Arquivo de etiquetas: Angola

Pôr os PALOP no mapa

Sem grande esperança na obtenção de medalhas, os PALOP levam delegações simbólicas a Pequim. A moçambicana Lurdes Mutola é a estrela maior. Os restantes atletas vão pela experiência e para mostrar o país 

Desde miúdo que Talata se habituou a recorrer à força dos braços para lançar os adversários ao tapete. Hoje, para sobreviver, este antigo campeão africano de luta livre, que fez história ao tornar-se o primeiro guineense a qualificar-se, por mérito próprio, para uns Jogos Olímpicos (Atlanta, 1996), usa a força para partir pedra e carregar baldes de cimento, em Portugal. Nas obras, chamam-lhe campeão, e os colegas guineenses que testemunharam os seus dias de glória lamentam a injustiça da sua situação: “O Estado da Guiné não presta. Onde já se viu um grande homem a trabalhar nas obras”, comentam.

Nascido em 1963, em Gabu, Talata Embalo é um ídolo no seu país. Graças ao primeiro lugar que obteve no Campeonato Africano de Luta Livre, em 2000, na Tunísia, o hino guineense fez-se ouvir e encheu toda a nação de orgulho. “Foi muito emocionante ouvir o hino e ver a bandeira. As pessoas perguntavam-me: ‘Onde fica a Guiné?’”, recorda o lutador.

Sem tapete para treinar, Talata tinha a seu favor a escola da luta tradicional. “Para as pessoas que vivem nas aldeias, a luta é a primeira modalidade. É a brincadeira das crianças. Todos lutamos, ‘tabanca’ contra ‘tabanca’. E o vencedor ganha fama e respeito”, diz Alberto Pereira, que treinou Talata entre 1991 e 2000.

Nenhum dos três filhos do lutador, a viverem na Guiné, pratica a luta. “Agora é mais futebol”, diz Talata, que ainda sonha com um futuro ligado ao ensino da luta. “Na Guiné, não falta matéria-prima.”

Em 2000, Talata Embalo foi campeão africano, contra grandes adversidades. No estágio em Marrocos que antecedeu a competição, foi projectado para fora do tapete e lesionou-se num joelho. Mas o seu talento e força de vontade levaram-no a conquistar a medalha de ouro e a, nesse mesmo ano, participar nos Jogos de Sydney. No entanto, a lesão minou-lhe a carreira. Há oito anos que Talata espera que as autoridades guineenses se lembrem dele e o ajudem a fazer os tratamentos. “Sinto-me esquecido. Ninguém pergunta: ‘Onde está o campeão?’”

Todos os PALOP beneficiam do princípio da “solidariedade olímpica”, que não obriga a provas de qualificação

Entre os guineenses, a luta continua a ser a modalidade mais competitiva fora de portas. Até ao momento, o lutador Augusto Midana é o único guineense qualificado para os Jogos de Pequim. Estreante nas lides olímpicas, foi medalha de bronze no Campeonato Africano de 2007. Mas no universo de atletas oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que competirão na capital chinesa, o sonho de uma medalha só é mesmo permitido à moçambicana Maria de Lurdes Mutola. Aos 35 anos, a medalha de bronze em Atlanta e campeã olímpica em Sydney nos 800 metros prepara-se para viver os seus últimos Jogos.

Kurt Couto é o outro moçambicano que acompanhará Lurdes Mutola no atletismo (400 metros barreiras). Em Outubro de 2006, na primeira edição dos Jogos da Lusofonia, em Macau, Kurt foi o primeiro atleta africano a conquistar uma medalha de ouro, quebrando a hegemonia de brasileiros e portugueses.

Para além destes dois atletas, Moçambique deverá levar a Pequim dois nadadores e um judoca, ao abrigo de um privilégio atribuído pelo Comité Olímpico Internacional aos países menos competitivos. Todos os PALOP beneficiam desta solidariedade olímpica, que não obriga à disputa de provas de qualificação ou à obtenção de resultados mínimos.

São Tomé e Príncipe, por exemplo, conta levar a Pequim uma delegação de 12 pessoas, incluindo técnicos e dirigentes. O arquipélago recebeu um convite (“wildcard”) para preencher dois lugares no atletismo, vagas que são disputadas por quatro atletas são-tomenses (Celma da Graça, Deodato Freitas, Naiel da Almeida e Glória Diogo), todos federados em clubes portugueses. “Estamos muito longe de obter qualquer medalha, mas se o pódio aparecer será bem-vindo, já que a esperança é a última coisa a morrer”, disse o chefe da equipa técnica da pré-selecção olímpica de atletismo, António de Menezes. O técnico aposta “numa participação condigna” em nome dos são-tomenses e numa “maior visibilidade” do país.

Pela primeira vez, o arquipélago de Cabo Verde disputa uma vaga para o torneio olímpico de basquetebol

À semelhança de São Tomé, também Cabo Verde iniciou as suas prestações olímpicas em Atlanta (1996) com uma representação simbólica. Temos ido aos Jogos sem a pretensão de trazer medalhas para casa, explica o presidente do Comité Olímpico Cabo-Verdiano, Franklin Palma. “A nossa preocupação maior é garantir com a nossa presença alguma visibilidade para Cabo Verde, diz.

Graças a um convite, Cabo Verde tem já assegurada a participação de três atletas em Pequim: Wânia Monteiro (ginástica rítmica), Nelson Cruz (maratona) — ambos radicados em Portugal — e Lenira Santos (200 e 400 metros). Mas é no basquetebol que pode fazer furor… Pela primeira vez, vai disputar uma vaga para o torneio olímpico de basquetebol. Entre 14 e 20 de Julho, a selecção cabo-verdiana masculina participará em Atenas no Torneio Pré-Olímpico Mundial, onde, na primeira fase, enfrentará a Alemanha e a Nova Zelândia. Isto decorre do feito dos bravos crioulos, como ficaram conhecidos os basquetebolistas cabo-verdianos, que no ano passado, em Angola, ganharam a medalha de bronze no Afrobasket.

A jogar em casa, os Palancas Negras confirmaram a hegemonia que vêm evidenciando nos últimos anos no basquetebol, revalidando o título africano e assegurando desde logo o passaporte para Pequim. Neste momento, Angola tem já qualificados 30 atletas (12 no basquetebol masculino, 14 no andebol feminino, 2 na natação, 1 no atletismo e 1 na canoagem). Os angolanos não esperam obter medalhas, mas os basquetebolistas fazem-nos sonhar… Em 1992, em plenos Jogos Olímpicos de Barcelona, a selecção angolana de basquetebol derrotou a equipa da casa por 20 pontos de diferença, silenciando os ruidosos espanhóis que enchiam o Pavilhão Olímpico de Badalona.

Artigo elaborado com o contributo de correspondentes do “Expresso” nos PALOP e publicado na revista Única, a 21 de junho de 2008. Pode ser consultado aqui