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Vinte mortos por dia no Afeganistão só entre as forças de segurança

De três em três meses, o Congresso dos Estados Unidos recebe um relatório sobre o Afeganistão. O mais recente foi divulgado esta terça-feira e aponta para um aumento constante do número de baixas entre as forças afegãs e uma percentagem preocupante de território ameaçado pelos talibãs

Todos os dias morrem no Afeganistão, em média, 20 soldados e polícias. O número decorre dos dados revelados pelo novo relatório trimestral do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR), divulgado esta terça-feira.

Entre 1 de janeiro e 8 de maio, foram mortos 2531 efetivos das forças de segurança afegãs e 4238 ficaram feridos. “Segundo o Departamento de Defesa [dos EUA], desde que as Forças de Defesa e Segurança Nacionais do Afeganistão assumiram o controlo operacional, em janeiro de 2015 [anteriormente assegurado pelas forças internacionais da ISAF], o número de baixas tem aumentado constantemente”, lê-se no relatório, “com as forças envolvidas em patrulhas e nos ‘checkpoints’ especialmente vulneráveis.”

Na semana passada, na província de Kandahar (sul), pelo menos 26 soldados foram mortos quando o posto de controlo em que estavam foi atacado por talibãs.

À espera da “estratégia Trump”

A 13 de junho passado, o secretário norte-americano da Defesa, James N. Mattis, afirmou no Senado que os Estados Unidos “não estão a ganhar no Afeganistão, neste momento”. E acrescentou: “Vamos corrigir esta situação assim que possível”.

Então, a imprensa norte-americana deu conta de planos para um aumento do número de tropas norte-americanas no Afeganistão em cerca de 4000 efetivos — atualmente os EUA têm no país mais de 8000. A medida não foi confirmada, como também ainda não foi divulgada uma “estratégia Trump” para o Afeganistão.

“O ano passado foi um bom ano para os talibãs, e eles estão a tentar que este também o seja”, disse o secretário Mattis no Senado.

Segundo o relatório do SIGAR, dos 407 distritos afegãos, o Governo controla 59.7%, percentagem semelhante à do trimestre anterior. O restante território é controlado ou disputado por forças rebeldes, sobretudo pelos talibãs, nas províncias de Helmand, Kandahar, Uruzgan e Zabul, no sul, e em Kunduz, no norte.

O relatório recorda que, desde 2001, os Estados Unidos já gastaram no Afeganistão 714 mil milhões de dólares (607 mil milhões de euros), com operações de combate e projetos de reconstrução.

SIGAR é uma agência governamental que emana do Congresso dos Estados Unidos. O atual detentor do cargo é John F. Sopko, nomeado pelo ex-Presidente Barack Obama.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de agosto de 2017. Pode ser consultado aqui

Talibãs ao ataque

Quase 16 anos após o fim do seu regime em Cabul, os fundamentalistas controlam, influenciam ou ameaçam 40% do país

Mapa do Afeganistão por províncias WIKIMEDIA COMMONS

Vinte e seis soldados mortos numa base militar, em Kandahar (sul). Trinta e um mortos num atentado suicida contra um autocarro com funcionários dos serviços de informação, em Cabul (leste). Trinta e cinco mortos num ataque a um hospital na província de Ghor (centro). Eis o resumo de mais uma semana sangrenta no Afeganistão. Em comum aos três ataques está o facto de terem sido obra dos talibãs.

Quase 16 anos após terem sido afastados do poder pela intervenção militar norte-americana que se seguiu ao 11 de Setembro — e que visou a erradicação do regime que dava abrigo à Al-Qaeda de Osama bin Laden —, os fundamentalistas islâmicos continuam a controlar uma extensa minoria do território afegão. Segundo o relatório de maio do inspetor geral-especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) — John F. Sopko, designado pelo Congresso dos EUA —, dos 407 distritos (divisão geográfica abaixo de província), os “estudantes” controlam 11 e são influentes em 34 (11% do território). Por seu lado, as forças governamentais controlam 97 e influenciam 146 (60%). No entanto, 29% dos distritos continuam em disputa, o que permite a conclusão: hoje, 40% do país é controlado, influenciado ou ameaçado pelos talibãs.

Esta semana, três distritos em três províncias (Paktia, Faryab e Ghor) caíram para os talibãs, o que revela a capacidade operacional do grupo em áreas afastadas.

De inimigos a aliados

Nos últimos meses, Cabul e Washington vinham insinuando que a Rússia poderia estar a armar os talibãs. A confirmar-se, seria uma ironia da História já que os talibãs emanam dos mujahidin, guerrilheiros apoiados pelos EUA contra a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989). Moscovo estaria, pois, a apoiar um antigo inimigo.

Na terça-feira, a CNN divulgou imagens exclusivas de dois grupos talibãs em posse de armamento “que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”. Um responsável de um dos grupos, dissidente dos talibãs, que opera em Herat (oeste), diz que acederam às armas após atacarem com sucesso um grupo talibã, e explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão. Um combatente de outro grupo talibã, ativo na área de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que foi dado “pelos russos”, através da fronteira com o Tajiquistão, na zona de Kunduz (norte).

A Rússia nega estar envolvida no conflito, mas admite “contactos com os talibãs” visando conversações de paz. Mas não é segredo que a emergência, no Afeganistão, do Daesh-Khorasan (rival dos talibãs) criou receios em Moscovo de que a violência possa transbordar para a Ásia Central.

Artigo publicado no Expresso, a 29 de julho de 2017

Talibãs afegãos têm armas russas

Imagens exclusivas obtidas pela CNN mostram combatentes talibãs em posse de armamento que, dizem, ter sido fornecido pela Rússia. Nos últimos meses, Washington e Cabul têm alertado para a possibilidade de Moscovo estar a armar o seu antigo inimigo… visando o combate a um adversário comum: o Daesh

Um dia após um ataque suicida talibã ter provocado 36 mortos em Cabul, a CNN divulgou, esta terça-feira, imagens que indiciam um apoio da Rússia aos fundamentalistas afegãos. “Os talibãs receberam armamento melhorado no Afeganistão que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”, lê-se na edição online da televisão norte-americana.

Nas imagens obtidas em exclusivo pela CNN veem-se combatentes de dois grupos munidos de “espingardas de atiradores furtivos, variantes de Kalashnikov e metralhadoras pesadas”. Especialistas em armamento que já visionaram as imagens salientaram a ausência de qualquer marca alusiva ao fabricante, o que impede a determinação da sua origem.

Mas as palavras dos combatentes incriminam Moscovo. Um responsável por um grupo que opera perto de Herat (oeste), dissidente dos talibãs, explica que se apoderaram das armas após um ataque bem sucedido contra um grupo talibã. E explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão, e que visa fortalecer os “estudantes de teologia” na luta contra a filial local do Daesh no Afeganistão (conhecido por Daesh-K).

Num outro testemunho, um combatente talibã mascarado, pertencente a outro grupo, que atua nos arredores de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que o obteve à borla através da fronteira com o Tadjiquistão, na zona de Kunduz (norte), fornecido “pelos russos”.

Russos de regresso ao Afeganistão. Porquê?

Nos últimos meses, quer os Estados Unidos quer as autoridades afegãs têm insinuado que Moscovo está a armar o seu antigo inimigo — durante a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989), os grupos de guerrilha islamita a partir dos quais viriam a nascer os talibãs foram uma arma dos EUA contra a URSS.

A Rússia tem negado qualquer envolvimento no conflito afegão, admitindo apenas “contactos com os talibãs” com o intuito de promover conversaçõs de paz.

Em março passado, diante do Congresso, o general Joseph Votel, chefe do Comando Central dos EUA, defendeu que a Rússia estava empenhada em recuperar influência no Afeganistão. “Penso que é justo assumirmos que possam estar a fornecer algum tipo de apoio” aos talibãs.

Por essa altura, em declarações ao Expresso, Mirco Günther, diretor da delegação da Fundação Friedrich Ebert em Cabul, explicava que interesse poderia ter a Rússia num “regresso ao Afeganistão”, onde se deu tão mal. “O principal interesse da Rússia é a estabilidade da Ásia Central. A grande preocupação é evitar que a violência transborde, incluindo o terrorismo e o crime organizado, em particular do Afeganistão para o vizinho Tadjiquistão”, onde a Rússia tem a 201ª base, a maior fora de portas. “Nos últimos anos, centenas de combatentes estrangeiros oriundos do Cáucaso e da Ásia Central aderiram ao Daesh.”

Quase 17 anos após o 11 de Setembro, e outros tantos de guerra que visou a erradicação dos talibãs, o Afeganistão — o país onde os EUA reagiram militarmente aos atentados de Washington e Nova Iorque — continua vulnerável ao poder dos “estudantes”. Mas não só. Se em 2001 o grupo mais ativo no país era a Al-Qaeda de Osama bin Laden — a quem o regime talibã deu guarida —, hoje também o braço afegão do Daesh e os talibãs paquistaneses têm força militar e ocupação de território significativos.

Artigo publicado no Expresso Online, a 25 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

Talibãs, aliados táticos na contenção do Daesh afegão

A Rússia está de volta ao país que ocupou durante 10 anos. Desta vez, os talibãs são amigos

O 11 de Setembro vai longe, mas a presença militar dos EUA no Afeganistão está para durar. No terreno, continuam 8400 militares (7000 ao serviço da NATO), um número com tendência para aumentar já que, em fevereiro, numa comissão do Senado, o general John Nicholson, que comanda a força internacional, pediu mais “alguns milhares”.

Esta semana, o conselheiro para a Segurança Nacional dos EUA, general H. R. McMaster, foi a Cabul dialogar com o poder local. “A Administração Trump ainda não anunciou uma nova estratégia, apesar de estar em curso uma revisão da política para o Afeganistão”, diz ao “Expresso” Javid Ahmad, investigador do Atlantic Council, de Washington D.C.. “As mudanças mais prováveis podem incluir uma pressão mais sustentada sobre o Paquistão na perseguição aos talibãs e outros grupos terroristas que beneficiam de refúgio e de apoio dentro desse país.”

A “mãe de todas as bombas” — bomba termobárica quase tão potente como uma nuclear, lançada pela aviação dos EUA há uma semana — visou precisamente uma área junto ao Paquistão, na província de Nangarhar. O ataque coincidiu com a visita do secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, à Rússia, herdeira da União Soviética, que ocupou o Afeganistão entre 1979 e 1989 — uma frente “quente” da Guerra Fria — e que está cada vez mais interventiva no Afeganistão.

Talibãs, Al-Qaeda, Daesh-K

“Julgo que há espaço, e necessidade, para uma coordenação mais próxima entre EUA e Rússia em relação ao Afeganistão e à região”, diz ao “Expresso” Mirco Günther, diretor da delegação da Fundação Friedrich Ebert em Cabul. “Apesar das nuances, ambos partilham um objetivo geral: impedir que o Afeganistão se torne um porto seguro para terroristas — outra vez.”

Segundo Cabul, há hoje no país uns 20 grupos terroristas que querem derrubar o Governo. A Al-Qaeda — protagonista do 11 de Setembro — tem uma presença residual, entre 100 e 250 elementos. Em contrapartida, os talibãs — que lhe deram abrigo — são o maior desafio. Segundo os EUA, “controlam, disputam ou influenciam” pelo menos 171 das 398 regiões administrativas. “Estima-se que os talibãs afegãos, cuja liderança está no Paquistão, tenham entre 15 e 25 mil combatentes”, diz Javid Ahmad.

Mas não é a Al-Qaeda nem são os talibãs que motivam “o regresso dos russos” ao Afeganistão, mas antes a célula afegã do Daesh que se estima tenha entre 1000 e 1500 combatentes. (Foi contra grutas e túneis usados pelo Daesh que os EUA lançaram a superbomba.)

“O principal interesse da Rússia é a estabilidade da Ásia Central”, diz Günther. “A grande preocupação é evitar que a violência transborde, incluindo o terrorismo e o crime organizado, em particular do Afeganistão para o vizinho Tadjiquistão”, onde a Rússia tem a 201ª base, a maior fora de portas. “Nos últimos anos, centenas de combatentes estrangeiros oriundos do Cáucaso e da Ásia Central aderiram ao Daesh”.

Criado em janeiro de 2015, o “Daesh no Khorasan” (nome de uma região histórica afegã) é composto por ex-membros do Tehrik-i-Taliban Pakistan (talibãs paquistaneses), desertores dos talibãs afegãos (sobretudo após a morte do líder carismático mullah Omar), combatentes estrangeiros, entre outros do Movimento Islâmico do Uzbequistão, e simples criminosos.

Da Síria e Iraque, inspiração

“É difícil considerar o ramo afegão do Daesh uma extensão das organizações no Iraque ou na Síria. Pode ter recebido incentivo e inspiração, mas provavelmente os seus fundos são locais e têm motivações próprias nas suas operações”, explica ao Expresso Marvin Weinbaum, do Middle East Institute (Washington D.C.). “O Daesh foi sobrevalorizado. É capaz de organizar ataques terroristas, como aqueles contra as minorias, em Cabul, mas tem uma pequena base de operações. Tem sofrido repetidos bombardeamentos dos EUA e muitos líderes foram mortos.”

A ironia do envolvimento russo no Afeganistão prende-se com os aliados que procurou. Se nos tempos da Guerra Fria, os soviéticos tinham nos talibãs inimigos ferozes, hoje tratam-nos como aliados pragmáticos na luta contra uma ameaça comum, o Daesh-K. Os contactos entre russos e talibãs foram confirmados em dezembro pelo embaixador russo no Afeganistão, Alexander Mantytskiy. Moscovo garante que não está a armar os talibãs, apenas coopera e partilha informação, num processo que visa trazer os fundamentalistas para a mesa do diálogo. Mirco Günther alerta: “É importante que qualquer processo [negocial], que se projeta longo e complicado, seja reconhecido e liderado pelos afegãos.”

(Ilustração publicada no Twitter, na conta AboveTopSecret)

Artigo publicado no Expresso, a 22 de abril de 2017

Bruxelas e Cabul acordam deportação de afegãos

O acordo firmado entre a UE e o Afeganistão prevê voos ilimitados entre o continente europeu e Cabul e um máximo de 50 deportados não-voluntários por cada “charter”

Desde que o regime talibã foi afastado do poder no Afeganistão, em finais de 2001, na sequência da intervenção militar dos EUA em retaliação ao 11 de Setembro, a comunidade internacional reúne-se à média de um encontro por ano para discutir a reconstrução do país e distribuir milhões.

Esta terça e quarta-feiras, Bruxelas acolhe mais uma conferência internacional para o Afeganistão que definirá o pacote de ajuda financeira para os próximos quatro anos. Este encontro, onde estão representados cerca de 70 países a nível ministerial, marca também o lançamento de um acordo bilateral que prevê a deportação ilimitada de requerentes de asilo afegãos por parte da União Europeia bem como a obrigação das autoridades de Cabul em recebê-los.

Segundo o diário britânico “The Guardian”, que teve acesso a uma cópia do acordo, as autoridades afegãs comprometem-se a readmitir qualquer cidadão afegão que não obtenha o estatuto de asilo na Europa e que se recuse a regressar ao seu país natal de forma voluntária.

O jornal refere que “o texto estipula um máximo de 50 deportados não-voluntários por cada voo ‘charter’ durante os primeiros seis meses do acordo”, não havendo limite para o número de voos diários que os governos europeus podem fretar na direção de Cabul.

O documento prevê ainda a construção de um terminal no aeroporto internacional de Cabul especificamente para os voos com cidadãos deportados desde a Europa.

Os afegãos são o segundo maior grupo de requerentes de asilo nas fronteiras da Europa. No ano passado, os pedidos feitos por cidadãos do Afeganistão chegaram aos 196.170, um aumento de 359% em relação ao ano anterior. Nem todos os afegãos que procuram a Europa partem do Afeganistão: muitos deles vêm do Irão e do Paquistão que acolhem um total de 2,7 milhões de refugiados afegãos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de outubro de 2016. Pode ser consultado aqui