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Seis eleições em 2019 que podem mudar a cor do continente

Com Trump a norte e Bolsonaro a sul, a América está cada vez mais agitada. Este ano, seis países poderão ter novos líderes

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ARGENTINA — Que fazer com a dívida externa?
Mais do que saber quem será o inquilino da Casa Rosada, está em causa a estabilidade fiscal da terceira economia latino-americana (a seguir ao Brasil e ao México). “Dado o peso demográfico [44 milhões de habitantes], a eleição na Argentina é a mais relevante”, diz ao Expresso o politólogo Andrés Malamud, do Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa. “É também a que terá mais impacto sistémico, em virtude da dívida externa grande e insustentável.” O próximo governo terá de optar: renegociar ou não pagar, o que pode “alimentar turbulências financeiras globais”. O Presidente Mauricio Macri (centro-direita) lidera as sondagens, seguido pela antecessora Cristina Kirchner (esquerda peronista). Em dezembro, a senadora viu ser confirmada uma sentença de prisão preventiva por corrupção. Chegará ao dia 27 de outubro em liberdade?

BOLÍVIA — Evo Morales tenta o quarto mandato
Previstas para outubro, as presidenciais na Bolívia terão impacto regional, como as argentinas. “Os dois governos encarnam, respetivamente, o centro moderado e a esquerda democrática na América Latina. A sua derrota significaria um fim de época”, defende Malamud. O país é governado desde 2006 pelo primeiro indígena a ocupar o cargo. “A Bolívia enfrenta o ‘dilema Evo Morales’”, diz ao Expresso Marcelo Moriconi, investigador no ISCTE. “Ele deseja continuar no poder embora os cidadãos tenham votado contra uma reeleição em referendo.” A 21 de fevereiro de 2016, os bolivianos rejeitaram o fim das restrições ao número de mandatos presidenciais introduzidas na Constituição de 2009. Há um mês, porém, o Tribunal Eleitoral deu “luz verde” à candidatura do cocalero a um quarto mandato. Se acontecer, a Bolívia poderá ver consolidada “uma continuidade marcada pela centralização dos poderes e pelo pragmatismo, legitimada pela sobrevalorização do indigenismo”, diz ao Expresso Nancy Gomes, da Universidade Autónoma de Lisboa. E continuará a ser o bastião da esquerda na América do Sul.

URUGUAI — Farol da esquerda no continente americano
Pequeno em tamanho e importância económica, o Uruguai é relevante para os países com governos de esquerda, numa altura em que os ventos da direita, com Trump e Bolsonaro ao leme, sopram sobre o continente. “Tem havido um redesenho político (com a exceção do México) que coincide com um momento de redução do crescimento económico”, diz Nancy Gomes. O Presidente é, desde 2015, Tabaré Vázquez, que ocupara o cargo de 2005 a 2010. Como o seu antecessor, o popular José Mujica, pertence à Frente Ampla (esquerda), que enfrenta “a sua eleição mais difícil”, defende Moriconi. “O Governo do Uruguai — que, com o Chile, é a democracia mais estável da região — poderá mudar de cor.” Tabaré não pode disputar as eleições de 27 de outubro. A Frente tem de se reinventar.

PANAMÁ — A importância do Canal, hoje e sempre
Vota a 5 de maio, finda uma campanha com novas regras que visam reduzir o impacto do financiamento privado no processo eleitoral. O Presidente Juan Carlos Varela (direita) é inelegível, e as sondagens dão ligeiro favoritismo a Laurentino Cortizo (esquerda). “O Panamá é geopoliticamente estratégico dada a importância do Canal, onde China e EUA apostam forte a sua influência na região”, explica Moriconi.

EL SALVADOR / GUATEMALA — O flagelo da corrupção
Na América Central, são países de origem de muitos migrantes que partem em caravana rumo aos EUA. Sem peso político, sofrem o flagelo da corrupção. Na Guatemala, o Presidente Jimmy Morales, impedido de se recandidatar a 19 de junho, declarou “guerra” à Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (ONU), que investiga crimes graves. Em El Salvador, pela primeira vez desde o acordo de paz (1992), o favorito a 3 de fevereiro não emana da ARENA (direita) ou da Frente Farabundo Martí (esquerda), desacreditadas pela corrupção: é Nayib Bukele, 37 anos, empresário, ex-autarca de San Salvador. Foi expulso da Frente.

Artigo publicado no Expresso, a 5 de janeiro de 2019

 

Caravana da pobreza segue imparável rumo aos Estados Unidos

Milhares de migrantes oriundos da América Central seguem a pé e à boleia na direção dos Estados Unidos. Donald Trump está disposto a enviar 15 mil soldados para a fronteira para conter a “invasão estrangeira”. O Presidente transformou a caravana dos migrantes um dos principais assuntos da campanha para as eleições para o Congresso desta terça-feira e, num comício, elogiou o “lindo arame farpado” colocado junto à fronteira com o México

Fizeram-se à estrada a 12 de outubro para fugir à pobreza, ao desemprego, à violência dos gangues e à instabilidade política. Partiram da cidade de San Pedro Sula, nas Honduras, e pelo caminho foram ganhando a companhia de muitos outros que, como eles, aspiram por uma vida melhor. São, sobretudo, hondurenhos, mas também cidadãos da Guatemala, de El Salvador e da Nicarágua.

Há quase um mês que milhares de pessoas, divididas agora em três grandes grupos, seguem a pé e à boleia através da América Central com pouco mais do que a roupa do corpo. Na mente, têm um só objetivo: chegar aos Estados Unidos e aí começar uma nova vida.

No último domingo, o grupo que segue na dianteira entrou na Cidade do México, que dista cerca de 800 quilómetros do ponto de fronteira mais próximo do Texas. Para trás, outro grupo seguia ao longo da chamada “estrada da morte”, na direção da cidade de Cordoba, no estado de Veracruz.

O número total de migrantes que integra esta caravana é difícil de determinar, já que este longo cordão humano está constantemente a perder gente — que, vencida pelo cansaço, decide regressar a casa — e a ganhar novos participantes, convictos de que pouco ou nada têm a perder e que partir em caravana é mais seguro do que tentar imigrar com a “ajuda” de traficantes, a quem há que pagar dinheiro que não têm.

Caravana chega aos EUA… através da campanha eleitoral

Na sexta-feira passada, um grupo oriundo de El Salvador, com mais de 1000 pessoas, lançou-se às águas do Rio Suchiate, que serve de fronteira entre o México e a Guatemala. Inicialmente, tentaram fazer o percurso através de uma ponte, mas mudaram de planos quando as autoridades mexicanas exigiram passaportes e vistos e começaram a processar as entradas em grupos de 50 pessoas.

Por pressão norte-americana, o México tem tentado refrear o avanço da caravana, oferecendo documentos de identificação temporários e trabalho a quem pedir asilo nos estados de Chiapas e Oaxaca. No sábado, as autoridades mexicanas informaram que já tinham em mãos 2800 pedidos de asilo e que cerca de 1100 pessoas já tinham sido deportadas.

A maioria dos migrantes quer, porém, seguir caminho rumo a um confronto inevitável com um país sem portas abertas para os receber. “O México está a tentar. Eles estão a tentar mas nós somos diferentes, temos os nossos militares junto à fronteira”, congratulou-se Donald Trump, num comício em Montana. “E reparei em todo aquele lindo arame farpado que estava a ser colocado. O arame farpado, quando usado corretamente, pode ser uma vista bonita.”

Empenhado nas eleições desta terça-feira — nas quais os republicanos batalham por manter o controlo do Congresso —, o Presidente americano tornou o assunto um dos principais temas de campanha. Trump diz estar disposto a mobilizar para a fronteira até 15 mil soldados, para impedir a “invasão estrangeira ilegal” — numa operação que poderá custar 220 milhões de dólares (193 milhões de euros) —, ainda que uma avaliação do Pentágono tenha concluído que a caravana não constitui qualquer ameaça à segurança dos Estados Unidos.

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Migrantes de El Salvador atravessam o Rio Suchiate, que serve de fronteira entre a Guatemala e o México CARLOS ALONZO / AFP / GETTY IMAGES
Uma família hondurenha escala uma floresta após ter atravessado o Rio Lempa, entre as Honduras e a Guatemala JORGE CABRERA / REUTERS
Caminhando pelo asfalto a superfície é menos acidentada, mas o trânsito torna-se um perigo CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Com muitos quilómetros nas pernas, boleias são sempre bem vindas, ainda que em condições desumanas PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
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Caminha-se dia e noite, sempre para norte, na direção dos Estados Unidos PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ao longo do caminho, os migrantes vão encontrando locais de descanso montados para os apoiar, como estas tendas no espaço da Feira Internacional Mesoamericana, em Tapachula, México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Pausa para comer e dormir, num pavilhão desportivo em Arriaga, México CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Migrantes dormem numa praça pública de Tecun Uman, Guatemala CARLOS GARCIA RAWLINS  REUTERS
Passeios da cidade mexicana de Mapastepec transformados em colchões PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ponte cheia de gente à espera de cruzar a fronteira entre a Guatemala e o México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Corpos exaustos, indiferentes ao desconforto provocado pelas pedras e pelos carris UESLEI MARCELINO / REUTERS
Um plástico protege da chuva, durante a pausa da noite PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
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Fé e esperança num novo dia de marcha e numa nova vida nos Estados Unidos CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Enquanto isso, junto à fronteira com o México, militares norte-americanos desfiam rolos de “lindo arame farpado”, como disse Donald Trump DELCIA LOPEZ / REUTERS
O percurso não se faz sem obstáculos. Este portão na fronteira entre a Guatemala e o México veio abaixo PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
A polícia guatemalteca ficou para trás. Segue-se “o confronto” com as forças mexicanas JOHN MOORE / GETTY IMAGES
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Agentes da Marinha mexicana patrulham o Rio Suchiate, na fronteira com a Guatemala EDGARD GARRIDO / REUTERS
O hondurenho Luis Acosta segura com toda a força a sua filha Angel, de cinco anos, enquanto atravessam o Rio Suchiate ADREES LATIF / REUTERS
Num ribeiro de Pijijiapan (México), a hondurenha Dari aproveita para dar um banho à sua pequena Rose ADREES LATIF / REUTERS
Durante uma paragem na cidade mexicana de Metapa, alguns migrantes refrescam-se e lavam as roupas CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Em muitas povoações, como em Huixtla (foto), no México, os locais preparam comida quente para os migrantes ADREES LATIF / REUTERS
Noutros locais, como no caso deste grupo de homens em Tecun Uman (Guatemala), a refeição é a possível CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Um homem descasca um ananás, num acampamento improvisado em Isla, México HANNAH MCKAY / REUTERS
“Obrigado México por abrirem os vossos corações”, agradece este hondurenho ORLANDO SIERRA / AFP / GETTY IMAGES
Chegado ao México, o hondurenho Norlan, de 18 anos, estará convencido de que já falta pouco para viver o sonho americano EDGARD GARRIDO / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui