitativas.

O que levou o Paquistão a candidatar-se aos BRICS?

Contivemo-nos durante muito tempo e não nos candidatámos. Queremos fazer parte de organizações e sistemas internacionais onde se procurem instrumentos alternativos, que possam aumentar a cooperação internacional. O grupo dos BRICS aumentou exponencialmente e está a crescer muito rápido. O Paquistão quer fazer parte e contribuir para a sua importância. Os nossos vizinhos [Índia, China e Irão] também aderiram. Vários países muçulmanos aderiram ou querem aderir. Demorámos algum tempo a pensar no assunto, não nos apressámos e decidimos fazê-lo.

(FOTO PRINCIPAL Muhammad Khalid Ejaz é embaixador do Paquistão em Portugal desde maio de 2024 ANTONIO PEDRO FERREIRA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de janeiro de 2025. Pode ser consultado aqui

Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.