Os mares são verdadeiras autoestradas que aproximam povos e possibilitam o transporte de bens até ao outro lado do mundo. Também produzem alimento, sustentam comunidades e alimentam o planeta acolhendo plataformas de exploração energética. Permitem que entremos neles e nos deslumbremos com as suas maravilhas subaquáticas. Mas são também fonte de enorme preocupação. São nos oceanos que se manifestam algumas das mais galopantes evidências da degradação ambiental terrestre e são cada vez mais usados para preparar e lançar ataques bélicos. Várias facetas do mar em 25 imagens
SEGURANÇA. Um navio caça-minas da Marinha turca zela pela proteção da navegação e “varre” as águas junto a Erdek, na região de Mármara ALI ATMACA / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
ENERGIA. Uma estação e turbinas eólicas evidenciam uma aposta nas renováveis ao largo da Península de Shandong (China) GETTY IMAGES
ALIMENTO. Numa praia de Muanda (República Democrática do Congo), um grupo de pescadores prepara as redes para mais um dia na faina ALEXIS HUGUET / AFP / GETTY IMAGES
COMUNIDADE. Entre o povo Moken, chamado “ciganos do mar”, a pesca é subaquática, neste caso ao largo da ilha de Phuket (Tailândia) LILLIAN SUWANRUMPHA / AFP / GETTY IMAGES
DESCONTRAÇÃO. Na Faixa de Gaza, surfistas palestinianos preparam-se para apanhar as ondas do Mediterrâneo MAJDI FATHI / NURPHOTO / GETTY IMAGES
DEGELO. A fragmentação das calotas de gelo, como na Gronelândia, é uma das manifestações mais visíveis das alterações climáticas ULRIK PEDERSEN / NURPHOTO / GETTY IMAGES
VULNERABILIDADE. Esta vista aérea sobre Funafuti, a capital do Tuvalu, revela a grande exposição do arquipélago à subida do mar MARIO TAMA / GETTY IMAGES
POLUIÇÃO. Um mar de lixo ao largo de Ortakoy, um bairro de Istambul SEBNEM COSKUN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
ÊXODO. Um barco com dezenas de migrantes é escoltado pela guarda costeira italiana, junto à cidade siciliana de Catânia FABRIZIO VILLA / GETTY IMAGES
RELAXE. Mar e praia, dois dos ecossistemas mais procurados nas férias de verão TAYFUN COSKUN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
DESASTRE. A praia de Mae Ramphueng (Tailândia) está interdita a banhos, após o derramamento de petróleo no mar ATHENS ZAW ZAW / GETTY IMAGES
TREINO. Duas embarcações participam no exercício militar “Escudo Protetor”, no Mar Negro, perto da Roménia MIHAI BARBU / AFP / GETTY IMAGES
VIDA. Uma tartaruga recém-nascida num centro de incubação da cidade de Chennai (Índia) “ganhou asas” e segue na direção do Golfo de Bengala ARUN SANKAR / AFP / GETTY IMAGES
INDÚSTRIA. Um drone capta uma piscicultura de atum, no Mar Egeu MAHMUT SERDAR ALAKUS / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
COMÉRCIO. Três porta-contentores, de outras tantas empresas de transporte marítimo internacional, atravessam o Mar do Norte JONAS WALZBERG / GETTY IMAGES
PRODUÇÃO. Vista aérea sobre barcos de pesca numa quinta de algas, na cidade portuária de Dalian (China) GETTY IMAGES
TURISMO. Uma fila de barcos de cruzeiro ancorados junto à cidade de Miami (Estados Unidos) JOE RAEDLE / GETTY IMAGES
CRENÇAS. Numa praia de Bali (Indonésia), devotos hindus lavam a cara com água do mar, durante uma cerimónia de purificação GARRY LOTULUNG / NUR PHOTO / GETTY IMAGES
EXPLORAÇÂO. Um mergulhador verifica o estado dos recifes de coral, nas Ilhas da Sociedade (Polinésia Francesa) ALEXIS ROSENFELD / GETTY IMAGES
COMPETIÇÃO. Prova de vela, nas águas da cidade de Kiel (Alemanha), junto ao Mar Báltico SASCHA KLAHN / GETTY IMAGES
ABASTECIMENTO. Um navio-tanque descarrega petróleo, num terminal do porto de Yantai (China) GETTY IMAGES
RECREAÇÃO. Um pescador solitário exibe a captura de um polvo, na baía de Akyaka (Turquia) ONUR DOGMAN / GETTY IMAGES
SOBREVIVÊNCIA. Nas Maldivas, ameaçadas pela subida do nível do mar, um grupo de mulheres antecipa adversidades futuras e aprende a nadar ALLISON JOYCE / GETTY IMAGES
TRABALHO. Em Izmir (Turquia), os mergulhadores são fundamentais à apanha do atum MAHMUT SERDAR ALAKUS / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
CENÁRIO. Onde quer que se localize, o mar é garantia de um pôr do Sol espetacular, como na ilha de Föhr (Alemanha), junto ao Mar do Norte CHRISTIAN CHARISIUS / GETTY IMAGES
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui
A quatro dias do fim da COP26, o ex-Presidente norte-americano Barack Obama monopolizou as atenções, com uma intervenção centrada nos dramas que enfrentam os pequenos Estados insulares, vulneráveis à subida dos oceanos. Um deles, o Tuvalu, recorreu à criatividade para mostrar que está em vias… de desaparecer
Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, gravou a sua mensagem para a COP26 com os pés dentro da água do Oceano Pacífico REUTERS
A situação tem a sua graça, ao ponto de o próprio protagonista rasgar o sorriso, como está patente na foto que ilustra este texto. Mas o problema é realmente grave e só essa circunstância levou Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, a substituir as calças do seu fato formal por uns calções para gravar um discurso com as águas do oceano Pacífico pelos joelhos.
A pose e o cenário criaram ambiente para a transmissão de uma mensagem que acontecerá esta terça-feira na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), em Glasgow: o Tuvalu está na linha da frente dos países mais expostos às alterações climáticas e a sua sobrevivência está ameaçada pela subida dos mares.
“A declaração sobrepõe o cenário da COP26 com situações da vida real que enfrentamos no Tuvalu devido aos impactos das mudanças climáticas e à subida do nível do mar”, disse o ministro, num comentário ao vídeo. “E destaca a ação ousada do Tuvalu para resolver questões muito prementes relativas à mobilidade humana em contexto de alterações climáticas.”
O país foi, aliás, um dos arquipélagos visitados pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em junho de 2019, num périplo que levou o português à capa da revista “Time”, com uma expressão grave e preocupada junto ao título “O nosso planeta está a afundar-se”.
Em Glasgow, esta segunda-feira — dia dedicado ao tema “Adaptação, perdas e danos” —, coube a Barack Obama sair em defesa dos pequenos Estados insulares. O ex-Presidente dos Estados Unidos recordou as suas origens havaianas e fez um mea culpa em nome do mundo desenvolvido: “Como era verdade há cinco anos, não fizemos o suficiente e as nossas ilhas estão mais ameaçadas do que nunca”, disse.
“Todos nós temos uma parte a desempenhar, todos temos trabalho a fazer, todos nós temos sacrifícios a fazer. Aqueles de nós que vivem em grandes nações ricas têm um fardo adicional a fazer, trabalhando, ajudando e auxiliando aqueles que são menos responsáveis e menos capazes mas mais vulneráveis a esta crise que se aproxima.”
We’ve done some important work since the Paris Agreement was signed six year ago, but we’re still nowhere near where we need to be on climate. Watch live from #COP26 in Glasgow as I talk about the steps we can take to combat climate change. https://t.co/fpoGbnNehm
Era Obama quem estava na Casa Branca quando foi assinado o Acordo de Paris (2015), que comprometeu 196 Estados e a União Europeia a manterem o aquecimento global abaixo dos 2°C – e se possível abaixo dos 1,5°C.
Na sequência do Acordo, os países desenvolvidos foram instados a aumentar o seu envolvimento no combate climático, nomeadamente ajudando a mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano (86 mil milhões de euros) para serem gastos nos países em desenvolvimento em ações conducentes à redução de emissões de gases com efeito de estufa e em projetos de adaptação às mudanças climáticas.
Esse objetivo continua por cumprir, ouviu-se em Glasgow. “Entre outros, os EUA estão lamentavelmente longe de pagar a sua parte justa do financiamento climático”, acusou o primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama, que discursou a seguir a Obama. “Agora nós, os mais vulneráveis, somos instruídos a engolir e esperar.”
O governante recordou que, desde o Acordo de Paris, as Fiji já foram atingidas por 13 ciclones e acrescentou: “As nações desenvolvidas estão a falhar-nos”.
“É como se eu atirasse lixo para o seu quintal e dissesse para você pagar para limpá-lo, mesmo que isso signifique que você não pode pagar a hipoteca, nem comprar comida. Você não pode fazer nada porque tem de gastar todo o seu dinheiro com o lixo que eu atirei para o seu quintal”
Mia Mottley primeira-ministra de Barbados, país afetado pelas alterações climáticas, discursando na COP26
Segundo o diário britânico “The Guardian”, as nações africanas estão particularmente impacientes e pressionam no sentido de, ainda esta semana, se iniciarem as discussões relativas a um megapacote anual de 700 mil milhões de dólares (605 mil milhões de euros) a partir de 2025 para ajudar as nações em desenvolvimento a adaptarem-se à crise climática, designadamente na ajuda à necessária rápida descarbonização para manter o aquecimento global em 1,5°C.
“Este trabalho precisa de começar agora”, apelou Tanguy Gahouma-Bekale, o presidente do Grupo Africano de Negociadores sobre Mudanças Climáticas. “As conversações sobre finanças demoram tempo, por isso precisamos de ter um roteiro agora com etapas claras sobre como atingir as metas após 2025 que garanta o fluxo de dinheiro todos os anos.”
Lixo na rua. Um mau prenúncio?
Com a cidade escocesa tomada pela cimeira, um assunto em particular parece ter transbordado as mesas dos debates e contaminou as ruas de Glasgow — o problema do lixo. Aproveitando a importância da cimeira e todo o mediatismo que gerou, os trabalhadores da limpeza da autarquia de Glasgow iniciaram uma greve por melhores condições.
Esta segunda-feira, contabilizando já oito dias de luta, os grevistas receberam a visita, e a solidariedade, do antigo líder do Partido Trabalhista do Reino Unido Jeremy Corbyn.
A confirmar-se, será a garantia de ruas mais verdes e asseadas na reta final da COP26, que termina na sexta-feira. Já dos corredores da cimeira não há garantias de que saiam compromissos fortes e consensuais a quase 200 países que refreiem a degradação do planeta e mantenham viva a meta máxima de 1,5ºC para o aquecimento da Terra.
Uma análise da Global Witness, tornada pública esta segunda-feira, escancarou as portas de um resultado desapontante. “Se o lóbi dos combustíveis fósseis fosse uma delegação de um país na COP, seria a maior com 503 delegados”, apurou a organização internacional que se dedica a estabelecer vínculos entre a exploração de recursos naturais e conflitos, pobreza, corrupção e abusos de direitos humanos.
“O lóbi dos combustíveis fósseis na COP é maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas alterações climáticas nas últimas duas décadas: Porto Rico, Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão”, detalha a Global Witness. E “27 delegações oficiais de países registaram lobistas de combustíveis fósseis, incluindo Canadá, Rússia e Brasil”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui
Os mesmos países que estão reunidos na 26.ª Cimeira do Clima (COP26), em Glasgow, discursaram há cerca de um mês na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Então, chefes de Estado e membros de Governo de 191 países membros — só faltaram Afeganistão e Myanmar —, União Europeia, Palestina e Santa Sé enumeraram o que mais os preocupa no mundo. À cabeça, a falta de vacinas para acabar com a pandemia de covid-19 e as alterações climáticas. O Expresso releu as intervenções e identificou o que vai mal no combate às alterações climáticas
“Chego a esta Assembleia diretamente da ilha [de La Palma, na Canárias], impressionado pela forma como a natureza nos recorda, uma vez mais, a dimensão da nossa fragilidade. Mas também da nossa força. Graças à ciência, pudemos antecipar a resposta.” Na tribuna da Assembleia-Geral das Nações Unidas, a 22 de setembro, Pedro Sánchez, primeiro-ministro de ESPANHA, somava-se ao rol de governantes que, um pouco por todo o mundo, têm sido desafiados pela fúria da natureza.
Nas Canárias, a contínua erupção do Cumbre Vieja, que começou a 19 de setembro, tornou a ilha refém do vulcão e condenou os cerca de 85 mil habitantes a um futuro incerto. “Sem dúvida, a emergência climática é a grande crise da nossa era”, acrescentou o governante espanhol. “Já não há espaço para o negacionismo.”
Nos últimos doze meses, fenómenos climáticos extremos ocorreram em latitudes tão distantes quanto Alemanha e Sudão do Sul (inundados após chuvas torrenciais), Austrália e Grécia (devastadas por grandes incêndios), Itália e Islândia (surpreendidas por explosões vulcânicas), Honduras e Japão (varridos por tufões destruidores), Haiti e Paquistão (sacudidos por sismos mortíferos).
Nenhum país ou região do mundo está a salvo neste “novo normal”, nem pode argumentar que não sabe que o problema existe. “A nossa tarefa comum é salvar o nosso planeta”, recordou a Presidente da ESLOVÁQUIA, Zuzana Čaputová. “Anteriormente, a Terra sussurrava, mas agora grita que não pode mais aguentar connosco, que a Humanidade é um fardo muito pesado para carregar.”
Já não há água nesta antiga marina perto de Syracuse, no estado norte-americano do Utah JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES
Há décadas que a comunidade científica alerta para a contínua degradação do planeta. Em agosto, o relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) fez um aviso inequívoco: o tempo está a esgotar-se e a manter-se a intensidade de exploração dos ecossistemas, a temperatura do planeta poderá aumentar 4,4ºC até ao fim do século.
“Trata-se de um alerta vermelho para a Humanidade”
António Guterres, secretário-geral da ONU, sobre o relatório do IPCC
“Nenhuma pessoa séria que examine objetivamente os dados científicos pode deixar de concluir que as alterações climáticas são uma ameaça existencial para a Humanidade, e sobretudo para os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) e para países, como na África Ocidental e na região do Sahel, que estão a ser empurrados para desastres naturais aparentemente intermináveis, como consequência da desertificação e da degradação extrema da terra”, resumiu Ralph Gonsalves, primeiro-ministro do arquipélago de SÃO VICENTE E GRANADINAS, um país nas Caraíbas.
“A ciência, o mundo real e o Acordo de Paris apontaram caminhos alternativos para a Humanidade, mas a vontade política e os recursos necessários dos principais emissores para enfrentar o grave desafio das mudanças climáticas não foram muito além de palavras piedosas e remendos marginais.”
A região da Ásia Central é talvez das que melhor confirmam o alerta do IPCC. “Como resultado das alterações climáticas e do aquecimento sem precedentes, mais de 1000 dos 13 mil glaciares das montanhas do TAJIQUISTÃO já derreteram por completo”, testemunhou o Presidente Emomali Rahmon. Nas calotas tajiques têm origem mais de 60% dos recursos hídricos que abastecem a Ásia Central.
Há 25 anos, o gelo cobria este lago, perto de Olden, na Noruega. Desde então, o glaciar Briksdal derreteu de forma acelerada SEAN GALLUP / GETTY IMAGES
Desde o passado domingo e até 12 de novembro, está reunida pela 26.ª vez a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (adotada na Cimeira da Terra de 1992). A COP26 é considerada a última esperança na obtenção de um compromisso sério que limite o aquecimento global e reverta danos infligidos ao planeta — que já põem em risco a sobrevivência de alguns países.
“As mudanças climáticas não estão de quarentena”, alertou o Presidente do CHILE, Sebastian Piñera. “O seu avanço continua implacável, mais rápido e com efeitos mais graves do que o esperado. E, o mais sério, algumas das suas consequências já são irreversíveis.”
Na primeira linha da crise climática, estão os pequenos Estados insulares. Longe de serem dos maiores contribuintes para a degradação do planeta, são dos que mais sofrem. Em junho de 2019, António Guterres deu visibilidade a este drama com uma visita que chegou à capa da revista “Time”.
“Para uma pequena ilha e um Estado costeiro de baixa altitude como o BELIZE, o mundo hoje é hostil e precário”, confessou John Briceño, primeiro-ministro deste pequeno país da América Central, virado para o mar das Caraíbas. No mesmo (frágil) barco, segue o Tuvalu, na Oceania, onde o ponto mais alto não chega aos cinco metros.
Sentença de morte para as Maldivas
No coração do Oceano Índico, o arquipélago das MALDIVAS é dos países mais ameaçados pela subida do nível do mar. “‘Ameaça existencial’, ‘deixar de existir’, ‘vulnerável ao clima’, ‘risco de desaparecimento’, ‘perda de identidade’, ‘refugiados ecológicos’ são expressões vulgarmente usadas para descrever as dificuldades que os maldivianos e outros Estados insulares enfrentarão se as tendências atuais continuarem inabaláveis. A diferença entre 1,5 graus e 2 graus é uma sentença de morte para as Maldivas”, afirmou o seu Presidente, Ibrahim Mohamed Solih.
AQUECIMENTO
1,5ºC
Segundo artigo 2 do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas (2015), os Estados devem “fazer esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais”
O drama das Maldivas é partilhado por muitos outros Estados insulares, como as ILHAS MARSHALL, um arquipélago do Oceano Pacífico. “Os direitos humanos aplicam-se no oceano — sem exceção — tanto quanto se aplicam em terra”, defendeu o Presidente David Kabua.
“Saudamos o recente progresso no sentido da realização da Cimeira dos Oceanos da ONU, planeada para o próximo ano e coorganizada pelo Quénia e por Portugal.” O encontro está agendado para Lisboa.
As dramáticas consequências de chuvas torrenciais que fizeram inundar o lago Poyang, na cidade chinesa de Shangrao AFP / GETTY IMAGES
O compromisso assumido no Acordo de Paris — assinado por 196 Estados e a União Europeia — lançou os países numa corrida pela redução das emissões de dióxido de carbono até à desejada meta da neutralidade carbónica.
“Está estabelecido que a atividade humana é a principal causa das mudanças climáticas. Durante um ano, consumimos mais do que aquilo que a natureza nos pode oferecer, em função dos nossos interesses cada vez mais divergentes”, alertou Faustin Archange Touadera, o Presidente da REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA. “Temos a responsabilidade histórica de proteger as gerações futuras mudando de comportamentos.”
Ponto de não-retorno
Os registos revelam que a temperatura média do planeta tem aumentado ao longo de décadas, numa perigosa aproximação ao ponto de não-retorno, atingido o qual a Terra aquecerá para além do limite crítico. A mensagem parece estar interiorizada, mas a comunidade internacional tarda em passar à ação.
“As alterações climáticas não são mais uma questão de alertas por parte da comunidade científica. É uma situação de crise que já nos atinge. Encontrar respostas para as mudanças climáticas é um processo caro. E custará ainda mais se não levarmos a sério a necessidade de acelerar as atividades de mitigação das alterações climáticas”, alertou o Presidente da BÓSNIA-HERZEGOVINA, Željko Komšić.
RESILIÊNCIA
100.000.000.000
Na sequência do Acordo de Paris, os países desenvolvidos foram instados a aumentar o seu envolvimento no combate climático ajudando a mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano (86 mil milhões de euros), até 2020, para gastar em ações climáticas nos países em desenvolvimento e tornar essas economias mais resilientes às mudanças climáticas
“Relativamente à crise climática, o ponto de partida são três palavras: Cumpram a vossa promessa”, desafiou o Presidente do MALAWI, Lazarus McCarthy Chakwera. “Já se passaram mais de dez anos desde que as nações desenvolvidas que mais poluíram o nosso planeta prometeram 100 mil milhões de dólares para [ações de] mitigação e adaptação ao clima. Estas são nações que nos dizem para seguirmos o seu exemplo, nações que nos dizem para considerá-las amigas, nações que nos chamam corruptos e indignos de confiança quando dizemos uma coisa e fazemos outra, nações que nos dizem que são os líderes nesta aldeia global.”
As críticas do Malawi fazem eco na América Latina. “É francamente penoso que em 10 anos não se tenha podido concretizar o compromisso de proporcionar 100 mil milhões de dólares aos países em desenvolvimento para implantar ações contra as alterações climáticas”, lamentou o Presidente da ARGENTINA, Alberto Fernández. “A justiça climática será uma quimera sem justiça financeira e tributária global que contribuam para a justiça social real.”
A aflição de uma residente da ilha grega de Evia, devastada por grandes incêndios, em agosto passado KONSTANTINOS TSAKALIDIS / GETTY IMAGES
Para quem todos os tostões contam, ter de desembolsar milhões para fazer frente às adversidades provocadas pelas alterações climáticas, num contexto de pandemia, é um desafio impossível de suportar. “Contrair dívidas para pagar a recuperação dos efeitos das mudanças climáticas e construir resiliência não é a resposta para os problemas dos pequenos Estados que já estão sobrecarregados com dívida e que são os mais afetados”, recordou Gaston A. Browne, primeiro-ministro da ANTÍGUA E BARBUDA.
“Os pacotes de financiamento para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento devem incluir uma quantia significativa de ajuda oficial ao desenvolvimento — noutras palavras, doações e não empréstimos.”
No uso da palavra, Ivan Duque, Presidente da COLÔMBIA, contribuiu com uma solução dentro do sistema: “Proponho à comunidade mundial que, durante um período de tempo e com o apoio do Fundo Monetário Internacional, se estabeleça uma regra a partir da qual todos os gastos e investimentos em ação climática estrutural fiquem de fora da linha tradicional que mede o défice fiscal.”
Já Luis Alberto Arce Catacora, Presidente da BOLÍVIA, propôs um regresso a práticas tradicionais. “Desde a cosmovisão dos povos indígenas que existe uma interdependência entre os seres humanos e a natureza”, recordou. “É fundamental recuperar os conhecimentos, práticas e experiências das nações e povos indígenas na construção de sociedades e ecossistemas resilientes às mudanças climáticas.”
Parece o cenário de um atentado, mas é na realidade a destruição provocada pela passagem de um furacão, no estado norte-americano da Louisiana JOE RAEDLE / GETTY IMAGES
O desejado financiamento visa apoiar a transição energética em países como o CAZAQUISTÃO, por exemplo, onde a produção de eletricidade depende em 70% do carvão. “O acesso a financiamento verde e a tecnologias verdes será crucial para esta transição”, defendeu o Presidente Kassym-Jomart Tokayev. “Esperamos um compromisso claro relativamente a essas questões na COP26, em Glasgow.”
Outro país a braços com uma revolução energética é a ESLOVÁQUIA. “Em termos per capita, a Eslováquia é o maior produtor de automóveis do mundo. Mobilidade limpa, baterias mais ecológicas desenvolvidas e produzidas localmente irão descarbonizar o transporte na Eslováquia e noutros lugares. Estamos prontos para partilhar as nossas soluções — e aprender com os melhores”, defendeu a Presidente Zuzana Čaputová. “Temos que desvincular o crescimento económico da degradação que temos causado ao planeta.”
“Temos as ferramentas para uma revolução industrial verde, mas o tempo é desesperadamente curto”, garantiu o primeiro-ministro do REINO UNIDO, Boris Johnson, um dos anfitriões da COP26. “Não estamos a falar em deter o aumento das temperaturas — infelizmente, é tarde de mais para isso —, mas em conter esse crescimento nos 1,5 graus.”
Erupção do vulcão Etna, em fevereiro passado, na ilha italiana da Sicília FABRIZIO VILLA / GETTY IMAGES
Em todo o mundo, há apenas três países com carbono negativo, isto é, que absorvem mais gases com efeito estufa do que os que emitem. São eles o Suriname, o Panamá e o Butão. Ironicamente, são também dos que pagam a fatura mais cara das alterações climáticas.
“A maior injustiça é que aqueles que mais sofrem são os menos responsáveis por esta crise existencial”, afirmou o Presidente das FILIPINAS, Rodrigo Duterte. “Emiti uma moratória sobre a construção de novas centrais a carvão e uma diretiva para explorar a opção de energia nuclear. Mas este contributo será inútil se os maiores poluidores — do passado e do presente — decidirem fazer business as usual. Apelamos a uma ação climática urgente, especialmente por parte daqueles que podem realmente fazer pender a balança.”
Responsabilidades comuns, mas diferenciadas
As razões de queixa em relação à falta de compromisso por parte do mundo desenvolvido são transversais a vários continentes. “Ironicamente, são os países que menos carbono geram, como os Estados insulares ou a minha própria região, a América Central, que se veem mais afetados pela emergência climática”, denunciou Carlos Alvarado Quesada, o Presidente da COSTA RICA, país a quem se atribui mais de 5% de toda a biodiversidade mundial.
Não muito longe, as HONDURAS orgulham-se de ser “uma das nações que mais contribuem para a conservação do ambiente”, com 50% do território coberto por floresta e 30% com o estatuto de reserva natural protegida. Na ONU, o Presidente Juan Orlando Hernández afirmou que o país é dos “mais afetados em todo o mundo por secas e chuvas destrutivas”.
Para a vizinha NICARÁGUA, situada na rota de tufões cada vez mais potentes e destruidores, impõe-se que da COP26 saiam resultados concretos baseados no princípio “Responsabilidades comuns mas diferenciadas”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Denis Moncada Colindres. “Se deixamos passar o tempo sem que os países desenvolvidos cumpram os seus compromissos, o dano à madre Terra provocado pelo aquecimento global será irreversível, sendo eles os responsáveis históricos da dita catástrofe.”
Poluição junto à costa de Ortakoy, na cidade turca de Istambul. Segundo a ONU, se os níveis de poluição marítima se mantiverem, em 2050 haverá mais plástico do que peixe nos oceanos SEBNEM COSKUN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Líder de um país pressionado pelo acolhimento de milhões de refugiados oriundos de vários conflitos do Médio Oriente, o Presidente da TURQUIA alertou para “novas e massivas vagas de migrantes” em fuga, por exemplo, à subida da água do mar ou ao avanço da desertificação sobre comunidades agrícolas e pastoris, com consequências devastadoras ao nível da segurança alimentar e da conflitualidade em torno da disputa pelos recursos.
“Pode ser possível prevenir a pandemia de coronavírus com as vacinas que desenvolvemos. No entanto, está fora de questão encontrar uma solução laboratorial dessas para as mudanças climáticas”, lamentou Recep Tayyip Erdoğan. “Por isso, também para as alterações climáticas, repetimos o nosso apelo de que ‘o Mundo é Maior do que Cinco’”, referindo-se aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), que têm direito de veto.
“Quem quer que tenha causado mais danos à natureza, à nossa atmosfera, à nossa água, ao nosso solo e à terra, e quem tenha explorado os recursos naturais de forma selvagem, deve também dar o maior contributo para a luta contra as alterações climáticas.”
AGENDA
2022
Terá lugar, em Lisboa, a II Conferência dos Oceanos, coorganizada por Portugal e pelo Quénia, entre 27 de junho e 1 de julho
Na SOMÁLIA, por exemplo, um país fustigado por um conflito secessionista e permeável às atividades de grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Al-Shabaab, há também um êxodo forçado de populações castigadas por períodos alternados de seca e inundações.
“Há um provérbio somali que diz: ‘A cidade vive das provisões do campo’. Mas, infelizmente hoje, parece que o campo foi deslocado para as grandes cidades. Isto não é sustentável”, alertou o Presidente Mohamed Abdullahi Mohamed Farmajo.
Famílias em fuga às chamas, durante os grandes incêndios que devastaram o estado da Vitória, na Austrália JUSTIN MCMANUS / GETTY IMAGES
Não muito distante da Somália, um grande país insular está em vias de se tornar o primeiro a passar por uma situação de fome provocada pelas alterações climáticas, avisou as Nações Unidas em agosto. “As vagas de seca no sul são recorrentes, as fontes de água estão a secar e todas as atividades de subsistência tornaram-se quase impossíveis”, testemunhou o Presidente de MADAGÁSCAR, Sem Andry Rajoelina. “Os meus compatriotas do Sul estão a arcar com o pesado fardo da crise climática para o qual não participam.”
À partida para Glasgow, foram muitos os apelos para que os países não poupem na ambição. Mas há também quem não tenha ilusões, em virtude das falsas promessas do passado. Como sintetizou Mohamed Irfaan Ali, Presidente da GUIANA: “Os maiores poluentes simplesmente não mantiveram a sua palavra e a desconfiança agora paira no ar.”
Resumiu Josaia Voreqe Bainimarama, primeiro-ministro das ILHAS FIJI: “Nós, humanos, somos a causa. Mas estamos a recusar tornarmo-nos a solução.”
(FOTO PRINCIPAL Os veículos de duas e quatro rodas foram substituídos por embarcações, nas ruas da cidade chinesa de Xinxiang, completamente alagada AFP / GETTY IMAGES)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui
Opções políticas e alterações climáticas contribuíram para reduzir os caudais de quatro rios históricos. Para as populações ribeirinhas sobra um mar de preocupações
Crianças brincam no rio Nilo em Assuão, no sul do Egito KHALED DESOUKI / AFP / GETTY IMAGES
Na Antiguidade Clássica, o historiador grego Heródoto rotulou o Egito como “um presente do rio Nilo”. Para oriente, o rio Jordão foi protagonista no advento do judaísmo e do cristianismo. Ainda mais para leste, entre os rios Tigre e Eufrates, floresceu a Mesopotâmia, considerada um dos berços da civilização ocidental. Hoje, a grandeza histórica destes quatro rios esvai-se nos seus caudais, cada vez menos abundantes. Por opções políticas ou pelo efeito das alterações climáticas, há cada vez menos água disponível para as populações ribeirinhas. E tudo acontece na região mais conflituosa do mundo.
NILO Uma nova praga maligna em formação
“O Egito — nação de mais de 100 milhões de almas — enfrenta uma ameaça existencial. Uma grande estrutura de proporções gigantescas foi construída ao longo da artéria que leva vida ao povo do Egito.” O alerta foi dado há um mês, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio. A construção a que Sameh Shoukry se refere é a Grande Barragem Renascentista Etíope (GERD, na sigla inglesa), que a Etiópia começou a erguer em 2011, quando o Egito estava envolvido nas convulsões populares da Primavera Árabe. Fica no Nilo Azul, principal afluente do Nilo, que nasce na Etiópia e converge com o Nilo Branco no Sudão. Para a Etiópia, o projeto reduz a pressão energética e gera eletricidade suficiente para exportar. Para o Egito, é fonte de inquietação. Com 6650 quilómetros de comprimento, o Nilo garante 90% das necessidades hídricas do país.
A 19 de julho, a Etiópia anunciou a conclusão do segundo enchimento da barragem, o que levou as autoridades do Cairo a insurgirem-se contra as ações unilaterais de Adis Abeba. O Nilo corre de sul para norte, pelo que só chega ao Egito a água que o Sudão e a Etiópia deixarem passar. “Sempre dissemos aos nossos irmãos da Etiópia e do Sudão que os respeitamos e nos preocupamos com o seu direito à vida, tal como com o nosso. Eles têm direito a produzir eletricidade, na condição de isso não afetar a quantidade de água que nos chega”, disse, no final de julho, o Presidente Abdel Fattah al-Sisi, homem forte do Egito.
“Os danos que a GERD pode infligir afetarão todos os aspetos da vida do povo egípcio, qual praga maligna”, alerta Shoukry, recuperando a analogia bíblica das “10 pragas” para traduzir o drama atual. “O enchimento unilateral da barragem, sem um acordo que inclua os cuidados necessários para proteger as comunidades a jusante e prevenir danos significativos, aumentará as tensões e poderá provocar crises e conflitos que desestabilizem ainda mais uma região já de si conturbada.” Das Nações Unidas vêm apelos para que Egito, Sudão e Etiópia se entendam à mesa das negociações, mediadas pela União Africana. “A disputa relativamente à GERD não vai evoluir para uma guerra aberta entre os três países (ou entre dois deles). É um cenário altamente improvável”, diz ao Expresso Ana Elisa Cascão, investigadora independente e coautora de “The Grand Ethiopian Renaissance Dam and the Nile Basin” (“A Grande Barragem Renascentista Etíope e a Bacia do Nilo”). “Uma guerra ‘hídrica’ não beneficiaria absolutamente ninguém, e os custos reputacionais seriam imensos para todos. Nos últimos anos, a GERD, como ‘carta política’, tem basicamente sido usada para efeitos de política interna nos três países. Externalizar problemas internos é uma arte que todos eles dominam, mas que tem limites.”
TIGRE E EUFRATES Caudais a diminuir como nunca antes
Nascem na Turquia, desaguam no sul do Iraque e atravessam também a Síria. Espraiam-se por muitos quilómetros — o Eufrates tem 2800 quilómetros, o Tigre 1900 — em países que ora cooperam ora estão em guerra, entre si ou com terceiros. Mais do que as guerras, é o megaprojeto do Sudeste da Anatólia que tem suscitado mais preocupações relativamente ao potencial de irrigação dos dois rios.
Projetada para desenvolver 10% do território turco, esta iniciativa multissectorial prevê a construção de 22 barragens ao longo dos dois rios, a maior das quais a barragem Ataturk (nome do fundador da Turquia moderna), no curso do Eufrates.
Para o Iraque, que recolhe dos dois rios 90% da água doce que consome, o impacto das variações dos caudais é enorme. “Este ano vimos uma redução na precipitação anual de 50% em relação ao ano passado”, alertava no ano passado Mahdi Rashid Al-Hamdani, ministro dos Recursos Hídricos iraquiano, num momento de stresse hídrico. “Solicitámos ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros que envie uma mensagem urgente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia a perguntar qual é o motivo para a quebra do nosso fluxo.”
Bagdade e Ancara têm acordos em vigor sobre a partilha da água, mas há que cumpri-los. Alguma da água em falta no Iraque ficou retida na Turquia, no reservatório da barragem de Ilisu (uma das 22 projetadas), que começou a funcionar no rio Tigre.
Paralelamente às opções políticas nacionais, as alterações climáticas justificam muitas das fragilidades ambientais. Nas últimas semanas, uma seca acentuada na região de Erbil, capital do Curdistão iraquiano (norte), originou grave escassez de água, que levou as autoridades locais a detalhar apelos: “Racionem o consumo e o uso de água e coloquem válvulas nos tanques de água para reduzir o desperdício.” A cidade depende em grande parte da água do rio Zab, afluente do Tigre.
No ano passado, um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) apurou que os caudais do Tigre e do Eufrates estão a diminuir “a uma taxa sem precedentes”, com impacto direto na deslocação de populações. “Em julho de 2019, a OIM no Iraque identificou 21.314 pessoas deslocadas internamente de províncias do centro e do sul devido à falta de água, a fontes de água com alto teor de salinidade ou a surtos de doenças transmitidas pela água.”
Em 2018, os grandes protestos populares que se realizaram no sul do Iraque também tiveram origem na escassez de água potável e nas falhas de eletricidade. Aconteceu o mesmo no Irão, no mês passado, na província de Khuzestan, na fronteira com o Iraque. Segundo o serviço meteorológico iraniano, entre outubro de 2020 e junho deste ano, o país viveu os meses mais secos dos últimos 53 anos.
JORDÃO Usar a água para fazer política
Há menos de um mês em funções, o novo Governo de Israel elevou a questão da água à categoria de prioridade política. No início de julho, o primeiro-ministro Naftali Bennett encontrou-se em Amã com o rei da Jordânia, Abdullah II. O governante israelita comunicou ao monarca que Israel estava disposto a vender à Jordânia mais água do que aquela a que está obrigado pelo acordo de paz de 1994, que dividiu entre ambos o acesso às águas dos rios Jordão e Yarmuk.
A Jordânia enfrenta uma grave escassez de água, que é explicada em parte pela matemática: se em 1950 o reino tinha menos de meio milhão de habitantes, hoje tem 10 milhões, embora só tenha recursos hídricos para sustentar 2 milhões.
Com este gesto de boa vontade, a Jordânia viu o seu problema temporariamente menorizado. Já Israel reabilitou uma relação que se degradara de forma substancial nos últimos anos, condenando à morte o acordo Red-Dead de 2015, que iria ligar o Mar Vermelho (Red) ao Mar Morto (Dead) através de canalização, complementada por centrais de tratamento de água nas duas margens.
Este projeto visava salvar o Mar Morto, que está em acelerado estado de degradação, originando sumidouros com dezenas de metros de diâmetro, num território que mais parece ter sido alvo de bombardeamentos. É neste ecossistema que desagua o rio Jordão, ainda que em quantidades cada vez menores, em virtude dos desvios de água realizados ao longo do seu curso, partilhado por Israel, Síria, Jordânia e território palestiniano da Cisjordânia, ocupado por Israel.
Se na margem esquerda do Jordão a situação é de escassez, na direita é agravada pela ocupação israelita da Palestina, que garante a Israel controlo sobre toda a água entre o rio e o Mar Mediterrâneo. Ao Expresso, Marta Silva, estudiosa das relações entre Israel e a Palestina, identifica o momento-chave em que os palestinianos perderam o acesso aos recursos hídricos: “Em 1967, quando Israel conquistou os territórios palestinianos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.” A especialista explica que “o objetivo era garantir a colonização da região do vale do Jordão, a mais rica a nível de recursos aquíferos, logo com mais terras aráveis e férteis” — o celeiro da Palestina. Hoje, diz a organização EWASH, no vale do Jordão, um colono israelita gasta 81 vezes mais água do que um residente palestiniano.
Artigo publicado no “Expresso”, a 6 de agosto de 2021. Pode ser consultado aqui
Mais de 15 mil fogos florestais, num ano anormalmente quente e seco, estão na origem de um dos piores desastres naturais que a Austrália já viveu. Passado um ano, o país tem em mãos a tarefa da regeneração de milhões de hectares de terra queimada. “A natureza precisa de nós, agora mais do que nunca”, diz ao Expresso um responsável do World Wildlife Fund-Austrália. A partir de Portugal há pessoas a apoiar a recuperação de coalas apanhados pelo fogo
Se para qualquer pessoa em qualquer parte do mundo o ano de 2020 foi tragicamente inesquecível, para muitos australianos foi-o duplamente. Ainda o novo coronavírus não tinha surpreendido fora da China e partes do país eram engolidas por gigantescos incêndios florestais.
A época dos fogos é, por natureza, impactante num país que é o sexto maior do mundo em superfície e o sétimo em termos de área florestal. Mas entre junho de 2019 e fevereiro de 2020, a estação dos fogos assumiu proporções inéditas — mais prolongada, extensa e grave.
15.000 incêndios deflagraram por todo o país
33 pessoas morreram nos fogos
19 milhões de hectares de matas e florestas foram reduzidos a cinza
Só no estado de Nova Gales do Sul, arderam 6.897.000 hectares — o território de Portugal mede 8,7 milhões de hectares.
“Estes incêndios florestais foram dos piores desastres naturais que a Austrália já viveu”, diz ao Expresso Darren Grover, coordenador de Paisagens Terrestres e Marinhas Saudáveis da organização ambientalista World Wildlife Fund — Austrália.
“Estima-se que 3000 milhões de animais tenham sido mortos ou deslocados e até 7000 milhões de árvores tenham sido destruídas ou danificadas. Embora a natureza já tenha começado a regenerar-se, muitas florestas levarão décadas a recuperar. Algumas podem até nunca voltar ao seu estado anterior.”
Um ano depois, a Austrália está a braços com a tarefa da reconstrução de mais de 3100 casas queimadas e da recuperação de milhões de hectares de área ardida. “Os incêndios florestais causaram uma perda impressionante para a natureza, que requer uma ação em larga escala, e o reconhecimento de que não podemos continuar com o business as usual”, defende Darren Grover.
Em outubro, a WWF-Austrália lançou um programa para cinco anos, orçado em 300 milhões de dólares (247 milhões de euros). “É um plano de ação arrojado para ajudar a resolver os problemas criados pelos incêndios e para garantir que o ambiente, as pessoas e a vida selvagem prosperem. O ‘Regenerar a Austrália’ será o maior e o mais inovador programa de recuperação da vida selvagem e de regeneração da paisagem, na história da Austrália. O programa ajudará a repovoar, reabilitar e restaurar a vida selvagem e habitats, impulsionar a agricultura sustentável e preparar o futuro da Austrália contra desastres climáticos.”
Uma batalha em quatro frentes
O programa ‘Regenerar a Austrália’ assenta em quatro eixos:
Plantar 2000 milhões de árvores, para estancar as perdas ao nível da biodiversidade e, ao mesmo tempo, proteger e restaurar os habitats nativos.
Apostar nas energias renováveis, para que se reduza o consumo de carbono no país e para que a Austrália se torne uma potência exportadora de energias renováveis.
Recorrer à inovação, mobilizando mentes que possam contribuir com soluções brilhantes para a regeneração do país.
Proteger os coalas. A meta deste eixo é a duplicação do número de coalas na costa leste até 2050.
Uma das imagens de marca da Austrália, os coalas foram uma das espécies mais atingidas pelos fogos. “O tamanho da população de coalas na Austrália é desconhecido. Eles são animais bastante tímidos e esquivos, o que torna difícil determinar o seu número com precisão”, explica Darren Grover.
“Antes dos incêndios florestais, prevíamos que os coalas no leste da Austrália se iriam extinguir até 2050, devido ao corte excessivo de árvores para o desenvolvimento agrícola e urbano. Agora a situação piorou.”
Um estudo encomendado pela WWF-Austrália apurou que mais de 60 mil coalas foram afetados pelos incêndios, incluindo mais de 41 mil na Ilha dos Cangurus, a sul do território continental, mais de 11 mil no estado de Victoria, quase 8000 em Nova Gales do Sul e quase 900 em Queensland.
Carros e cães são ameaças
“Infelizmente, os sortudos que sobreviveram aos incêndios ainda enfrentam ameaças de destruição de habitat e das mudanças climáticas”, alerta o responsável da WWF-Austrália.
“A destruição dos habitats para o desenvolvimento agrícola e urbano significa, para os coalas, passarem mais tempo no solo em busca de novo abrigo. Isso torna-os mais vulneráveis a serem atropelados por carros e atacados por cães, aumentando os seus níveis de stresse, o que pode levar a doenças como a clamídia.”
A WWF-Austrália dedica aos coalas uma atenção particular. Através do programa “Adote um coala”, é possível ajudar à recuperação de espécimes feridos: uma mensalidade de 15 dólares (€12) ajuda ao fornecimento de curativos e remédios e de 30 dólares (€24) contribui para a plantação de um corredor de árvores para proteger habitats ameaçados.
4 pessoas apoiam, a partir de Portugal, o programa “Adote um Coala”
A diminuição da população de coalas é um drama que tem vindo a avolumar-se por circunstâncias paralelas aos incêndios sazonais. “As alterações climáticas reduziram os níveis de nutrientes nas folhas dos eucaliptos, a principal fonte de alimento dos coalas. Também há fortes evidências do impacto das secas e das temperaturas extremamente altas sobre os coalas”, diz Darren Grover.
“No rescaldo dos incêndios florestais, é mais importante do que nunca proteger as colónias de coalas sobreviventes e as florestas que não arderam, especialmente contra a extração de madeira e a sua destruição.”
Na Austrália esta enorme catástrofe natural levou a discussão para o campo das alterações climáticas. Os fogos começaram no ano mais quente e mais seco de que há registo. E as previsões apontam para um aumento em 25% do risco de fogos extremos em 2050 e em mais 20% em 2100.
A WWF-Austrália está no terreno, mas subitamente todo o trabalho de campo ficou fortemente condicionado pelos confinamentos a que a pandemia de covid-19 obriga. “A WWF-Austrália vai testar drones dispersores de sementes para plantar árvores e criar novos corredores de habitat para coalas”, refere Darren Grover.
“Estamos também a defender leis ambientais mais fortes, que sejam devidamente aplicadas e financiadas para proteger as nossas florestas e bosques. Responder aos impactos dos incêndios florestais durante uma pandemia global tem sido um desafio, mas o nosso trabalho não pára. A natureza precisa de nós, agora mais do que nunca.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.