Arquivo de etiquetas: Ambiente

Guimarães tem uma “missão” e com ela quer guiar o país pela via verde

A “cidade berço” está empenhada em atingir a neutralidade carbónica até 2030. Para tal, lançou o Pacto Climático de Guimarães e tem já no terreno “brigadas verdes”, dos oito aos oitenta, que correm as freguesias com mensagens de sustentabilidade ambiental. Junto à zona histórica, um bairro funcionará como “laboratório” de projetos nas áreas da energia, mobilidade e tratamento de resíduos

O município de Guimarães arregaçou as mangas e quer sobressair como um bom exemplo, em Portugal e fora de portas, em matéria de combate às alterações climáticas. A “cidade berço” é uma de 100 cidades europeias que integra a “Missão Cidades”, uma iniciativa que emana da União Europeia e que tem como objetivo alcançar a neutralidade carbónica até 2030.

“Será uma espécie de laboratório onde se possa testar projetos e boas práticas que sirvam de exemplo a nível europeu”, explica ao Expresso Sofia Ferreira, vereadora do Ambiente na Câmara de Guimarães.

Em Portugal, Lisboa e Porto também fazem parte do desafio, mas como realça a autarca, dada a diferença de escala entre as três cidades, o esforço de Guimarães será redobrado. Ser selecionada para este projeto, “foi para nós um momento muito importante”.

Do caderno de encargos, consta a elaboração de um pacto climático com a comunidade (cidadãos, empresas e instituições), que o município vimaranense já lançou, no início do mês, aproveitando o 50º aniversário do Dia Mundial do Ambiente.

Pacto Climático de Guimarães conta com a adesão de mais de 70 entidades – do Vitória Sport Clube à Universidade do Minho, da Casais à Brisa, do Hospital da Senhora da Oliveira ao Instituto de Design.

“Os subscritores comprometem-se, juntamente com o município, a adotar estratégias de curto, médio e longo prazo, tendentes à descarbonização as suas atividades”, explica a vereadora. “É um compromisso em que todos nos revemos e todos nos envolvemos.”

Brigadas à solta nas freguesias

Um dos projetos mais curiosos e mobilizadores são as “Brigadas Verdes”. Tratam-se de grupos informais compostos por vimaranenses de diferentes gerações, vinculados a paróquias, grupos de escuteiros, coletividades, clubes desportivos, IPSS’s, que saem à rua de colete amarelo no corpo e um discurso verde na boca.

Tanto participam na limpeza de terrenos como plantam árvores, como identificam focos de poluição ou sensibilizam moradores para a importância de adotarem hábitos verdes e tornarem-se eles próprios, individualmente, agentes da mudança. “A peça-chave de todo o processo é o cidadão.”

Dinamizadas pelas juntas de freguesia, as “Brigadas Verdes” são já 25. “O nosso objetivo é cobrir as 48 freguesias de Guimarães”, diz a vereadora. “Quanto mais próximo estivermos da comunidade, mais facilitado estará o trabalho de envolvimento e de responsabilização.”

Distrito C, de climaticamente neutro

A “Missão Cidades” possibilita que os participantes acedam a financiamento para alguns projetos. Guimarães já tem verba garantida (€1 milhão) para aplicar no “Distrito C”.

Trata-se de uma área junto à zona histórica, que está, neste momento, em processo de classificação com vista ao alargamento da zona classificada pela Unesco. Irá funcionar como “laboratório” para uma série de iniciativas na área da sustentabilidade ambiental.

“Este projeto do Distrito C é um compromisso com o carbono zero. Visa uma abordagem integrada nos domínios da energia, mobilidade e tratamento de resíduos.”

Outrora uma zona de referência da indústria dos curtumes, esta área foi requalificada no sentido de abrigar espaços voltados para o conhecimento. Hoje, ali localizam-se a Universidade das Nações Unidas, polos da Universidade do Minho, o Teatro Jordão, a pousada da juventude e “um complexo multifuncional na área da solidariedade social, com respostas ao nível de creches e de centros de dia”, diz a autarca.

O município tem também em vista a requalificação de uma antiga fábrica têxtil, onde irá funcionar a Escola de Engenharia Aeroespacial.

“Se este é um bairro onde temos vindo a trabalhar no domínio da cultura, da ciência, do conhecimento e da criatividade, queremos trabalhá-lo agora no sentido de ser um bairro climaticamente neutro”, diz Sofia Ferreira.

“Os projetos que aqui testarmos depois poderão ser replicados no restante território e servir de boa prática, não só em Portugal como a nível europeu.”

Para os subscritores do Pacto Climático, a conclusão do desafio está à distância de menos de sete anos, O objetivo antecipa em 20 anos aquele que a União Europeia estabeleceu para si própria.

Na Lei Europeia do Clima, a meta da neutralidade carbónica está colocada em 2050. O documento prevê que, entre 1990 e 2030, haja uma redução líquida de emissões de gases de efeito de estufa em pelo menos 55%.

Neste esforço de descarbonização, o tecido empresarial desempenha um papel preponderante. Para a Mundifios, por exemplo, signatária do Pacto Climático, o desafio não intimida. Com sede em Guimarães, esta empresa que é o maior trader ibérico de fios têxteis tem uma estratégia de sustentabilidade há anos.

“Vamos continuar a convergir para um impacto a tender para o zero, em termos de neutralidade carbónica. O objetivo é sempre tentar fazer com que o impacto no clima daquilo que vamos fazendo seja o mais invisível possível”, diz ao Expresso Francisco Ribeiro, gestor de projetos da Mundifios.

O negócio de compra e venda de fios não é propriamente poluente, mas a empresa não relaxa na hora de optar por soluções. Quando da recente construção das novas instalações, recorreu a 16 mil pés de plantas, em vez de betão, para suster o talude. “Há uma filosofia de raiz de tentativa de conseguir criar o menos impacto possível no meio ambiente”, reforça Francisco Ribeiro.

Membro, desde 2019, da United Nations Global Compact, a maior iniciativa de sustentabilidade empresarial do mundo, a Mundifios está comprometida, neste âmbito, com uma carta de dez princípios relativos a quatro áreas: direitos humanos, trabalho, ambiente e combate à corrupção.

Foco em quatro “R’s”

Para qualquer município, o desafio da sustentabilidade implica fazer a espargata entre a diminuição da pegada ecológica e o desenvolvimento económico do território.

Guimarães, em concreto, optou por uma economia circular, assente nos conceitos “reduzir, reutilizar, recuperar e reciclar”, em detrimento do fim de vida dos materiais.

“Neste sentido, estamos a fazer o mapeamento dos resíduos têxteis, que permita servir de suporte ao sistema de recolha seletiva deste resíduo”, diz Sofia Ferreira.

A reconversão de têxteis pós-consumo é algo que faz sentido numa zona nobre da indústria têxtil como é Guimarães. Um projeto recente, deu frutos a vários níveis.

“Fizemos a recolha de têxteis pós-consumo junto das escolas — o que funcionou como uma forma de pedagogia para os miúdos — e depois, com o Centro de Valorização de Resíduos e com uma spin-off da Universidade do Minho, esses resíduos foram tratados e reconvertidos em mantas para esplanadas do Centro Histórico.”

Segunda vida para os têxteis

Este projeto já resultou também em mantas para os animais do Centro de Recolha Oficial de Animais de Companhia (CRO) e em sacos para serem distribuídos à população nas bancas do mercado municipal, num esforço tendente a eliminar o plástico. “Este é um projeto que iniciamos e vamos consolidar. Há muitos têxteis para recolher.”

Ao longo dos anos, o compromisso de Guimarães com o ambiente tem revelado uma atitude resiliente. Depois de perder a corrida a Capital Verde Europeia 2020 (ganha por Lisboa), o município já voltou a apresentar candidatura, este ano, com vista à edição de 2025.

“Há uma vontade efetiva de transformar o território”, conclui Sofia Ferreira. “Uma vontade de fazermos o caminho no sentido de um futuro sustentável de carbono zero.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de junho de 2023. Pode ser consultado aqui

Um ‘navio-fantasma’ a cair aos bocados e em risco de explodir

A ONU corre contra o tempo para chegar a um navio de 47 anos, carregado de combustível e abandonado em zona de guerra. O “Safer” ameaça “uma catástrofe de proporções épicas”

Imagem de satélite do petroleiro “Safer” FOTO MAXAR TECHNOLOGIES

A cada minuto que passa, o mundo está mais próximo de um grande desastre. Ao largo do Iémen, no corredor do Mar Vermelho, um superpetroleiro carregado com mais de um milhão barris de crude está abandonado há sete anos e em acelerado processo de degradação.

“É provável que se afunde ou expluda a qualquer momento”, alertou recentemente David Gressly, o coordenador humanitário das Nações Unidas para o Iémen. “Ninguém quer que o Mar Vermelho se transforme num mar negro, mas é isso que vai acontecer”, acrescentou. “Não se trata de uma questão de ‘se’, é apenas uma questão de ‘quando’.”

Um superpetroleiro com mais de um milhão barris de crude está abandonado há sete anos e a degradar-se

No centro deste alarme está o “FSO Safer”, uma embarcação gigante com espaço suficiente para transportar três milhões de barris de crude. Está ancorado no mesmo local há 30 anos, sensivelmente a oito quilómetros da península iemenita de Ras’ Isa. Foi ali colocado para funcionar como terminal flutuante para armazenamento e descarga do crude explorado nos campos de Ma’rib (oeste) de onde o petróleo é transportado para o navio por um oleoduto de quase 450 quilómetros.

Consequência da guerra

Enquanto funcionou regularmente, a empresa proprietária do navio, a petrolífera estatal iemenita SEPOC, assegurou as manutenções necessárias. Os problemas começaram em 2015, quando o Iémen deu mais um mergulho no abismo. Os huthis — grupo político-religioso xiita zaidita apoiado pelo Irão — tomaram o poder pela força, levando as autoridades reconhecidas internacionalmente a refugiarem-se na cidade de Aden, no sueste do país.

O derramamento da carga originaria a quinta maior fuga de crude de um petroleiro da história

Percecionando a ofensiva huthi como avanço do arquirrival Irão na sua península, a Arábia Saudita mobilizou um conjunto de países da região e desencadeou uma operação militar no Iémen, apoiada em bombardeamentos aéreos, um bloqueio naval e incursões terrestres. Com o Iémen em guerra civil, o “Safer” ficou ao abandono e tornou-se uma bomba-relógio.

O volte-face dos huthis

As Nações Unidas estimam que em caso de derramamento da totalidade da carga a bordo, este navio seria o protagonista da quinta maior fuga de crude da História a partir de um petroleiro. O incidente mais grave ocorreu em 1979, ao largo da ilha caribenha de Tobago, na sequência da colisão entre o “Atlantic Empress” e o “Aegean Captain”, durante uma tempestade tropical. Foram despejados para o Mar das Caraíbas mais de 2,1 milhões de barris de petróleo.

Em caso de fuga, a ONU estima que sejam necessários €18 mil milhões para ações de limpeza

Para lá da corrosão do casco, da degradação dos equipamentos e de uma inundação na casa das máquinas detetada a 27 de maio de 2020 (e reparada pelos huthis, não se sabe com que eficiência), o “Safer” representa um perigo de explosão decorrente da possível ignição do gás acumulado nos tanques de armazenamento.

Desde há anos que as Nações Unidas olham para esta embarcação, construída em 1976, como putativa origem de “uma catástrofe de proporções épicas”. Em agosto de 2019, a partida de uma equipa de peritos para avaliar o estado do navio e proceder a reparações estava iminente quando, na véspera, foi cancelada pelas autoridades huthis.

Desta vez há garantias de uma efetiva colaboração por parte dos huthis, sobretudo após a assinatura de um Memorando de Entendimento, a 5 de março de 2022, entre “as Nações Unidas e as autoridades de Saná”, que reconheceu a existência de “amplos e múltiplos riscos”.

ONU comprou navio novo

Russell Geekie, assessor do coordenador humanitário da ONU para o Iémen, detalha ao Expresso os contornos da operação. “Há uma primeira fase, de emergência, em que uma equipa de salvamento tornará o ‘Safer’ seguro para a transferência do petróleo do navio degradado para um navio de substituição e preparará o ‘Safer’ para ser rebocado. A segunda fase compreende a instalação de uma boia de ancoragem em catenária à qual a embarcação de substituição será amarrada, e o reboque do ‘Safer’ para uma área verde, para reciclagem.”

Há um mês, o Programa da ONU para o Desenvolvimento comprou um navio para substituir o “Safer”

O navio de substituição foi comprado há cerca de um mês pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento à empresa belga Euronav, por 55 milhões de dólares (mais de €50 milhões). “É um petroleiro muito grande de duplo casco”, descreve o funcionário da ONU. “Deve navegar esta semana em direção ao Mar Vermelho, desde uma doca seca na China, onde foi feita a manutenção e modificações com vista à operação.”

Recurso a crowdfunding

Em caso de derrame, a ONU calcula que sejam necessários 20 mil milhões de dólares (€18 mil milhões) para custear as ações de limpeza. O dinheiro apareceria certamente com uma facilidade que não acontece agora, quando ainda se está em fase de prevenção da catástrofe. A ONU pede 129 milhões de dólares (€118 milhões) para a primeira fase da operação de resgate do “Safer”, mas as verbas entram a conta-gotas: ainda só estão assegurados 95 milhões de dólares (€87 milhões).

Um Memorando de Entendimento assinado há um ano garante a colaboração dos huthis na operação da ONU

“Além das contribuições de Estados-membros, a verba angariada inclui mais de 12 milhões de dólares (€11 milhões) provenientes do sector privado e 250 mil dólares (quase €230 mil) arrecadados num crowdfunding”, explica Geekie.

A campanha de crowdfunding, que apela à recolha de 500 mil dólares, é a forma que qualquer cidadão tem de dizer ‘presente’ e de se associar à resolução de um grave problema. “As contribuições variam entre $1 e $4000 de um indivíduo no Canadá”, diz o assessor. Entre os doadores estão também seis crianças de uma escola primária do estado norte-americano de Maryland.

Solução à vista

“Estamos mais perto do que nunca de evitar esta catástrofe, mas precisamos urgentemente de preencher a lacuna orçamental de 34 milhões de dólares (€31 milhões) para fazer face à primeira fase da operação”, apela Russell Geekie. “As Nações Unidas estão confiantes de que a transferência do crude pode ser completada em junho, desde que haja financiamento em breve.”

Paralelamente ao financiamento, há desenvolvimentos políticos recentes que podem levar o “Safer” a bom porto. O acordo de normalização da relação diplomática entre a Arábia Saudita e o Irão, anunciado a 10 de março, potencia condições para a resolução do problema. Os dois países querem fechar frentes de batalha entre ambos e a guerra no Iémen é a mais urgente.

RELACIONADO: Possíveis efeitos de um derrame no “Safer”

Artigo publicado no “Expresso”, a 6 de abril de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Possíveis efeitos de um derrame no “Safer”

Além do dano ambiental, a fuga de crude destruiria o sector da pesca no Iémen e bloquearia o comércio pelo Mar Vermelho

Imagem de satélite do petroleiro “Safer” FOTO MAXAR TECHNOLOGIES

HUMANITÁRIAS

GUERRA Antes de estalar a guerra civil, o Iémen já era um dos países mais pobres do mundo. Hoje, 90% dos mais de 30 milhões de habitantes sobrevivem graças à ajuda humanitária internacional. Um derrame da dimensão da carga do “Safer” obrigaria a encerrar o porto de Hudaydah, o segundo maior do país, importante porta de entrada de assistência humanitária e de tudo o que o Iémen importa. Estima-se também que mais de 8 mil poços fossem contaminados, tornando o acesso à água ainda mais difícil e potenciando surtos de doenças.

AMBIENTAIS

BIODIVERSIDADE A fuga de 156 mil toneladas de crude para o mar exporia milhões de pessoas, no Iémen e na vizinhança, a altos níveis de poluição. Provocaria também uma grande destruição de fauna e flora, numa área que é um verdadeiro santuário de biodiversidade. Segundo a organização ambiental iemenita Holm Akhdar (sonho verde, em árabe), haveria também impacto direto no ecossistema do Mar Vermelho, onde há 416 espécies de peixes, 485 de algas, 625 de moluscos, 53 de crustáceos e 16 tipos de tubarões. Seria também uma sentença de morte para as mais de 300 espécies de recifes de coral.

ECONÓMICAS

PESCA Com cerca de 2500 quilómetros de costa, 186 ilhas e abundantes recursos marinhos, a indústria da pesca é, naturalmente, um esteio da economia iemenita. Um derrame atingiria não só o Mar Vermelho como o Golfo de Aden, acabando com o ganha-pão de 126 mil pescadores, num país onde as ofertas de trabalho não abundam. Entre os outros países potencialmente mais afetados por um desastre em torno do “Safer”, o Jibuti tem sido das vozes mais ansiosas. Nos últimos anos, o “Safer” merece menção constante nos discursos dos governantes do Jibuti na Assembleia-Geral da ONU.

COMERCIAIS

ROTA Se não fosse suficientemente grave o amplo impacto de um incidente no “Safer” para o Iémen e países vizinhos, uma tal catástrofe teria inevitavelmente consequências na Europa, já que provocaria a disrupção do trânsito pelo Mar Vermelho. Estima-se que 10% do comércio global sejam transportados por essa rota, em todo o tipo de embarcações.

RELACIONADO: Um ‘navio-fantasma’ a cair aos bocados e em risco de explodir

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de abril de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

17 respostas para 2023: da guerra na Ucrânia aos protestos na China e no Irão, passando por epidemias e acordos globais

Podemos prever o futuro? Provavelmente não, tal como não escapamos a apostar no desenvolvimento dos temas que acompanhamos ao longo do ano. Aqui ficam as respostas da equipa do Internacional às perguntas que colocaram por si, leitor

1 A Guerra na Ucrânia vai acabar?
Sem vontade de procurar uma solução diplomática, a guerra só pode terminar no terreno com uma conquista suficientemente esmagadora (ou, no caso da Ucrânia, uma reconquista) que obrigue o outro lado a capitular ou a aceitar negociações de paz. O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, diz que a paz pressupõe que a Rússia entregue a Kiev todos os territórios anexados desde 2014, o que é pouco realista. Do lado russo continuam os ultimatos e ameaças. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, disse que a Ucrânia tem de completar o processo de “desnazificação e desmilitarização”, ou “o assunto será resolvido pelo exército russo”.

2 A próxima COP (28) conseguirá um acordo de redução dos combustíveis fósseis?
O elefante no meio da sala das conferências globais das Nações Unidas para o Clima permanece a ausência de acordo para a redução das emissões de gases com efeito de estufa de modo a impedir que o aumento da temperatura média do planeta ultrapasse os 1,5º, o que já é uma irrealidade em si. A vitória da COP27 foi o reconhecimento das “perdas e danos” e “falar-se” em indemnizações para os países mais prejudicados pelas ondas de calor prolongadas, secas agudas prolongadas, subida do nível da água do mar, acidificação dos oceanos, incêndios selvagens, inundações bíblicas e extinção de espécies no chamado Sul global. O lóbi dos combustíveis fósseis não perdeu ainda terreno.

3 Lula da Silva vai governar o Brasil à esquerda?
O homem que, pela terceira vez, toma posse como Presidente a 1 de janeiro tem de privilegiar as políticas sociais e ambientais para cumprir as promessas feitas na campanha eleitoral. O grande desafio do novo Governo é conseguir atribuir verbas para a Cultura, Educação, Saúde e Ambiente – sobretudo no combate ao desmatamento da Amazónia – e manter o equilíbrio das contas públicas para evitar uma escalada inflacionista. A resposta executiva passa, em boa parte, pelo trabalho dos futuros titulares da pasta da Fazenda, Fernando Haddad, e da pasta do Planeamento, Simone Tebet.

4 Cyril Ramaphosa é destituído da presidência da África do Sul?
Em 13 de dezembro, Cyril Ramaphosa sobreviveu a um voto de destituição na Assembleia Nacional pedido pelos partidos da oposição. O Presidente da República e do ANC, que sucedeu a Jacob Zuma após escândalos de corrupção sem precedentes e captura do Estado, prometeu voltar a pôr o país nos eixos. Porém viu-se envolvido num processo cujas acusações combate ainda em tribunal, o qual pode vir a acusar Ramaphosa de “má conduta e violação da Constituição”. Ainda que tenha vencido até agora, o ANC, tem perdido eleitores em cada eleição desde 1994. Por enquanto, Ramaphosa conta com o apoio do ANC para limpar o seu nome sem perder a credibilidade política. Até quando, se 2023 é ano de eleições gerais?

5 Como vai acabar a revolta no Irão?
Os protestos já contam mais de 100 dias e as imagens que nos chegam do Irão mostram que as pessoas continuam a acorrer às ruas apesar dos castigos aplicados serem cada vez mais severos. Pelo menos 506 pessoas já perderam a vida e outras 40 aguardam execução, segundo uma investigação da CNN. Sem liderança coesa e com este nível de repressão, tortura, prisão e morte é pouco provável que a liderança dos aiatolas venha a ser derrubada, porém os iranianos dizem que algumas mudanças já são visíveis nas ruas. Um exemplo é a recusa de muitas mulheres em usar o lenço sobre os cabelos.

6 O regime chinês vai ceder aos protestos?
Semanas depois de o Presidente Xi Jinping assumir um terceiro mandato na liderança do Partido Comunista da China emergiram protestos em várias cidades do país contra a política de ‘zero casos’ de covid-19. Foram a maior demonstração pública de descontentamento desde o massacre de Tiananmen em 1989. A ida à rua parece ter resultado. Várias medidas foram relaxadas no seu seguimento e demonstrou a capacidade da população em manifestar-se apesar da censura existente no país. No entanto, é incerto quais são as políticas estatais que podem vir a gerar oposição com esta capacidade de mobilização.

7 As pandemias e vírus assustadores vieram para ficar?
O risco de novas epidemias é certo e os especialistas alertam os Estados para que tenham respostas enérgicas. Tal como os tsunamis, a covid-19 convenceu da necessidade de sistemas de alerta que permitam detetar os problemas de forma a controlá-los. Antes da Sars-cov-2, a década de 1980 conheceu a sida. Porém, foi “a partir do ano 2000 que se assistiu a uma série de acontecimentos que traduzir a emergência inesperada de fenómenos epidémicos de natureza zoonótica”, como lembra Francisco George, ex-diretor-geral de Saúde de 2005 a 2017, referindo-se a doenças que têm origem em agentes infecciosos que têm animais como reservatório.

8 Erdogan perde a presidência da Turquia?
É possível. Porém não se sabe ainda se é provável, uma vez que a oposição, grande parte dela unida com o único propósito de derrotar Erdogan, ainda não apresentou candidato. As sondagens, contra um opositor desconhecido, dão ao incumbente cerca de 34% das intenções de voto, o mesmo valor atribuído ao seu partido, Justiça e Desenvolvimento (AKP), nas eleições parlamentares, também em 2023, o ano do centenário do país. Não chega para a vitória. O declínio da economia vai ser o tema principal da campanha. Resta saber a quem vai o povo atribuir a culpa.

9 A Itália de Giorgia Meloni vai continuar nas boas graças de Bruxelas?
Giorgia Meloni – líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália – foi eleita primeira-ministra de Itália em setembro. A postura de euroceticismo gerou preocupação, porém Meloni tem procurado acalmar a esfera internacional assumindo um discurso mais moderado. Perante o Parlamento repudiou o fascismo e mostrou oposição a “qualquer forma de racismo”; em viagem a Bruxelas afirmou querer uma defesa dos interesses nacionais “dentro da dimensão Europeia”. A reação foi positiva, com a Presidente da Comissão Europeia a agradecer Meloni pelo “forte sinal” ao escolher Bruxelas como a primeira viagem enquanto líder do governo italiano.

10 A Índia vai continuar a comprar petróleo à Rússia?
É provável. A Rússia tornou-se o principal fornecedor de petróleo da Índia em novembro, com importações a chegarem aos 908 mil barris por dia. As declarações de figuras do governo indiano não sugerem mudanças de rumo. Em dezembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros deu a entender que se a Europa pode priorizar as suas necessidades energéticas, não deve pedir à Índia para nao priorizar as suas também. Em outubro, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou numa resolução a condenar os referendos ilegais de anexação realizados pela Rússia em territórios da Ucrânia. A Índia foi um dos 35 países a absterem-se.

11 O regime talibã vai ser reconhecido internacionalmente?
Não é de esperar. Os talibãs estão há mais de um ano no poder, o tempo suficiente para que algum país os reconhecesse como governo legítimo. Na década de 1990, quando governaram pela primeira vez, foram reconhecidos por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Paquistão. Decisões como a recente proibição do acesso das mulheres afegãs às universidades tornam embaraçoso o reconhecimento do regime. A medida foi criticada de forma generalizada, inclusive por países muçulmanos: a Arábia Saudita expressou “espanto e desapontamento” e a Turquia considerou a decisão “nem islâmica nem humana”.

12 O conflito no Nagorno-Karabakh voltará a escalar?
É inevitável. Não há um processo de paz digno desse nome neste conflito que opõe dois países tornados independentes após o desmembramento da União Soviética: a cristã Arménia e o muçulmano Azerbaijão. De um lado e do outro, há apoios importantes que conferem a este conflito, que se arrasta desde finais da década de 1980, uma dimensão geopolítica: a Rússia apoia os arménios e a Turquia os azeris. Esta disputa pelo enclave de Nagorno-Karabakh, no sul do Cáucaso, que oscila entre períodos de guerra aberta e outros de tensão latente, ressente-se muito do estado da relação entre estes dois países.

13 O embargo dos EUA a Cuba vai terminar?
Não é provável, ainda que as razões que sustentam o bloqueio económico à ilha sejam cada vez mais indefensáveis. O embargo dura há décadas basicamente por uma questão de política interna dos EUA. É ponto de honra da imensa comunidade cubana que vive na Florida, que odeia o regime cubano e que, a cada ato eleitoral, vota em função da posição dos partidos / candidatos em relação a Cuba. A eleição de Joe Biden, que não venceu na Florida, prova que o voto cubano não é imprescindível. A nível internacional, os EUA estão praticamente isolados nesta questão: na ONU apenas Israel vota ao seu lado.

14 Ron DeSantis vai entrar na corrida presidencial?
É muito possível. A menos de dois anos das presidenciais de 2024, ele é visto como o republicano melhor posicionado para bater o pé a Donald Trump, que já anunciou que irá disputar as primárias do partido do elefante. O potencial de Ron DeSantis decorre da reeleição como governador da Florida, em novembro, derrotando o candidato democrata com quase 60% dos votos. Entre os republicanos, também o antigo vice-presidente de Trump, Mike Pence, dá cada vez mais sinais de querer aventurar-se na corrida à Casa Branca: lançou um livro e tem-se desdobrado em viagens pelo país, discursos e entrevistas.

15 Isabel dos Santos pode ir parar à prisão?
Desde que a investigação do Luanda Leaks começou a ser divulgada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, no início de 2020, a filha do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, tem confiado nos melhores escritórios de advogados dos vários países europeus onde os negócios que ali fazia se transformaram em problemas. Autoridades de Portugal e da Holanda arrastaram contas bancárias, imobiliário e participações em empresas e, mais recentemente, o Supremo Tribunal de Angola autorizou o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos no valor de mil milhões de dólares, a pedido do Ministério Público. As múltiplas camadas usadas nos negócios ainda a protegem, porém, o cerco aperta-se.

16 A China vai invadir Taiwan?
A China afirma que Taiwan é “uma questão interna” e “a primeira linha vermelha que não deve ser cruzada” nas relações com os Estados Unidos. A aliança internacional que os EUA e a União Europeia mostraram contra a Rússia pode levar a China a ser mais cautelosa nos passos para uma reunificação com Taiwan, mas as tensões têm-se vindo a agravar e mantêm-se os receios de um escalar da situação. No Congresso do Partido Comunista da China, o líder Xi Jinping afirmou que o objetivo é uma reunificação pacífica ainda que o país não renuncie ao uso da força. Em outubro, o almirante americano Mike Gilday alertou que pode ocorrer uma invasão até 2024.

17 Irá Donald Trump ser acusado formalmente pelo Departamento de Justiça norte-americano?
Há vários indicadores nesse sentido, sim. Porém o caso é muito sensível uma vez que Trump já apresentou a candidatura à Casa Branca e levá-lo a tribunal poderia ser considerado um ato desenhado especificamente para o impedir de voltar à presidência, e provocar uma divisão ainda maior no país. No entanto, o homem que neste momento dirige as investigações, Jack Smith, já enviou diversas intimações para depor a várias pessoas que estiveram em contacto com Trump durante as suas tentativas para interferir com o resultado das presidenciais de 2020.

Texto escrito com Ana França, Cristina Peres, Manuela Goucha Soares e Salomé Fernandes.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de dezembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui

Cheias no Paquistão, uma tragédia a céu aberto à atenção da COP27

Se não existissem alertas de sobra em relação à crescente agressividade do clima, as históricas cheias do Paquistão ilustram como a vida pode tornar-se impossível. Depois de um terço do país ter ficado submerso, e enquanto a água não recua na totalidade, os números da calamidade não param de agravar-se — dos mortos ao surto de doenças

A cerca de 4000 quilómetros da estância egípcia de Sharm El Sheikh, onde decorre a 27ª sessão da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), o Paquistão é uma tragédia a céu aberto, reveladora da vulnerabilidade do planeta face à crescente agressividade do clima.

“Durante 40 dias e 40 noites, caiu-nos em cima um dilúvio bíblico, destruindo séculos de registos climáticos, desafiando tudo o que sabíamos sobre desastres e como geri-los”, disse em setembro passado o primeiro-ministro paquistanês, num emotivo discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Shehbaz Sharif referia-se às cheias inéditas que submergiram um terço do país desde meados de junho. A calamidade resultou da combinação entre chuvas da tradicional época das monções, particularmente fortes em 2022, e o efeito das alterações climáticas, que originaram um rápido degelo dos glaciares das montanhas do norte. A água que daí resultou engordou os caudais dos rios.

Com mais de 220 milhões de habitantes, o Paquistão contribui menos de 1% para as emissões globais de dióxido de carbono.

OS CINCO MAIORES POLUENTES
(% das emissões globais)

  1. CHINA: 29,18%
  2. ESTADOS UNIDOS: 14,02%
  3. ÍNDIA: 7,09%
  4. RÚSSIA: 4,65%
  5. JAPÃO: 3,47%

O Paquistão surge na 31ª posição, com 0,50% das emissões globais (e Portugal em 60º, com 0,14%). O Paquistão é, porém, dos países que pagam um preço mais pela desregulação climática. Cinco meses após o início das chuvas torrenciais, os números da tragédia não param de aumentar. Cinco exemplos.

1739

É o número de mortos contabilizados, desde 14 de junho, pela Autoridade Nacional de Gestão de Desastres, do Paquistão. Há ainda 12.867 feridos registados, decorrentes de incidentes relativos à queda das chuvas das monções ou a inundações provocadas pelo transbordo de rios.

A última atualização, tornada pública a 4 de novembro, detalha que, entre os mortos, há 353 mulheres e 647 crianças. Ou seja, mais de um terço das vítimas mortais são crianças.

A província de Sindh, no sul, é a mais atingida, com um total de 799 mortos. Esta região é atravessada de norte a sul pelo rio Indo — o mais comprido e mais largo do Paquistão —, cujo extravase afetou quase 15 milhões de pessoas.

https://twitter.com/NASAEarth/status/1581020523764404224

33.046.329

É a quantidade de pessoas diretamente afetadas pelas cheias. Perto de metade (14.563.770) vivem na província de Sindh e quase um quarto (9.182.616) no vizinho Baloquistão.

Para se ter noção da área alagada atente-se na dimensão do Paquistão (796.095 km²) e de Portugal (92.212 km²). Se ficou alagado um terço do território paquistanês, isso corresponde sensivelmente ao triplo do mapa português.

Dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, 119 têm uma área terrestre inferior à extensão das terras paquistanesas inundadas.

A concentração de água parada expõe populações inteiras a ameaças acrescidas à saúde. Num relatório de 28 de outubro, o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) alertou para o aumento de casos de malária “por causa da água parada, enquanto a incidência de diarreia é pelo menos cinco vezes maior do que o normal”.

Já se detetou um surto de dengue crescente, “com 74% dos casos maioritariamente reportados em áreas afetadas pelas cheias”. A destruição de casas e infraestruturas fez aumentar o velho hábito de defecar a céu aberto, com todas as consequências que isso traz ao nível de higiene, saúde pública e mesmo segurança.

2.288.481

É a quantidade de casas destruídas pelas inundações. As autoridades nacionais detetaram ainda 439 pontes danificadas, bem como 13.115 quilómetros de estrada intransitáveis.

As casas, em particular, colocaram milhões de paquistaneses de mão estendida na fila da assistência humanitária. Localidades inteiras passaram a viver em tendas, muitas delas doadas ao abrigo de mecanismos de ajuda internacional. Em Bholari, por exemplo, nasceu “a cidade de tendas Recep Tayyip Erdogan”, disponibilizada pela Turquia e batizada com o nome do Presidente do país.

9.400.000

São os acres de área de cultivo que ficaram encharcados (1 acre = 0,40 hectares).

Neste país que é o quinto produtor mundial de algodão, as cheias danificaram ou destruíram 40% da colheita anual dessa fibra, segundo uma estimativa da Iniciativa Better Cotton.

Esta organização, que promove boas práticas ao nível do cultivo de algodão em 21 países, não prevê “escassez de oferta este ano, embora os impactos provavelmente perdurem no próximo ano”.

No impacto económico desta calamidade, há ainda o registo de 1.164.270 cabeças de gado perdidas nas enxurradas de água e lama, privando milhões de pessoas desse meio de subsistência.

27.000

É a quantidade de escolas destruídas ou danificadas, que privam mais de dois milhões de crianças de irem à escola. Nas zonas mais atingidas pela intempérie, alguns estabelecimentos de ensino ficaram apenas com o telhado à tona, esperando-se que sejam precisos meses até que as águas recuem totalmente.

Para ajudar as crianças deslocadas a lidarem com os traumas provocados pela experiência, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) instalou 500 Centros de Aprendizagem Temporários, em colaboração com os departamentos educativos provinciais.

Estes centros “oferecem às crianças uma oportunidade de se encontrarem com outras crianças num ambiente seguro e protegido, onde podem brincar, aprender e ser crianças novamente”, descreve a UNICEF. Além de constituírem mais de um terço das vítimas mortais, estima-se que 16 milhões de crianças paquistanesas tenham a vida voltada do avesso por causa das inundações.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2022. Pode ser consultado aqui