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Porque fogem os rohingya?

A minoria muçulmana da antiga Birmânia é das mais perseguidas à face da Terra. Dos cerca de um milhão de rohingya, 700 mil já fugiram do país. Não se via um êxodo humano tão rápido desde o genocídio no Ruanda. 2:59 PARA EXPLICAR O MUNDO

Os rohingya são dos povos mais perseguidos à face da Terra. Em Myanmar, a antiga Birmânia, vivem subjugados por uma repressão generalizada que os torna párias no país que sentem como seu e onde nem o Estado nem a restante população os reconhecem. Apontados a dedo como um povo menor, chamam-lhes pulgas, ogres, são frequentemente alvo de violência organizada por parte das forças do Estado.

Em agosto de 2017, mais de 350 aldeias foram invadidas por homens armados. As propriedades pilhadas, casas queimadas, mulheres violadas e todos quantos tentaram fugir a esse inferno foram alvejados a tiro.

Muitos dos sobreviventes fizeram-se à estrada com a roupa do corpo e procuraram abrigo no Bangladesh. Não se via um êxodo humano tão rápido desde o genocídio do Ruanda, em 1994.

Hoje existem cerca de um milhão de rohingya e 700 mil vivem no Bangladesh, em acampamentos temporários, à mercê da ajuda internacional e expostos a novas crises. Recentemente, soaram dois alertas: as monções, que ameaçam fustigar os campos sobrelotados, e um “boom de bebés, fruto de violações em massa durante a fuga.

Mas porquê tanto ódio aos rohingya? Em primeiro lugar, a geografia. Os rohingya vivem sobretudo na parte ocidental de Myanmar, num estado fisicamente separado do resto do país pela cadeia montanhosa do Arakan Yoma. Ao longo dos tempos esse isolamento levou a menor investimento e originou mais pobreza em comparação com o resto do país.

A religião é outro fator potencial de conflito. Os rohingya são muçulmanos, ao contrário da esmagadora maioria dos birmaneses que é budista. Entre as principais vozes de ódio contra os rohingya está um monge budista a quem chamam “o Bin Laden birmanês.

O problema dos rohingya acentuou-se em 1982 quando uma nova Lei da Cidadania reconheceu 135 grupos étnicos, mas deixou-os de fora. Foi a machadada final numa comunidade sistematicamente privada de direitos básicos, como a possibilidade de trabalhar, aceder à educação, movimentar-se livremente, ser proprietário ou até casar.

Em 2014, no último censo realizado em Myanmar, só foram contabilizados os rohingya que aceitaram registar-se como bengalis. Quem se recusou, pura e simplesmente, não existe.

Ativistas e organizações presentes no terreno alertam para um genocídio em curso. Mas falar do assunto tornou-se incómodo num país onde o ódio à minoria muçulmana parece ser um sentimento nacional e rohingya uma palavra proibida.

Em novembro de 2017, o Papa Francisco visitou Myanmar e foi incapaz de condenar expressamente a violência contra os rohingya.

Do mesmo modo, Aung San Suu Kyi, a Nobel da Paz birmanesa que se tornou um símbolo mundial da luta pela democracia, viu a sua reputação arruinada fora de portas por nunca se ter insurgido contra a repressão de que esta comunidade é vítima.

Politicamente, a Birmânia vive um processo de transição entre uma ditadura militar e uma democracia que ninguém quer perturbar. E que por isso se sobrepõe à dignidade dos rohingya.

Episódio gravado por Pedro Cordeiro.

Artigo publicado no Expresso Online, a 21 de junho de 2018. Pode ser consultado aqui

O faraó que despiu a farda para mandar mais

Apesar de já se saber quem vai ganhar as presidenciais no Egito, vale a pena ver este vídeo. Fique a perceber como Abdel Fattah el-Sisi se tornou líder sem rival num país milenar que é um peso-pesado do Médio Oriente. 2:59 PARA EXPLICAR O MUNDO

Há um motivo de peso para estarmos atentos ao que se passa no Egito. Todos os anos milhares de portugueses fazem férias no país dos Faraós, e muitos outros sonham, um dia, ver de perto as Pirâmides de Gizé.

Hoje, muitas fotografias tiradas por todo o Egito correm o risco de captar o rosto de um só homem. Abdel Fattah al-Sisi é o Presidente do Egito e o vencedor anunciado das eleições que se avizinham.

Nasceu no Cairo há 63 anos, tem uma carreira militar de quase 40 e chefiava os serviços secretos militares quando, em 2011, os ventos da Primavera Árabe sopraram no Cairo, enchendo a Praça Tahrir de manifestações antirregime.

Hosni Mubarak, que governava há 30 anos, caiu ao fim de 18 dias de protestos.

A seguir à revolução, Sisi deu-se a conhecer aos egípcios na sombra da Irmandade Muçulmana, a força política então dominante. Foi nomeado ministro da Defesa e chefe de Estado-Maior das Forças Armadas por Mohamed Mursi, o Presidente islamita democraticamente eleito em 2012.

Face às derivas autoritárias de Mursi, Sisi liderou um golpe militar e substituiu-o no cargo. Depois despiu a farda de general e sujeitou-se à vontade popular, vencendo as presidenciais de forma esmagadora.

Entre 26 e 28 de março, 60 milhões de egípcios estão convocados para escolher o futuro Presidente. No boletim de voto, além de Sisi, haverá apenas mais um nome: Moussa Mostafa Moussa. Arquiteto de formação, formalizou a sua candidatura sete minutos antes do fim do prazo.

A sua presença dá um ar democrático a estas eleições, mas transforma-as numa farsa: é que o partido de Moussa tinha declarado apoio a Sisi e até ajudado na recolha de assinaturas.

A ausência de adversários dignos desse nome revela como, sete anos depois, as liberdades reclamadas pela Primavera Árabe são uma ilusão. Em janeiro e favereiro, vários potenciais candidatos foram saindo de cena. Um ex-chefe de Estado do Exército, um coronel do Exército, um advogado de Direitos Humanos, um ex-deputado.

Mas mesmo com um vencedor anunciado à partida, o Egito não perde interesse, dada a sua dimensão, localização e legado histórico.

É o mais populoso dos países árabes.

É o guardião do Canal do Suez, que encurta em mais de 10 dias a rota pelo Cabo da Boa Esperança.

É herdeiro de uma civilização milenar.

E acolhe a Universidade de Al-Azhar, grande centro do pensamento sunita, que lhe confere autoridade no mundo muçulmano.

E é um peso pesado da geopolítica do Médio Oriente.

Além da Jordânia, é o único país árabe que assinou um tratado de paz com Israel, com quem, de resto, coordena o bloqueio à Faixa de Gaza.

Foi um dos promotores do embargo ao Qatar.

Integra a coligação que bombardeia o Iémen.

E combate um dos maiores vespeiros mundiais do terrorismo, na Península do Sinai. A 29 de novembro de 2017, Sisi ordenou aos militares o uso de toda a força bruta para derrotar os terroristas e repor a segurança no Sinai dentro de três meses.

Bem a tempo das eleições…

Episódio gravado por Pedro Cordeiro.

Vídeo publicado no Expresso Online, a 29 de março de 2018. Pode ser visto aqui