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Corrida contra o tempo nas alterações climáticas

O tema central do relatório das Nações Unidas são as alterações climáticas. Com uma apresentação simultânea a nível mundial, incluindo em Lisboa, o documento apela à redução das emissões de gases com efeito de estufa

“O problema das alterações climáticas é o desafio determinante que vamos enfrentar no século XXI.” Resume-se assim a grande mensagem do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, apresentado esta terça-feira em simultâneo nos cinco continentes. Vindos de Nova Iorque, em Lisboa estiveram Pedro Conceição e Isabel Pereira, dois técnicos portugueses do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O relatório, que este ano se intitula “Combater as alterações climáticas: Solidariedade humana num mundo dividido”, apela a que os governos estabeleçam uma meta comum para evitar alterações climáticas perigosas, defendendo um limite de 2 graus celsius. O actual nível é de 0,7, mas mantendo-se este ritmo a temperatura média global aumentará 5 graus até ao fim do século. Para combater este problema, o relatório propõe um orçamento de carbono, com vista a reduzir as emissões de um modo geral.

O documento apela ainda aos países desenvolvidos que reduzam as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 80% até 2050. Já aos países em desenvolvimento, é pedida uma redução de 20%.

Com os governos a prepararem-se para um reunião crucial em Bali, Indonésia, onde vão negociar um sucessor para o Protocolo de Quioto, os autores do relatório têm neste encontro uma oportunidade única para debater o problema das alterações climáticas.

Artigo publicado no Expresso Online, a 27 de novembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Paraísos ao fundo

Perdidas na imensidão dos oceanos, pequenas ilhas correm o risco de ficar submersas. A confirmar-se as alterações climáticas recentemente projectadas, o mar ameaça engolir países inteiros

A ilha Havelock, no Mar de Andamão, pertence à Índia DR. K. VEDHAGIRI / WIKIMEDIA COMMONS

Se o leitor está em vésperas de se casar e sonha com uma lua-de-mel nas Maldivas ou se está determinado a viajar até ao Tuvalu para apreciar coloridos recifes de corais, saiba que, provavelmente, no tempo dos seus netos, Maldivas e Tuvalu serão duas lendas — tal qual a Atlântida —, perdidas nas profundezas dos oceanos. Se os peritos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas tiverem razão, até 2100 o nível do mar subirá entre 18 e 59 centímetros. Que hipóteses em manter-se à tona terá então o Tuvalu, cujo ponto mais alto não vai além dos 4,5 metros, ou as Maldivas, cuja altitude média é de 1,5 metros?

É mais do que evidente que o nosso país está em perigo e que precisamos de agir para assegurar a nossa sobrevivência, afirmou recentemente o Presidente das Maldivas, Maumoon Abdul Gayoom. Para ele, as 1192 ilhas de palmeiras, água límpida, praias paradisíacas e exóticos resorts — a imagem de marca das Maldivas — estão condenadas a desaparecer dentro de poucas gerações.

A ameaça dos oceanos sobre os países insulares vem-se sentindo a um ritmo lento mas constante. Nos últimos 100 anos, o mar subiu 25 centímetros. Há oito anos, o Pacífico engoliu as primeiras ilhas desabitadas, no atol de Kiribati. Logo as atenções se viraram para as Carteret, na Papua-Nova Guiné, temendo-se que pudessem vir a ser as primeiras ilhas habitadas a serem submersas. Em Dezembro passado, um estudo da Universidade Jadavpur, de Calcutá, atribuiu essa distinção à ilha de Lohachara, na Índia, outrora habitada por 10 mil pessoas.

Insignificantes politicamente — ainda que representando 5% da população mundial —, as pequenas ilhas são a linha avançada dos territórios a experimentar, em primeira-mão, os efeitos adversos das alterações climáticas. Em sua defesa, os cálculos do Painel Intergovernamental revelam que elas são responsáveis por apenas 1% das emissões globais de gás com efeito de estufa. Ironicamente, o campeão mundial da produção de dióxido de carbono per capita é as ilhas Virgens.

Um dos primeiros sintomas do avanço do mar terra adentro são as migrações forçadas que já se fazem sentir. Um estudo recente das Nações Unidas prevê que, até 2010, cerca de 50 milhões de pessoas tornar-se-ão refugiados ambientais, obrigados a abandonarem as suas casas devido à desertificação, à subida das águas dos mares ou a catástrofes naturais cada vez mais devastadoras. Na Indonésia, o Ministério do Ambiente já anunciou que até 2030, o país perderá 2000 das suas 17 mil ilhas. O arquipélago das Bahamas é outro candidato a paraíso submerso. Mas reduzir a ameaça dos oceanos às pequenas ilhas seria redutor. Países como a Holanda, o Egipto, o Vietname ou o Bangladesh, e cidades como Tóquio, Xangai, Hong Kong, Mombai (ex-Bombaim), Calcutá, Carachi, Buenos Aires, São Petersburgo, Nova Iorque, Miami e Londres são vulneráveis à subida do mar. A maioria das 25 megacidades existentes no mundo — metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes — situam-se nas faixas costeiras e em países em desenvolvimento.

No ano passado, discursando nas Nações Unidas, o primeiro-ministro do Tuvalu, Saufatu Sapoaga, afirmou que a ameaça do aquecimento global não difere muito de uma lenta e traiçoeira forma de terrorismo. Fátima Veiga não vai tão longe, mas alerta para as consequências, a longo prazo, das alterações climáticas: Provocarão migrações em massa, problemas decorrentes do acesso aos recursos hídricos e ainda problemas em matéria de gestão dos recursos marinhos e dos recursos naturais. Tudo isso poderá ser fonte de tensão, crise e perturbação entre países. E sendo assim, poderá também constituir um factor de ameaça à estabilidade e à paz no mundo.

Afectado por uma seca profunda há várias décadas, o arquipélago de Cabo Verde é a prova de como o apetite devorador dos oceanos não ameaça somente as ilhas do Pacífico, do Índico ou das Caraíbas. A erosão da zona costeira é uma realidade que tem vindo a agravar-se graças à intervenção humana. Temos um boom da construção muito forte e as pessoas vão às praias apanhar areia para a construção. Isso provoca não só a erosão como também a salinização de terrenos que eram votados à agricultura, afirmou ao “Expresso” Fátima Veiga, embaixadora cabo-verdiana nas Nações Unidas.

Como em muitos outros países com recursos e configuração geográfica limitados, em Cabo Verde a pobreza é um aspecto transversal a esta luta, estando na origem de atentados ambientais. Desde a independência, levamos a cabo uma campanha de arborização, mas, infelizmente, porque as populações necessitam de lenha para a confecção dos alimentos, muitas dessas matas foram destruídas, refere a diplomata. A nossa luta prende-se com a mudança de mentalidades e com a criação de condições para o desenvolvimento das populações, acrescentou.

Nos corredores da ONU, a embaixadora cabo-verdiana é uma espécie de porta-voz da vulnerabilidade das pequenas ilhas perante a crescente agressividade da natureza. Fátima Veiga é vice-presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), uma coligação de 43 ilhas — tão heterogéneas quanto Cuba, Vanuatu ou Singapura — que tenta sensibilizar a comunidade internacional para as suas vulnerabilidades.

A outra parte do combate é travada internamente, pelos governos, no sentido de adaptar a vida das populações às novas circunstâncias. Em Cabo Verde, estamos a pôr em prática uma política nacional de promoção das energias renováveis. Temos um estudo — Estratégia para as Energias Renováveis — que prevê a elaboração de um atlas eólico para todas as ilhas, a aquisição de equipamento e formação de pessoas nessa área», explica a embaixadora. Há toda uma série de medidas destinadas a diminuir o recurso às fontes fósseis para produção de energia e a aumentar o recurso a certas fontes de energia renováveis.

Artigo publicado na revista Única do “Expresso”, a 17 de fevereiro de 2007

O país que desapareceu por um dia

As marés vivas são uma crescente ameaça à vida no Tuvalu, que corre o risco de desaparecer de vez do mapa

Vista aérea sobre Funafuti, a capital do Tuvalu LILY-ANNE HOMASI / DFAT / WIKIMEDIA COMMONS

Há países que só em circunstâncias muito excepcionais conquistam espaço no noticiário internacional. É o caso do Tuvalu, um arquipélago perdido no Pacífico, a meio caminho entre a Austrália e o Havai, que, uma vez por ano, se vê na iminência de ser engolido pelo mar. Estamos só dois ou três metros acima do nível do mar, tão espalmados como uma omeleta. Não temos para onde subir, diz Mataio Tekinene, do Ministério do Ambiente local.

Na semana passada, o Tuvalu — 26 quilómetros quadrados dispersos por nove atóis, nenhum deles a mais de 4,5 metros acima do nível do mar —esteve parcialmente submerso pelo Pacífico, após ondulações três metros mais altas do que o habitual terem inundado casas, escritórios e parte do aeroporto de Funafuti, a capital.

É assim todos os anos, e os 11.500 habitantes do arquipélago parecem já estar habituados ao fenómeno. “Já não se preocupam com o que vai acontecer. Acomodam-se à mesma situação que já viveram em anos anteriores. Ficam em casa durante as marés vivas e desfrutam da enchente no exterior das suas casas”, afirma Tekinene.

Em 2001, a água chegou aos 3,3 metros, e o susto foi valente. “Temos marés cada vez mais altas e alagamentos maiores”, declara Hilia Vavae, meteorologista local. Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. “Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha”, acrescenta.

Com maior ou menor contratempo, a vida vai sendo possível no Tuvalu, embora as condições de sobrevivência estejam cada vez mais comprometidas: o avanço da água salgada contamina as reservas de água potável, provoca a erosão dos solos e inviabiliza as plantações.

Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha

Para algumas correntes científicas, o afundamento das ilhas é uma consequência directa do uso indevido da terra e da pressão populacional. Em territórios exíguos como o Tuvalu, o destino a dar ao lixo ou os exageros cometidos pela construção civil ganham a dimensão de verdadeiras questões de Estado. Mas as autoridades locais preferem responsabilizar o aquecimento do planeta pelo “mergulho” do arquipélago.

Durante as negociações do Protocolo de Quioto, não se cansaram de chamar a atenção para o perigo de os habitantes se tornarem a primeira legião de refugiados ambientais, “vítimas mundiais das alterações climáticas”. Então, o secretário-geral da ONU alertou para a existência de “problemas no paraíso”. O Tuvalu aproveitou o tempo de antena que Kofi Annan lhe concedeu e tentou convencer os vizinhos australianos e neo-zelandeses a conceder aos seus cidadãos um regime especial de emigração para as ocasiões em que o país se torne inabitável.

Mas ninguém parece interessado em encarnar o papel de salvador de nações alagadas. Por isso, 12 anos após Quioto, o paraíso continua ameaçado e corre o risco de desaparecer do mapa.

Artigo publicado na revista Única do Expresso, a 28 de fevereiro de 2004

Maleitas da Terra

Amanhã, comemora-se mais um Dia da Terra, ocasião em que se faz, tradicionalmente, a radiografia dos males do Planeta e se propõem algumas terapias. Este ano, o lema da campanha a favor da saúde do globo é «Energia limpa, já»

Amanhã, sábado, comemora-se o 30º Dia da Terra e mais uma vez ecoarão as vozes de ambientalistas de todo o mundo alertando para as maleitas do Planeta Azul. De facto, a Terra está doente e há pelo menos 40 anos que dá sinais disso. Com o passar do tempo, os sintomas agravaram-se, o declínio dos ecossistemas tornou-se mais visível. À beira do século XXI, a Terra corre o risco de deixar de poder alimentar a vasta diversidade de vida que suporta e a economia mundial.

O lema deste Dia da Terra é «Energia limpa já» e apela à substituição dos recursos energéticos que provocam o efeito de estufa por recursos naturais, como a energia solar e eólica. Mas os ecologistas sabem que é difícil convencer os Governos a pôr em prática protocolos e tratados e levar as grandes indústrias que produzem petróleo, carvão ou carros e que desbastam árvores a mudar de ramo.

Se o declínio continuar, «as implicações serão desastrosas para o desenvolvimento humano e a saúde de todas as espécies», alerta um relatório que será publicado em Setembro pela ONU, Banco Mundial e Instituto de Recursos Mundiais. Mais de 175 cientistas contribuíram para este estudo, intitulado «População e Ecossistemas: A Desgastante Rede da Vida».

Existem cinco ecossistemas principais no planeta que dão sinais de desgaste devido ao impacto da acção humana: florestas, redes de água doce, habitats marítimos e costeiros e terras de pastagem e de agricultura. São eles que temperam o clima, purificam e restauram águas, reciclam desperdícios e produzem alimentos.

Ao interferir nos mais básicos mecanismos do planeta, o Homem altera os principais ciclos do seu sistema. Ao bombear grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, o Homem não repara que a terra e o mar não têm capacidade de o reabsorver e que acumulam gases, originando o efeito de estufa (cerca de 20 quilómetros acima das nossas cabeças), aquecendo e desafiando o clima.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o tráfego automóvel é o mais rápido produtor de poluição do ar na Europa e mata mais pessoas prematuramente (doenças respiratórias e cardíacas) do que os acidentes de automóvel.

À beira do colapso

Nos últimos 20 anos, a economia global triplicou e a população mundial cresceu 30%, concentrando-se nos meios urbanos e no litoral e alterando as regiões costeiras. A pressão populacional em certas zonas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, é responsável por catástrofes naturais, como a que devastou a América Latina em 1999. Ao longo do último século, perdeu-se metade das terras húmidas do planeta, sendo a desflorestação tropical de 130 mil quilómetros quadrados por ano. Com a desflorestação e as alterações climáticas aumentou o número de ciclones e de inundações, como os que atingiram 14 milhões de pessoas na China em 1998.

A alteração do clima faz os glaciares derreter e o nível das águas dos oceanos subir, levando ao desaparecimento futuro de pequenas ilhas ou mesmo de cidades costeiras. O Homem continua a pescar acima do sustentável, colocando à beira do colapso uma série de espécies piscícolas, como é o caso do bacalhau do Atlântico Norte, que atirou para o desemprego 300 mil canadianos e arruinou a economia de 700 comunidades.

Actualmente, 58% dos recifes de coral estão em perigo, 80% das terras de pasto sofrem de degradação dos solos, 20% das terras secas correm o risco de se transformar em desertos, os lençóis freáticos estão a ficar esgotados. Os seres humanos já utilizam metade da água doce disponível no planeta e constatam que dois terços das terras agrícolas estão de algum modo afectadas. Isto levanta uma questão: como é que se vai alimentar uma população com perto de oito mil milhões de pessoas em 2020? (Texto de Carla Tomás)

POPULAÇÃO. A população mundial ultrapassou, com o nascimento do pequeno Adnan, a 12 de Outubro de 1999, em Sarajevo — celebrado, em todo o mundo, como o «bebé 6 mil milhões» —, mais uma fasquia do seu imparável crescimento. Mas se Adnan simboliza a vida — e portanto a «população» como um recurso —, a distribuição desequilibrada das pessoas pelo planeta transforma a «população» num factor de degradação ambiental. Cerca de 20% da população mundial habita as regiões mais desenvolvidas da Terra, enquanto 80% concentra-se nas menos desenvolvidas — mais de metade das quais no continente asiático. A Ásia é, aliás, uma região verdadeiramente explosiva, em termos demográficos. Cinco das dez «bombas humanas» — os países que têm mais de 100 milhões de habitantes — são asiáticas e, de entre elas, China e Índia protagonizam uma disputa pelo título de país mais populoso do mundo: se hoje é a China, com mais de 1200 milhões de habitantes, em 2050, segundo a ONU, será a Índia, com mais de 1500 milhões de pessoas. A cidade mais populosa do mundo é igualmente asiática — Tóquio, com mais de 27 milhões de pessoas. Aliás, nove das dezasseis megacidades — metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes — situam-se na Ásia. Mas se é o continente asiático que detém os índices mais preocupantes no que respeita à distribuição demográfica, é África que protagoniza o crescimento mais espectacular. Segundo a ONU, de 1995 a 2000, a taxa de fecundidade total em África é superior a 5,31 filhos por mulher (em idade de procriar). (Texto de Margarida Mota)

CATÁSTROFES NATURAIS. As catástrofes naturais não existem, já dizia Jean-Jacques Rousseau no século XVIII a propósito das tragédias provocadas na época por sismos em zonas sobrepopuladas. Esta constatação foi sendo confirmada com a crescente interferência da acção humana junto das vulnerabilidades naturais. Calcula-se que tais catástrofes tenham triplicado nos últimos 30 anos e que o risco seja cada vez maior, devido às alterações climáticas (aquecimento do planeta) e à combinação da demografia e da pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento. O aumento da concentração das populações nas grandes zonas urbanas (sobretudo no litoral e em zonas de falhas sísmicas), a par com o desordenamento urbano, a fragilidade das construções e a falta de mecanismos de prevenção e socorro, são factores que potenciam os efeitos devastadores de qualquer terramoto, inundação ou ciclone. Com base num relatório sobre as catástrofes ocorridas em 1998, a Cruz Vermelha Internacional alertava para o facto de o mundo estar a entrar «numa nova era de superdesastres», devido à degradação ambiental (saturação dos solos), ao aquecimento global (subida do nível dos mares e da temperatura) e ao crescimento populacional. O «pior ano de que há memória» (1998) registou um conjunto de desastres naturais — ciclone «Mitch», na América Central, inundações na China, Vietname, Coreia e Filipinas, dois terramotos no Afeganistão e o maremoto na Papua-Nova Guiné — que provocaram cerca de 35 mil mortos e mais refugiados do que os conflitos bélicos juntos. Presente na memória estão também os desastres de 1999 e início de 2000: as piores inundações dos últimos 50 anos em Moçambique (500 mortos), ou as enxurradas que assolaram o Sul da Ásia (oito mil mortos na Índia); os terramotos que devastaram a Turquia (15 mil mortos), a Grécia (70) ou Taiwan (2 mil); ou o calor excessivo e as chuvas torrenciais na Europa. A multiplicação confirma a tendência. O Painel intergovernamental da ONU para a Mudança Climática prevê que, no próximo século, a temperatura aumente entre dois a seis graus. (Texto de Carla Tomás)

DESERTIFICAÇÃO. A desertificação dos solos é a catástrofe natural que mais pessoas afecta em todo o mundo. Em números redondos, 1000 milhões de pessoas vivem ameaçadas pelo fenómeno, 250 milhões são directamente afectadas e 25 milhões já fogem dele — originando uma nova condição de migrantes, os «refugiados ambientais». Cerca de 40% da superfície terrestre corresponde a solos secos, os quais, sendo responsáveis pela produção da maior parte dos alimentos que consumimos, são também os mais susceptíveis à erosão. Logo, se a produtividade das terras é condicionada, a segurança alimentar é directamente posta em causa. Além das alterações climáticas — um longo período de seca severa originou, em África, o Sahel —, as causas da desertificação derivam, cada vez mais, da intervenção humana: práticas agrícolas desadequadas às características dos ecossistemas, a desflorestação e a sobrexploração das terras (quer para pastagens quer para cultivo). A desertificação — que afecta cerca de 120 países — assemelha-se a uma onda que, ao avançar, vai empurrando toda e qualquer forma de vida para ecossistemas em equilíbrio que, naturalmente, entram em regressão. Além das consequências ambientais — alterações climáticas, fraca produtividade e perda da biodiversidade —, a pressão social resultante dessa concentração populacional potencia a ocorrência de relações conflituosas. (Texto de Margarida Mota)

ÁGUA. A água dos oceanos e mares cobre 71% da superfície da terra, constituindo o maior ecossistema do planeta, com uma variedade de «habitats» e uma riqueza de biodiversidade maior do que a terrestre. Os oceanos funcionam como reguladores da composição atmosférica, ciclo de nutrientes e controlo biológico dos sistemas naturais. Contudo, os ecossistemas marítimos estão sob grande pressão, devido ao crescimento populacional, concentrado nas zonas costeiras, às substâncias poluentes derivadas da actividade humana em terra (77% da poluição marítima) e à excessiva e massiva intervenção das frotas pesqueiras (que fazem capturas 40% superiores ao nível de sustentabilidade). Os pesticidas utilizados na agricultura ou os isótopos radioactivos (provenientes das descargas de centrais nucleares ou de ensaios balísticos) desaguam nos mares, provocando um impacto ambiental e interferindo na cadeia alimentar. Por seu lado, as barragens e diques — que permitem vida humana em zonas outrora inabitáveis, irrigando a agricultura — são também vistas como uma ameaça ao meio ambiente, impedindo os rios de chegarem ao mar, alterando os seus ecossistemas e dizimando espécies. A alteração climática e consequente aquecimento global fez subir os mares entre 10 e 25 centímetros em cem anos. Por cada centímetro de aumento, um metro de praia entra em erosão; por cada 10 centímetros, a água salgada penetra nos estuários e fá-los recuar um quilómetro; por qualquer aumento do nível do mar, cresce a salinidade das aquíferas de água doce. Um terço da população do Planeta Azul vive presentemente em condições de «stress hídrico» — ou seja, o consumo de água é 10% superior à reserva global de água doce. Mas este recurso vital está também desigualmente distribuído. E enquanto uns esbanjam o que podem vir a deixar de ter, outros economizam o que já escasseia. (Texto de Carla Tomás)

DESFLORESTAÇÃO. A desflorestação do que ainda resta dos 6 mil milhões de hectares que, em tempos, cobriram o planeta é semelhante à marcha de um «bulldozer» gigante que, anualmente, derruba, pelo menos, 16 milhões de hectares de árvores. Hoje, somente um quinto da cobertura vegetal original do planeta permanece intacta — 70% estendem-se ao longo de apenas três países (Brasil, Canadá e Rússia). Mas as exigências da vida moderna, designadamente o crescente consumo de papel e de madeira, deixa antever que, mais uma vez, é a intervenção humana que causa os maiores estragos. Paralelamente ao desbaste de árvores, a procura de terras para cultivo bem como a prática de queimadas completam o leque das principais ameaças. Segundo a agência das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO), na Amazónia, cerca de um terço dos fogos são ateados para desbastar zonas de floresta virgem. As grandes florestas são autênticos armazéns da biodiversidade — 50 milhões de indígenas habitam nas florestas tropicais —, além de funcionarem como mecanismos reguladores do ciclo da água, pelo que a sua destruição pode condicionar a sobrevivência do planeta. «Parar com a destruição destas florestas é, possivelmente, o sinal mais visível do desenvolvimento sustentado», afirmou, recentemente, Thilo Bode, director-executivo internacional da Greenpeace. (Texto de Margarida Mota)

EXTINÇÃO. A maior extinção massiva de espécies desde o desaparecimento dos dinossauros, há 65 milhões de anos, está a acontecer agora… por culpa do homem. E, se continuar a este ritmo, num futuro próximo, entre um e dois terços das espécies (de todas as ordens e classes) correm o risco de extinguir-se… e em cem anos pode desaparecer metade. As zonas do Globo mais atingidas ocupam só um quarto da superfície terrestre, mas é aí que vivem mais de um terço das espécies florestais e de vertebrados. Muitas delas estão ameaçadas devido à destruição do seu «habitat» natural, entretanto arrancado, queimado, sobrepovoado, excessivamente poluído, explorado ou vítima das alterações climáticas. Outras extinguem-se devido à pesca excessiva e à caça furtiva. para atender à procura de peles, amuletos, «souvenirs», medicina tradicional ou alimento. Entre as espécies animais mais ameaçadas estão o tigre de Bengala, o panda gigante, a tartaruga do mar, o rinoceronte de Sumatra, o antílope tibetano, o tubarão-baleia, a baleia azul, o gorila da montanha, o golfinho chinês e o elefante africano e asiático. Devido ao abusivo abate de elefantes e tigres, continua a ser travada uma «guerra de forças» entre os países que querem continuar a comercializar marfim, peles e ossos, e os que querem impor a total interdição do seu comércio. Nos mares, cerca de 70% das reservas de peixe estão no seu limite biológico e, nos rios, 20% dos peixes de água doce estão ameaçados de extinção. Cada vez que se perde uma espécie animal ou vegetal, o complexo equilíbrio da vida na Terra é abalado. Os nossos descendentes correm o risco de herdar um planeta homogéneo e de grande pobreza biológica. (Texto de Carla Tomás)

DO ACTIVISMO AO ECOTERRORISMO

Crescentemente, têm-se registado actos violentos perpetrados por organizações ambientalistas radicais, dando origem a um novo tipo de fundamentalismo — o ecoterrorismo —, defensor de todo e qualquer método para proteger a natureza.

Não usando métodos terroristas, a maior organização ambientalista mundial — a Greenpeace —, nascida há 25 anos, tem contudo vindo a «aterrorizar» muitos Governos e indústrias mundiais. Depois de uma fase inicial de luta contra o nuclear e a caça às baleias, a Greenpeace tem estendido a sua acção para a área dos resíduos, transgénicos, florestas e alterações climáticas. Sempre com irreverência, imaginação e polémica e sustentada em pareceres científicos de investigadores de nomeada.

Em Portugal, a associação que mais se aproxima destes métodos é a Quercus. Aliás, quando a Greenpeace decide intervir em Portugal — o que já aconteceu por três vezes nos últimos anos — recorre ao apoio desta associação portuguesa. Num dos casos, ocorrido em 1998, em que se tentou «sabotar» o descarregamento dum navio com soja transgénica, houve mesmo tiros de intimidação da polícia marítima. Para Francisco Ferreira, presidente da Quercus, «estas acções mediáticas são importantes para fazer passar a mensagem», mas «tudo o que possa pôr em risco a segurança de bens e de pessoas é excluído» da intervenção do grupo.

Quanto ao chamado ecoterrorismo, ganhou maior visibilidade após ser conhecida a admiração de Theodore Kaczynski — o famoso «Unabomber», que durante 16 anos se especializou no envio de cartas armadilhadas nos EUA — pela Terra Primeiro! (Earth First!), uma das mais destacadas organizações ao serviço do «terror verde». Em Outubro de 1997, esta organização publicou uma lista de nomes de executivos e de empresas cujas actividades constituiriam uma ameaça «à existência do mundo natural». Entre estes «alvos a abater» encontravam-se a Microsoft, a McDonald´s, a Nike e a Boeing.

A Terra Primeiro! (de que se conhece muito pouco) parece funcionar, aliás, como fonte inspiradora de outros grupos que partilham a sua linguagem radical, como a Frente de Libertação da Terra (FLT) e a Frente de Libertação dos Animais (FLA), que às vezes agem em conjunto. Do currículo da FLT consta um dos atentados mais espectaculares ao serviço da «causa verde»: o fogo posto, a 18 de Outubro de 1998, na mais frequentada instância de esqui dos EUA (Vail Mountain, Colorado), destruída para impedir a expansão do complexo em direcção à floresta, habitat do lince canadiano. «Eles não querem que isto seja visto como um acto de terrorismo, mas que seja encarado como um acto de amor pelo ambiente», afirmou Craig Rosebraugh, um activista que diz ser um simples transmissor da informação que anonimamente a FLT lhe envia. (Margarida Mota e Pedro Almeida Vieira) 

Artigo publicado no “Expresso”, a 21 de abril de 2000

Um mundo cada vez mais seco

Ao aproximar-se mais um Dia Mundial da Água, multiplicam-se os alertas sobre a escassez do «ouro azul». A sobreexploração dos recursos e o aumento de 40% do consumo até 2025 levam os especialistas a falar em crise — quando um quinto da humanidade não tem acesso a água potável

A escassez de água será um problema cada vez mais grave a nível mundial, que se agudizará com o crescimento demográfico e a urbanização. O facto de os recursos hídricos já serem sobreexplorados e de se prever um aumento de 40% do consumo de água até 2025 leva alguns especialistas a alertar, já, para uma crise mundial do «ouro azul».

Segundo o relatório «Visão 21» — elaborado pela Comissão Mundial da Água e que está a ser discutido no II Fórum Mundial da Água, que decorre, desde ontem e até quarta-feira, em Haia —, um quinto dos habitantes do planeta não dispõe de água potável para consumo, enquanto metade não tem acesso às condições mínimas de higiene e saneamento (ver infografia).

Segundo o documento, o combate a esta miséria passa pela implementação de projectos locais, que impliquem e responsabilizem directamente as comunidades e cada cidadão.

Mulheres são essenciais

A este nível local, o papel da mulher é incontornável, pois a gestão da água doméstica passa pelas suas mãos.

Paralelamente, é rejeitada a habitual política de os Estados responderem aos desafios da água construindo megaprojectos hidráulicos, economicamente dispendiosos e ecologicamente polémicos.

Um dos projectos locais em marcha envolve os 44 milhões de habitantes do estado indiano de Gujarat. Quando foi solicitado às autoridades locais que elaborassem um plano prático no sentido de melhorar os padrões higiénicos da população, a prioridade foi dada à educação: noções de higiene e saneamento nos planos curriculares e a construção de lavabos em todas as escolas.

Os países do Sul da Ásia — a Índia, o Paquistão, o Bangladesh e o Nepal — registam os piores índices mundiais ao nível dos serviços sanitários, só sendo ultrapassados pela África subsariana. Nessas latitudes, a falta de infra-estruturas «instituiu» a regra da defecação a céu aberto, pelo que doenças como a cólera, a difteria, o tifo e a hepatite proliferam a grande velocidade.

Em 1998, segundo a Organização Mundial de Saúde, morreram 3,4 milhões de pessoas — 2 milhões das quais eram crianças —, na sequência de doenças associadas a água contaminada, a maior parte das quais de diarreias e de malária. Em média, terão, pois, morrido quase 10 mil pessoas por dia, o equivalente à lotação de 24 aviões Boeing 747.

Até 2025, segundo as contas da Comissão Mundial da Água, o investimento global com a água — actualmente calculado em cerca de 80 mil milhões de dólares por ano (16 mil milhões de contos) — deverá ascender até aos 180 mil milhões (36 mil milhões de contos: 17% para a agricultura, 41% para a indústria, ambiente e energia e 42% para o fornecimento de água e saneamento básico.

É que, paralelamente às previsões segundo as quais o consumo de água aumentará cerca de 40%, é um dado adquirido que a população continuará a aumentar e, o mais preocupante, a concentrar-se junto às grandes bacias hídricas.

Nas vésperas de se celebrar mais um Dia Mundial da Água, na próxima quarta-feira, Brian Appleton, um perito da ONU em questões da água, não se mostra muito optimista: «Estamos a perder a batalha».

Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de março de 2000. Pode ser consultado aqui