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Talibãs chamados a participar

Reunidos em Londres, representantes de cerca de 70 governos e organizações internacionais aprovaram uma nova estratégia para o Afeganistão. Um fundo foi criado para pagar a talibãs que aceitem depor as armas. Reportagem na Conferência de Londres sobre o Afeganistão

O conflito no Afeganistão entrou numa nova fase. “Esta Conferência marca o início do processo de transição, distrito a distrito, província a província” e do “processo de transferência de responsabilidades das forças de segurança internacionais para as forças afegãs”, afirmou hoje o primeiro-ministro Gordon Brown, durante o encontro que levou à capital britânica, Londres, cerca de 70 ministros dos Negócios Estrangeiros e representantes de 70 países e organizações internacionais.

A “afeganização” da nova estratégia internacional passa pela consolidação das instituições afegãs — prioritariamente as forças de segurança — para que assumam “a responsabilidade de combater o terrorismo e o extremismo e para que as nossas forças possam começar a regressar a casa”, disse Brown. A presença das tropas britânicas no Afeganistão é um assunto sensível no Reino Unido, sobretudo após a morte em combate de mais de 100 militares britânicos, durante 2009.

A nova abordagem deste conflito combina, fundamentalmente, três eixos: o reforço dos contingentes militares internacionais, incluindo o português; o reforço da componente civil dos esforços de estabilização; e o início de um processo de reintegração social de combatentes talibãs. “Temos de os trazer de volta à sociedade e dar-lhes uma perspectiva de futuro, emprego, educação…”, afirmou Rangin Spanta, ministro dos Negócios Estrangeiros do Afeganistão durante o primeiro mandato do Presidente Hamid Karzai.

Depor as armas em troca de dinheiro

Um fundo para este efeito foi especialmente criado, tendo a comunidade internacional disponibilizado, para o primeiro ano de funcionamento, 140 milhões de dólares (quase 100 milhões de euros). Recorrendo a este fundo, o Governo procurará que afegãos que presentemente combatem ao lado dos talibãs deponham as armas em troca de dinheiro, de um emprego ou de um pedaço de terra para cultivar. Este fundo irá “providenciar uma alternativa económica àqueles que não tem nenhuma.

Quanto aos insurgentes que recusarem aceitar estas condições de reintegração, não teremos outra escolha que não seja combatê-los militarmente”, afirmou Brown. Ao abrigo deste programa de reintegração, os insurgentes terão de renunciar à violência, cortas os laços com a Al-Qaeda e demais grupos terroristas, respeitar a Constituição afegã e encarar objectivos políticos pacificamente.

Paralelamente, serão feitos investimentos nas forças de segurança afegãs, designadamente ao nível da formação. As metas aprovadas em Londres prevêem que em Outubro de 2010, o Exército afegão (ANA) seja constituído por 134 mil homens e, um ano depois, por 171.600. Igualmente, está previsto uma reforma da Polícia Nacional Afegão (ANP) que deverá concluir num aumento dos efectivos de 109 mil, em Outubro de 2010, para 134 mil em Outubro de 2011.

Sancionar funcionários corruptos

A Conferência de Londres acordou ainda num conjunto de medidas destinadas a combater a corrupção — um fenómeno ao mais alto nível que, de resto, Hamid Karzai já reconheceu. O Presidente afegão nomeou um gabinete independente para investigar e sancionar funcionários corruptos. E afirmou a intenção de aprovar um decreto proibindo que familiares de ministros, deputados, governadores e outras entidades possam trabalhar em sectores como a alfândega ou as finanças.

O Afeganistão tem eleições legislativas marcadas para 17 de Setembro. Antes disso, uma nova conferência internacional deverá reunir em Cabul para lançar projectos de concretização das directrizes aprovadas em Londres. Como preparação a esse encontro na capital afegã, está já agendada uma “jirga” (grande assembleia de chefes tradicionais) para concertar a posição afegã. Com ou sem a participação dos líderes talibãs?

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de janeiro de 2010. Pode ser consultado aqui

Negociar com os talibãs é uma possibilidade prática?

No Afeganistão, a nova estratégia dos EUA é reforçar tropas para forçar negociações com os talibãs. Mas pode falhar devido à teimosia do líder Mullah Omar

CARLOS LATUFF / WIKIMEDIA COMMONS

Podem ser dez mil, 20 mil ou mesmo 40 mil militares. Barack Obama tem sobre a mesa várias opções para atacar o desafio afegão que passam, invariavelmente, pelo reforço do contingente no terreno. Mas não só. “Não há uma solução puramente militar para a situação no Afeganistão. Precisamos também de uma solução política”, afirmou ao Expresso David Auerswald. Este professor do National War College inaugurou esta semana, em Lisboa, o ciclo de conferências “Visões Globais para a Defesa” do Instituto de Defesa Nacional.

“Entre os talibãs, há elementos com quem é possível a reconciliação. Outras facções não querem participar num processo político. Com os primeiros, é possível obter um acordo; com os últimos, não me parece. Temos de olhar para os vários grupos que apoiam a insurgência. A mesma estratégia não funciona necessariamente para todos. É preciso talhá-la para cada grupo individualmente”, diz Auerswald.

Desde que, em Março, Barack Obama afirmou que “parte do sucesso no Iraque passou pelo envolvimento de pessoas (até então) consideradas fundamentalistas islâmicas”, coloca-se uma questão: o diálogo político com os talibãs é prioritário? Numa entrevista telefónica ao Expresso, Bruce Riedel, ex-agente da CIA que liderou, na Primavera, a primeira revisão à estratégia de Obama para o Afeganistão, disse: “Estou céptico em relação à possibilidade de um acordo político com a liderança talibã. Mullah Omar não está interessado nisso, mas, antes, na retirada das forças estrangeiras e na construção do Emirado Islâmico do Afeganistão. Não mostrou interesse em partilhar poder com o Governo afegão, que considera traidor”.

Quando lhe é perguntado se a Administração Obama considera Mullah Omar um parceiro de conciliação, Riedel é seco: “Não!” Para este investigador do Brookings Institute, de Washington, “a estratégia política mais frutífera passa por tentar dividir os talibãs, separando o núcleo duro da liderança dos operacionais e elementos tribais no terreno. Estes, no presente, apoiam os talibãs porque têm, em grande medida, a percepção de que eles estão a ganhar”. Se, no próximo ano, a dinâmica de vitória se inverter, “muitos operacionais mudarão de campo ou, simplesmente, ficarão em casa. Seguir o vencedor é um padrão antigo dos combates no Afeganistão. Neste momento, os talibãs estão a ganhar. Ninguém vai desertar…”

Na sua última mensagem, a 19 de Setembro, Mullah Omar afirmou que o combate contra as forças estrangeiras “está à beira da vitória”. Riedel comenta: “Ele está confiante de que a NATO será derrotada no Afeganistão como foi a União Soviética”. Poder-se-ia pensar que, a troco de poder político, Mullah Omar pudesse entregar a cabeça de Osama bin Laden. “Nos últimos 13 anos, ele teve muitas oportunidades para acabar com Bin Laden. Recusou-se sempre a fazê-lo. Pensar que o fará é acreditar num conto de fadas”.

Artigo publicado no Expresso, a 14 de novembro de 2009

Uma mulher incómoda

Tem a cabeça a prémio no Afeganistão. Malalai Joya veio a Portugal dizer que a libertação do seu país é “uma grande mentira”

Malalai Joya de visita a uma escola feminina, na província de Farah, oeste do Afeganistão, em 2007 AFGHANKABUL / WIKIMEDIA COMMONS

Dizem que é a mulher mais corajosa do Afeganistão. Chama-se Malalai Joya, tem 31 anos e o facto de não se calar torna-a incómoda dentro e fora do seu país. “O meu povo está encurralado. De um lado, estão os criminosos da Aliança do Norte e os bárbaros dos talibãs que nos matam em terra; do outro, as forças dos Estados Unidos e seus aliados que nos bombardeiam do ar. Se as tropas estrangeiras retirarem, ficamos com um inimigo a menos”, afirmou em entrevista ao “Expresso” esta deputada afegã, suspensa desde 2007.

Contrariamente ao que se quer fazer crer no Ocidente, “a ocupação não libertou o povo, mas antes os senhores da guerra. Antes, eles fugiam dos talibãs que nem ratos; agora, transformaram-se em lobos”. Homens como Mohamad Fahim e Karim Khalili, destacados senhores da guerra, serão vice-presidentes se Hamid Karzai for reconduzido na presidência do país — a segunda volta das eleições será a 7 de Novembro.

Essa eventualidade não torna Malalai apoiante de Abdullah Abdullah, o rival de Karzai. “São iguais! Ambos servirão a Casa Branca. No Afeganistão, costumamos dizer: é o mesmo burro com outra sela”.

Oito anos de guerra não acabaram com os talibãs, que continuam activos em 80% do território, e transformaram o país num narco-estado. Quase erradicado durante a governação talibã, o cultivo da papoila aumentou 4500%… No léxico afegão, a expressão “poppy palaces” (palácios da papoila) passou a designar as excêntricas mansões que proliferaram em Cabul e que se estima terem sido financiadas com dinheiro do narcotráfico.

“O Afeganistão produz 93% do ópio mundial. Foi o presente dos EUA e da NATO ao meu país…”, ironiza. “Um dos principais traficantes é Ahmad Wali Karzai, irmão do Presidente!”.

Há muito que Malalai perdeu o medo de falar. Em 2006, no Parlamento, pôs o dedo na ferida ao afirmar que havia ali muitos deputados com “as mãos sujas de sangue do próprio povo”. Foi suspensa, ameaçada de morte e de violação e mergulhou na clandestinidade. Num país em que as mulheres são obrigadas a cobrirem-se da cabeça aos pés, a burqa passou a ser um aliado, protegendo-a quando sai à rua.

Muda de casa com frequência — já a tentaram matar por quatro vezes — e enceta uma aventura sempre que quer ir ao Ocidente divulgar a sua mensagem. Sem passaporte diplomático, cruza a fronteira de carro, para apanhar um avião no Paquistão.

No passado fim-de-semana, esteve em Portugal a convite do Bloco de Esquerda, para sessões de esclarecimento em Lisboa e no Porto. Falou de pobreza, de corrupção, de como se compra um bebé afegão por dez dólares (€6,7) e do pesadelo que é ser mulher no seu país. “Matar uma mulher custa-lhes tanto como matar um pássaro. As violações, os raptos, os ataques com ácido e a violência doméstica estão a aumentar muito”.

Em 2005, Malalai fez história ao tornar-se o membro do Parlamento mais jovem de sempre. Mulher e nova, servia na perfeição a ideia de que a guerra libertara as afegãs. Para provar o contrário, invoca uma lei recentemente aprovada, em tudo consentânea com a era talibã, visando as xiitas. Num artigo, proibe-se as mulheres de saírem de casa para trabalhar ou simplesmente ir ao médico sem a autorização dos maridos. “Apesar da condenação internacional, Karzai assinou o diploma”,

Malalai também não poupa Barack Obama por este querer fazer passar por ‘moderados’ o mullah Omar (líder talibã) e Gulbuddin Hekmatyar (líder mujahedin). “Está claro para o povo que os EUA não tencionam destruir os talibãs e a Al-Qaeda. Vão mantendo a situação perigosa para continuarem no Afeganistão em nome dos seus interesses estratégicos e económicos”. Por isso, Malalai sonha com o dia seguinte à saída das tropas estrangeiras. “Muitos dizem que depois virá a guerra civil. E que temos agora?”

ELEIÇÕES & SUBORNOS

  • A 7 de Novembro, Hamid Karzai e Abdullah Abdullah, seu antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, disputam a segunda volta das presidenciais
  • O Governo italiano negou ter subornado os talibãs para que não alvejassem as suas tropas. Segundo o “Times”, quando os franceses renderam os italianos em Sarobi, foram surpreendidos pela violência. Dez franceses morreram num único incidente
  • O Afeganistão ocupa o 181º e penúltimo lugar do Índice de Desenvolvimento Humano 2009 das Nações Unidas
  • Um quarto dos lugares do Parlamento afegão (68) está reservado às mulheres
  • Site oficial de Malalai Joya: www.malalaijoya.com
“A Jóia Afegã” foi publicado em Portugal, em 2010, pela editora Quidnovi

Artigo publicado no Expresso, a 24 de outubro de 2009

Torturado por engano

Durante 11 meses, Jawed Ahmad foi detido e brutalizado na prisão de Bagram. Ao Expresso, ele recorda o pesadelo

Jawed Ahmad tornou-se famoso entre os repórteres estrangeiros em serviço no Afeganistão KABUL PRESS

Quando o telefone tocou e, do outro lado da linha, um pretenso oficial da base americana de Kandahar o convidou para participar num estudo de opinião a jornalistas afegãos, Jawed Ahmad estranhou um pouco. “Era sexta-feira — 26 de Outubro de 2007 —, e normalmente não trabalhamos nesse dia. Mas decidi ir até lá.”

No local combinado — o portão principal da base —, uma “pick-up” vermelha logo apareceu para o transportar para o interior do perímetro militar. Lá dentro, assim que a carrinha parou, 14 soldados acercaram-se de Jawed… “Foi horrível. Eu tinha isto o filme ‘A Caminho de Guantánamo’ (2006) e a forma como eles me prenderam e me levaram para dentro — com as mãos atadas, os olhos vendados e um saco preto enfiado na cabeça — foi igual. Sentia-me um actor daquele filme…”, conta ao Expresso, numa entrevista telefónica, na última quarta-feira.

Nos nove dias que se seguiram, o jornalista viveria uma descida aos infernos. “Não me deixaram dormir nem comer. A forma como me interrogaram, a tortura, os espancamentos e gritos foi inacreditável. Depois, disseram que me iam transferir para Guantánamo, juntamente com toda a minha família, que eles diziam ter prendido.”

Jawed preparou-se para o pior, mas assim que percebeu que o avião não tinha voado mais do que duas horas, logo conclui que não podia estar na ilha de Cuba. Na verdade, tinha sido levado para Bagram — a maior base americana em território afegão, a norte de Cabul —, onde existe um centro de detenção de indivíduos suspeitos de ligações aos talibã e à Al-Qaeda. “Em Bagram, obrigaram-me a ficar de pé seis horas com os pés nus e enterrados na neve. Desmaiei duas vezes.”

Após o ‘The New York Times’ ter escrito sobre o seu caso, Jawed passou dois meses e meio na solitária

Aos poucos, o prisioneiro 3370 foi gerando curiosidade nos guardas. “Eu falava muito bem inglês e era muito paciente e disciplinado. Em 11 meses, nunca arranjei problemas. Os guardas ficavam espantados quando me viam a ler Shakespeare — li o ‘Hamlet’ umas 20 vezes. E não me viam como um afegão. Chamavam-me ‘canadiano’.”

Mas à medida que o seu caso era abordado na imprensa internacional, a situação complicava-se dentro da cela. Na sequência de um artigo no ‘The New York Times’, foi colocado na solitária durante dois meses e meio. Na “célula da morte”, não entrava a luz do dia.

Talibã, espião e “cameraman”

Sem qualquer acusação formal, Jawed foi descobrindo os crimes que lhe queriam imputar ao longo dos mais de cem interrogatórios a que foi submetido. “Diziam que eu tinha contactos com os talibãs, que lhes fornecia armas e que fazia filmagens para eles. Chegaram a dizer que eu tinha sido denunciado pela CTV (a televisão canadiana, para onde trabalhava como “cameraman”) e até que eu era um agente do ISI (os serviços secretos paquistaneses).”

Em miúdo, Jawed tinha estudado no Paquistão. Oriundo de uma família da classe média com oito filhos, ele regressara à sua Kandahar natal por alturas da invasão americana, após o 11 de Setembro. Com apenas 16 anos, mas exibindo excelentes conhecimentos linguísticos e agilidade física, conseguiu um trabalho como intérprete junto das forças especiais americanas. “Fui ferido duas vezes, em emboscadas, e a minha mãe obrigou-me a deixar aquele trabalho. Demiti-me em 2005.”

Desses tempos, sobreviveu uma alcunha — ‘Jojo’ — que lhe foi posta pelos americanos, enrascados com a pronúncia daquele nome afegão. ‘Jojo’ tornar-se-ia famoso entre os repórteres estrangeiros em serviço no Afeganistão. Era hábil a conseguir notícias e garantia histórias fora do comum. “Chamavam-me o rei das ‘breaking news’.”

Enquanto jornalista, Jawed sabia que corria riscos. Kandahar era o centro do poder talibã e Jawed tinha muito bons contactos junto dos ‘estudantes de Teologia’. “Eu era honesto e um trabalhador esforçado. Os repórteres estrangeiros ficavam impressionados com a minha capacidade de trabalho, os meus conhecimentos e a minha rede de contactos, que iam do governo afegão, aos americanos, à Isaf e aos talibã. Ter contactos com toda a gente é um direito dos jornalistas”. Mas se para qualquer ‘media’, Jawed era um contacto precioso, para a inteligência americana as suas incursões nos territórios talibã causavam suspeita. “Cobri histórias que lhes causaram algumas dores de cabeça…”, admite.

O pesadelo prisional de Jawed Ahmad terminou a 21 de Setembro, dia em que foi libertado da custódia americana. “Queriam que eu assinasse um papel que me obrigava ao silêncio…” Jawed não só não assinou, como está a preparar um livro onde contará a sua história. Aos 22 anos, quer recuperar o tempo perdido e exige justiça. “Os governos canadiano e americano são os responsáveis pela minha destruição. Vou lutar pelos meus direitos até ao último fôlego, nem que tenha de ir bater à por￾ta de Barack Obama. Quero a minha vida de volta.”

“HÁ PRESOS A SEREM LEVADOS DE GUANTÁNAMO PARA BAGRAM”

Entrevista a Kathleen Kelly, advogada de ‘Jojo’

A defesa de Jawed Ahmad, ‘Jojo’ para os amigos, está entregue a duas instituições norte-americanas: a International Human Rights Clinic de Stanford e a International Justice Network. O Expresso conversou com uma das três advogadas da equipa de defesa para perceber que estratégia está a ser montada.

Presentemente, há algum processo em curso na justiça americana relativo ao caso ‘Jojo’?
Sim. Apresentamos cinco petições pedindo o «habeas corpus» para cinco detidos em Bagram. O caso ‘Jojo’ é um deles. É dos primeiros em que um indivíduo preso em Bagram é representado por advogados. Ele foi libertado, mas continuamos a trabalhar em nome dos outros. Presentemente, há 670 detidos em Bagram e os EUA já disseram que vão aumentar para mais de 11 mil.

O que quer ‘Jojo’ da justiça?
Estamos a analisar árias possibilidades. Ele foi preso, era inocente, foi torturado brutalmente, perdeu o emprego, a mãe está doente e a família está devastada. Nunca será compensado por todas estas perdas. Estamos a estudar formas de lhe fazer justiça, seja através de medidas de compensação ou da interposição de processos contra os responsáveis pela sua situação. Vai ser muito difícil acusar quem o torturou, porque gozam de imunidade enquanto membros do Governo. Vamos ter de ser criativos para os responsabilizar.

Por que decidiram defender ‘Jojo’?
Há que recuar até à questão de Guantánamo. O governo dos EUA falhou na apresentação de qualquer processo de acusação contra os detidos. Recentemente, o Supremo Tribunal decidiu que o Congresso não pode, unilateralmente, retirar o mandado do «habeas corpus», que é um direito constitucional. Em Guantánamo, há centenas de indivíduos a quem não é conferido esse direito. O Governo americano já percebeu que essas pessoas estão abrangidas pela lei americana e que ai acabar por
ser responsabilizado pela sua detenção. Fala-se no encerramento de Guantánamo — os dois candidatos presidenciais estão de acordo nisso —, mas o que os EUA têm feito é transferir pessoas para Bagram. É o novo Guantánamo.

Têm provas disso?
Temos. Os EUA acham que se espalharem as pessoas pelo mundo ninguém se vai preocupar. O nosso trabalho é responsabilizá-los.

Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de outubro de 2008

“Quero a minha vida de volta”

Jawed Ahmad, um repórter afegão que trabalhava para a televisão canadiana, esteve detido em Bagram, durante quase um ano, sem culpa formada. Libertado a 21 de Setembro, ele descreve ao Expresso o ano mais negro da sua vida

Recém-libertado da prisão de Bagram, perto de Cabul, onde esteve detido 11 meses por suspeitas de ligação aos talibã, o jornalista afegão Jawed Ahmad recorda, em entrevista telefónica ao Expresso, o dia em que foi atraído a uma cilada, em Kandahar, e as posteriores sessões de tortura vividas às mãos dos norte-americanos. Aos 22 anos de idade, “Jojo”, como ficou conhecido entre os ocidentais para quem trabalhou, está determinado em recuperar, na barra dos tribunais, a vida normal que a passagem por Bagram lhe destruiu.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de outubro de 2008. Pode ser consultado aqui. No dia seguinte, foi publicado um artigo sobre o tema no “Expresso” (aqui)