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Os candidatos que atrapalham a Ucrânia

A Ucrânia tem pressa em aderir à UE. Mas cinco países já estão na corrida. Um deles há mais de 20 anos

Mapa da Ucrânia colorido com a bandeira da União Europeia WIKIMEDIA COMMONS

A Ucrânia está em acelerada aproximação à União Europeia (UE) e o seu Presidente parece estar já em posse do calendário. “A fase final da grande maratona diplomática, que deve terminar dentro de semana e meia, começou hoje”, disse Volodymyr Zelensky há cinco dias, depois de ter recebido em Kiev a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Nesta maratona estamos realmente com a UE, em equipa, e essa equipa tem de vencer. Estou certo de que em breve receberemos uma resposta sobre o estatuto de candidato para a Ucrânia.”

Zelensky aponta ao Conselho Europeu da próxima semana, em Bruxelas, que irá discutir a urgência ucraniana em aderir à UE. A invasão russa precipitou também pedidos de adesão da Geórgia e da Moldávia. Entre os 27, António Costa tem sido dos dirigentes que mais tem contrariado o apelo às emoções do Presidente ucraniano, que pressiona por uma integração rápida. Em entrevista ao “Financial Times”, o primeiro-ministro português defendeu, esta semana, que Bruxelas arrisca criar “falsas expectativas” à Ucrânia. Talvez tenha em mente a morosidade do processo de Portugal, que, sem a complexidade geopolítica da Ucrânia, demorou nove anos a entrar na então Comunidade Económica Europeia (CEE).

Na maratona em que Zelensky transformou o processo ucraniano há já cinco atletas em prova: o oitavo país muçulmano mais populoso do mundo e quatro dos Balcãs Ocidentais. Três estão em fase de negociações e dois esperam — e desesperam — pelo início formal do processo.

SÉRVIA E MONTENEGRO: Sprint até à meta

Estes países, que resultaram do desmembramento da antiga Jugoslávia, têm o estatuto de candidato à UE há 10 e 12 anos, respetivamente. Ambos têm negociações abertas com Bruxelas, mas a Sérvia (sete milhões de habitantes) enfrenta obstáculos políticos. À cabeça, a questão do Kosovo, com potencial para bloquear o processo. Belgrado não reconhece a independência da sua antiga província de maioria albanesa, como não o fazem cinco membros da UE, incluindo Espanha e Grécia.

O atual contexto de guerra na Ucrânia veio acrescentar complexidade ao dossiê sérvio. Tradicional aliado da Rússia (ambos de matriz cristã ortodoxa), Belgrado resiste a aplicar sanções a Moscovo. “É nossa expectativa que essas sanções também sejam apoiadas por todos os que se veem como candidatos à adesão à UE”, alertou, há uma semana, o chanceler alemão, Olaf Scholz, de visita à Sérvia. “Não respondemos a pressões dessas, em que alguém nos ameaça e temos de fazer alguma coisa…”, respondeu-lhe o Presidente sérvio, Aleksandar Vucic.

O processo do Montenegro (600 mil habitantes) é bem menos trabalhoso. Este país, que ascendeu à independência em 2006 (separando-se da Sérvia por referendo), já conseguiu abrir negociações em todos os 33 capítulos previstos, tendo encerrado três.

TURQUIA: O atleta cansado que ameaça desistir

O sonho europeu da Turquia remonta ao longínquo ano de 1987, quando pediu adesão à CEE. Em 1999 obteve o estatuto de candidato. Membro da NATO e parceiro estratégico da UE em matéria de migrações, segurança e contraterrorismo, este processo começou a baquear face à agenda turca em matéria de democracia, Estado de direito e direitos humanos. Em 2018 as negociações congelaram.

Se a adesão turca nunca foi consensual dentro da UE — desde logo pelo peso demográfico do país (84 milhões de habitantes), que o colocava ao nível da poderosa Alemanha, e pela sua matriz muçulmana —, o atual contexto de guerra veio afastar ainda mais Ancara e Bruxelas. Não pela equidistância turca em relação a Kiev e Moscovo, mas perante a resistência à entrada da Finlândia e Suécia na NATO.

MACEDÓNIA DO NORTE E ALBÂNIA: Sem esperança de apanhar os da frente

Como aconteceu com Portugal e Espanha, a UE entendeu que as adesões da Albânia (três milhões de habitantes) e da Macedónia do Norte (dois milhões) deviam correr em paralelo, ainda que os macedónios tenham abordado as autoridades europeias muito antes dos albaneses: o pedido da Macedónia data de 2004 e o da Albânia de 2009. São candidatos desde 2005 e 2014, respetivamente.

A UE exigiu trabalho extra à Albânia, nomeadamente em áreas como o sistema judi­cial, a Administração Pública, os serviços de informação e o combate à corrupção e ao crime organizado.

Skopje foi solidária com Tirana e esperou. O inverso coloca-se agora, com o dossiê macedónio a marcar passo devido a objeções da Bulgária, que inviabiliza a unanimidade no Conselho. Já em 2019 a mudança de nome — de Antiga República Jugoslava da Macedónia para República da Macedónia do Norte — visou apaziguar a Grécia, que tem uma região chamada Macedónia.

Estão em causa obstáculos de natureza identitária relacio­nados com o reconhecimento mútuo de línguas, factos históricos que Macedónia e Bulgária reivindicam e a nacionalidade de alguns heróis. Em outubro, o Presidente búlgaro, Rumen Radev, disse que o seu país pode viabilizar a adesão se Skopje parar com o “apagamento subtil” da identidade dos macedónios búlgaros.

TRÊS PERGUNTAS A.. Isabel Santos

Eurodeputada, relatora do Parlamento Europeu para o processo de adesão da Albânia

A guerra deve tornar a adesão da Ucrânia prioritária?
Estamos a discutir a atribuição do estatuto de candidato à Ucrânia quando há outros Estados que apresentaram candidatura, como a Moldávia e a Geórgia, e quando há expectativas criadas nos países que já têm esse estatuto. Alguns esperam há anos que seja marcada a primeira Conferência Intergovernamental (CIG), que é só o começo de um longo processo de negociações, de abertura e encerramento de diferentes dossiês, que levam a mudanças legislativas e reformas nos países até que ocorra o ato de adesão. A Comissão reconheceu, no fim de 2019, que a Macedónia do Norte e a Albânia tinham cumprido todas as condições para agendar a CIG.

Dada a objeção búlgara à Macedónia, não se pode separar esse processo do albanês?
É possível. Houve um momento em que a Macedónia parecia mais bem posicionada do que a Albânia, e a Macedónia foi solidária. Agora é ao contrário. Tenta-se manter uma certa solidariedade. Não está fora de questão que no futuro se venha a separar os processos. A Bulgária tem tido uma posição muito renitente em relação à Macedónia do Norte, baseada em argumentos profundamente nacionalistas e até pouco racionais. A Albânia alcançou todas as metas que lhe foram exigidas para avançar. É uma situação injusta.

Esta guerra pode levar a UE a recear alargar-se para Leste?
Não deve. O alargamento tem sido um processo de garantia de estabilidade, paz e desenvolvimento. Devemos continuá-lo. Olhando para os Balcãs e a sua história trágica, percebemos quão importante é este alargamento para a região, mas também para a estabilidade europeia.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui ou aqui

A UE exigiu e a Albânia cumpriu. Então porque não arranca o processo de adesão?

A Albânia está na fila de espera para aderir à União Europeia, mas as negociações tardam em começar. Não por culpa dos albaneses, mas por o seu processo estar, por vontade dos 27, acoplado ao dossiê de adesão da Macedónia do Norte. Uma eurodeputada portuguesa, recentemente regressada da Albânia, descreve ao Expresso sinais de desilusão pela demora de Bruxelas em iniciar as negociações com Tirana

Nos últimos dois anos, a União Europeia (UE) foi confrontada com perspetivas de divórcio que desgastaram a sua imagem de um bloco político irresistível. Primeiro foi a saída do Reino Unido (‘Brexit’), concretizada a 31 de janeiro de 2020. Já este ano, diferendos entre a UE e a Polónia em torno de questões de Estado de Direito aventaram a possibilidade de um ‘Polexit’. E de tempos a tempos, fragilidades macroeconómicas têm confrontado países como a Grécia, por exemplo, com a possibilidade de saída do euro (‘Grexit‘).

Toda esta turbulência não obsta a que vários outros países olhem para a UE como o seu projeto de futuro e se esforcem para que Bruxelas lhes abra as portas e estenda a mão. É o caso da Albânia.

“A UE pediu uma série de reformas à Albânia. Não vou dizer que o país é um paraíso e que atingiu um nível exemplar em todas as áreas, mas houve um esforço sério para cumprir com as metas que lhe foram exigidas. Temos de o reconhecer”, diz ao Expresso Isabel Santos, relatora do Parlamento Europeu para o processo de adesão da Albânia à UE.

Regressada de uma visita à Albânia, a eurodeputada do PS recorda que o esforço das autoridades de Tirana para corresponder às exigências de Bruxelas não se refreou, apesar do contexto pandémico e do terramoto de 26 de novembro de 2019, que devastou o noroeste do país, provocou 51 mortos e teve impacto na economia nacional. “Apesar de tudo isso, a Albânia fez progressos naquilo que foram as reformas pedidas pela UE.”

Neste jogo político, a bola está no meio-campo da UE, de quem a Albânia (des)espera pelo agendamento da primeira Conferência Intergovernamental (CIG), que iniciará formalmente o processo de adesão. “Infelizmente, a situação tem sido de uma certa paralisia por parte da UE em dar a resposta à marcação dessa primeira CIG”, lamenta a eurodeputada.

Espera-se que o assunto seja debatido no próximo Conselho Europeu, de 16 e 17 de dezembro, em Bruxelas, mas há uma circunstância a determinar uma grande dose de pessimismo quanto ao desfecho final. Por decisão dos 27, o processo albanês decorre em paralelo ao da Macedónia do Norte. “Formalmente, não há nada que obrigue a que os processos de negociação para adesão dos dois Estados sejam feitos em simultâneo”, explica ao Expresso Pascoal Pereira, professor na Universidade Portucalense.

“Contudo, a associação destes dois processos foi feita, de modo implícito, a partir do momento em que foram abertas as negociações para a adesão ao mesmo tempo, em 2020. A aceleração do processo de adesão de um, deixando o outro para trás, seria entendido como retrocesso desmoralizador para a Macedónia do Norte, que, para iniciar as negociações, teve de esperar 15 anos desde que lhe foi atribuído o estatuto de candidata, em 2005, enquanto a Albânia apenas teve de esperar seis anos.”

Na prática, a perspetiva de adesão conjunta traduz-se no congelamento do dossiê albanês, já que o processo macedónio se tem revelado mais espinhoso. “As recentes disputas entre a Macedónia do Norte e a Bulgária tornaram-se um obstáculo para a Albânia progredir nas suas negociações”, recorda ao Expresso a albanesa Isilda Mara, economista no Instituto para os Estudos Económicos e Internacionais de Viena (WIIW, na sigla internacional). Ironicamente, “a UE confirmou que a Albânia fez o trabalho de casa e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que as conversações de adesão deveriam começar ainda este ano.”

Nas reuniões do Conselho da UE, havendo um Estado que levante objeção, a unanimidade requerida deixa de ser possível e qualquer processo de adesão fica bloqueado. Foi para contornar um impasse desse género que, a 11 de janeiro de 2019, o Parlamento da Macedónia aprovou a mudança do nome oficial do país para Macedónia do Norte, no que foi interpretado como capitulação diante da Grécia (Acordo de Prespa, de 2018). Esta reivindicava que apenas a sua província do norte poderia chamar-se Macedónia, e com essa posição vetava a adesão do país vizinho, agora Macedónia do Norte.

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países são candidatos a entrarem na UE. São eles, além da Albânia, a Macedónia do Norte, o Montenegro, a Sérvia e a Turquia

Resolvido o problema com os gregos, os búlgaros são agora a dor de cabeça dos macedónios. “Esta pressão exercida pela Bulgária não deixa de recordar uma posição análoga que a Grécia teve em relação à Macedónia durante anos (que tinha que ver com o seu nome oficial e com a utilização de símbolos nacionais que considerava exclusivamente seus)”, lembra Pascoal Pereira. “A diferença é que Atenas manteve essa posição de forma quase constante desde 1991, enquanto só muito recentemente Sófia adotou esta postura em relação a Skopje.”

O académico arrisca uma explicação: “Esta preocupação repentina do Governo búlgaro em relação ao seu pequeno vizinho pode não passar de um surto nacionalista momentâneo que terá sido usado como instrumento de mobilização política interna, num momento de grande instabilidade política na Bulgária”. Os búlgaros já votaram três vezes em legislativas este ano.

No contencioso entre a Macedónia do Norte e a Bulgária estão em causa, essencialmente, obstáculos de “natureza identitária”, relacionados com “o reconhecimento mútuo de línguas (as línguas búlgara e macedónia são muito próximas, quase coincidentes), factos históricos que ambos os países reivindicam como seus, bem como a nacionalidade de determinados heróis nacionais”, explica Pascoal Pereira.

A 6 de outubro passado, à margem da cimeira UE-Balcãs Ocidentais, na Eslovénia, o Presidente búlgaro, Rumen Radev, disse que o seu país está disposto a deixar de bloquear a adesão da Macedónia do Norte à UE se Skopje parar com o seu “apagamento subtil” da identidade dos macedónios búlgaros. Enquanto o braço-de-ferro durar, será a Albânia a pagar a principal fatura. “Aquilo que tenho vindo a reclamar, como relatora, é que se marque a primeira CIG, uma vez que a Albânia cumpriu as cinco reformas que lhe foram pedidas”, diz Isabel Santos.

  • Reforma judicial
  • Reforma administrativa
  • Combate à corrupção
  • Combate ao crime organizado
  • Direitos humanos

“Em todas essas áreas houve avanços legislativos significativos”, refere a eurodeputada. “O mais significativo de todos foi o chamado vetting process”, um instrumento chave na luta contra a corrupção que passa por uma avaliação dos juízes e promotores do país quanto a ativos, antecedentes e proficiência. “Este processo já levou a que 62% dos juízes reavaliados tivessem sido destituídos ou se tivessem demitido do exercício de funções. Isto mostra o grau de exigência desta reforma judicial e a resposta firme que foi dada pela Albânia.”

Há 30 anos, a Albânia ascendia ao clube das democracias europeias após décadas de governação de um dos regimes estalinistas mais fechados do continente. Nas ruas de Tirana, gigantescas manifestações populares exigiam que o país se tornasse “como o resto da Europa”.

Esse desafio continua por cumprir. Isilda Mara enumera os benefícios que a adesão à UE pode trazer à Albânia.

  1. ECONOMIA: “O país beneficiará em termos económicos através de melhor acesso aos mercados da UE, intensificação das relações comerciais e maior integração económica e financeira com a UE.”
  2. POLÍTICA: “Os benefícios advirão da reforma do sistema judicial e da consolidação das instituições e do Estado de Direito, em conformidade com o acervo da UE.”
  3. SOCIEDADE: “Maior integração e ser membro da UE têm efeitos positivos no que diz respeito à coesão social, livre circulação de pessoas e trabalhadores, bem como melhoria das perspetivas de vida na Albânia.”

Na Albânia, a eurodeputada portuguesa Isabel Santos percebeu que o desejo de pertencer à UE é transversal a todos os partidos políticos e transcende o mero interesse económico. “Visitei alguns projetos financiados pela UE, mas não é só fundos que as pessoas querem… reivindicam serem cidadãos da UE.”

Com quase três milhões de habitantes, a Albânia faz fronteira com a Grécia e está apenas separada da Itália pelo Estreito de Otranto, que liga os mares Adriático e Jónico.

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INFOGRAFIA Jaime Figueiredo

Para a economista albanesa, que no WIIW investiga os casos da Albânia e do Kosovo (antiga província sérvia de maioria albanesa, declarada independente em 2008), este será um processo longo. “Há uma certa relutância por parte de países da UE em trazer a Albânia e outros países dos Balcãs Ocidentais para a UE, porque querem evitar parte dos erros vividos em processos anteriores de alargamento da UE, em 2004, 2007 e 2013”, explica Isilda Mara.

  • 2004: Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa, Roménia
  • 2007: Bulgária e Roménia
  • 2013: Croácia

“A aspiração dos albaneses em tornarem-se membros da UE é das mais fortes entre os países dos Balcãs Ocidentais”, acrescenta Mara. “No entanto, a expectativa de que o processo demore muito está a gerar frustração e desilusão entre os albaneses, que continuam a deixar o país em massa e a mudarem-se para a UE, em vez de esperarem pela adesão do país.”

Em Tirana, Isabel Santos testemunhou indícios de desapontamento. “Não é um sentimento marcante, porque a esmagadora maioria da população é muito pró-europeia, mas já se nota algum ceticismo face ao não desenvolvimento do processo”, diz. “Visitei uma universidade, encontrei-me com jornalistas, representantes da sociedade civil e estudantes, e percebi o grau de desilusão provocado pelo facto de não haver resposta da UE. Há dois anos, 97% dos albaneses tinham uma posição muito pró-europeia.”

E conclui: “Esta é uma opção clara do país e isso continuou a ser-me afirmado pelos diversos atores políticos. Num encontro com jovens, um deles perguntou-me: ‘Quando é que avançam com a primeira CIG?’ Para mim, foi espantoso ouvir um jovem tão informado acerca do processo. Colocou uma carga emocional muito grande na pergunta e expressou uma expectativa muito forte em relação ao impacto que a adesão terá no seu futuro e no da sua geração.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui