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Nowruz Mubarak! O novo ano persa começou esta quinta-feira: seguem-se 13 dias de fogueiras, piqueniques e mesas com ‘sete ésses’

Para milhões de pessoas de cultura persa, a chegada da primavera coincide com a entrada num novo ano. É altura de celebrar o Nowruz, festividade de 13 dias que celebra a natureza e o que dela cada um pode extrair para viver o novo ano com otimismo e positividade. Sete curiosidades sobre o Nowruz

Um iraniano participa na festa do fogo, em Teerão, um dos rituais do Nowruz ABEDIN TAHERKENAREH / EPA

Em várias regiões do globo, centenas de milhões de pessoas de cultura persa aperaltam-se, esta quinta-feira, para entrar num novo ano. Pelo calendário persa (solar), começa hoje o ano 1404.

O início das festividades — a que chamam Nowruz (“novo dia”, em língua farsi) — coincide com o equinócio da primavera. Durante 13 dias, famílias e comunidades celebrarão o recomeço (representado pela entrada num novo ano) e o renascimento (simbolizado pelo ciclo de renovação da natureza que a primavera representa).

A cada pessoa, individualmente, o Nowruz convida à reflexão e proporciona uma oportunidade para recarregar energias.

ASSIM FALOU ZARATUSTRA

As raízes do Nowruz remontam ao Zoroastrismo, religião muito antiga que o Império Persa (550 a.C.-651 d.C.) — de que a República Islâmica do Irão é herdeira — tornou religião oficial. Esse credo foi fundado por Zoroastro, profeta também conhecido como Zaratustra, que terá vivido ainda antes de o império se afirmar.

No Zoroastrismo, o Nowruz tem um significado profundamente espiritual e cósmico. Segundo a tradição, a festividade significa o regresso a um espírito que esteve ausente durante os meses do inverno e simboliza o triunfo do bem sobre o mal, da alegria sobre a tristeza, da luz sobre a escuridão.

DA TURQUIA AO AFEGANISTÃO

Nowruz é celebrado por grupos étnicos que habitam territórios ao longo da antiga Rota da Seda. É o caso de iranianos, paquistaneses, afegãos, turcos, tajiques, curdos e também os tártaros da Crimeia, território ucraniano que a Rússia invadiu e anexou em 2014.

Nalguns países da Ásia Central, Médio Oriente, Cáucaso e Balcãs, é feriado nacional. Naturalmente, o Nowruz é também assinalado um pouco por todo o mundo no seio das comunidades de origem persa na diáspora.

Quando esteve na Casa Branca, Barack Obama assinalou a data, anualmente, com uma mensagem dirigida ao povo e às autoridades do Irão. Nesta, em 2013, mostrou-se esperançoso de que Estados Unidos e Irão pudessem “ir além das tensões” e “ultrapassar décadas de desconfiança”.

‘ABANAR A CASA’

Apesar de o tiro de partida para os 13 dias de festa ser dado apenas pelo equinócio, os preparativos começam com semanas de antecedência.

Para entrar no novo ano com o pé direito, há que ter a consciência limpa e a casa num brinco, pelo que uma das tarefas prioritárias é uma limpeza a fundo — um ritual chamado Khane-takani, que significa “abanar a casa”.

Na prática, são feitas intervenções não tão quotidianas como lavar os tapetes, limpar o quintal, arrumar o sótão, livrar-se de tralha e até pintar a casa.

Tudo contribui para criar a sensação de um recomeço limpo e fresco. E as casas ficam asseadas para receber familiares, como também é tradição no Nowruz.

A MESA DOS SETE ‘S’

Nas casas, o convívio familiar faz-se à volta de mesas fartas e decoradas a preceito. Uma das principais tradições do Nowruz passa por compor uma mesa com sete objetos, todos com nomes começados pela letra S — os haft sin (sete ésses, em farsi). Cada um deles representa desejos para o novo ano.

  • Sabzeh (rebentos de trigo, cevada ou lentilhas cultivados num prato uma ou duas semanas antes do Nowruz) simboliza o renascimento e o crescimento.
  • Samanu (pudim doce feito de trigo) representa a doçura e a fertilidade.
  • Senjed (fruta seca de oleastro) visa despertar o amor.
  • Seer (alho) simboliza a medicina e a saúde.
  • Seeb (maçã) invoca a beleza.
  • Somagh (sumagre) simboliza o nascer do sol e o recomeço.
  • Serkeh (vinagre) simboliza a idade e a paciência.

A composição da mesa pode diferir de região para região e, frequentemente, há outros objetos: espelho (autoconhecimento e reflexão), moedas (riqueza), relógio (tempo), ovos pintados (fertilidade, criação e renovação da vida), peixes dourados (vida e movimento), velas (luz, sabedoria e esperança), jacintos (chegada da primavera) e um livro de sabedoria, geralmente o Alcorão, mas também pode ser um livro de poesia.

Este ano, o Nowruz coincide com o mês sagrado do Ramadão, pelo que as refeições têm de esperar pelo pôr do sol.

NOITE DAS FOGUEIRAS

Na última quarta-feira do ano que finda, realiza-se o Charshanbeh Suri ou noite da fogueira. Trata-se de uma celebração comunitária em que as pessoas saltam por cima de fogueiras acesas em praças públicas para purgar as negatividades do ano que fica para trás.

À volta das fogueiras, interpretam-se canções tradicionais e realizam-se danças. No ar, há fogo de artifício. Há também quem vá de porta em porta pedir iguarias, recebendo geralmente frutos secos.

O fogo é um elemento importante no Zoroastrismo, que considera que o deus do bem é adorado mediante o fogo sagrado mantido aceso pelos sacerdotes nos templos. Por essa razão, a cremação não é permitida para que esse elemento natural não seja contaminado.

Neste dia, há famílias que aproveitam para reabastecer o seu domicílio de água, num gesto associado à ideia de purificação e à saúde.

FIROUZ, O ENTERNAINER

Na época do Nowruz, sai à rua Haji Firouz, uma personagem imaginária do folclore iraniano. Veste-se com roupas vermelhas brilhantes e um chapéu de feltro e tem o rosto coberto de fuligem. Entretém os transeuntes com cânticos tradicionais, danças e a tocar pandeiretas, em troca de algumas moedas.

PIQUENIQUES NA NATUREZA

O 13.º e último dia do Nowruz é dedicado à natureza (Sizdah Bedar). Tradicionalmente, as pessoas passam o dia fora de casa, em parques, nas margens de rios ou em campos, para desfrutar do meio ambiente, ouvir música, jogar ou simplesmente passar o tempo à conversa com familiares e amigos.

Este dia é também aproveitado para atirar aos cursos de água o sabzeh, os rebentos plantados num prato e colocados na ‘mesa dos sete ésses’. Acredita-se que estas plantações absorveram as agruras do ano que termina pelo que, com este gesto simbólico de as atirar à água corrente, afastam a má fortuna do novo ano.

No Irão, em alturas de manifestações populares e tensões com as autoridades, estes momentos relaxados ao ar livre são aproveitados para atitudes de desafio às regras conservadoras impostas pelos ayatollahs. Não raras vezes, homens e mulheres dançam uns com os outros. E os lenços (hijabs) de muitas mulheres, de uso obrigatório no país, descaem da cabeça para os ombros e deixam os cabelos à mostra.

No Irão, o Nowruz é uma celebração secular que resiste ao espartilho social e cultural que decorre da Revolução Islâmica de 1979. Os seus rituais estão firmemente enraizados na cultura iraniana e são cumpridos por cidadãos de todas as religiões e origens étnicas. Trata-se de uma celebração nacional e não religiosa, que o regime teocrático aceita como feriado oficial.

A Organização das Nações Unidas reconheceu o poder do Nowruz como cimento cultural da resiliência e sustentabilidade das sociedades e inscreveu-o na Lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.

“Nestes tempos de grandes desafios, o Nowruz promove o diálogo, a boa vizinhança e a reconciliação”, defendeu o secretário-geral da ONU, António Guterres.

A 21 de março de cada ano, é celebrado o Dia Internacional do NowruzNowruz Mubarak!

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de março de 2025. Pode ser consultado aqui