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Quinze anos em estado de guerra permanente

O Afeganistão foi o país que pagou a fatura do 11 de Setembro. Alegando legítima defesa, os Estados Unidos retaliaram sobre o país liderado pelos talibãs, que davam guarida a Osama bin Laden e à sua Al-Qaeda. Quinze anos passados, os “estudantes” estão em alta, controlando mais território do que nunca desde que foram depostos. Aproveitam-se dos erros da comunidade internacional e do egoísmo dos políticos afegãos

Não foi dos mais sangrentos que o Afeganistão já viu — 13 mortos e 49 feridos —, mas o ataque contra a Universidade Americana de Cabul, a 24 de agosto passado, foi uma montra da contínua degradação da segurança do país. Pela primeira vez, um ataque complexo — explosão seguida de invasão do “campus” por homens armados — visou uma instituição educativa e não um edifício com conotação política ou militar. Igualmente, aconteceu na sequência de uma campanha ideológica de demonização da Universidade como um centro de “ações ocidentais hostis”, levada a cabo por fações ligadas aos talibãs.

Quinze anos após o 11 de Setembro, o país sobre o qual os Estados Unidos retaliaram os atentados de Washington e Nova Iorque — o regime talibã dava guarida a Osama bin Laden e à sua Al-Qaeda — continua a viver em clima de guerra, com os “estudantes” a controlarem mais território do que nunca desde que bateram em retirada de Cabul, a 13 de novembro de 2001.

Ao início da manhã da passada quinta-feira, a televisão afegã Tolo News noticiava, no seu sítio na Internet, uma avançada talibã na direção de Trin Kot, a capital da província de Uruzgan (centro), uma das áreas mais significativas em termos de produção de ópio. De caminho, tomaram uma prisão. As forças de segurança afegãs recuaram de 20 “checkpoints” para o interior da cidade e montaram uma linha de defesa. A meio do dia, chegaram reforços: bombardeamentos e operações terrestres refrearam a ofensiva talibã. Até à próxima contenda.

“Nos últimos anos, o Afeganistão desapareceu das primeiras páginas porque outras crises e campos de batalha têm produzido manchetes mais dramáticas. Porém, a lenta deterioração da situação no país é um risco extremo para o mundo”, comenta ao Expresso Alexey Yusupov, diretor da Fundação Friedrich-Ebert no Afeganistão. “O falhanço do Estado, conflitos violentos, segurança volátil, contração económica a par de um crescimento demográfico podem transformar o Afeganistão, outra vez, num território onde grupos terroristas trasnacionais se estabelecem, recrutam e atuam. Só um desenvolvimento no sentido da justiça social e da paz — ainda que difícil — pode impedir um cenário destes.”

Os erros da comunidade internacional

A reconstrução do Estado não fez parte dos objetivos iniciais da guerra no Afeganistão, que se resumiram a responder ao 11 de Setembro e operar uma mudança de regime. Mas a partir do momento em que a comunidade internacional assumiu que não era uma boa opção deixar os afegãos sós que o processo que se seguiu não foi isento de erros.

“A comunidade internacional confiou em senhores da guerra para reconstruir o Estado”, explica ao Expresso Timor Sharan, diretor da delegação do International Crisis Group no Afeganistão. “Cada doador tinha uma agenda, interesses e objetivos próprios na província onde estava. Isso produziu um Estado fragmentado com governadores e ‘homens fortes’ a responder ao objetivo dos doadores e não à população. A corrupção generalizada durante o Governo do Presidente Hamid Karzai bem como a incapacidade do Governo em providenciar serviços básicos e a sua forte dependência do financiamento internacional proporcionaram uma excelente base de recrutamento aos talibãs.”

Daesh complica (ainda mais) a situação

As atividades jiadistas em território afegão não são exclusivas dos talibãs. Para aumentar a complexidade da situação, o autodenominado Estado Islâmico (Daesh) também está presente no território. Ainda que com uma atividade bastante mais reduzida em comparação com o que se passa na Síria, Iraque e mesmo na Líbia, contribui para uma radicalização dos talibãs que o encaram como um grupo rival.

“O braço local da organização chama-se Estado Islâmico — Província Khorasan. A influência deste grupo tem vindo a crescer desde há uns anos, sobretudo nas províncias de Nangharhar e Kunar [no leste, fronteiras ao Paquistão]. Mas os seus combatentes não são recém-chegados ao país. Anteriormente, estavam no ativo como membros do Tehrik-i-Taliban Pakistan [talibãs paquistaneses], do Movimento Islâmico do Uzbequistão ou de outras organizações militantes”, explica Alexey Yusupov.

“Recentemente, os Estados Unidos e forças afegãs dizimaram fortemente a presença do Daesh no país através de bombardeamentos aéreos e operações terrestres, mas a longo prazo a ameaça ainda é significativa uma vez que a crise sócio-económica é terreno fértil para recrutamento.”

Um país, dois Presidentes

Os obstáculos com que o Afeganistão se depara estendem-se também à política. Da última e disputada eleição presidencial de 14 de junho de 2014 saiu uma liderança bicéfala que mais tem contribuído para paralisar o país do que para resolver problemas.

O pashtune Ashraf Ghani, um antigo quadro do Banco Mundial, é o Presidente e o pashtune e tadjique Abdullah Abdullah o Chefe Executivo. Abdullah foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Hamid Karzai e, anteriormente, um adjunto próximo do lendário comandante mujahidin tadjique Ahmad Shah Massoud (“o leão de Panshir”) que combateu soviéticos e talibãs.

Mediada pelos Estados Unidos, esta fórmula política “tem enfraquecido o país”, defende Timor Sharan. “As duas equipas não chegam a acordo sobre nomeações importantes, políticas e agendas.” Um caso gritante prende-se com o ministério da Defesa: só a 20 de junho passado, ou seja, dois anos após as eleições presidenciais, o Parlamento aprovou um nome proposto pelo Presidente, o General Abdullah Habibi. “A partilha de poder 50-50 não tem funcionado uma vez que os dois líderes estão focados em expandir o seu poder dentro da estrutura do Estado em vez de governarem o país.”

“O Governo de unidade nacional resulta de uma eleição presidencial que não produziu uma situação política clara. Para evitar conflitos e derramamento de sangue, os dois candidatos acordaram uma governação conjunta, reunindo campos e grupos étnicos diferentes”, explica Alexey Yusupov. “Também acordaram uma forma de transformarem o sistema de Governo para que esta fórmula funcione melhor e possam iniciar reformas eleitorais. Nada de substancial aconteceu até ao momento. O Governo vive uma grave crise com os dois campos sem capacidade para avançar. Esta não pode ser a fórmula a longo prazo, mas por enquanto não há melhor alternativa, por muito frágil que esta seja.”

A debilidade do Afeganistão ficou mais exposta após a retirada da maior parte do contingente da NATO que, em finais de 2014, deu por terminadas as operações de combate no país. “A diminuição abrupta em 2014 do contingente internacional da ISAF [Força Internacional de Assistência para Segurança] aconteceu no meio de uma complicada transição política para um novo Governo [o de Ghani e Abdullah] e resultou numa grave crise económica”, comenta Alexey Yusupov. “As forças de segurança afegãs passaram a ter de combater de forma mais independente e apenas parcialmente contando com apoio dos parceiros internacionais. As conversações de paz com os talibãs permanecem a única solução, mas nos últimos dois anos todos os esforços para as iniciar falharam. Os próximos dois, três anos serão decisivos.”

Presentemente, a Aliança Atlântica tem no Afeganistão cerca de 13 mil militares em missão de treino, assessoria, assistência e apoio a ações de contraterrorismo desenvolvidas pelas forças afegãs. Os Estados Unidos têm à volta de 7000 efetivos, seguidos da Alemanha com 980 e a Geórgia com 860. Portugal tem lá 10 militares.

“Desde 2014, o fracasso da Administração Obama relativamente a um compromisso total no Afeganistão e o rápido anúncio de uma retirada planeada teve um impulso psicológico nos talibãs”, conclui Timor Sharan. “Eles pensaram: ‘Vocês têm o relógio, nós temos o tempo’.”

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de setembro de 2016 e republicado no “Expresso Online”, dois dias depois. Pode ser consultado aqui e aqui

Talibãs iniciam a “ofensiva da Primavera”

Passado o rigor do inverno, os talibãs prometem mais um “verão quente” no Afeganistão. A ofensiva da primavera começou esta terça-feira, às cinco da manhã

É um ritual que se tem repetido nos últimos 15 anos no Afeganistão. Num email enviado a vários órgãos de informação, os talibãs anunciaram, esta terça-feira, a intensificação dos combates após a pausa de inverno. A “ofensiva da primavera” começou às cinco da manhã locais (mais três horas e meia do que em Portugal continental) e passará por ataques em grande escala, apoiados por ataques suicidas e assassínios de comandantes inimigos em centros urbanos.

A campanha — designada “Operação Omari” em homenagem a Mullah Omar, o fundador do movimento que morreu há três anos e cuja morte os “estudantes” encobriram durante dois anos — empregará “todos os meios à nossa disposição para atolar o inimigo numa guerra de desgaste que diminuirá a moral dos invasores estrangeiros e das suas milícias armadas internas”.

A declaração de guerra talibã surge três dias após uma visita não anunciada do secretário de Estado norte-americano ao Afeganistão. John Kerry reafirmou o apoio dos EUA ao Governo de unidade nacional e apelou ao Presidente Ashraf Ghani e ao chefe do Executivo Abdullah Abdullah que coloquem de lado as rivalidades e trabalhem em conjunto.

Sem ministro da defesa há dois anos

Quase dois anos após as disputadas eleições presidenciais, de que resultou uma espécie de poder partilhado entre os dois principais candidatos — solução mediada pelos EUA —, Ashraf e Abdullah ainda não chegaram a acordo em relação ao nome para ministro da Defesa, por exemplo.

Os talibãs têm-se aproveitado das fragilidades políticas do país. Segundo a NATO, controlam 6% do território e ameaçam um terço.

Na segunda-feira, em Jalalabad (leste), um talibã suicida fez-se explodir numa moto, matando pelo menos 12 recrutas do exército que seguiam num autocarro. Horas antes, num ataque semelhante em Cabul, morreram duas pessoas.

A rebelião talibã intensificou-se após a retirada das tropas de combate internacionais, no final de 2014, que expôs a falta de preparação das forças de segurança afegãs, que passaram a evidenciar elevadas baixas e altas taxas de deserção. Até ao final deste ano, os EUA querem reduzir o seu contingente de 9800 para 5500 militares.

Daesh atua silenciosamente

Em 2015, já sob a liderança de Mullah Akhtar Mansur, os talibãs reconquistaram, durante 15 dias, a cidade de Kunduz (norte), naquela que foi o maior feito militar desde o fim do regime talibã, em 2001.

Na segunda-feira, a CNN noticiou que a estratégica província de Helmand (sul), “pela qual milhares de soldados da NATO morreram a lutar, está mais próxima do que nunca de cair para os talibãs”.

A luta talibã tem-se radicalizado graças também à crescente presença de militantes afetos ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no Afeganistão. “Ele existe, floresceu e está a expandir-se. Atua silenciosamente e reune força para ações decisivas”, afirmou, no início de abril, Zamir Kabulov, enviado presidencial da Rússia para o Afeganistão, em entrevista ao jornal “Izvestiya”. Para este responsável russo, o Daesh quer usar o país como “trampolim para uma expansão mais ampla”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2016. Pode ser consultado aqui

EUA admitem “erro humano” no ataque a hospital dos Médicos sem Fronteiras

Uma investigação militar concluiu que as forças norte-americanas no Afeganistão demoraram 17 minutos a reagir ao alerta dos Médicos sem Fronteiras, quando o seu hospital de Kunduz estava a ser alvejado por um AC-130 americano, a 3 de outubro passado. Um “acidente trágico e evitável”, admitiu o comandante das forças norte-americanas

Os Estados Unidos admitiram que o bombardeamento aéreo de 3 de outubro ao hospital de Kunduz, no norte do Afeganistão, resultou de “erro humano”. O ataque provocou 30 mortos, entre os quais 13 funcionários dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização que geria aquela unidade de saúde.

“Às 2h20 um responsável das forças de operações especiais na [base aérea] de Bagram recebeu um telefonema dos MSF avisando que as suas instalações estavam a ser atacadas. O comando central e o comando das operações especiais dos EUA demoraram até às 2h37 para perceber o erro fatal. Nessa altura o [avião de combate] AC-130 já tinha parado de disparar. O ataque demorou cerca de 29 minutos”, explicou o general John Francis Campbell, comandante das forças dos EUA no Afeganistão, numa conferência de imprensa em Cabul, esta quarta-feira.

Kunduz, a capital da província com o mesmo nome, no norte do país, tinha sido tomada pelos talibãs dias antes. Segundo o general Campbell, a equipa a bordo do AC-130 julgou estar a disparar sobre um outro edifício identificado como uma estrutura usada pelos talibãs.

Os sistemas de identificação de alvos do aparelho falharam na disponibilização de informação precisa, bem como o sistema eletrónico e de comunicações a bordo, incluindo uma emissão de vídeo que, em circunstâncias normais, envia imagens, em tempo real, para altos comandantes.

Os MSF reagiram pela voz do diretor geral da delegação da organização em Bruxelas, Christopher Stokes. “A versão dos acontecimentos dos EUA deixa os MSF com mais perguntas do que respostas. É chocante que um ataque possa ser levado a cabo sem que as forças norte-americanas tenham olhos sobre o alvo nem acesso a uma lista de alvos a não atacar, e tenham sistemas de comunicações deficientes”, acusou.

“O assustador catálogo de erros revela a negligência grosseira por parte das forças norte-americanas bem como violações às regras da guerra”, acrescentou Stokes.

Os MSF apelaram a uma “investigação independente e imparcial” ao ataque. Segundo o diário “The New York Times”, vários militares foram suspensos de funções finalizada a investigação.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui

Barbárie do Estado Islâmico origina protesto histórico no Afeganistão

Sete afegãos da minoria hazara foram decapitados por homens afetos ao autodenominado Estado Islâmico. Em Cabul, esta quarta-feira, hazaras, pashtunes, tadjiques e uzebeques uniram-se num protesto unânime pouco comum naquele país fortemente tribal. Um hazara disse ao Expresso ser este “o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”

Milhares de afegãos protestaram, esta quarta-feira, nas ruas de Cabul contra a decapitação de sete pessoas de etnia hazara às mãos do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), cada vez mais presente no país.

Transportando os caixões das vítimas — quatro homens, duas mulheres e uma criança, “decapitados com arame farpado”, escreveu a Al-Jazeera —, os manifestantes desfilaram em cortejo na direção do palácio presidencial para exigir justiça e a contenção da escalada da violência.

Wahid, um hazara de 27 anos, bem poderia estar entre os manifestantes, não tivesse sido obrigado a fugir do país em abril passado. “Saí numa altura em que havia muitos raptos a visar os hazaras”, conta ao Expresso. “Por três vezes, vi homens suspeitos a rondar a minha casa e a zona onde vivo e senti que também podia ser raptado. Aproveitei o início de uns combates e fugi. Pensei: ‘Se eles conquistarem a zona onde vivo podem facilmente invadir a minha casa e fazer o que bem quiserem’.”

O afegão vivia na província de Wardak, vizinha à de Ghazni, onde os sete hazaras massacrados desapareceram. Atualmente, vive em Nova Deli (Índia), onde luta pela atribuição do estatuto de refugiado junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Wahid vai acompanhando, nas notícias, o drama de milhares de refugiados (muitos deles afegãos) que, de barco ou a pé, tentam entrar na Europa. “Não pude correr esse risco, por causa da Enarah. De outra forma, também teria ido.” Enarah é a filha de dois anos, que vive consigo e a mulher, em Nova Deli.

Minoritários e discriminados

Os hazaras são uma etnia minoritária no Afeganistão. De credo ismaelita (um braço dos xiismo), sofrem, no dia a dia, situações de discriminação por parte de afegãos oriundos de grupos étnicos maioritários. “Ao abrigo da Constituição do país, todas as etnias têm os mesmos direitos. Mas isso não é aplicado. Nós, hazaras, estamos em minoria e sentimo-nos discriminados. Apenas podemos viver em áreas específicas”, exemplifica Wahid.

“E temos menos hipóteses de conseguir um trabalho. Se precisarmos da assinatura de alguém dos serviços num determinado formulário, temos mais dificuldades para o conseguir, ou então temos de recorrer a subornos. Há uma enorme discriminação, sobretudo porque temos um credo diferente.”

Embora o grupo seja contemplado pelo sistema de quotas estabelecido, por exemplo, para a composição das forças de segurança. Como o Expresso constatou durante uma reportagem realizada em 2011 no Afeganistão, nas instalações militares sobram para os hazaras “trabalhos menores”, como as tarefas da limpeza ou o serviço de chá e café, por exemplo.

Condenação nacional

Segundo a Al-Jazeera, entre os manifestantes, esta quarta-feira, em Cabul havia, para além de hazaras, muitos pashtunes, tadjiques e uzebeques. “É o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”, afirma Wahid.

Muitos “vieram de lugares distantes”, afirmou o chefe da polícia da capital, Abdul Rahman Rahimi. “Estamos a tentar que a manifestação não se torne violenta.”

Numa comunicação ao país, onde apelou à calma, o Presidente afegão, Ashraf Ghani, disse: “O inimigo está a tentar minar a nossa unidade”, acrescentando que “as forças de segurança do país são compostas por todos os grupos étnicos”.

Os sete cadáveres foram descobertos por talibãs, na região de Arghandab, província de Zabul (sul). Os “estudantes” entregaram-nos a anciãos da província vizinha de Ghazni, onde as vítimas foram raptadas há mais de um mês.

“Morte ao Estado Islâmico”

Precisamente em Ghazni, na terça-feira, manifestantes saíram à rua, acompanhando uma carrinha que transportava os caixões cobertos com bandeiras afegãs. “Morte ao Estado Islâmico”, ouviu-se.

“Queremos justiça não apenas para eles mas para milhares de outros inocentes que são mortos tão brutalmente, quase todos os dias”, afirmou à Al-Jazeera um manifestante, Ismail Khanjar. “Não queremos saber se eram xiitas ou não. São seres humanos e foram mortos daquela forma bárbara. Que crime cometeram?”

O Daesh irrompeu no Afeganistão em 2014. Desde então, a situação dos hazaras tem piorado consideravelmente, com várias notícias de raptos coletivos. Porém, no Afeganistão, a perseguição a esse grupo étnico é antiga. Durante os anos 90, milhares foram mortos pela Al-Qaeda e pelos talibãs (que à semelhança do Daesh são fundamentalistas sunitas).

Atualmente, “eles estão concentrados no sul do país, mas estão a tentar ganhar influência no norte”, diz Wahid.

Na semana passada, um grupo dissidente dos talibãs designado Alto Conselho do Emirado Islâmico do Afeganistão anunciou a eleição de um líder próprio, num aparente ato de desafio ao novo líder dos talibãs Mullah Akhtar Mansoor. “Aos poucos”, concorda Wahid, os talibãs vão ficando ainda mais radicais.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui

 

Mullah Omar “aprova” conversações de paz

O líder dos talibãs apoiou, numa mensagem divulgada esta quarta-feira, as conversações de paz entre os talibãs e o Governo de Cabul. Mas a crescente presença de extremistas do autodenominado Estado Islâmico no país está a originar divisões no seio do “movimento dos estudantes”

O líder dos talibãs afegãos considerou, esta quarta-feira, “legítimas” as conversações de paz em curso no Afeganistão que visam pôr um ponto final à guerra que grassa no país há mais de 13 anos.

Mullah Omar aludiu ao processo de paz durante a tradicional mensagem anual que antecede o Eid al-Fitr, a festa que assinala o fim do Ramadão. “Se olharmos para as nossas leis religiosas, descobrimos que reuniões e até interações pacíficas com os nossos inimigos não são proibidas”, escreveu o líder dos talibãs numa declaração publicada no sítio oficial dos talibãs.

Vários encontros informais têm-se sucedido nos últimos meses entre quadros talibãs e representantes do Estado afegão. Na semana passada, uma reunião na cidade paquistanesa de Murree, a norte de Islamabade, foi considerada pelo jornal paquistanês “Dawn” um “significativo passo em frente”.

Pela primeira vez, talibãs e representantes do Governo de Cabul estiveram oficialmente frente a frente. Estados Unidos e China foram observadores no encontro. As partes concordaram voltar a encontrar-se nas próximas semanas.

“O objetivo por detrás dos nossos esforços políticos é acabar com a ocupação”, escreveu Mullah Omar.

Emergência do Estado Islâmico

Porém, a predisposição da liderança talibã para o diálogo não é consensual no seio do “movimento dos estudantes”.

Muitos militantes continuam a defender que não deve haver conversações até que todas as forças estrangeiras sejam expulsas do território afegão. As tropas da NATO terminaram as suas ações de combate em dezembro passado, mas até finais de 2016 um pequeno contingente internacional continuará no país em ações de formação às tropas afegãs.

A divisão no seio dos talibãs, entre defensores e opositores às conversações de paz, agravou-se com a emergência no Afeganistão de um ramo do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), que tem originado deserções no seio dos talibãs. ainda segundo o “Dawn”, posições do grupo extremista já começaram a ser bombardeadas por drones (aviões não tripulados) norte-americanos.

Sem aparecer em público há vários anos, Mullah Omar vê cada vez mais a sua liderança contestada. Com frequência, surgem rumores acerca da sua morte, em virtude de problemas de saúde.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui