Arquivo de etiquetas: Al-Qaeda

“Bin Laden nunca usou mulheres nas suas batalhas”

Ferida no raide de Abbottabad, a quinta esposa de Bin Laden está sob custódia do Paquistão. Homem que arranjou o casamento alerta para o perigo de ser entregue aos EUA

A família de Osama bin Laden INFOGRAFIA DAILY MAIL

“Pia, zelosa, nova, de boas maneiras, oriunda de uma família decente e, acima de tudo, paciente. Ela terá de assumir as minhas circunstâncias excecionais.” Quando Osama Bin Laden decidiu casar-se pela quinta vez, não se inibiu de discriminar as características desejadas para a sua futura esposa.

A ‘encomenda’ foi feita a um sheikh iemenita, residente em Cabul e próximo do líder da Al-Qaeda. Estava-se em setembro de 1999 e Bin Laden, com 44 anos, vivia no Afeganistão, a coberto do regime talibã que governava o país. Rashad Mohammed Saeed Ismael, o tal sheikh iemenita, pregava na capital afegã.

O pedido chegou um dia por telefone. Rashad logo identificou o par ideal para Bin Laden: Amal Ahmed al-Sadah, de 17 anos, filha de um operário da construção civil. Fora sua aluna e vivia na sua cidade natal: Ibb, no sudoeste do Iémen.

Casamento no coração da luta talibã

O iemenita procurou a rapariga, explicou-lhe quem era Bin Laden e descreveu-lhe o seu modo de vida saltimbanco. A jovem aceitou e a sua família recebeu um dote de 5000 dólares. Seguiu para o Paquistão onde, dias depois, Bin Laden acorreu para a levar para o Afeganistão. Casaram-se em Kandahar, ainda hoje o coração da insurgência talibã.

A 2 de maio de 2011, Amal ficou ferida durante o raide norte-americano à casa onde vivia, em Abbottabad, no Paquistão, juntamente com Bin Laden. Juntamente com Safiyah, a filha de 10 anos, está agora sob custódia das autoridades paquistanesas.

Rashad, que se afirma como um forte apoiante da Al-Qaeda no Iémene, exige que Amal regresse ao país onde nasceu. “No Islão, temos uma prática chamada ardth [honra familiar]. Quando uma mulher como Amal fica viúva, é dever de todos os muçulmanos cuidar dela e assegurar-lhe segurança. O povo do Iémene quer que ela regresse a casa.”

Honra das mulheres é intocável

Rashad acredita que o destino da família de Bin Laden pode ter consequências mais gravosas do que a própria morte do líder da Al-Qaeda. “Nós [Al-Qaeda no Iémene] recebemos a notícia da morte de Bin Laden com felicidade porque sabíamos que ele queria morrer como um mártir às mãos dos americanos. Mas o destino da sua família é uma questão de honra das mulheres, algo que consideramos intocável.”

Há quem receie que se Amal voltar ao Iémene possa ser utilizada como peão, no âmbito da revolução em curso no país e ser entregue pelo contestado Presidente Ali Abdullah Saleh aos Estados Unidos.

Para Rashad, qualquer ação dos EUA contra Amal ou a sua família “causará uma explosão entre o ocidente e o mundo islâmico. As mulheres não são combatentes. A América sabia que Bin Laden nunca usou mulheres nas suas batalhas”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2011. Pode ser consultado aqui

A nova vida da Al-Qaeda

A organização de Osama Bin Laden aperfeiçoou a táctica e revela cada vez maior sentido de oportunidade. A edição de Fevereiro do “Courrier Internacional”, desde hoje à venda, analisa a nova estratégia da Al-Qaeda bem como os fenómenos que a alimentam

Nos últimos anos, por várias vezes, altos responsáveis norte-americanos anunciaram a derrota iminente da Al-Qaeda. A tentativa de atentado contra um avião da Northwest Airlines, no dia de Natal, e a morte de sete operacionais da CIA, no Afeganistão, num ataque suicida perpetrado por um informador de confiança da secreta americana, poucos dias depois, contrariam este cenário e projectam uma Al-Qaeda revigorada.

A edição de Fevereiro do “Courrier Internacional” apresenta-lhe um dossiê sobre a organização de Osama Bin Laden, em que se destaca uma análise de Bruce Hoffman, professor de Estudos de Segurança na Universidade de Georgetown aos cinco pilares da nova estratégia da Al-Qaeda. “Ao contrário dos planos do 11 de Setembro, que visavam levar os EUA ao tapete, a liderança da Al-Qaeda evoluiu para uma abordagem do tipo ‘morte por mil golpes'”, defende Hoffman.

Neste dossiê, é dada também uma atenção especial ao Iémen, que a “Foreign Policy” designa de Alqaidistão. Em 2010, o país assinala o 20.º aniversário da sua unificação nacional, sob a ameaça do desmembramento. Uma rebelião xiita expande-se a Norte e a ameaça separatista renova-se no Sul. Paralelamente, os lençóis freáticos iemanitas foram praticamente consumidos por anos de más práticas agrícolas e as reservas de petróleo estão a esgotar-se. Escreve a revista: “Enquanto o Presidente dos EUA se preocupa em tentar acabar com os refúgios terroristas em Jalalabad e no Waziristão, outros vão surgindo aqui, em Marib, Shabwa e Al-Jawf”.

O “Courrier Internacional” analisa ainda como a aliança entre Washington e Islamabad colocou o Paquistão na mira dos jihadistas – uma situação da qual a Al-Qaeda procura tirar dividendos. São ainda publicados artigos do jornal árabe “Al-Hayat”, sedeado em Londres, que explicam como a Al-Qaeda se alimenta da instabilidade crónica de alguns países muçulmanos e de como as ofensivas militares contra a organização terrorista contribuem para exacerbar os sentimentos anti-ocidentais das populações civis.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de janeiro de 2010. Pode ser consultado aqui

Al-Qaeda, 20 anos a espalhar medo

Nasceu no Paquistão e disseminou-se pelo mundo. O Expresso faz um ‘dicionário’ da organização terrorista

Osama bin Laden (à esquerda) e Ayman al-Zawahiri, durante uma entrevista ao jornalista paquistanês Hamid Mir, a 8 de novembro de 2001 HAMID MIR / WIKIMEDIA COMMONS

A 11 de Agosto de 1988, uma reunião entre Osama Bin Laden, Ayman al-Zawahiri e Sayyed Imam Al-Sharif (dr. Fadl), em Peshawar (Paquistão), criou a Al-Qaeda (AQ) — “a base”. Bin Laden era o garante de uma riqueza extraordinária; Al-Zawahiri, líder da Jihad Islâmica Egípcia, personificava uma crença inabalável no radicalismo islâmico; e o intelectual egípcio dr. Fadl a base filosófica da “jihad”. Vinte anos depois, a AQ tornou-se a organização terrorista mais temida de sempre. De A a Z, o Expresso caracteriza essa hidra.

Aden Foi nesta cidade portuária do Iémen que a AQ atentou pela primeira vez: a 29 de Dezembro de 1992, um ataque contra o Gold Mihor Hotel matou duas pessoas.

Bin Laden Oriundo de uma família rica, próxima da realeza saudita, o líder da AQ nasceu a 10 de Março de 1957, em Riade.

Constelação AQ Mais do que uma organização altamente centralizada, a AQ consiste numa galáxia de grupos regionais que partilham uma ideologia, objectivos estratégicos, “modus operandi” e um ódio fanático aos EUA, a Israel e aos regimes muçulmanos que traem o verdadeiro Islão. Os atentados em Nova Iorque (2001), Bali (2002), Casablanca (2003) e Londres (2005) atestam a eficácia global da AQ.

Documentário Produzido pela BBC, ‘O Poder dos Pesadelos’ (2004) defende que a ameaça do radicalismo islâmico é um mito perpetrado, designadamente, pelos neoconservadores americanos, por forma a unir o povo após o falhanço das ideologias.

Embaixadas A 7 de Agosto de 1998, ataques simultâneos às representações diplomáticas dos EUA em Nairobi (Quénia) e Dar-es-Salaam (Tanzânia) fizeram 224 mortos. Bill Clinton mandou bombardear os campos de treino da AQ no Afeganistão.

Financiamento Criado em 1984, por Abdullah Azzam e Bin Laden, o “Maktab al-Khidamat” foi uma espécie de precursor da AQ. Este escritório angariava fundos e recrutava “mujahedines” estrangeiros para lutar contra os soviéticos no Afeganistão.

Guerra ao terrorismo Esta expressão engloba as acções legais, políticas ou militares adoptadas pelo Governo dos EUA. Oficialmente, visam a contenção de ameaças terroristas.

Hierarquia Se Bin Laden é o rosto da AQ, Ayman al-Zawahiri é o principal estratega. Desconhece-se o paradeiro de ambos.

Internet O ciberespaço é um elemento-chave no processo de treino, planeamento e logística da AQ. Há quem considere a AQ a primeira rede de guerrilha direccionada para a internet.

“Jihad” Recorrendo à “guerra santa”, a AQ — uma organização sunita de inspiração wahabita (uma interpretação conservadora do Islão) — prossegue o fim da influência estrangeira nos países muçulmanos e a instituição de um califado universal.

“Kamikaze” Por razões teológicas, a AQ sempre se opôs à utilização de mulheres em ataques-suicidas. Quando, no Iraque, Al-Zarqawi acolheu voluntárias suicidas, a AQ nunca comentou.

Lawrence Wright Premiado com um Pulitzer, este especialista no mundo muçulmano escreveu um livro sobre o 11 de Setembro (‘A Torre Ameaçadora’) que resulta de entrevistas a “jihadistas”, espiões, peritos, funcionários, amigos, mulheres e amantes de protagonistas. Revela também as fraquezas da AQ.

Manchester Foi nesta cidade britânica que, em Abril de 2000, a Polícia apreendeu um manual da AQ. Nele havia recomendações sobre como conduzir operações de combate, escapar a uma situação de captura ou comportar-se em cativeiro.

Nedal “Laden” ao contrário foi um vírus criado por um “ciberjihadista” chamado ‘Melhacker’. Quando a invasão do Iraque se tornou iminente, ele infectou milhares de “e-mails” nos EUA.

Operação Cannonball Com início previsto para 2006, esta acção da CIA visava a captura de Bin Laden. A rivalidade entre as agências de informação norte-americanas ditou o fracasso.

Pearl A 1 de Fevereiro de 2002, o norte-americano Daniel Pearl, que tinha sido raptado, foi decapitado em Karachi. O jornalista do ‘Wall Street Journal’ investigava alegados laços entre a AQ e a secreta paquistanesa.

Qatar Acolhe a sede da Al-Jazira, a televisão árabe que, após o 11 de Setembro, ganhou mediatismo ao difundir mensagens de Bin Laden. O braço da AQ para os “media” é, porém, a As-Sahab, uma produtora de conteúdos com a chancela AQ.

Reino Unido Os ataques suicidas contra o sistema de transportes de Londres, a 7 de Julho de 2005, matando 52 pessoas, confirmou a Europa como um alvo da AQ. No ano anterior, a 11 de Março, em Madrid, dez explosões em comboios tinham provocado 191 mortos.

Sudão Este país africano deu guarida a Bin Laden entre 1991 e 1996. Após pressão dos EUA, o saudita foi expulso, rumando, de seguida, ao Afeganistão.

Talibã O regime dos “estudantes de Teologia” providenciou um santuário à AQ. Suspeita-se que Bin Laden esteja escondido nas montanhas junto à fronteira entre Paquistão e Afeganistão.

USS Cole Contrária à presença militar norte-americana em solo muçulmano, a 12 de Outubro de 2000, a AQ realizou uma acção suicida que visou o contratorpedeiro USS Cole, no porto de Aden. Morreram 17 marinheiros.

Vídeos Entre boatos que o dão como morto, de tempos a tempos, Bin Laden — que, crê-se, tem uma deficiência glandular chamada doença de Addison — renova as suas ameaças em vídeos e gravações áudio. Desde o 11 de Setembro, já foram difundidas mais de 20 mensagens.

World Trade Centre O mítico edifício de Nova Iorque foi, por duas vezes, alvo da AQ. A 26 de Fevereiro de 1993, uma bomba matou seis pessoas e feriu mais de 1000. A 11 de Setembro de 2001, dois aviões suicidas embateram nas torres-gémeas de 110 pisos, matando 3000. O ataque terá custado 500 mil dólares.

“X-files” Em 1996, a CIA criou a Unidade Bin Laden para seguir o rasto do terrorista saudita. O grupo de trabalho foi desarticulado em 2005. Bin Laden permanece um dos dez terroristas mais procurados pelo FBI.

Yanbu O ataque de quatro atiradores à Petroquímica Yanbu, na Arábia Saudita, a 1 de Maio de 2004, colocou a indústria petrolífera na mira da AQ. Outros ataques seguir-se-iam, com uma tónica semelhante: matar estrangeiros, mas não muçulmanos.

Zarqawi Até ser morto, em 2006, o jordano Abu Musab al-Zarqawi — líder da Al-Qaeda no Iraque — foi um dos principais instigadores da insurgência islamista. Já a ligação de Saddam Hussein a Bin Laden nunca foi provada.

Artigo publicado no “Expresso”, a 9 de agosto de 2008 e republicado no “Expresso Online”, a 2 de maio de 2011. Pode ser consultado aqui

Al-QaIda treina às portas da Europa

A possibilidade de um ‘novo’ 11/9 é muito forte, isto porque o nível de ameaça terrorista é o mais elevado de sempre

Infografia publicada no relatório “Terrorism in North Africa and the Sahel in 2016”, Yonah Alexander, Inter-University Center for Terrorism Studies, Março de 2017

Seis anos depois, o mundo está mais inseguro, a Al-Qaida mais forte, a guerra no Iraque ajuda à proliferação da ameaça terrorista e o Norte de África transformou-se num campo de treino onde a organização de Osama bin Laden prepara o ataque à Europa. São estas as ideias fortes dos comentários solicitados pelo “Expresso” a um conjunto de personalidades internacionais sobre o mundo pós-11 de Setembro.

“O grau de ameaça de um ataque devastador como os de Nova Iorque ou Madrid é muito alto porque a liderança e a infra-estrutura da Al-Qaida estão vivas e activas no Sul da Ásia. A sua base junto à fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão está a crescer ao mesmo tempo que a NATO se estende nos dois países em crescente crise interna”, disse ao “Expresso” Bruce Riedel, que operou naquela região até o ano passado, como agente da CIA. Há cerca de três meses escreveu um artigo intitulado a “Al-Qaida ataca de novo”, na revista “Foreign Affairs”.

Para este investigador do Brookings Institute, a guerra no Iraque, onde o número de soldados norte-americanos mortos superou esta semana os 3750, é largamente responsável pelo malogro na contenção dos terroristas. “Os recursos necessários no Afeganistão foram transferidos para o Iraque e esbanjados. Pior, a ocupação do Iraque foi um instrumento poderoso para a Al-Qaida recrutar novos seguidores entre muçulmanos irritados. Agora, está a construir uma base de operações no Norte de África para atacar na Europa”.

Apoiando-se em estatísticas oficiais norte-americanas e em relatórios de especialistas independentes, Noam Chomsky referiu ao “Expresso” que, após a invasão iraquiana, o número de acções terroristas multiplicou-se por sete. “Sinto-me hoje menos seguro, porque as decisões da Administração Bush aumentaram significativamente a ameaça terrorista”, uma acusação que faz dele uma das vozes mais apreciadas pelo chamado movimento alterglobalização. “Não digo que a Administração deseje o terror, certamente que não. Mas proteger os norte-americanos do terrorismo não é uma grande prioridade”, diz.

Chomsky confessa não se sentir fortemente afectado nos seus direitos, mas defende que, após o 11 de Setembro, ficou mais evidente uma dualidade de tratamento. Recorda Jose Padilla, um americano torturado durante quase quatro anos que aguarda sentença, acusado de ligações terroristas: “Os tribunais recusaram considerar a questão da tortura e não decorre qualquer investigação”, denuncia. “Há uma lei para os ricos e privilegiados e outra para os pobres e excluídos”, conclui Chomsky.

Ely Karmon, do Instituto Contra-Terrorismo de Herzliya, Israel, lembra que “a comunidade internacional permitiu, entretanto, que o Irão esteja à beira de adquirir capacidade nuclear”.

Especialista em matéria de imigração, o sueco Jan O. Karlsson diz que a ameaça terrorista não refreou os fluxos migratórios, que envolvem 200 milhões de pessoas, 3% da população mundial. Mas não deixa de constatar que Europa e EUA reagiram de forma diferente ao 11 de Setembro. “A Europa viveu durante décadas com a ETA, o IRA e a RAF sem achar necessário impor grandes restrições aos direitos civis. Os EUA tiveram poucas experiências de terrorismo o que pode explicar as duras medidas da Administração Bush: o campo de Guantánamo, as prisões secretas da CIA, a espionagem telefónica aos cidadãos americanos e o uso de tortura”, disse ao “Expresso” o presidente da Comissão Mundial sobre as Migrações.

John Pike, director do sítio de estudos estratégicos GlobalSecurity.org, adaptou-se às circunstâncias e adoptou um “modus operandi” particular: “Deixei de voar, porque acho muito incómodo estar ali de pé e em fila, a ser revistado e a tirar os sapatos e o cinto. Pago quase tudo em dinheiro. Ganho com isso um prémio de privacidade”.

FRASES

“As decisões da Administração Bush aumentaram a ameaça terrorista”
NOAM CHOMSKY, Massachusetts Institute of Technology

“A Al-Qaida está a construir uma base de operações no Norte de África para atacar na Europa”
BRUCE RIEDEL, Brookings Institute, Washington

“A actual ameaça terrorista é-o mais à paz de espírito do que à segurança física”
JOHN PIKE, Director da GlobalSecurity.org

“Após o 11 de Setembro, não houve qualquer ataque com armas de destruição maciça”
ELY KARMON, Institute for Counter-Terrorism de Herzliya, Israel

“Os acidentes de viação põem em risco a vida de muitas mais pessoas do que o terrorismo”
ALAN KRUEGER, Universidade de Princeton, New Jersey

Artigo escrito em colaboração com Cristina Peres e publicado no Expresso, a 8 de setembro de 2007