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Marrocos normaliza relação com Israel e recebe presente de Donald Trump

Ao mesmo tempo que saudava a oficialização da relação diplomática entre marroquinos e israelitas, o Presidente dos Estados Unidos anunciou que vai reconhecer a soberania de Marrocos sobre o território do Sara Ocidental

E vão quatro. Depois de Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Sudão, o reino de Marrocos tornou-se, esta quinta-feira, o quarto país árabe a aceitar a normalização da sua relação diplomática com Israel. Tudo isto em apenas quatro meses.

O anúncio foi feito na rede social Twitter pelo Presidente dos Estados Unidos, que mediou o processo. Na sua reta final em funções, a Administração Trump tem investido na aproximação entre Israel e o mundo árabe sunita, num quadro designado por Acordos de Abraão.

Donald Trump saudou “outro avanço histórico”. “Os nossos dois GRANDES amigos, Israel e o reino de Marrocos, concordaram em estabelecer relações diplomáticas plenas — um imenso avanço pela paz no Médio Oriente!”

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1337067073051238400

Este passo entre Rabat e Telavive é a consagração oficial de uma relação que já existia clandestinamente e que agora vai desenvolver-se sem constrangimentos. Segundo a imprensa israelita, a companhia aérea El Al está a equacionar pelo menos um voo diário entre os dois países e operadores turísticos estimam que 150 mil israelitas possam, em 2021, escolher Marrocos como destino de férias.

Para Israel, trata-se da confirmação de que é um país cada vez menos só entre os vizinhos árabes. Em comunicado, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, agradeceu ao rei de Marrocos a sua “decisão histórica” e prometeu uma “paz muito calorosa” entre os dois países.

Uma palavra aos palestinianos

Já o monarca de Marrocos, Mohammed VI, falou ao telefone com o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas — que vê mais um “irmão” árabe afastar-se da solidariedade árabe em torno da causa palestiniana —, a quem reafirmou o compromisso de Marrocos em relação à solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano.

Porém, para Marrocos, este acordo traz um bónus precioso oferecido por Washington: os Estados Unidos comprometem-se a reconhecer a soberania marroquina sobre o Sara Ocidental. O território está ocupado desde 1975 por Marrocos (que o encara como as suas províncias do sul), mas as Nações Unidas prometeram ao povo sarauí um referendo de autodeterminação.

No Twitter, Trump defendeu que “a proposta de autonomia séria, credível e realista de Marrocos é a ÚNICA base para uma solução justa e duradoura” para o conflito do Sara Ocidental. E acrescentou: “Marrocos reconheceu os Estados Unidos em 1777. É portanto adequado que reconheçamos a soberania deles sobre o Sara Ocidental”.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1337067127455539201

Esta alteração da posição dos Estados Unidos já mereceu reação das autoridades da República Árabe Sarauí Democrática (RASD) — que é reconhecida por dezenas de países e membro de pleno direito da União Africa, em igualdade de condições com Marrocos.

Em comunicado, a RASD e a Frente Polisário (reconhecida pela comunidade internacional como legítima representante do povo sarauí) condenam a decisão de Trump “em fim de mandato” de reconhecer a Marrocos “aquilo que nunca foi seu, ou seja, a soberania sobre o Sara Ocidental”.

“A decisão do senhor Trump constitui uma flagrante violação da Carta das Nações Unidas e dos princípios que regem a legalidade internacional, governos e tribunais internacionais, ao mesmo tempo que constitui uma séria obstrução dos esforços da comunidade internacional na busca de uma solução justa e pacífica para o conflito entre a República Sarauí e o reino de Marrocos. Além disso, esta decisão acontece a poucos dias de Marrocos ter feito explodir o cessar-fogo com a agressão perpetrada a 13 de novembro.”

A aproximação entre Israel e o mundo árabe sunita tem sido prioridade da diplomacia norte-americana, e em especial, do conselheiro e genro de Trump, Jared Kushner. Visa não só criar erosão na parede árabe que isolava Israel na região, como sobretudo unir e fortalecer uma frente de oposição ao grande inimigo de todos na região — o Irão.

Egito foi pioneiro

Abdel Fattah al-Sisi, Presidente do Egito — outro dos pesos-pesados da geopolítica do Médio Oriente —, foi o primeiro dirigente árabe a reagir ao novo acordo. “Se esta etapa der frutos, criará mais estabilidade e cooperação na nossa região”, afirmou em comunicado.

O Egito foi o primeiro país árabe a estabelecer um tratado de paz com Israel, assinado em 1978, seguido pela Jordânia, em 1994. No total, são agora seis os membros da Liga Árabe (de um total de 22) com relações diplomáticas com o Estado judeu. Porém, uma coisa são acordos celebrados entre governos, outra a sua aceitação pelos povos árabes, no seio dos quais continua a prevalecer um forte sentimento anti-Israel.

Esta semana, a imprensa israelita deu conta de preparativos para uma visita oficial de Netanyahu ao Egito. A confirmar-se, será a primeira de um líder israelita desde 2010, ano em que Netanyahu se encontrou com o então Presidente egípcio, Hosni Mubarak, no Cairo. Poucas visitas para dois países que têm entre si um território problemático chamado Faixa de Gaza.

(IMAGEM Bandeiras de Israel e de Marrocos MOROCCO JEWISH TIMES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de dezembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Netanyahu-Mohammad bin Salman. Uma cimeira para Joe Biden ver

O primeiro-ministro de Israel e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita ter-se-ão reunido em segredo numa cidade futurista à beira do Mar Vermelho. Esta inédita cimeira, sem confirmação nem desmentido oficial, acontece menos de dois meses de Joe Biden entrar na Casa Branca, decidido a corrigir decisões de Trump. Dois importantes aliados dos EUA no Médio Oriente recordam a Washington que o Irão é seu inimigo comum

Apesar da transferência de poderes já ter começado nos Estados Unidos, Donald Trump parece continuar em negação, fechado na Casa Branca a alimentar no Twitter teorias da conspiração para a sua derrota. Já o seu secretário de Estado não cessa de circular pelo mundo, empenhado em viagens de agenda cheia ao estilo de um governante em início de mandato.

Prestes a sair de cena, Mike Pompeo regressou há dias à Península Arábica para encontros que prometem (continuar a) mudar o Médio Oriente. O chefe da diplomacia americana visitou os Emirados Árabes Unidos, o Qatar — onde se reuniu com os talibãs afegãos — e a Arábia Saudita, onde se encontrou com o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman (M.B.S.) em Neom, cidade futurista saudita nas margens do Mar Vermelho.

Nesse mesmo dia, o voo de um jato privado entre Telavive, em Israel, e Neom captou a atenção dos curiosos da aviação. O aparelho esteve cinco horas em terra, regressando depois a Israel.

https://twitter.com/IntelliTimes/status/1330737295629168643

Por não haver voos diretos entre os dois países — que não têm relações diplomáticas oficiais —, aquele rasto aéreo nos radares desencadeou palpites e análises geopolíticas.

O ministro saudita dos Negócios Estrangeiros negou-o, mas quer imprensa norte-americana quer israelita noticiaram um frente a frente inédito entre o príncipe herdeiro da Arábia Saudita e seu líder de facto, Mohammed bin Salman (M.B.S.) e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Pompeo esteve presente — embora no Twitter só tenha noticiado o seu encontro bilateral com M.B.S. — nesta reunião não assumida a nível oficial, que revela que Israel e Arábia Saudita já estiveram mais de costas voltadas do que hoje.

“Não penso que a Arábia Saudita vá normalizar as relações com Israel agora”, diz ao Expresso o investigador Ely Karmon, do Instituto de Política e Estratégia de Herzliya (Israel). “Vão deixar o assunto como opção para a Administração Biden.”

Um inimigo comum chamado Irão

O fim do isolamento de Israel perante o mundo sunita foi uma prioridade da agenda externa da Administração Trump, e já deu frutos. Nos últimos meses, três países árabes corresponderam aos esforços diplomáticos norte-americanos e normalizaram a sua relação diplomática com Israel: os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, que a 15 de setembro assinaram com Israel os Acordos de Abraão, na Casa Branca – e o Sudão, numa decisão que não colheu o consenso nos corredores políticos nacionais.

A aproximação entre Israel e a Arábia Saudita pode ser entendida como um novo capítulo dessa estratégia, mas há outro assunto incontornável que empurra Riade e Telavive na direção uma da outra: um inimigo comum chamado Irão.

Neste aspeto, a cimeira em Neom – onde, segundo a imprensa israelita, Netanyahu teve a companhia do chefe da Mossad, Yossi Cohen – pode funcionar como recado para o novo Governo norte-americano, que irá, previsivelmente, reavaliar a sua política em relação ao Irão.

Irá Omã reconhecer Israel?

Outro alvo árabe da diplomacia de Washington tem sido o sultanato de Omã, país discreto que adota uma política de coexistência pacífica com todos os estados da região, incluindo Israel e o Irão. “É possível” que Omã também reconheça Israel, diz Ely Karmon. “Mas por ver a era de Trump chegar ao fim, e com possíveis eleições em Israel, Omã pode decidir esperar para ver.”

O investigador israelita chama a atenção para outros países que poderão, em breve, assinar acordos de normalização da relação com Israel. “Muito provavelmente, alguns países muçulmanos africanos, como o Níger, poderiam vir a seguir.”

O Níger é dos Estados africanos que mais tem estado na mira da diplomacia israelita. Os dois países tinham relações diplomáticas desde a independência do Níger (1960), que as rompeu em 1973 por causa da guerra israelo-árabe do Yom Kippur. Foram retomadas em 1996 e de novo suspensas em 2002, durante a segunda Intifada (revolta) palestiniana.

Ely Karmon afirma também que “será interessante olhar para a Indonésia”. O gigante muçulmano, com cerca de 230 milhões de habitantes, nunca reconheceu o Estado de Israel, mas mantém relações discretas com o Estado judeu a nível de comércio, turismo e segurança – ao contrário, por exemplo, da não longínqua Malásia, em cujos passaportes pode ler-se: “Este passaporte é válido para todos os países exceto Israel”.

(ILUSTRAÇÃO O saudita Mohammed bin Salman, o norte-americano Joe Biden e o israelita Benjamin Netanyahu THE WASHINGTON INSTITUTE FOR NEAR EAST POLICY)    

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Donald Trump aspira ao Nobel da Paz. Serão os Acordos de Abraão suficientes?

O dedo da Administração norte-americana no processo de normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes é o grande trunfo de Donald Trump na disputa pelo Nobel da Paz, que será conhecido esta sexta-feira. Mas há um histórico que joga contra si: no passado, antecessores que mediaram negociações importantes no Médio Oriente foram ignorados pela Academia

O Prémio Nobel da Paz 2020 é anunciado esta sexta-feira e, segundo a organização, há 211 indivíduos e 107 organizações na corrida. A lista de candidatos não é pública, mas pelo menos um nome é conhecido.

Christian Tybring-Gjedde, deputado norueguês do Partido do Progresso (populista), fez saber que propôs a candidatura de Donald Trump. “Por seu mérito, acho que tem feito mais tentativas para criar a paz entre as nações do que a maioria dos outros indicados para o prémio da Paz”, justificou.

O Presidente dos Estados Unidos tem como forte trunfo os Acordos de Abraão, assinados na Casa Branca a 15 de setembro, que selaram a normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes — os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, ambos na região do Golfo Pérsico.

Não se tratando de verdadeiros acordos de paz, uma vez que os signatários não estavam nem nunca se envolveram em guerra, são entendimentos importantes numa região tão conflituosa como o Médio Oriente, onde a diplomacia norte-americana leva décadas de investimentos.

“Goste-se ou não, os Estados Unidos continuam a ser o principal intermediário em negociações no Médio Oriente”, diz ao Expresso Henry R. Nau, professor no Departamento de Ciência Política da Universidade de George Washington (Washington D.C.). “Por imperfeita que seja a política do Médio Oriente, os acordos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain representam dois grandes passos em frente na direção de uma região mais estável.”

Nos últimos 50 anos, a diplomacia dos Estados Unidos participou com êxito na mediação de três importantes tratados de paz na região. Dois foram mesmo assinados na Casa Branca e valeram aos protagonistas diretos o Nobel da Paz — mas não ao mediador.

Dialogar às escondidas

O primeiro concretizou-se a 17 de setembro de 1978, era o Presidente dos EUA Jimmy Carter. O democrata foi anfitrião da cerimónia de assinatura dos Acordos de Camp David, que levaram à paz entre Israel e o Egito.

O tratado resultou de 13 dias de negociações secretas em Camp David, casa de campo presidencial, nas montanhas Catoctin, no estado de Maryland. Naquele recato, o diálogo fez-se entre três homens: Carter, que mediou, Menachem Begin (primeiro-ministro israelita) e Anwar al-Sadat (Presidente egípcio). Apenas os dois últimos foram então agraciados com o Nobel da Paz.

Quinze anos depois, o caminho da paz no Médio Oriente voltou a passar pelos Estados Unidos. A 13 de setembro de 1993, a Casa Branca abriu portas a novo acontecimento histórico: a assinatura dos Acordos de Oslo, pelos quais Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP) se reconheceram mutuamente, dando início a um processo negocial que tinha a sua etapa final na declaração do Estado palestiniano.

Ainda que o trabalho de formiga tenha sido realizado pela diplomacia da Noruega, os Acordos de Oslo valeram o Nobel da Paz apenas aos protagonistas: os israelitas Yitzhak Rabin (primeiro-ministro) e Shimon Peres (ministro dos Negócios Estrangeiros) e o palestiniano Yasser Arafat (líder da OLP). Ganhariam o Nobel em 1994 e não em 1993, ano dos sul-africanos Nelson Mandela e Frederik de Klerk.

Bill Clinton seria ainda mediador no Tratado de Paz entre Israel e a Jordânia, assinado a 26 de outubro de 1994, em Arabah (Israel), junto à fronteira entre os dois países. Mas o Nobel nunca lhe chegaria às mãos, contrariamente a Jimmy Carter que haveria de ser galardoado em 2002 “por décadas de incansável esforço para encontrar soluções pacíficas para os conflitos internacionais, fazer avançar a democracia e os direitos humanos e promover o desenvolvimento económico e social”, justificou o Comité Nobel.

E Trump?

Donald Trump tem contra si este histórico, que colocou antecessores seus em plano secundário perante a Academia Nobel, mas tem também obra feita. Além dos Acordos de Abraão, contribuiu decisivamente para o desanuviamento da tensão na Península da Coreia (ainda que sem resultados políticos substanciais) e averbou um tratado de paz entre os EUA e os talibãs afegãos, assinado a 29 de fevereiro passado, em Doha (Qatar).

Além disso, ao ter eliminado o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, em outubro de 2019, sempre pode dizer que teve um papel principal no combate ao terrorismo internacional.

(FOTO RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

O sabor agridoce da “paz” entre Israel e dois países árabes

A Casa Branca acolheu a assinatura de acordos de normalização diplomática entre Israel e Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Uma traição, lamentam os palestinianos

Vinte e seis anos depois, a Casa Branca voltou a abrir portas para consagrar a aproximação entre Israel e o mundo árabe. Longe de serem unânimes, quem ganha e quem perde com os Acordos de Abraão?

VENCEDORES

DONALD TRUMP
A 49 dias de tentar a reeleição como Presidente dos EUA, carimba o seu maior êxito diplomático. Consegue-o após uma entrada em falso ao propor, no início do ano, o “acordo do século” entre israelitas e palestinianos, que refletia sobretudo os interesses israelitas e, sem surpresa, foi rejeitado pelos palestinianos.

Terça-feira, no papel de anfitrião da histórica cerimónia que aproximou Israel, Emirados e Bahrain, garantiu: “Estamos muito adiantados em relação a uns cinco outros países. Francamente, acho que poderíamos tê-los aqui hoje.”

Proposto para o Nobel da Paz, Trump tem contra si o facto de os signatários destes acordos nunca terem travado uma guerra uns com os outros e também a experiência de antecessores. Em 1979, Jimmy Carter foi o anfitrião da assinatura da paz entre Israel e Egito, mas apenas Menachem Begin e Anwar al-Sadat foram agraciados (este veio a ser assassinado). Também os acordos de Camp David de 1993 valeram o Nobel aos israelitas Yitzhak Rabin e Shimon Peres e ao palestiniano Yasser Arafat, mas não a Bill Clinton.

BENJAMIN NETANYAHU
Consegue um pacto benéfico para Israel sem fazer cedências. Com o país que governa a cumprir o segundo confinamento (este de três semanas) por causa da covid-19, com um julgamento por corrupção agendado e uma coligação periclitante, o primeiro-ministro israelita arrebata um êxito importante na frente que mais o tem tomado ao longo dos seus sucessivos mandatos: a ameaça do regime iraniano dos ayatollahs.

ARÁBIA SAUDITA
Está ausente da ‘foto de família’ que fica para a História, continua sem relações diplomáticas com Israel, mas a sua concordância em relação aos Acordos de Abraão está implícita. Autorizou o primeiro voo comercial entre Israel e os Emirados a atravessar o seu espaço aéreo e não se opôs ao protagonismo do Bahrein, um dos estados que mais protege na região, por ter poder sunita e maioria xiita. Interessa-lhe todo o reforço da frente anti-Irão.

INDÚSTRIA DAS ARMAS
É um assunto que os protagonistas não abordam em público, mas que foi decisivo para o sucesso dos Acordos. Netanyahu terá viabilizado a venda de aviões de combate F-35 dos EUA aos Emirados. O negócio, que reduzirá a superioridade militar israelita na região, conta com a oposição de militares e políticos em Israel. Trump já disse “não ter problemas” em vender os caças aos Emirados, aliados da Arábia Saudita nos bombardeamentos ao Iémen.

PERDEDORES

PALESTINIANOS
“Traição”, “facada nas costas”. Os palestinianos não escondem a desilusão, ainda que os Emirados garantam que os Acordos de Abraão suspendem a anexação da Cisjordânia. Porém, a ocupação não recua um centímetro, a Palestina independente não tem perspetiva e abriram-se brechas na unanimidade árabe em torno da causa. Dias antes da cerimónia, a Liga Árabe — que sempre subordinou a normalização da relação com Israel ao reconhecimento da Palestina — rejeitou a condenação dos Acordos de Abraão proposta pelos palestinianos.

IRÃO
Vizinho das duas petromonarquias que abriram braços ao “inimigo sionista”, como Teerão designa Israel, o Irão qualificou a aproximação entre os Emirados e Israel como ato de “estupidez estratégica”, que terá o condão de “fortalecer o eixo de resistência na região”.

Com os Acordos de Abraão, Israel passa a ter quatro pontos de apoio no mundo muçulmano sunita, que olha para o Irão como o gigante xiita que ameaça a região com um projeto de expansão. O impacto desta nova frente anti-Irão tenderá a aumentar se a ela aderirem novos membros, como Omã, o Kuwait e, de forma decisiva, a Arábia Saudita.

TURQUIA
Com os Acordos de Abraão, vê um grande adversário, os Emirados, ganhar acesso a sofisticado armamento norte-americano. Turquia e Emirados intervêm atualmente na guerra na Líbia: Ancara pelo poder em Trípoli (reconhecido pela ONU) e Abu Dhabi em apoio do general rebelde Khalifa Haftar. A Turquia foi o primeiro país muçulmano a reconhecer Israel.

QATAR
Grande rival dos Emirados, é alvo, desde 2017, de um bloqueio regional imposto por Arábia Saudita, Egito, Emirados e Bahrein. Os Acordos de Abraão reforçam a posição dos dois últimos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Emirados e Bahrain assinam hoje “a paz” com Israel. Quem se seguirá?

Dois países da região do Golfo Pérsico assinam esta terça-feira acordos de normalização diplomática com Israel. Nos últimos meses, a Administração Trump fez deste assunto uma prioridade e desenvolveu intensos contactos com outros países da região do Médio Oriente e não só, visando quebrar o isolamento internacional do Estado hebraico

Vinte e seis anos depois, a Casa Branca volta a abrir portas para possibilitar a assinatura de um acordo “de paz” relativo ao Médio Oriente. É assim que são apresentados os pactos celebrados entre Israel, por um lado, e Emirados Árabes Unidos e Bahrain, pelo outro, ainda que nenhum dos signatários tenha alguma vez estado em guerra.

Esta terça-feira, a relação diplomática entre Israel e os Emirados será normalizada através de um “Tratado de Paz” e a que envolve o Bahrain através de uma “Declaração de Paz”. A Administração Trump, que fez a mediação, designou esta conquista diplomática de Acordos de Abraão.

Por Israel, assina esses documentos históricos o primeiro-ministro Benjamin Netahyahu. “Passaram 26 anos entre o segundo acordo de paz com um país árabe [com a Jordânia, em 1994] e o terceiro [com os Emirados Árabes Unidos, anunciado a 13 de agosto passado]. Mas apenas 29 dias entre o terceiro e o quarto [com o Bahrain, anunciado a 11 de setembro]. E haverá mais”, garantiu o governante israelita.

Nas últimas semanas, por iniciativa do Governo dos Estados Unidos, têm-se multiplicado iniciativas junto de vários países — árabes e não só — com o intuito de tornar Israel um país menos isolado no Médio Oriente e criar uma frente de entendimento entre países que olham para o Irão como inimigo. O esforço tem-se concentrado sobretudo na região do Golfo Pérsico, onde já começou a produzir resultados.

EMIRADOS ÁRABES UNIDOS

Torna-se esta terça-feira o terceiro país árabe a reconhecer Israel a nível oficial, após o Egito em 1979 e a Jordânia em 1994. “Este avanço histórico abrirá um novo capítulo de oportunidades e estabilidade para a região. Agora que a anexação [israelita do território palestiniano da Cisjordânia] foi descartada, podemos trabalhar juntos na construção dessa base sólida de paz”, afirmou Yousuf al-Otaiba, embaixador dos Emirados nos Estados Unidos.

O novo acordo prevê o desenvolvimento de relacões comerciais, a intensificação do turismo, a realização de voos diretos, cooperação científica e abertura de embaixadas — não sendo certo, para já, que a delegação dos Emirados fique instalada em Jerusalém.

Num primeiro passo rumo a essa normalização, os Emirados aboliram, a 29 de agosto, uma lei que boicotava Israel e, na prática, inviabilizava o desenvolvimento de relações comerciais e financeiras entre as duas nações. Dois dias depois, a realização do primeiro voo comercial entre Telavive e Abu Dabi começava a dar cor a essa nova realidade.

A autorização da Arábia Saudita para que o avião da israelita El Al atravessasse o seu espaço aéreo — encurtando o voo de sete para pouco mais de três horas — foi outra medida inédita. Implicitamente, Riade não se opõe à aproximação entre os Emirados e o Estado judeu: o tempo dirá se também seguirá nesse caminho.

BAHRAIN

O anúncio da normalização da relação entre o Bahrain e Israel aconteceu a 11 de setembro, dia em que os Estados Unidos assinalavam o 19.º aniversário dos atentados terroristas de 2001. “Não há resposta mais poderosa ao ódio que gerou o 11 de Setembro do que este acordo”, disse Trump, no próprio dia.

Ao contrário dos Emirados, o Bahrain já tinha retirado do seu ordenamento jurídico legislação anti-Israel, em 2005, após assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos durante a presidência de George W. Bush.

Na hora de tornar público o estabelecimento de relações diplomáticas com Israel, também Manama — à semelhança de Abu Dabi — não esqueceu a questão palestiniana. Israel e o Bahrain “continuarão os seus esforços para alcançar uma solução justa, abrangente e duradoura para o conflito israelo-palestiniano e permitir que o povo palestiniano concretize todo o seu potencial”, lê-se num comunicado conjunto divulgado pelos dois países e pelos EUA, que tem a sua Quinta Frota sediada precisamente nesta pequena ilha do Golfo Pérsico.

OMÃ

Tal como os Emirados e o Bahrain, também o sultanato de Omã recebeu recentemente a visita do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, num périplo por vários países do Médio Oriente e África com quase um ponto único na agenda: a aproximação a Israel.

Omã acolheu positivamente o estabelecimento de relações entre Israel e os dois vizinhos do Golfo, suscitando muitas interrogações sobre se este país poderá ser a próxima peça do dominó a tombar. Omã tem desenvolvido contactos secretos com Israel e em 2018 recebeu mesmo a visita de Netanyahu, que não tem muitas portas abertas na região.

SUDÃO

Quando do périplo de Mike Pompeo pela região, o Sudão foi outro dos Estados árabes visitados e sondados. O país vive uma fase de transição iniciada com a deposição de Omar al-Bashir — ao fim de 30 anos no poder — e tem como prioridade a aceitação internacional e a saída da lista dos Estados-párias associados ao terrorismo.

Em fevereiro passado, após encontro no Uganda entre o atual Presidente do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e Netanyahu, o gabinete do primeiro-ministro israelita fez saber que “ficou acordado o início de uma cooperação que conduzirá à normalização dos laços entre os países”.

No final de agosto, em entrevista à televisão Channel 13, o ministro da Informação israelita, Eli Cohen, afirmou: “Haverá, este ano, outro [acordo] com um país africano. Na minha opinião, o Sudão também assinará um acordo de paz com o Estado de Israel”.

No Sudão, contudo, a questão não é consensual. Recentemente um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi despedido após dizer que estava iminente um acordo entre Cartum e Telavive. “O que afirmei refletiu a política do nosso Governo relativamente à normalização com Israel, porque há contactos e reuniões políticas abertas ao mais alto nível governamental”, reagiu depois Haydar Sadig.

Também a causa palestiniana é argumento para haver sectores no Sudão que rejeitam o diálogo com Israel. “Defendemos os direitos do povo palestiniano e estamos contra a normalização com Israel”, afirmou Sadiq Yousef, membro do Comité Central do Partido Comunista do Sudão.

SÉRVIA E KOSOVO

Os esforços da Administração Trump para minimizar o isolamento internacional de Israel não se ficam pelo mundo árabe. A 4 de setembro, a Casa Branca foi cenário de dois dias de conversações entre o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, e o primeiro-ministro do Kosovo, Avdullah Hoti, que terminaram com a formalização de um acordo de cooperação económica, assinado na Sala Oval. “É um facto histórico”, celebrou Trump. “Tenciono visitar os dois países num futuro não muito distante.”

Nesse dia histórico para sérvios e kosovares, Trump conseguiu que o fosse também para Israel, ao anunciar que a Sérvia vai mudar a sua embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém (como fez Washington) e que o Kosovo — antiga província sérvia de maioria muçulmana —, vai em breve reconhecer o Estado judeu.

Esta aproximação entre sérvios e kosovares acontece 21 anos após os 78 dias de bombardeamentos da NATO sobre a Sérvia, com o intuito de acabar com a repressão aos albaneses do Kosovo. Este território declarou a sua independência da Sérvia em 2008, mas as tensões continuam e Belgrado nunca reconheceu a soberania kosovar. Trump bem pode dizer que a paz está mais próxima destes dois países graças à sua liderança.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui