Ensaf Haidar, esposa do blogger saudita condenado a 1000 vergastadas em público, não acredita em milagres. “Estou certa de que as chicotadas vão recomeçar esta sexta-feira”
É talvez o saudita mais famoso em todo o mundo — para grande irritação das autoridades do seu país. Raif Badawi foi condenado a 10 anos de prisão e 1000 chicotadas por promover discussões de caráter político e religioso no seu blogue Rede Liberal Saudita (já não está online) — uma sentença confirmada no fim de semana pelo Supremo Tribunal da Arábia Saudita. “Não é possível interpor mais recursos”, diz ao Expresso Ensaf Haidar, de 35 anos, esposa de Raif. “Estou certa de que as chicotadas vão recomeçar esta sexta-feira.”
Das 1000 vergastadas a que foi condenado, em novembro do ano passado, Raif, de 31 anos, sofreu até ao momento o primeiro conjunto de 50, desferidas a 9 de janeiro, numa praça em frente a uma mesquita de Jidá, a sua cidade natal. Um vídeo feito pela calada durante a aplicação do castigo tornou-se viral nas redes sociais e desencadeou uma vaga de indignação internacional.
O caso sensibilizou a opinião pública internacional, mas poucos governos levaram-no a altas instâncias. “Ainda só quatro ministros dos Negócios Estrangeiros falaram do caso de Raif em público”, lamenta-se Ensaf. “Os da Áustria, Noruega, Suécia e (da província canadiada) do Quebec”, onde ela vive com o estatuto de refugiada, juntamente com os três filhos do casal, todos menores.
Margot Wallström, a chefe da diplomacia sueca, qualificou a punição a Raif como “medieval”. “O ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria telefonou-me e disse-me que falaria sobre o caso de Raif em Genebra, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Eu nunca tinha falado com ele”, diz Ensaf, que gostaria de ver mais diplomacias empenhadas em resgatar o marido do sofrimento a que foi condenado por apenas expressar a sua opinião.
Na terça-feira, Roland Ries, presidente da Câmara de Estrasburgo, anunciou a atribuição da medalha da cidade a Raif Badawi. Na véspera, o porta-voz dos serviços de Ação Externa da União Europeia emitiu um comunicado afirmando que “os castigos corporais são inaceitáveis e contrários à dignidade humana” e reiterando apelos para que “as autoridades sauditas suspendam mais punições corporais” a Raif Badawi.
No mesmo sentido, também o Departamento de Estado norte-americano apelou ao “cancelamento do castigo e à revisão do caso e da sentença”. “Opomo-nos firmemente a leis, incluindo as leis de apostasia, restritivas do exercício da liberdade de expressão”, afirmou o porta-voz Jeff Rathke.
Entre as provas recolhidas pela justiça saudita que incriminam o blogger está um “like” que fez numa página do Facebook sobre árabes cristãos.
Desde que as vergastadas foram suspensas que, a cada sexta-feira, Ensaf habituou-se a expressar o seu alívio pela não punição do marido através de uma curta mensagem na sua página no Facebook: “Raif não foi açoitado hoje”.
Esta sexta-feira, a acontecer, as vergastadas acontecerão após a oração do meio-dia (mais duas horas que em Lisboa). Ensaf está mentalizada para colocar um post diferente, ou simplesmente remeter-se ao silêncio. “Não sei o que hei-de fazer…”, admite, ciente que, nesta altura, esgotados os recursos na justiça, apenas um perdão do rei Salman, no trono desde 23 de janeiro passado, pode fazer reverter a situação.
Da mesma forma que os protestos internacionais terão contribuído para a suspensão da aplicação da sentença durante cinco meses, Ensaf acredita que continuar a falar do assunto pode ajudar. “Por favor, não parem de falar, falem em todo o lado”, apela. “E organizem vigílias em frente à embaixada da Arábia Saudita.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de junho de 2015. Pode ser consultado aqui
O rei saudita mexeu na linha de sucessão e substituiu um meio-irmão por um sobrinho no lugar de príncipe herdeiro. O novo futuro rei é Mohammed bin Nayef, atual ministro do Interior, a quem chamam “o czar anti-terrorismo”
Três meses após assumir o poder, o Rei Salman da Arábia Saudita operou, esta quarta-feira, uma rotura com o passado, nomeando um novo herdeiro, um sobrinho, e afastando desse patamar o príncipe Muqrin, seu meio-irmão.
O novo herdeiro é o atual ministro do Interior, príncipe Mohammed bin Nayef, de 56 anos, até agora vice príncipe herdeiro, ou seja, segundo na linha de sucessão.
A sua designação significa a subida de uma geração mais nova na hierarquia dos Al-Saud. Desde 1953, quando morreu Abdul-Aziz al-Saud — fundador do Reino da Arábia Saudita, em 1932 — que o trono vinha sendo transmitido de irmão para irmão. Muqrin, de 69 anos, agora afastado, era o filho mais novo do fundador.
Mohammed bin Nayef é neto do fundador do reino, tal como Mohammed bin Salman, de 34 anos, agora designado vice príncipe herdeiro. Este último é filho do atual monarca e ministro da Defesa.
Esta remodelação ditou ainda o afastamento do ministro dos Negócios Estrangeiros há mais tempo no poder em todo o mundo. Saud al-Faisal, de 75 anos, no cargo desde 1975, foi substituído por Adel al-Jubeir, de 53 anos, até agora embaixador nos Estados Unidos.
Prioridade na luta ao terrorismo
Paralelamente a uma revolução geracional na linha da sucessão, esta alteração de príncipe herdeiro significa também o reconhecimento do combate ao terrorismo como uma das prioridades governativas no país.
O novo herdeiro é atualmente ministro do Interior, descrito por vários órgãos de informação internacionais, desde a agência Associated Press ao jornal “The New York Times”, como “o czar anti-terrorismo” da Arábia Saudita.
Horas antes de serem conhecidas as novas nomeações reais, Riade anunciou a detenção de 93 suspeitos de ligações ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh). Dois deles estariam a planear um atentado com um carro armadilhado contra a embaixada dos Estados Unidos em Riade.
A atividade terrorista é um dos problemas internos reconhecidos por Riade. Em 2004, as autoridades sauditas estabeleceram um sistema de reabilitação de terroristas visando a sua desradicalização através de programas de educação religiosa e de aconselhamento psicológico.
Em novembro passado, o ministério do Interior admitiu que 12% dos utentes desses programas tiveram recaídas e voltaram a envolver-se em atividades terroristas.
O problema do terrorismo na Arábia Saudita ganhou visibilidade após o 11 de Setembro. Um total de 133 cidadãos sauditas passaram pelo campo de detenção norte-americano de Guantánamo, aberto em 2002 para suspeitos de terrorismo. A bordo dos aviões que realizaram o 11 de Setembro, 15 dos 19 piratas do ar também eram sauditas.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de abril de 2015. Pode ser consultado aqui
Raif Badawi foi condenado a dez anos de prisão e mil chicotadas. Três mulheres em três países defendem o bloguista dia e noite. O Expresso falou com elas
Uma vive no Canadá, outra na Arábia Saudita, a terceira na Suíça. A partir de três continentes, estas mulheres movem mundos para libertar Raif Badawi, o bloguista saudita de 31 anos condenado a dez anos de prisão e mil chicotadas, em séries de 50 durante 20 sextas-feiras. O Expresso falou com elas — esposa, irmã e porta-voz de Raif — sobre o caso que as mobiliza, revelador dos limites à liberdade de expressão no reino saudita.
Após as primeiras 50 vergastadas, desferidas a 9 de janeiro, numa praça de Jeddah, não mais Raif voltou a ser punido. Oficialmente, o seu corpo ainda não recuperou das feridas provocadas pelo primeiro castigo. A sua porta-voz faz outra leitura: “Creio que isso decorre dos protestos internacionais que se seguiram ao anúncio das chicotadas”, diz Elham Manea, 48 anos, que vive em Berna.
“Um jovem intelectual foi chicoteado por expressar uma opinião. As ações de cidadãos em todo o mundo, da Amnistia Internacional bem como os comunicados de líderes mundiais pararam a continuação do castigo. Esperemos que o Governo saudita reconheça que Raif Badawi foi alvo de uma caça às bruxas por parte das autoridades religiosas, que criticara. E que o libertem.”
“A Arábia Saudita é membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É tempo de respeitar as obrigações”, ELHAM MANEA, porta-voz (foto do meio)
Quando fazer ‘like’ é crime
O sucessivo adiamento das vergastadas é uma boa nova relativa uma vez que, entretanto, um novo processo contra Raif começou a ganhar forma na justiça: um julgamento por apostasia (renúncia ou abandono de uma crença religiosa) que poderá resultar na condenação à morte por decapitação.
“O tribunal é controlado por conservadores que estão zangados porque as chicotadas pararam”, comenta a ativista, de nacionalidade suíça e iemenita. “Voltar a julgar Raif é uma forma de dizerem que são importantes. A bola está agora do lado do Governo, que tem de mostrar quem manda. Um novo julgamento por apostasia será um embaraço” para Riade.
Entre as provas que incriminam Raif Badawi está um ‘like’ que fez numa página do Facebook sobre árabes cristãos.
Tertúlias na sala de estar
Samar Badawi é irmã de Raif e sofre duplamente — pelo irmão e pelo marido, também ele atrás das grades. “A minha família tem sido um alvo da justiça. Não por razões pessoais, mas devido ao exercício da liberdade de opinião e de expressão e por desenvolver ações em defesa dos direitos humanos”, diz Samar, 34 anos. “Há muitas famílias com vários membros presos.”
O marido, Walid Abu al-Khair, 35 anos, acérrimo defensor de uma monarquia constitucional (a dos Saud é absoluta), era advogado de Raif Badawi. É também um conhecido ativista. Quando as autoridades mandaram fechar o Bridges Cafe, em Jeddah, ponto de encontro de jovens que se envolviam em discussões sobre política, religião e direitos humanos, abriu a sala de estar de sua casa — que batizou de “smud” (“resistência”, em árabe) — às tertúlias. Em 2014, foi condenado a 15 anos de prisão por “minar o regime”, “incitar a opinião pública” e “insultar o sistema judicial”.
“As atividades em defesa dos direitos humanos na Arábia Saudita suscitam a ira do Governo”, SAMAR BADAWI, irmã (foto da direita)
A própria Samar foi presa em 2010 por desobediência ao pai, de quem fugira acusando-o de maus-tratos e de não lhe dar permissão para casar. O seu advogado foi Walid, o futuro marido. Samar não se limitou, porém, a defender-se e requereu, em tribunal, a mudança de tutor — na Arábia Saudita, todas as mulheres vivem sob a tutela de um homem. Quando saiu da prisão, o seu guardião passou a ser um tio paterno.
Em 2011, voltou a desafiar as autoridades, participando ativamente na campanha pelo direito das sauditas a conduzirem. Em 2012, recebeu de Hillary Clinton o Prémio Internacional Mulheres de Coragem, atribuído anualmente pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Walid foi julgado ao abrigo de legislação antiterrorismo. “As ações em defesa dos direitos humanos suscitam a ira do Governo, que as criminaliza com leis antiterrorismo e de combate ao cibercrime. Prender durante muito tempo silencia os ativistas e obriga-os a parar. É difícil defender os direitos humanos dentro do país sem ter problemas.”
Samar optou por continuar a viver, e a lutar, na Arábia Saudita. Já a cunhada, Ensaf Haidar, 35 anos — mulher de Raif —, exilou-se no Canadá, com os três filhos menores, após a prisão do marido. A partir de lá desdobra-se em ações, vigílias e contactos para que Raif não seja esquecido. Há dias, ficou feliz com um telefonema do ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria. “Disse-me que ia a Genebra e falaria do caso de Raif no Conselho de Direitos Humanos da ONU.”
“Não parem de falar sobre estes casos. E façam vigílias em frente à embaixada saudita”, ENSAF HAIDAR, esposa (foto da esquerda)
As três mulheres multiplicam-se em apelos à solidariedade internacional. “É importante reconhecer que Raif e Walid simbolizam o desrespeito por direitos fundamentais na Arábia Saudita. Muitos prisioneiros de consciência, homens e mulheres, sofrem nas prisões por apenas expressarem uma opinião, criticando a hegemonia opressiva do sector religioso, exigindo igualdade de direitos, ou insistindo em reformas políticas pacíficas”, diz a porta-voz de Raif. “A Arábia Saudita é membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É tempo de respeitar as obrigações decorrentes das convenções internacionais sobre direitos humanos e tratar os seus cidadãos com dignidade.”
Ensaf, esposa de Raif, pede: “Não parem de falar” sobre estes casos. “E façam vigílias em frente à embaixada saudita.”
POTÊNCIA REGIONAL
SISTEMA POLÍTICO A Arábia Saudita é uma monarquia absoluta onde reina a dinastia dos Saud. A 23 de janeiro um novo rei foi entronizado, Salman bin Abdulaziz Al Saud, de 79 anos. Este país, com 29 milhões de habitantes, é 23 vezes maior do que Portugal.
RELIGIÃO Berço do Islão, o país alberga as cidades santas de Meca e Medina. O monarca saudita detém o título de “guardião das duas mesquitas sagradas”. O waabismo, corrente islâmica ultraconservadora, é a doutrina oficial do Estado.
GEOPOLÍTICA O reino saudita é o grande poder do mundo sunita, por contraponto ao vizinho Irão, o gigante xiita. Os dois países são rivais a outro nível: a Arábia Saudita é culturalmente árabe, o Irão é persa. Esses perfis ditam o seu posicionamento nas grandes questões regionais — da Primavera Árabe ao Daesh.
Artigo publicado no “Expresso”, a 14 de março de 2015
A desagregação do Iraque e da Síria beneficia da rivalidade histórica entre iranianos e sauditas. O Líbano pode ser a próxima batalha
Os focos de incêndio não param de deflagrar no Médio Oriente. A redefinição das fronteiras ditadas pela I Guerra Mundial parece mais próxima do que nunca. Síria e Iraque são hoje uma manta de retalhos, onde os jihadistas do Estado Islâmico avançam sem oposição à altura. Na quarta-feira, conquistaram às forças sírias o posto fronteiriço de Quneitra, nos Montes Golã, e fizeram reféns 43 capacetes azuis das ilhas Fiji. Estão, pois, às portas de Israel.
Na terça-feira, os EUA iniciaram voos de reconhecimento sobre a Síria, visto como uma medida prévia à possível extensão dos bombardeamentos que já estão a realizar sobre posições jihadistas no norte do Iraque. “Ainda não temos uma estratégia”, para combater os jihadistas, admitiu Barack Obama na quinta-feira.
Na base desta ‘descida aos infernos’ de Síria e Iraque está, em grande parte, a histórica disputa entre Arábia Saudita e Irão pela supremacia na região. Os dois gigantes personificam as grandes rivalidades religiosas e culturais que caracterizam — e fragmentam — a região: a Arábia Saudita é um país árabe sunita; o Irão é persa e professa o ramo xiita do Islão.
À semelhança da Guerra Fria que opôs EUA e URSS durante mais de 40 anos, Riade e Teerão travam, hoje, ‘guerras por procuração’, acicatando divisões sectárias para expandir a sua influência. Isso acontece na Síria, no Líbano e no Iraque, este último palco de uma disputa sangrenta, nos últimos dez anos, entre sunitas e xiitas.
Na terça-feira, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, deslocou-se a Jeddah para discutir com o homólogo saudita, o príncipe Saud Al-Faisal, o “vespeiro” iraquiano. Foi a visita bilateral mais importante desde a eleição do Presidente Hassan Rohani, há um ano. Os países não estão de relações cortadas, mas o diálogo é escasso, envolvidos que estão numa guerra de “soma zero” — o ganho de um representa a perda do outro — da qual apenas um pode sair vencedor.
Exportar ideologias
A desconfiança entre os dois países agravou-se com a Revolução Islâmica no Irão, em 1979, que fez coincidir, no poder, as ambições políticas persas e o zelo religioso xiita.
Um dos pilares do regime dos ayatollahs é a exportação da revolução que, hoje, passa pela preservação do chamado ‘arco xiita’ — Iraque (os xiitas estão no poder), Síria (os alauitas de Bashar al-Assad são xiitas) e Hezbollah (“Partido de Deus”, milícia xiita que participa no Governo do Líbano). Fontes do Hezbollah afirmaram, esta semana, ao sítio “Al-Monitor” que já identificaram dois prováveis campos de batalha na guerra que contam travar com o Estado Islâmico: o vale de Bekaa e a área de Tripoli, ambos no norte do Líbano.
A estratégia internacionalista consta igualmente da agenda da Arábia Saudita, também ela empenhada em divulgar a doutrina waabita (fundamentalista, que defende o regresso aos princípios básicos do Islão), para o que afeta quantias milionárias de petrodólares, seja para apoiar fações políticas seja para financiar mesquitas. Em 2008, Mohammed Maghraoui, um clérigo salafita de Marraquexe emitiu um decreto (fatwa) autorizando homens a casar com meninas de nove anos. Visado pela justiça marroquina, exilou-se na Arábia Saudita, que o financiava.
À SEMELHANÇA DA GUERRA FRIA ENTRE AMERICANOS E SOVIÉTICOS, IRÃO E ARÁBIA SAUDITA TRAVAM ‘GUERRAS POR PROCURAÇÃO’
Esta disputa geopolítica põe frente a frente os dois maiores e mais ricos países do Médio Oriente, situados nas margens do Golfo — Pérsico para os iranianos, Arábico para os sauditas —, por onde é transportado um quinto do petróleo consumido em todo o mundo. Na margem ocidental desse curso, os sauditas controlam a Península Arábica com rédea curta, exercendo uma influência quase absoluta sobre as outras petromonarquias (Kuwait, Emirados, Bahrain, Qatar e Omã).
Quando a primavera árabe atingiu o Bahrain — regime sunita e população maioritariamente xiita —, tropas sauditas cruzaram a fronteira em socorro dos Al-Khalifa. Nos países onde os xiitas são minoritários, como na Arábia Saudita, Riade vê-os como uma ‘quinta coluna’ ao serviço de Teerão.
No Irão, a minoria árabe também luta pela vida. Em janeiro, foi enforcado o poeta Hashem Shaabani, 32 anos. Pertencia à organização cultural “Al-Hiwar” (diálogo), gerida pela minoria árabe ahwazi e ilegalizada pelo regime iraniano.
IRÃO
IDENTIDADE A República Islâmica do Irão é um Estado persa, cuja população é muçulmana xiita. O primeiro império persa remonta ao século VI a.C., muito antes do advento do Islão (século VII).
LIDERANÇA A pirâmide do poder é encabeçada pelo ayatollah Ali Khamenei, de 75 anos. Ayatollah é uma palavra persa que significa “sinal de Deus”.
IRAQUE A invasão dos EUA (2003) depôs Saddam Hussein (que governou apoiado na minoria sunita) e catapultou os xiitas para o poder. O Irão passou a ter um poderoso aliado árabe, com quem partilha uma fronteira de 1500 km.
SÍRIA Combatentes do Hezbollah (xiita libanês apoiado pelo Irão) lutaram na Síria ao lado das forças leais ao regime alauita de Bashar al-Assad (os alauitas são xiitas). Uma demonstração da dinâmica do ‘arco xiita’.
PRIMAVERA ÁRABE O líder supremo Ali Khamenei comparou os protestos pró-democracia no mundo árabe ao “despertar islâmico” que significou a revolução iraniana de 1979. Mas dois anos antes, quando o Irão foi palco de manifestações semelhantes, Teerão reprimiu. Mir-Hussein Moussavi, um dos líderes da revolução verde, continua em prisão domiciliária.
ISRAEL-PALESTINA Israel acusa o Irão de apoiar, logística e financeiramente, o movimento islamita Hamas, que controla a Faixa de Gaza, como acontece com outro grande inimigo israelita, o libanês Hezbollah. Israel sente-se ameaçado pela ambição nuclear iraniana, sobretudo desde que o ex-Presidente Mahmoud Ahmadinejad disse que Israel devia ser “varrido do mapa”.
NUCLEAR Teerão diz que quer ter capacidade nuclear para produzir energia, mas sobram desconfianças. “Todas as sanções impostas ao Irão a propósito das suas atividades nucleares deverão ser levantadas em troca da nossa ajuda no Iraque”, terá dito o ministro dos Negócios Estrangeiros Javad Zarif, citado na semana passada pela agência iraniana IRNA. Teerão disse que foi mal interpretado.
TERRORISMO Após o 11 de setembro, George W. Bush inscreveu o Irão no ‘eixo do mal’ que apoia o terrorismo. Por Guantánamo passaram três iranianos. Em 2011, os EUA implicaram Teerão num plano para matar o embaixador saudita em solo americano.
ARÁBIA SAUDITA
IDENTIDADE O Reino da Arábia Saudita é árabe e professa o ramo sunita do Islão. Sobre o fundo verde da sua bandeira, lê-se a “shahada”, a profissão de fé muçulmana: “Não há outro deus senão Alá e Maomé é o seu mensageiro”.
LIDERANÇA O reino é o berço do Islão. O monarca — atualmente Abdullah, de 90 anos — é, por inerência de cargo, o “guardião das duas mesquitas sagradas”, em Meca e Medina.
IRAQUE As preocupações sauditas começaram com a guerra de George W. Bush que abriu as portas do poder em Bagdade aos xiitas. Riade partilha com as forças extremistas e com a Al-Qaeda uma afinidade ideológica (sunita) e o interesse em acabar com o domínio xiita.
SÍRIA Durante a guerra civil, a Arábia Saudita tornou-se o maior fornecedor de armas aos rebeldes. Em novembro de 2013, o Presidente sírio acusou Riade de “liderar a maior operação de sabotagem direta contra todo o mundo árabe”.
PRIMAVERA ÁRABE A Arábia Saudita adotou uma estratégia de tolerância zero em relação aos protestos pró-democracia na Península Arábica. Enviou tropas para o Bahrain em apoio do regime sunita e envolveu-se nas negociações de transferência de poder no Iémen.
ISRAEL-PALESTINA Em 2002, partiu de Riade uma das mais credíveis iniciativas de paz para o conflito israelo-palestiniano. Elaborada pelo rei Abdullah (então príncipe herdeiro) oferecia o reconhecimento de todos os países árabes em relação ao Estado de Israel se este recuasse até às fronteiras anteriores à guerra de 1967.
NUCLEAR A Arábia Saudita não acredita no discurso pacifista de Teerão e considera que o nuclear será usado em armamento. Riade já fez saber que se os iranianos continuarem com o programa, os sauditas sentir-se-ão pressionados a desenvolver o nuclear também.
TERRORISMO Quinze dos 19 piratas do ar do 11 de setembro eram sauditas, tal como Osama bin Laden. Entre os detidos em Guantánamo, suspeitos de atividades terroristas, a nacionalidade saudita é a segunda mais representada, só superada pela afegã. O reino reconhece ter um problema interno. Na terça-feira, um tribunal local condenou 18 pessoas (seis sauditas) a penas de prisão por planearem ataques terroristas no reino.
Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de agosto de 2014
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.