A “cidade berço” está empenhada em atingir a neutralidade carbónica até 2030. Para tal, lançou o Pacto Climático de Guimarães e tem já no terreno “brigadas verdes”, dos oito aos oitenta, que correm as freguesias com mensagens de sustentabilidade ambiental. Junto à zona histórica, um bairro funcionará como “laboratório” de projetos nas áreas da energia, mobilidade e tratamento de resíduos

O município de Guimarães arregaçou as mangas e quer sobressair como um bom exemplo, em Portugal e fora de portas, em matéria de combate às alterações climáticas. A “cidade berço” é uma de 100 cidades europeias que integra a “Missão Cidades”, uma iniciativa que emana da União Europeia e que tem como objetivo alcançar a neutralidade carbónica até 2030.
“Será uma espécie de laboratório onde se possa testar projetos e boas práticas que sirvam de exemplo a nível europeu”, explica ao Expresso Sofia Ferreira, vereadora do Ambiente na Câmara de Guimarães.
Em Portugal, Lisboa e Porto também fazem parte do desafio, mas como realça a autarca, dada a diferença de escala entre as três cidades, o esforço de Guimarães será redobrado. Ser selecionada para este projeto, “foi para nós um momento muito importante”.
Do caderno de encargos, consta a elaboração de um pacto climático com a comunidade (cidadãos, empresas e instituições), que o município vimaranense já lançou, no início do mês, aproveitando o 50º aniversário do Dia Mundial do Ambiente.
O Pacto Climático de Guimarães conta com a adesão de mais de 70 entidades – do Vitória Sport Clube à Universidade do Minho, da Casais à Brisa, do Hospital da Senhora da Oliveira ao Instituto de Design.
“Os subscritores comprometem-se, juntamente com o município, a adotar estratégias de curto, médio e longo prazo, tendentes à descarbonização as suas atividades”, explica a vereadora. “É um compromisso em que todos nos revemos e todos nos envolvemos.”
Brigadas à solta nas freguesias
Um dos projetos mais curiosos e mobilizadores são as “Brigadas Verdes”. Tratam-se de grupos informais compostos por vimaranenses de diferentes gerações, vinculados a paróquias, grupos de escuteiros, coletividades, clubes desportivos, IPSS’s, que saem à rua de colete amarelo no corpo e um discurso verde na boca.
Tanto participam na limpeza de terrenos como plantam árvores, como identificam focos de poluição ou sensibilizam moradores para a importância de adotarem hábitos verdes e tornarem-se eles próprios, individualmente, agentes da mudança. “A peça-chave de todo o processo é o cidadão.”
Dinamizadas pelas juntas de freguesia, as “Brigadas Verdes” são já 25. “O nosso objetivo é cobrir as 48 freguesias de Guimarães”, diz a vereadora. “Quanto mais próximo estivermos da comunidade, mais facilitado estará o trabalho de envolvimento e de responsabilização.”
Distrito C, de climaticamente neutro
A “Missão Cidades” possibilita que os participantes acedam a financiamento para alguns projetos. Guimarães já tem verba garantida (€1 milhão) para aplicar no “Distrito C”.
Trata-se de uma área junto à zona histórica, que está, neste momento, em processo de classificação com vista ao alargamento da zona classificada pela Unesco. Irá funcionar como “laboratório” para uma série de iniciativas na área da sustentabilidade ambiental.
“Este projeto do Distrito C é um compromisso com o carbono zero. Visa uma abordagem integrada nos domínios da energia, mobilidade e tratamento de resíduos.”
Outrora uma zona de referência da indústria dos curtumes, esta área foi requalificada no sentido de abrigar espaços voltados para o conhecimento. Hoje, ali localizam-se a Universidade das Nações Unidas, polos da Universidade do Minho, o Teatro Jordão, a pousada da juventude e “um complexo multifuncional na área da solidariedade social, com respostas ao nível de creches e de centros de dia”, diz a autarca.
O município tem também em vista a requalificação de uma antiga fábrica têxtil, onde irá funcionar a Escola de Engenharia Aeroespacial.
“Se este é um bairro onde temos vindo a trabalhar no domínio da cultura, da ciência, do conhecimento e da criatividade, queremos trabalhá-lo agora no sentido de ser um bairro climaticamente neutro”, diz Sofia Ferreira.
“Os projetos que aqui testarmos depois poderão ser replicados no restante território e servir de boa prática, não só em Portugal como a nível europeu.”
Para os subscritores do Pacto Climático, a conclusão do desafio está à distância de menos de sete anos, O objetivo antecipa em 20 anos aquele que a União Europeia estabeleceu para si própria.
Na Lei Europeia do Clima, a meta da neutralidade carbónica está colocada em 2050. O documento prevê que, entre 1990 e 2030, haja uma redução líquida de emissões de gases de efeito de estufa em pelo menos 55%.
Neste esforço de descarbonização, o tecido empresarial desempenha um papel preponderante. Para a Mundifios, por exemplo, signatária do Pacto Climático, o desafio não intimida. Com sede em Guimarães, esta empresa que é o maior trader ibérico de fios têxteis tem uma estratégia de sustentabilidade há anos.
“Vamos continuar a convergir para um impacto a tender para o zero, em termos de neutralidade carbónica. O objetivo é sempre tentar fazer com que o impacto no clima daquilo que vamos fazendo seja o mais invisível possível”, diz ao Expresso Francisco Ribeiro, gestor de projetos da Mundifios.
O negócio de compra e venda de fios não é propriamente poluente, mas a empresa não relaxa na hora de optar por soluções. Quando da recente construção das novas instalações, recorreu a 16 mil pés de plantas, em vez de betão, para suster o talude. “Há uma filosofia de raiz de tentativa de conseguir criar o menos impacto possível no meio ambiente”, reforça Francisco Ribeiro.
Membro, desde 2019, da United Nations Global Compact, a maior iniciativa de sustentabilidade empresarial do mundo, a Mundifios está comprometida, neste âmbito, com uma carta de dez princípios relativos a quatro áreas: direitos humanos, trabalho, ambiente e combate à corrupção.
Foco em quatro “R’s”
Para qualquer município, o desafio da sustentabilidade implica fazer a espargata entre a diminuição da pegada ecológica e o desenvolvimento económico do território.
Guimarães, em concreto, optou por uma economia circular, assente nos conceitos “reduzir, reutilizar, recuperar e reciclar”, em detrimento do fim de vida dos materiais.
“Neste sentido, estamos a fazer o mapeamento dos resíduos têxteis, que permita servir de suporte ao sistema de recolha seletiva deste resíduo”, diz Sofia Ferreira.
A reconversão de têxteis pós-consumo é algo que faz sentido numa zona nobre da indústria têxtil como é Guimarães. Um projeto recente, deu frutos a vários níveis.
“Fizemos a recolha de têxteis pós-consumo junto das escolas — o que funcionou como uma forma de pedagogia para os miúdos — e depois, com o Centro de Valorização de Resíduos e com uma spin-off da Universidade do Minho, esses resíduos foram tratados e reconvertidos em mantas para esplanadas do Centro Histórico.”
Segunda vida para os têxteis
Este projeto já resultou também em mantas para os animais do Centro de Recolha Oficial de Animais de Companhia (CRO) e em sacos para serem distribuídos à população nas bancas do mercado municipal, num esforço tendente a eliminar o plástico. “Este é um projeto que iniciamos e vamos consolidar. Há muitos têxteis para recolher.”
Ao longo dos anos, o compromisso de Guimarães com o ambiente tem revelado uma atitude resiliente. Depois de perder a corrida a Capital Verde Europeia 2020 (ganha por Lisboa), o município já voltou a apresentar candidatura, este ano, com vista à edição de 2025.
“Há uma vontade efetiva de transformar o território”, conclui Sofia Ferreira. “Uma vontade de fazermos o caminho no sentido de um futuro sustentável de carbono zero.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de junho de 2023. Pode ser consultado aqui


