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Norte pressiona, mas Sul não isola a Rússia

INFOGRAFIA DE JAIME FIGUEIREDO

Sem sinais de trégua, a guerra da Ucrânia e a nova ordem mundial que está a originar têm levado a realinhamentos geopolíticos, qual movimento de placas tectónicas em contexto sísmico. A 10 de março, o anúncio de um acordo de normalização diplomática entre o Irão e a Arábia Saudita, mediado pela China, revelou quão dispensáveis são hoje os Estados Unidos no Médio Oriente. Na semana passada, a cimeira de Moscovo entre Xi Jinping e Vladimir Putin confirmou que, à parte os rótulos aplicados a essa relação, a China é cada vez menos neutra no conflito e a Rússia está longe do isolamento.

Um fórum onde é visível a resistência de grande parte do mundo à pressão ocidental é o grupo das 20 economias mais desenvolvidas do mundo. Há um mês, uma reunião do G20 em Bangalore (Índia) terminou sem acordo quanto a condenar a Rússia: os países ocidentais defendiam uma posição clara e grande parte dos restantes defendeu que o G20 não é um fórum político, mas de discussão de problemas económicos.

Sem serem antiocidentais, muitos países de África, Ásia e América Latina — o chamado Sul Global — têm posição híbrida relativamente ao conflito: criticam a invasão, mas mantêm o diálogo com Moscovo, nem que seja por razões práticas, como descontos na energia que importam.

A 23 de fevereiro, 52 Estados-membros da ONU não alinharam com a maioria de 141 que aprovou uma resolução na Assembleia-Geral a exigir a “retirada” russa da Ucrânia e o “fim das hostilidades”. A Namíbia absteve-se. “O nosso foco está na resolução do problema, não em atribuir culpas”, justificaria a primeira-ministra Saara Kuugongelwa-Amadhila, para quem os gastos com armamento “poderiam ser mais bem usados a promover o desenvolvimento na Ucrânia, em África, na Ásia, na própria Europa, onde muitas pessoas passam por dificuldades”.

Está marcada para 26 a 29 de julho, em São Petersburgo, a segunda cimeira Rússia-África. A primeira realizou-se em 2019, em Sochi, com a participação dos 54 Estados africanos, 43 ao nível de chefes de Estado. Então, em declarações ao jornal “The Moscow Times”, Albert Kofi Owusu, diretor da agência noticiosa do Gana, partilhou a sua experiência de colaboração com a Rússia e o Ocidente. “Com a ajuda ocidental, há todo um conjunto de condições. Dizem: se querem este dinheiro, têm de fazer determinada coisa em relação aos LGBTQ, por exemplo, mesmo que vá contra os valores do país. China e Rússia dizem: ‘Aqui está o dinheiro’.”

AS RAZÕES DE ÁFRICA

1 Memória e sentimento de gratidão relativamente ao apoio dado pela União Soviética, ao longo de décadas, aos movimentos de libertação nacional. São exemplos o ANC (África do Sul) e o MPLA (Angola).

2 Dependência africana relativamente à Rússia no que respeita à importação de cereais e, cada vez mais, a recursos energéticos.​

3 A Rússia é o maior fornecedor de armas a África. Há também presença crescente de organizações privadas de segurança, como o Grupo Wagner (de origem russa), em apoio de “guardas pretorianas” presidenciais.

4 Ausência de África nos lugares permanentes do Conselho de Segurança da ONU. A Rússia defende a reforma do órgão para acomodar países de África, Ásia e América Latina.

AMÉRICA LATINA NÃO QUER SER ‘O QUINTAL’ DOS ESTADOS UNIDOS

IDEOLOGIA
Bolivarianos Cuba, Nicarágua e Venezuela estão ao lado do Kremlin desde a primeira hora. Identificam-se com o modelo autoritário de Putin e reproduzem a narrativa de que a Rússia foi provocada pelo Ocidente/NATO.

ECONOMIA
Negociantes Brasil, México e Argentina, as maiores economias regionais, não percecionam a Rússia como ameaça. No Brasil, o comércio bilateral é significativo — a Rússia é o maior fornecedor de fertilizantes. No Palácio do Planalto, a política relativa à Rússia não mudou após Lula suceder a Bolsonaro.

GEOPOLÍTICA
Aliados Muitos países têm relações diplomáticas históricas com a Rússia, ao ponto de a verem como parceiro geopolítico crucial. Exemplo: na pandemia, a vacina russa Sputnik V foi a primeira a ser usada na Argentina, Bolívia, Venezuela, Paraguai e Nicarágua.

VIZINHANÇA
Anti-imperialismo 
Coloquialmente conhecida como “pátio traseiro dos Estados Unidos”, a América Latina olha para norte com histórico receio em relação ao que dali possa vir. Neste contexto, Moscovo é vista como velha antagonista de Washington.

ORIENTE CONTA COM A RÚSSIA

Organização do Tratado de Segurança Coletiva
Aliança militar criada em 2002, é composta por seis ex-repúblicas soviéticas: Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão, além da Rússia. Procura replicar o modelo da NATO.

Organização de Cooperação de Xangai
Fundada em 2001, tem carácter político, económico e militar. Engloba oito países da Eurásia: China, Índia, Rússia, Paquistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Usbequistão. Irão já iniciou o processo de adesão.

União Económica Eurasiática
Organização de integração económica regional, prevê livre circulação de “bens, serviços, capitais e trabalho”. Os membros são: Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia. Entrou em vigor em 2015.

Comunidade de Estados Independentes
Organização de cooperação, resultou do desmembramento da União Soviética. Das 15 antigas repúblicas soviéticas, só quatro não são membros: os bálticos (Estónia, Letónia, Lituânia) e a Geórgia.

ALERTAS

“Temos de reequilibrar a nossa ordem global, torná-la mais inclusiva. Estou muito impressionado com o quanto estamos a perder a confiança do Sul Global”
Emmanuel Macron, Presidente de França

“Acho que a Rússia cometeu um erro crasso ao invadir o território de outro país. Mas quando um não quer, dois não brigam. Precisamos encontrar a paz”
Lula da Silva, Presidente do Brasil

“A situação no mundo muda de forma dinâmica. Estão a formar-se os contornos de um mundo multipolar”
Vladimir Putin, Presidente da Federação Russa

EDUCAÇÃO

27 mil
estudantes africanos frequentam universidades e instituições científicas na Rússia, segundo estatísticas de Moscovo de 2021. Em 2008 eram 9 mil. A formação de elites africanas foi um dos pilares da cooperação entre África e a União Soviética: estima-se que cerca de 60 mil africanos tenham estudado na URSS entre 1949 e 1991

HÁ MAIS DE UMA DÚZIA DE PAÍSES QUE QUEREM ADERIR AO GRUPO DOS BRICS

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (conhecidos pelo acrónimo BRICS) representam um quarto da superfície terrestre e 40% da população mundial. Estas economias emergentes começaram a realizar cimeiras anuais em 2009 (a África do Sul só a partir de 2010), vivia o mundo uma crise financeira. Os BRICS são considerados o principal bloco rival do G7, que agrupa as economias mais avançadas. “O interesse nesta associação global é bastante alto e continua a crescer. Não só Argélia, Argentina e Irão, na verdade, são mais de uma dúzia de países”, disse recentemente o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov. A cimeira deste ano, de 22 a 24 de agosto, em Durban, terá interesse acrescido: a África do Sul é membro do Tribunal Penal Internacional, que emitiu um mandado de detenção para Vladimir Putin.

TRÊS PERGUNTAS A

Pedro Ponte e Sousa
Professor na Universidade Portucalense

Qual a estratégia da Rússia?
A Rússia tem procurado expandir as suas relações económicas, políticas e militares com o conjunto do mundo não Ocidental ou do Sul Global. Já vinha a fazê-lo antes da invasão, mas intensificou essa estratégia para contrariar os custos da guerra, bem como as sanções económicas do Ocidente.

Como reagiu o Sul Global?
Não adotou nem deverá adotar sanções económicas à Rússia. Nem é certo que aqueles do Sul Global que são membros do Tribunal Penal Internacional se comprometam a deter Vladimir Putin. O fundamento assenta numa separação entre a condenação política, que é evidente, e o uso de ferramentas económicas para transformar o comportamento político do outro ou, como parece pretender o Ocidente, para ‘punir’ a Rússia. O Sul Global salienta que as sanções económicas — mesmo as das últimas décadas (smart sanctions), dirigidas aos atores responsáveis pela guerra — continuam a ter impacto desproporcional sobre os mais pobres e dão um free pass aos líderes políticos.

As sanções funcionam?
Sim e não. Os impactos macroeconómicos são inegáveis. Contudo, o objetivo das sanções económicas não deveria ser ‘punir’ o outro, mas ajudar a transformar o seu comportamento político. E não só as sanções não estão a funcionar com a Rússia como a investigação científica demonstra que raramente funcionam. São uma ótima forma de quem as impõe mostrar que faz alguma coisa, e dar uma imagem de força, mas não há especiais indícios de eficácia. A solução tem sido aumentar a escala e âmbito das sanções e apontar para o longo prazo. Mas tem servido para cortar mais as relações com a Rússia, atirá-la para os braços da China e diversificar as suas relações, bem como aprofundar a mentalidade de Guerra Fria II (Ocidente versus Rússia e China) entre os decisores políticos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 31 de março de 2023. Pode ser consultado aqui

Uma nuvem de gafanhotos 24 vezes maior do que Lisboa? Não é ficção, aconteceu no Quénia

Gigantescos enxames de ‘gafanhotos do deserto’ invadiram o Corno de África e estão a devorar áreas de cultivo e pastagens, colocando em risco a subsistência de milhões de pessoas. Na origem desta praga estão… alterações climáticas

Diz a Bíblia que a oitava de dez pragas com que Deus castigou o Egito para pressionar o Faraó a libertar o povo hebraico da escravidão era composta por gafanhotos. “Eles cobrirão a superfície visível da terra, e não se poderá mais ver a terra”, lê-se no Livro do Êxodo. “Eles comerão o resto do que escapou e o que ficou para vós depois do granizo [a sétima praga]; comerão todas as árvores que crescem para vós no campo.”

Por estes dias, nuvens de gafanhotos de proporções bíblicas fustigam três grandes zonas na Ásia e em África. Destroem áreas de cultivo e pastagens à sua passagem e condenam comunidades que vivem da natureza — e para quem a segurança alimentar não é um direito adquirido — a um futuro muito incerto. Um foco devasta a fronteira indo-paquistanesa, outro está ativo nas margens do Mar Vermelho e um terceiro assola o Corno de África e países limítrofes.

“No início de janeiro, houve um enxame enorme no nordeste do Quénia que tinha 60 quilómetros de comprimento por 40 de largura!”, diz ao Expresso Keith Cressman, especialista na Previsão de Gafanhotos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Cálculos feitos, a dimensão desta nuvem de saltões cobriria 24 vezes a cidade de Lisboa — o enxame media 2400 km2 e a capital portuguesa 100 km2.

O Quénia está a viver a pior infestação de gafanhotos dos últimos 70 anos NJERI MWANGI / REUTERS

Na origem desta calamidade estão… alterações climáticas, como o aumento da temperatura dos mares que alimenta furacões cada vez mais fortes. Este surto de ‘gafanhotos do deserto’ ganhou volume após dois ciclones — o Mekunu (em maio de 2018) e o Luban (em outubro seguinte) — varrerem o Oceano Índico.

Então, chuvas abundantes caíram sobre uma das regiões mais áridas do mundo — o chamado “Empty Quarter”, no sudeste da Península Arábica —, originando o florescimento de vegetação e criando condições ideais para “a procriação de três gerações de gafanhotos, entre junho de 2018 e março de 2019”, explica Keith Cressman. “O número de gafanhotos aumentou 8000 vezes.” Um enxame pode conter até 150 milhões de gafanhotos por quilómetro quadrado.

Com um ciclo de vida entre três e cinco meses, os ‘gafanhotos do deserto’ aguentam-se no ar durante longas distâncias. Presentes nas zonas desérticas entre a África Ocidental e a Índia, encontram na vegetação verde e nos solos húmidos e arenosos condições favoráveis à sua reprodução.

Invadidos por gafanhotos, Somália e Paquistão já declararam “emergência nacional” SVEN TORFINN / EPA

Cada fêmea põe dezenas de ovos (por vezes mais de 100) e pode procriar pelos menos três vezes. O período de incubação depende da temperatura do solo, oscilando entre 10 dias e um mês.

Cronologia da invasão

Os primeiros enxames saíram do “Empty Quarter” em janeiro de 2019 na direção do Iémen (um país em guerra) e da Arábia Saudita. Depois, “chuvas anormalmente fortes no Irão e no Iémen originaram novas germinações”, acrescenta Keith Cressman.

Entre junho e dezembro, grupos partiram do Irão e invadiram o Paquistão e a Índia, beneficiando de monções mais longas do que o habitual. E outros levantaram voo do Iémen rumo ao Corno de África (e daí para o Quénia). Aí usufruíram de condições provocadas pelo ciclone Pawan, ao largo da Somália, no início de dezembro de 2019.

Os ‘gafanhotos do deserto’ não atacam seres humanos ou animais DAI KUROKAWA / EPA

“Felizmente, a atual geração de enxames formou-se após a última colheita das safras, mas houve danos consideráveis nas pastagens, que são um meio de subsistência primário no Corno de África”, diz o perito da FAO. Esta organização calcula em 76 milhões de dólares (70 milhões de euros) a verba necessária para “melhorar a operação de controle” da praga “e proteger, apoiar e recuperar os meios de subsistência”, explica Cressman. “É absolutamente crítico que esses fundos cheguem o mais rapidamente possível para evitar um problema e um sofrimento maiores.”

No terreno, o combate à praga passa por borrifar as áreas fustigadas com produtos químicos, lançados de aeronaves e veículos equipados com pulverizadores e, em menor grau, disparados por homens de mochila pulverizadora às costas. No seu último boletim sobre esta crise, na segunda-feira, a FAO diz que “a reprodução [de gafanhotos] continua no Corno de África” e que “está prevista a formação de novos enxames para março e abril”.

(FOTO PRINCIPAL Três homens tentam, em vão, enxotar um enxame de gafanhotos de uma pastagem, na aldeia queniana de Lemasulani NJERI MWANGI / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 12 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui

A maldição dos albinos em África

Estigmatizados, os albinos não têm vida fácil. Na Tanzânia, são mortos e amputados para rituais de feitiçaria

“Além da pele, somos apenas todos humanos” ZANNA98 / WIKIMEDIA COMMONS

Em nome da sua própria sobrevivência, os albinos passam a vida a proteger-se do Sol. Nos últimos tempos, em várias regiões da África Austral, muitos albinos começaram também a refugiar-se das próprias comunidades, com medo que o seu tom de pele lhes sentencie a morte.

A Tanzânia, em particular, é hoje um verdadeiro calvário para os albinos. No último ano, foram assassinados pelo menos 26 indivíduos. Num dos últimos casos, um bebé de sete meses foi morto à catanada. Feiticeiros e curandeiros promovem a chacina de albinos para usarem a sua pele, os ossos ou o cabelo — que acreditam ter propriedades mágicas — em poções e amuletos para atrair riqueza.

As pernas são as partes do corpo mais valiosas para os mineiros, que acreditam que elas lhe trarão boa sorte, enquanto fios de cabelo de albino presos a redes de pesca são um talismã para uma boa faina.

Para tentar combater o estigma, o Presidente Jakaya Kikwete nomeou uma albina para trabalhar no Parlamento em campanhas antidiscriminatórias. Paralelamente, ordenou a realização de um censo aos albinos e providenciou escolta a crianças albinas durante o trajecto escolar. Pelo menos 173 pessoas acusadas de participar na morte de albinos foram detidas.

Muitos casais sentem-se amaldiçoados quando têm um filho albino. Há histórias de bebés abandonados junto a rios

Em África, estima-se que uma em cada 4000 pessoas seja albina. O Expresso visitou Veronica Bvumavaranda, uma albina zimbabweana de 36 anos. “No início, foi difícil lidar com esta condição. Na escola, era horrível enfrentar os olhares desconfiados. Com determinação, consegui fazer amigos. Mas não tem sido fácil encontrar o amor…”.

Solteira, Veronica parece conformada com esse infortúnio. Tem a sorte de contar com o apoio da família, o que nem sempre acontece. Muitos casais sentem-se amaldiçoados quando lhes nasce um filho albino. Contam-se histórias de bebés albinos abandonados junto a cursos de água e de crianças negligenciadas em situações de doença. “Se alguém tem uma criança com albinismo pode aproveitar um momento de doença para a deixar morrer”, diz ao Expresso Ian Van Maanen, um holandês radicado há 30 anos na Guiné, onde é cônsul do Reino Unido.

Mitos rurais

Fundos angariados por este holandês tornaram possível o recenseamento dos albinos guineenses. “São 79. Se compararmos com as estatísticas do Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné-Conacri, concluímos que, na Guiné-Bissau, a maioria dos albinos morre cedo, provavelmente ainda em criança. Suspeito que os deixem morrer…”, diz.

Sobretudo nas zonas rurais, os albinos são objecto dos mais variados mitos. Em Angola, onde se estima que correspondam a 1% da população, diz-se que os “quilombos” não são humanos, que vêem à noite e que têm uma má relação com gémeos.

Com trabalho de campo efectuado no Sul de Moçambique, Paulo Granjo, professor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, disserta sobre as razões de discriminação de gémeos e albinos. “São ambos desafios à identidade: uns pela estranheza de cor, os outros por serem duas pessoas iguais”, explica ao Expresso. “É suposto que os gémeos e os albinos tenham uma origem cósmica comum: foram atingidos por um raio no útero da mãe. Os gémeos partiram-se em dois e os albinos resistiram, mas ficaram queimados, perdendo a cor”, explica o antropólogo. Então, ambos passam a constituir um perigo para a harmonia social. “De acordo com estas crenças, o albino é a pessoa com mais poderes disruptores e a maior ameaça de secar as terra, a fertilidade e a sobrevivência colectiva”, continua Paulo Granjo.

No Zimbabwe, há relatos de mulheres albinas violadas por indivíduos infectados com o vírus da sida que, dessa forma, procuravam ‘limpar’ o corpo desse mal. “Essa crença generalizou-se inicialmente em relação às virgens, em particular na África do Sul”, diz o antropólogo. Neste caso, os seropositivos procuram que o poder atribuído aos albinos lhes seque a doença.

O QUE É O ALBINISMO?

Oriundo do latim — “albus” significa ‘branco’ —, o albinismo é uma desordem congénita caracterizada pela ausência (total ou parcial) de melanina nos olhos, pele e cabelo. Não se transmite através de contacto nem de transfusão sanguínea e manifesta-se em seres humanos, animais e plantas. Estima-se que, em todo o mundo, uma em cada 17 mil pessoas seja albina. Sensíveis ao Sol, os albinos cumprem rigorosos cuidados de protecção corporal, para evitarem contrair cancro da pele. Na sua maioria, têm também problemas de visão. Em Portugal, os albinos são representados pela Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, onde estão registados apenas dois casos de albinismo. “Não dispomos de dados quanto ao número de pessoas afectadas pela patologia, É uma das batalhas da Raríssimas”, disse ao Expresso a presidente da associação, Paula Brito e Costa.

Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de outubro de 2008. Contributo de Guthrie Munyuki, correspondente do “Expresso” em Harare, Zimbabwe

Uma das cimeiras mais importantes de sempre

Espanha está a investir em África como nunca na sua história. A pensar no desenvolvimento do continente negro mas sobretudo na contenção dos fluxos migratórios ilegais

ILUSTRAÇÃO DO CENTRO MULTIMÉDIA DO PARLAMENTO EUROPEU

José Luis Rodríguez Zapatero qualificou a reunião UE-África de Lisboa “uma das cimeiras mais importantes da história da União Europeia”, considerando que a aposta da Europa no desenvolvimento do continente africano confere-lhe “grandeza política e ética”.

O presidente do governo espanhol afirmou ainda que a Espanha está a apoiar o desenvolvimento de África “como nunca na sua história”, tendo triplicado as ajudas à cooperação — de 500 milhões de euros passou para 1500 milhões de euros em 2008. “É talvez o país europeu e ocidental que mais esforço fez em menos tempo em relação a África relativamente ao cumprimento dos Objectivos do Milénio”.

Zapatero referiu ainda que “a imigração ilegal é um grande fracasso colectivo” e anunciou que propôs aos governantes dos dois continentes a celebração de “um grande acordo Europa-África no sentido de combater a imigração ilegal”. E deu como exemplo a seguir a estratégia espanhola que passa pela reordenação dos fluxos migratórios legais e pelo incremento das possibilidades de emprego nos países africanos.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Como África viu a cimeira

O que os jornalistas africanos escreveram sobre a Cimeira UE-África

“O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, denunciou no domingo a ‘arrogância’ da União Europeia, e de quatro países europeus em particular (Alemanha, Suécia, Dinamarca e Holanda), que criticaram na cimeira UE-África a situação dos direitos humanos no seu país.”
Jeune Afrique, França

“A maioria dos líderes africanos rejeitaram no domingo os novos acordos comerciais exigidos pela União Europeia, dando um golpe nos esforços para forjar uma nova parceria económica na primeira cimeira UE-África em sete anos.”
Mail&Guardian, África do Sul

“Os líderes africanos que se reuniram em Lisboa, Portugal, para uma cimeira com os seus colegas da União Europeia, ontem, disseram que o seu objectivo não é a caridade, mas que os seus países sejam autorizados a tornar-se grandes jogadores na economia global.”
This Day, Nigéria

“A África continua à espera de ser considerado um continente soberano. Saberá a União Europeia transcender os seus preconceitos neocolonialistas para fundar com os seus vizinhos do Sul relações justas, equitativas e vantajosas para ambos.”
Liberté, Argélia

“Foi preciso esperar sete anos após a primeira cimeira do Cairo para ver os 70 chefes de Estado e de governo europeus e africanos que assistiram a esta segunda cimeira UE-África, em Lisboa, adoptar com satisfação a declaração de Lisboa que baliza com grande clareza e inteligência económica a nova relação de parceria estratégica entre estes dois continentes.”
La Tribune, Argélia

“O presidente da União Africana e chefe de Estado do Gana, John Kufuor, disse ontem que a Europa deve aproveitar a cúpula bilateral de Lisboa para ‘corrigir a injustiça histórica’ que significou a escravidão e o colonialismo.”
Jornal de Angola, Angola

“Um Robert Mugabe desafiador disse aos líderes da União Europeia, no domingo, que não recebe lições sobre como governar o Zimbabwe, respondendo à chanceler alemã e a outros líderes europeus que o acusaram de ignorar os Direitos Humanos. Mugabe ergueu o punho em desafio, sorrindo abertamente, quando a Reuters lhe perguntou qual a mensagem que queria enviar à Europa no segundo e último dia da cimeira UE-África.”
Reuters, África do Sul

“O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, recebeu tratamento completo de passadeira vermelha quando se encontrou com os líderes europeus, antes de ser acusado de ignorar os direitos humanos.”
Harare Post, Zimbabwe

“As discussões da segunda cimeira dos líderes europeus e africanos terminou em Lisboa, no domingo, com o foco no Presidente senegalês Abdullah Wade por ter dito: ‘Vou opor-me a estes acordos… nenhum país africano pode resistir ao levantamento das barreiras comerciais e aos subsequentes efeitos adversos nos ‘orçamentos’ dos países africanos.”
African Press Agency, Costa do Marfim

“O primeiro-ministro José Maria Neves, que representou Cabo Verde, considera que a cimeira ultrapassou as suas expectativas. ‘Deu para sentir que a cimeira decorreu num espírito aberto, as questões foram discutidas com frontalidade, mas deu para sentir também que há uma mudança profunda em África, que está a crescer um outro tipo de discussão e abordagem dos próprios dirigentes africanos em matéria de desenvolvimento do continente. Infelizmente, ainda há um certo preconceito quando o assunto é África.”
A Semana online, Cabo Verde

Artigo escrito com Cristina Peres e Luísa Meireles.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui