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Um convidado caro aos talibãs

O líder da Al-Qaeda foi morto por um drone dos EUA, em Cabul. Os tiros atingiram também o regime talibã

Nos últimos anos, alguns dos maiores êxitos dos Presidentes dos Estados Unidos em matéria de política externa passaram pela eliminação de terroristas com influência global. A 2 de maio de 2011, Barack Obama anunciou a morte do inimigo público nº 1 da América, o então líder da Al-Qaida, Osama bin Laden, que dirigiu os atentados de 11 de Setembro de 2001. “É a conquista mais significativa, até à data, no esforço da nossa nação para derrotar a Al-Qaida.”

A 27 de outubro de 2019, Donald Trump congratulou-se com a eliminação de Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do autodenominado “Estado Islâmico” (Daesh), que dominou com grande crueldade parte significativa do Iraque e da Síria. “Morreu como um cão, como um covarde. O mundo é agora um lugar muito mais seguro.”

Esta semana, Joe Biden adicionou à lista dos troféus Ayman al-Zawahiri, antigo líder da Jihad Islâmica Egípcia, que esteve com Bin Laden na fundação da Al-Qaida (“A Base”) em 1988, foi cérebro dos atentados em Washington e Nova Iorque e sucedeu a Bin Laden à frente da organização. “Foi feita justiça e esse terrorista já não existe.”

Varanda indiscreta

Ao contrário de Bin Laden e Al-Baghadi, que morreram durante operações especiais americanas no Paquistão e na Síria, respetivamente, Al-Zawahiri foi liquidado no Afeganistão por um drone da Força Aérea dos Estados Unidos operado pela CIA. Eram 6h18 de 30 de julho quando dois mísseis foram disparados na direção do homem, de 71 anos, que estava à varanda de casa. Esse hábito frequente facilitou a observação de quem já o tinha debaixo de olho e a confirmação da sua identidade.

O terrorista não estava escondido numa qualquer gruta remota, mas numa moradia do bairro de Sherpur, em Cabul, perto de edifícios onde, até há um ano, funcionavam embaixadas ocidentais. Segundo o jornal “The New York Times”, “vivia numa casa que era propriedade de um dos principais assessores de Sirajuddin Haqqani, ministro do Interior dos talibãs e membro da rede terrorista Haqqani [radical], com ligações próximas à Al-Qaida”. Há anos que o FBI promete uma recompensa de mais de 10 milhões de dólares (€9,8 milhões) por informações que levassem diretamente à sua captura.

Fundos podem não descongelar

A presença do líder da Al-Qaida no Afeganistão expôs um duplo embaraço. Os talibãs — que se comprometeram no Acordo de Doha, assinado com os Estados Unidos em 2020, a não mais dar guarida à Al-Qaida — carecem de argumentos convincentes para justificar a presença de Al-Zawahiri na capital. E os próprios Estados Unidos viram reabrir-se o debate sobre a caótica e até humilhante retirada militar do Afeganistão, perante a constatação de que 20 anos de guerra não destruí­ram a aliança entre a Al-Qaida e os talibãs afegãos.

Mas é pelo lado afegão que a corda parte. Este caso “terá impacto na relação entre Estados Unidos e talibãs”, comenta ao Expresso Ibraheem Bahiss, analista do International Crisis Group (ICG) para o Afeganistão. “Os talibãs terão dificuldade em dar respostas. Porque estava Al-Zawahiri em Cabul? Porque lhe deram abrigo? Ou porque não quiseram ou não puderam tomar medidas contra ele? Pelo menos no curto prazo isto irá limitar a capacidade e os esforços diplomáticos relativos à prestação de assistência humanitária e ao descongelamento de ativos.”

“Os talibãs terão dificuldade em dar respostas. Porque estava Ayman al-Zawahiri em Cabul? Deram-lhe abrigo? Tomaram medidas contra ele?”

Nos dias que antecederam a execução de Al-Zawahiri, a Administração Biden e os talibãs estavam em conversações para encontrar forma de o Governo afegão aceder às reservas do Banco Central do país depositadas nos Estados Unidos. Washington congelou fundos no valor de sete mil milhões de dólares (€6850 milhões) após a tomada do poder pelos talibãs, a 15 de agosto de 2021.

Esse diálogo, no Catar, foi acelerado pela pandemia, o impacto da guerra na Ucrânia e, sobretudo, por um forte sismo que, a 22 de junho passado, matou mais de mil pessoas. “Os dois lados estavam perto de um acordo”, diz Bahiss. Mas este caso “torna muito mais difícil para os americanos libertarem fundos diretamente para os talibãs ou para um mecanismo em que estes tenham controlo sobre essas reservas”.

Numa primeira reação ao ataque, os talibãs disseram apenas tratar-se de uma “clara violação” dos princípios internacionais e do pacto de Doha. Quarta-feira, em declarações à televisão afegã Tolo News, Abdul Salam Hanafi, segundo vice-primeiro-ministro do país, acrescentou: “A política do Emirado Islâmico, que tem sido repetidamente comunicada ao povo, é de que o nosso solo não pode ser usado contra os nossos vizinhos.”

Saem os EUA, entra Al-Zawahiri

O analista do ICG descodifica a retórica de Cabul. “Os talibãs poderão contra-argumentar que estão a tomar medidas contra grupos radicais para lhes restringir a liberdade. Se defenderem que trouxeram Al-Zawahiri para Cabul para algum tipo de prisão domiciliária ou outra forma de controlar os seus movimentos e as suas ações, poderão dizer que os Estados Unidos violaram o Acordo de Doha, enquanto eles tomaram medidas para impedir o líder da Al-Qaida de amea­çar a segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados.”

O percurso de Al-Zawahiri desde o 11 de Setembro não é rastreável com exatidão. Pensa-se que, desde o início do século, tenha vivido na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. “Os nossos serviços de informações localizaram-no no início deste ano. Tinha-se mudado para o centro de Cabul para se juntar a membros da sua família direta”, disse Biden na comunicação ao país.

O que fazia no Afeganistão e o que planeava fazer pelo mundo poderá não ser fácil de reconstituir. A operação dos SEAL da Marinha americana que surpreendeu Bin Laden numa moradia de Abbottabad permitiu recolher muito material, mas o mesmo não se aplica ao tipo de ataque que matou Al-Zawahiri.

Se se mudou para Cabul após a retirada americana, acentua-se o embaraço de Biden, que, à época, respondeu assim aos críticos: “Que interesse temos no Afeganistão, agora que a Al-Qaida se foi? Fomos para lá com o objetivo expresso de nos livrarmos da Al-Qaida no Afeganistão. E conseguimos.” Até Al-Zawahiri assomar a uma varanda de Cabul.

AL-QAEDA: MORRER OU RENASCER?

A 11 de agosto de 1988, uma reunião em Peshawar (Paquistão) entre Osama bin Laden, Ayman al-Zawahiri e Sayyed Imam Al-Sharif (Dr. Fadl) criou a Al-Qaeda. O saudita Bin Laden era o garante de uma riqueza infinita, o egípcio Al-Zawahiri personificava a crença inabalável no radicalismo islâmico e o intelectual e também egípcio Fadl a base filosófica da jihad. Os dois primeiros estão mortos e o último não é opção para lhes suceder na liderança da organização. Em 2007, renunciou à violência e distanciou-se do jiadismo global. O nome de que se fala para assumir o comando da Al-Qaeda é o de Seif al-Adel. Este egípcio de mais de 60 anos tem ficha aberta no FBI, que o procura por envolvimento nos atentados de 7 de agosto de 1998 contra as embaixadas dos Estados Unidos na Tanzânia e no Quénia. “Se a Al-Qaeda escolher alguém que esteja fora do Afeganistão, a longo prazo isso pode desviar o foco desse país”, defende Ibraheem Bahiss, analista do International Crisis Group. “A Al-Qaeda tem uma presença muito pequena no Afeganistão, dezenas ou centenas de pessoas no máximo. Em territórios africanos, como a Somália, tem uma presença muito maior.” E conclui: “Dependendo de quem for escolhido para liderar a Al-Qaeda, não é necessariamente um golpe fatal para a organização. A Al-Qaeda não é desafiada hoje da mesma forma que já o foi pelo Daesh. E pode usar a vitória dos talibãs no Afeganistão para se promover e recuperar da perda que sofreu.”

(FOTO O saudita Osama bin Laden e o egípcio Ayman al-Zawahiri, a cúpula da Al-Qaeda, durante uma entrevista com o jornalista paquistanês Hamid Mir, publicada no jornal paquistanês “Dawn”, a 10 de novembro de 2001. Hamid Mir é o único jornalista que entrevistou Bin Laden após o 11 de Setembro HAMID MIR / EDITOR / AUSAF NEWSPAPER FOR DAILY DAWN / HANDOUT VIA REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 5 de agosto de 2022. Pode ser consultado aqui

Jornalistas espanhóis desaparecidos na Síria

Três repórteres espanhóis estão desaparecidos na Síria há dez dias. Foram vistos pela última vez em Alepo, numa zona controlada pela filial local da Al-Qaeda. O Governo de Madrid já está “a trabalhar no assunto”

Três jornalistas espanhóis estão desaparecidos na Síria desde 12 de julho. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está “ao corrente da situação” e “a trabalhar no assunto”, garantem fontes do Governo de Madrid citadas pelo diário “El Mundo”.

O jornalista Antonio Pampliega, o operador de câmara Ángel Sastre e o fotógrafo José Manuel López foram vistos pela última vez na parte antiga da cidade de Alepo, no norte do país, no passado dia 11. Citado pela agência Efe, o diretor do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, Rami Abderrahman, disse que testemunhas viram os repórteres dentro de uma furgoneta branca, juntamente com o seu tradutor sírio.

Segundo Abderrahman, o veículo foi intercetado por um grupo armado desconhecido que usava roupas “ao estilo afegão”.

Quatro anos após o início da guerra na Síria, Alepo — a segunda maior cidade — é disputada por forças leais ao Governo de Bashar al-Assad e pela Frente al-Nusra, a filial local da Al-Qaeda. Pensa-se que os jornalistas desaparecidos se encontravam numa área controlada pela Frente al-Nusra.

Todos “freelance” (trabalhadores por conta própria) e com experiência noutros grande conflitos, os três cobriam o conflito sírio desde 2011.

Não é a primeira vez que jornalistas espanhóis desaparecem na Síria. Em setembro de 2013, foram sequestrados Marc Marginedas, do jornal “El Periódico de Catalunya”, em Hama, e ainda o repórter de “El Mundo” Javier Espinosa e o fotógrafo freelance Ricardo Garcia Vilanova, na província de Raqqa, o coração do autodenominado Estado Islâmico (Daesh).

A libertação destes reféns, cerca de seis meses após o rapto, indicia que as autoridades espanholas terão pago os resgates exigidos pelos terroristas, uma prática contrária à adotada nomeadamente pelos Governos dos Estados Unidos e Reino Unido que se recusam a pagar a terroristas e já viram nacionais seus serem degolados pelo Daesh.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

Al-Qaeda no Iémen apela a mais ataques com lobos solitários

Um dos ideólogos do braço da Al-Qaeda que reivindicou o ataque ao “Charlie Hebdo” recomendou que os muçulmanos continuem a viver nos países ocidentais e façam a “jihad individual”

A Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA, também conhecido por Al-Qaeda no Iémen) apelou à realização de ataques terroristas em países ocidentais com recurso a lobos solitários.

“Se ele (um cidadão muçulmano) for capaz de fazer a jihad individual nos países ocidentais que combatem o Islão, então será bom e causará mais danos”, recomendou Nasser bin Ali al-Ansi, um dos ideólogos da organização terrorista, numa entrevista publicada na internet e analisada pelo grupo SITE, que rastreia extremistas online.

O responsável falava à Fundação Al-Malahem Media, órgão de comunicação da AQPA, e respondia à pergunta sobre se deveriam os cidadãos muçulmanos abandonar o Ocidente e ir viver para países islâmicos.

Este apelo surge após a AQPA ter reivindicado o ataque de Paris contra a publicação satírica “Charlie Hebdo”, no passado dia 9. Os irmãos Kouachi, que perpetraram o ataque, terão estado no Iémen em 2011.

O líder terrorista acrescentou que a AQPA tentou, no passado, atingir alvos ocidentais fora do Iémen. “Fizemos esforços na frente externa, e o inimigo conhece o perigo disso”, disse Nasser bin Ali al-Ansi. “Estamos a fazer preparativos e estamos à espreita dos inimigos de Alá. Incitamos os crentes a fazê-lo.”

Um exemplo é o ataque na base militar Fort Hood, no estado do Texas (EUA), em 2009, que resultou na morte de 13 pessoas. O agressor foi o soldado americano Nidal Malik Hasan, que tinha contactado com Anwar al-Awlaki, um clérigo radical nascido nos Estados Unidos em 1971. Al-Awlaki foi morto no Iémen num ataque dos EUA com drones (aviões não tripulados).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de janeiro de 2015. Pode ser consultado aqui

Al-Qaeda versus Daesh

Comparação dos dois grupos que disputam a liderança do terrorismo global

Os atentados de Paris trouxeram para primeiro plano o terrorismo levado a cabo por ultrarradicais islâmicos. Estes não tardaram a ser reivindicados pelas duas grandes centrais mundiais desta área: a Al-Qaeda, herdeira de Bin Laden, e o seu recente concorrente, o Daesh (acrónimo árabe para Estado Islâmico), promotor de um “califado” sírio-iraquiano.

Mas será de facto assim? Há 1500 anos, o general chinês Sun Tzu escreveu em “A Arte da Guerra”, que o objetivo desta não é necessariamente a destruição física do inimigo, mas sim levá-lo a agir de acordo com os nossos interesses. Tomar como credíveis tais reivindicações é fazer o jogo dos promotores do terrorismo, reconhecendo-lhes uma capacidade de organizar e teleguiar grupos extremistas na Europa que estão longe de ter.

É verdade que qualquer elemento de um grupo europeu pró-Jihad, fanatizado pela internet, recrutado nos bairros mal-afamados dos subúrbios ou regressado da Jihad na Síria ou no Iraque, toma como referência suprema a visão retrógrada e primária do Islão veiculada por aquelas duas centrais. Como também faz seu o apelo à luta armada contra os infiéis de lá emanados. Contudo, os circuitos de doutrinação, organização, financiamento e armamento destes grupos são autónomos, diversificados e regionais e não meros tentáculos da Al-Qaeda ou do Daesh.

Ainda assim, para compreendermos melhor os atentados de Paris e a operação policial de anteontem em Bruxelas, durante a qual foi desmantelada uma célula armada que preparava um atentado, vale a pena comparar ambas as organizações do ponto de vista dos seus métodos de atuação, estratégias de combate, zonas de influência e doutrina. São os grupos terroristas mais temidos do mundo e partilham o mesmo objetivo: estabelecer um califado global e converter a humanidade ao Islão por meios não necessariamente amigáveis. No entanto, ao compararem-se ambas, ficam patentes as profundas diferenças que levaram à cisão de meados do ano passado.

Texto escrito em colaboração com Ricardo Silva e Rui Cardoso

TÃO IGUAIS, TÃO DIFERENTES E TÃO PERIGOSOS

Uma análise comparada da Al-Qaeda e do Daesh, versando as suas táticas de combate (guerrilha, terrorismo e guerra convencional), as suas redes de alianças, as zonas do mundo onde estão implantados, como e onde se financiam e quais são os seus principais pontos doutrinários.

ESTRATÉGIA

AL-QAEDA Possui uma visão de longo prazo, assente numa atuação global em que a clandestinidade é condição essencial da sobrevivência. A sua lógica passa por atacar o Ocidente de modo a debilitar o seu apoio aos regimes árabes inimigos e assim facilitar a queda destes. A tática principal passa pelos grandes atentados contra alvos ocidentais (como o 11 de Setembro de 2001 e as bombas nas embaixadas dos EUA no Quénia e Tanzânia em 1998).

DAESH A estratégia do Daesh é a oposta da Al-Qaeda. Atua de forma regional e numa ótica de curto e médio prazo, tendo por objetivo primordial conquistar território para declarar rapidamente um califado. O esforço inicial passava por derrotar os regimes árabes, e só depois declarar guerra ao Ocidente, mas os seus planos acabaram gorados quando se iniciou, no Iraque e Síria, a campanha aérea liderada pelos Estados Unidos.

ESTRUTURA

AL-QAEDA Gerida de forma descentralizada, a Al-Qaeda é liderada por um emir que recebe o apoio de um conselho, a shura, competindo a execução da sua estratégia a vários comités que, por sua vez, se subdividem em células espalhadas por todo o mundo, quase à maneira de uma multinacional e seus “franchises”.

DAESH Segue uma lógica distinta da organização de Bin Laden. Começou como um grupo de guerrilha semiclandestino, mas evoluiu para uma estrutura similar à de um exército convencional, com unidades equipadas com carros de combate, artilharia e até sistemas de defesa antiaérea. Copiou a capacidade administrativa evidenciada pelo arqui-inimigo xiita, o Hezbollah libanês, nas áreas que ocupa.

APOIOS

AL-QAEDA Organiza-se em pequenas unidades que atuam integradas junto dos grupos jiadistas aliados e mantêm uma coesão ideológica que por vezes choca com os interesses de cada região. Delega nos grupos aliados locais o esforço militar contra os regimes muçulmanos ou africanos que pretendem abater.

DAESH Atua em distintas frentes de combate e domina um largo território no leste da Síria e no norte do Iraque, incluindo campos petrolíferos. A colaboração com outros grupos tem-se revelado insustentável e encontra-se em conflito aberto com praticamente todas as forças que operam na Síria e no Iraque.

OBJETIVOS MILITARES

AL-QAEDA No Afeganistão, os talibãs conquistaram o território que serviu de base à expansão da Al-Qaeda e à preparação do 11 de Setembro. Com este atentado, conseguiu aliados em todo o mundo. Na Somália, as suas células colaboram com as milícias do Al-Shabaab. No Iémen, aliou-se à Ansar al-Sharia e às forças tribais sunitas, proclamando um emirado. Na Síria, a Al-Nusra combate em nome da Al-Qaeda e alberga o Khorasan, cuja função é organizar grandes atentados contra alvos ocidentais.

DAESH Além do uso eficiente de armamento convencional (artilharia, blindados e mísseis) recorrem ao terror, usando veículos armadilhados ou bombistas suicidas contra posições inimigas. Fazem ação psicológica macabra na internet, encenando matanças rituais. A campanha bombista contra bairros xiitas iraquianos e a perseguição a cristãos e iazidis levou o Ocidente a antecipar a guerra aérea ao Daesh. Os excessos contra muçulmanos de outras confissões levaram à cisão com a Al-Qaeda.

IDEOLOGIA

AL-QAEDA Al-Qaeda e Daesh disputam a liderança da comunidade sunita, partilhando a mesma interpretação integrista do Islão, a doutrina waabita, que é a ideologia oficial do reino da Arábia Saudita. Ambos defendem a instituição de um califado, liderado por um califa que mais não é do que o sucessor do profeta e habitado por “verdadeiros crentes”, podendo este pressuposto justificar o extermínio de muçulmanos que não se comportem como tal.

DAESH Após conquistar vastas extensões da Síria e do Iraque, o Daesh antecipou-se à Al-Qaeda e decretou o califado. As leis impostas à população têm raízes na obra “Kitab al-Tawhid”, uma coleção de “hadith” (exemplos de vida do profeta) usados nas escolas sauditas e consagrados também pela Al-Qaeda. Nas terras ocupadas pelo Daesh, populações muçulmanas xiitas e outras minorias religiosas pagam com a vida a recusa em submeter-se.

POLÍTICA EXTERNA

AL-QAEDA Osama bin Laden declarou guerra aos EUA e ao Ocidente “por oprimir o Islão” e passou à ação. Nova Iorque, Madrid, Londres sofreram grandes atentados que traumatizaram todo o mundo. O Daesh não descarta a possibilidade de atacar os EUA, mas até que o concretize, a Al-Qaeda continuará a ser reconhecida como a organização líder do movimento jiadista.

DAESH Concentrado na administração interna do seu Estado, o Daesh não revela, para já, qualquer ímpeto expansionista, parecendo mais interessado em consolidar a sua lei nas populações que controla. Porém, em vários artigos publicados na revista “Daqib”, órgão de comunicação do Daesh, têm surgido apelos à realização de ataques no Ocidente por parte de lobos solitários.

FINANCIAMENTO

AL-QAEDA Osama bin Laden era um multimilionário saudita e disso beneficiou a Al-Qaeda, nomeadamente no planeamento do 11 de Setembro. Na região do Sahel, por exemplo, o ramo local da Al-Qaeda recorre a raptos para se financiar. Interessados na defesa do sunismo, por oposição ao xiismo do vizinho Irão, os ricos países do Golfo apoiam quer a Al-Qaeda quer o Daesh.

DAESH O Daesh não dirá que não a um chorudo cheque passado por um xeque do Golfo, mas tem jogado pelo seguro e rentabilizado as infraestruturas de que se apoderou na Síria e no Iraque. Hoje, recorrendo a preços competitivos, o Daesh vende petróleo no mercado negro tanto ao regime de Bashar al-Assad como à Turquia.

RECRUTAMENTO

AL-QAEDA Inicialmente localizado nas montanhas afegãs, o núcleo da liderança da Al-Qaeda sempre defendeu alianças com outros grupos jiadistas, que levaram à formação de braços regionais da organização. Mantendo cada qual a sua identidade, trabalhariam para um objetivo comum. O surgimento do Daesh, e de métodos de recrutamento voltados para os jovens, levaram a deserções na Al-Qaeda.

DAESH O facto de ter nascido durante duas guerras (Iraque e Síria) deu ao Daesh uma capacidade de recrutamento pragmática, atraindo sectores locais ostracizados, como exbaasistas (sunitas), marginalizados pela maioria xiita no poder em Bagdade. O estilo de combate do Daesh e o facto de controlar território aproxima-o de um exército convencional, ao contrário da Al-Qaeda, difícil de localizar até para quem queira aderir.

COMUNICAÇÃO

AL-QAEDA Em contraste com o Daesh, a Al-Qaeda não precisou nunca de publicitar os seus próprios feitos. A aposta em atentados espetaculares garantiu-lhe mediatismo e tempo de antena nos órgãos de informação de todo o mundo. De tempos a tempos, a voz de Osama bin Laden fazia-se ouvir em gravações áudio enviadas para os órgãos de informação, mais para provar que continuava vivo do que qualquer outra coisa.

DAESH Obcecado em recrutar jovens, o Daesh apostou nas redes sociais e na comunicação através da internet. A importância desta estratégia de comunicação ficou exposta quando começou a publicar no YouTube vídeos encenados das decapitações de prisioneiros e de muçulmanos considerados inimigos, como soldados, por exemplo. O Ocidente apercebeu-se, então, da presença de nacionais seus entre os carrascos.

Artigo publicado no Expresso, a 17 de janeiro de 2015

Falsa campanha de vacinação para chegar a Bin Laden

Mal suspeitou da presença de Bin Laden em Abbottabad, a CIA organizou uma campanha de vacinação fictícia contra a hepatite B. Uma investigação do jornal inglês “The Guardian”

A morte de Osama bin Laden continua a alimentar o argumento para um bom filme de espionagem. Segundo uma investigação do diário “The Guardian”, a CIA organizou uma campanha de vacinação falsa na cidade onde o líder da Al-Qaeda vivia, com o intuito de recolher ADN de um dos seus filhos.

A estratégia passaria por, recolhido o ADN, compará-lo a uma amostra de ADN de uma irmã de Bin Laden que faleceu em Boston, no ano passado. A confirmar-se a compatibilidade, provaria a presença da família em Abbottabad.

De acordo com o jornal inglês, uma enfermeira chamada Mukhtar Bibi conseguiu entrar na casa de Bin Laden para administrar as vacinas. A técnica terá levado consigo uma mala de mão equipada com um dispositivo eletrónico. “Não é claro que tipo de dispositivo era, nem se ela o conseguiu deixar na casa”, escreve o “The Guardian”. “Também não se sabe se a CIA conseguiu obter ADN de Bin Laden, embora uma fonte sugira que a operação não teve sucesso.”

Cartazes enganadores

O plano de vacinação foi concebido após os serviços secretos norte-americanos terem seguido Abu Ahmad al-Kuwaiti, um mensageiro da Al-Qaeda denunciado por vários detidos em Guantánamo, até à residência de Bin Laden. Seguiu-se um período de observações à casa, por satélite e a partir de um posto da CIA em Abbottabad, ao que se segue a ideia da campanha.

Para organizá-la, a CIA recrutou o médico paquistanês Shakil Afridi, um funcionário governamental com responsabilidades na área tribal de Khyber, junto à fronteira com o Afeganistão. Afridi deslocou-se a Abbottabad em março, dizendo possuir fundos para o desenvolvimento de uma campanha de vacinação grátis contra a hepatite B.

Por toda a cidade, foram afixados cartazes publicitando a iniciativa médica, dando destaque a uma vacina produzida pela farmacêutica Amson, sedeada nos arredores de Islamabade.

Funcionários dos serviços de saúde do governo regional foram pagos para participar na campanha, ignorando o seu real objetivo. Para tornar a campanha mais credível, a vacinação foi iniciada numa zona pobre de Abbottabad.

Corte nos milhões para o Paquistão

Esta campanha surgiu da necessidade de confirmar a presença de Bin Laden na área, antes da realização de uma operação militar de risco e previsivelmente polémica — no interior de outro país e à revelia das autoridades nacionais.

A posterior detenção do médico paquistanês, pelos serviços secretos paquistaneses (ISI), agravou as já de si deterioradas relações entre Washington e Islamabade.

No passado fim de semana, os Estados Unidos anunciaram um corte em 800 milhões de dólares (566 milhões de euros) na ajuda militar ao Paquistão — correspondente a cerca de um terço do valor total anual. O Paquistão “tomou algumas medidas que nos deram razões para suspendermos parte da ajuda”, afirmou Bill Daley, chefe de gabinete da Casa Branca.

Osama bin Laden foi assassinado a 2 de maio, dentro da casa onde morou nos últimos seis anos de vida, perto da capital do Paquistão. Na sequência de um raide militar norte-americano.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de julho de 2011. Pode ser consultado aqui