O ex-primeiro-ministro de Israel faleceu hoje após oito anos em estado de coma. Desaparece um militar determinado, pouco dado ao diálogo com os palestinianos
O ex-primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, morreu hoje, aos 85 anos, no Centro Médico Sheba, em Tel Hashomer, nos arredores de Tel Aviv.
A notícia é da rádio do Exército israelita, que cita fonte da família de Ariel Sharon.
O estado de saúde do ex-governante agravara-se nos últimos dias, após oito anos de coma na sequência de uma hemorragia cerebral a 4 de janeiro de 2006. Segundo informações dos médicos, os rins e os pulmões falharam e a pressão sanguínea e o ritmo cardíaco já tinham piorado na quinta-feira.
Ariel Sharon contou com a presença da família nos momentos finais, tendo sempre estado do seu lado os dois filhos Omri Sharon e Gilad Sharon, desde que a sua condição se agravou a 1 de janeiro, refere o “The Jerusalem Post”.
“Ele está a lutar pela vida e nós estamos aqui com ele, todo o tempo, no hospital”, disse Omri Sharon, na quinta-feira, ao jornal.
O funeral de Estado está a ser preparado pelo gabinete do primeiro-ministro, sendo esperadas várias figuras internacionais.
O corpo de Ariel Sharon será sepultado numa propriedade de família em Negev, no sul de Israel, onde está a mulher Lily, que morreu em 2000.
Acompanhe o percurso de Ariel Sharon
Artigo escrito com Liliana Coelho e Maria Romero.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de janeiro de 2014. Pode ser consultado aqui
Ariel Sharon pegou em armas em 1948, para lutar pela independência do Estado de Israel. Não mais parou de o defender
Com 20 anos, de arma na mão, durante a Guerra da Independência, em 1948Na Península do Sinai, de braço no ar, saudando uma coluna militar israelita, durante a Guerra do Suez, em outubro de 1956Com a segunda mulher, Lily, durante uma festa, em 1969. Mãe dos seus dois filhos, Lily morreu de cancro, em 2000Sorridente, rodeado por soldados israelitas, junto ao Canal do Suez, em outubro de 1973Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, Sharon (à frente à esquerda), que já passara à reserva, é chamado a servir na linha da frenteFerido na cabeça, durante a guerra israelo-árabe de 1973, ao lado do ministro da Defesa Moshe DayanEm 1977, com Lily e os filhos Omri (à esquerda da mãe) e Gilad (no meio dos pais), numa cerimónia de lançamento do partido que fundou, o Shlomzion, na CisjordâniaÀ direita de Menahem Begin, líder do Partido Likud, em junho de 1977, na Península do Sinai. O militar de óculos escuros é o major general Avraham YoffeEnquanto ministro da Agricultura, na companhia do primeiro-ministro Menahem Begin, junto a um memorial em honra dos soldados mortos em combate, em 1981Com Lily e Gilad, durante uma visita ao Canal do Suez, em janeiro de 1982, era Ariel Sharon ministro da DefesaVisitando as campas de soldados israelitas mortos em combate, no Monte Herzl, em Jerusalém, em abril de 1982Cumprimentando a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, durante uma receção em Jerusalém, em 1986. Era ministro da Indústria e do ComércioLendo documentação num voo para Aqaba, na Jordânia, em agosto de 1997. Em frente a Sharon, então ministro das Infraestruturas, está Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro à épocaAcabado de chegar ao território ocupado da Cisjordânia, em dezembro de 1997, enquanto ministro das InfraestruturasNum banco de jardim, rodeado por seguranças, à conversa com a secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright (Administração Clinton), durante a conferência de paz de Wye River, em 1998Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, à mesa com os palestinianos Mahmud Abbas e Ahmed Queria (os dois mais à esquerda), na cimeira de Wye River, em outubro de 1998Frente a frente com o seu arqui-inimigo, o líder palestiniano Yasser Arafat, em Wye River. As expressões são de circunstância e os olhares evitam-seSaudando o Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, durante uma receção no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, em dezembro de 1998Na Faixa de Gaza, com crianças israelitas, durante uma visita ao colonato Atzmona, no bloco de Gush Katif, em maio de 2001, após ser eleito primeiro-ministroSentado no Knesset (Parlamento de Israel), na cadeira do chefe de Governo, a 15 de outubro de 2001Durante uma visita a um campo de treino militar, nos arredores de Telavive, em janeiro de 2002. Uma pose para a fotografia, pois as lentes dos binóculos ainda têm as tampas colocadasNa região de Jenin, no território palestiniano da Cisjordânia, contemplando as obras de construção do muro que mandou erguer para servir de fronteira, em 2003Durante uma reunião com forças militares e policiais, numa base perto de Jerusalém, a 5 de janeiro de 2005. Um ano depois, estaria em comaNo Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Jerusalém, em maio de 2005, durante uma cerimónia comemorativa do 60º aniversário da libertação de AuschwitzA campanha para as legislativas de março de 2006 faz-se com Sharon já internado. Em Mughar (norte de Israel), não faltam cartazes do Kadima, o partido por ele fundado em finais de 2005Um cartaz numa rua de Teerão, em que Sharon surge rodeado de chamas, revela o ódio generalizado que o mundo árabe e islâmico sentia pelo israelitaUma construção artística do israelita Noam Braslavsky, exposta numa galeria de Telavive, em outubro de 2010, retrata Ariel Sharon em estado vegetativo. Esteve assim oito anos
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de janeiro de 2014. Pode ser consultado aqui
Ariel Sharon, de cabeça enfaixada, em 1973, durante a Guerra do Yom Kippur, ao lado de Moshe Dayan, o mítico comandante israelita inconfundível com o seu tapa-olho THE ISRAEL DEFENSE FORCES ARCHIVE / WIKIMEDIA COMMONS
Aos 77 anos, Ariel Sharon sai de cena no auge da sua popularidade. Era ele que os israelitas pareciam dispostos a reconduzir no cargo de primeiro-ministro, nas eleições de 28 de Março, sancionando uma relação de confiança iniciada há cinco anos quando Sharon elegeu a segurança de Israel como missão.
Em nome desse desígnio, mandou erguer um “muro” à volta da Cisjordânia para conter os ataques suicidas — evidenciando assim uma faceta de “falcão”, hostil ao diálogo com os palestinianos.
Mas o poder provocaria em Sharon uma metamorfose política. Ele reconhece que a ocupação dos territórios palestinianos não podia durar eternamente e elabora um Plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza — expondo uma faceta inédita de “pomba”, favorável a um entendimento com os palestinianos.
A três meses das eleições, era este Sharon bicéfalo que conquistava os israelitas — um líder aberto ao diálogo, mas irredutível em matéria de segurança.
Palestina natal
Ariel Sharon — aliás, Ariel Scheinermann, nascido a 27 de Fevereiro de 1928, em Kfar Malal, na Palestina sob mandato britânico — desenvolveu uma carreira militar notável. Fez a Guerra da Independência (1948) à frente de um batalhão de infantaria e na crise do Suez (1956) comandou a 202.ª brigada pára-quedista.
Durante a Guerra dos Seis Dias (1067), liderou a divisão mais poderosa na frente do Sinai, e na campanha do Yom Kippur (1973), desobedeceu a ordens superiores levando a sua divisão a atravessar o Canal do Suez para isolar um batalhão egípcio.
A folha de serviço em todas as guerras israelo-árabes tornou Sharon um herói em Israel. Mas foi também no campo de batalha que ele escreveria uma das páginas mais negras da sua história. Em 1982, durante a invasão do Líbano, cerca de 800 palestinianos foram chacinados nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, às mãos das milícia falangistas. Sharon seria demitido da pasta da Defesa após uma comissão governamental o ter considerado indirectamente responsável pelo massacre.
Para qualquer político, seria o fim da carreira. Não para Ariel Sharon, que continuaria a ser um activo nos sucessivos Governos. Entre 1990 e 1992, por exemplo, como ministro da Habitação, impulsionou como nunca a construção de colonatos.
Em Setembro de 1999, é eleito para a liderança do Likud. Rodeado por 1500 polícias, desloca-se, a 28 de Setembro de 2000, ao Monte do Templo — Esplanada das Mesquitas para os muçulmanos —, onde reafirma a soberania israelita sobre o lugar mais sagrado do Judaismo. A visita demora apenas 34 minutos, mas foi sentida pelos palestinianos como uma provocação. Seria o início da Intifada Al-Aqsa.
Para enfrentar a revolta nas ruas palestinianas, os israelitas convocam o “bulldozer” — a alcunha que resulta da combinação entre o seu porte robusto e a sua atitude determinada — elegendo-o, em 2001, primeiro-ministro.
Sharon fez todas as guerras israelo-árabes e tornou-se um herói
Na cadeira do poder, Sharon ajusta contas com o seu arqui-inimigo dos últimos 20 anos: isola Yasser Arafat na Muqata de Ramallah, asfixiando-o politicamente. De lá, o líder palestiniano só sairia para morrer numa clínica de Paris, no final de 2004.
Experiente na arte da guerra, Sharon iniciou na quarta-feira, o combate mais desigual de toda a vida. Não eram quatro da tarde quando abandonou o gabinete rumo ao seu rancho no Negev. Lá tencionava repousar até à hora de uma operação ao coração agendada para o dia seguinte. Oito horas depois, dava entrada nas urgências do hospital Hadassah com uma hemorragia cerebral. À mesma hora, iniciavam-se consultas para escolher o seu sucessor no Governo. Ariel Sharon morria politicamente.
CRONOLOGIA
1942 — Com 14 anos, Ariel Sharon adere à Haganah, uma organização militar clandestina.
1948 — Na Guerra da Independência, fica gravemente ferido durante a batalha de Latrun.
1967 — Chefia uma poderosa divisão blindada no Sinai, durante a Guerra dos Seis Dias.
1973 — Na Guerra do Yom Kippur, desobedece aos superiores e leva a sua divisão a atravessar o Canal do Suez para cercar o Exército egípcio. A manobra inverte o curso da guerra.
1977 — É nomeado ministro da Agricultura. O projecto de colonização dos territórios ocupados cai-lhe nas mãos. “Os colonatos judeus não são um obstáculo à paz, mas uma barreira à guerra.”
1982 — Ministro da Defesa, dirige a invasão do Líbano, que visa exterminar a guerrilha palestiniana liderada por Yasser Arafat. É indirectamente responsabilizado pela chacina de 800 palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila. “Ainda tenho vontade de me voluntariar para fazer o trabalho sujo por Israel. Matar os árabes necessários, deportá-los, expulsá-los e queimá-los. Pôr o mundo a odiar-nos, puxar o tapete à diáspora judaica para que venha até nós a chorar. Mesmo que seja necessário explodir uma ou duas sinagogas.”
1998 — É nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. “Cada israelita deve avançar, correr, apoderar-se das terras, expandir o território. Tudo o que for conquistado ficará nas nossas mãos. O que não for, ficará nas mãos deles.”
28 Setembro 2000 — Como líder do Likud, visita a Esplanada das Mesquitas, terceiro lugar santo do Islão, e afirma a soberania israelita sobre o local. Os palestinianos desencadeiam a intifada Al-Aqsa.
6 Fevereiro 2001 — É eleito primeiro-ministro. “Se quisermos uma paz verdadeira e duradoura, temos de fazer concessões dolorosas.”
18 Dezembro 2003 — Apresenta o Plano de Retirada Unilateral da Faixa de Gaza, concluída a 12 Setembro de 2005.
21 Novembro 2005 — Abandona o Likud e funda o Kadima. “Não me arrependo de nada. Mesmo que tivesse antecipado o grau de oposição ao meu plano, tê-lo-ia mantido.”
O QUE ESTÁ EM JOGO*
O desaparecimento de Ariel Sharon marca o fim de uma era? Seguramente. Ariel Sharon era o político israelita mais popular do momento e aquele em quem os israelitas pareciam mais confiar. Era também, a par com Shimon Peres, o último representante da geração dos pais fundadores do Estado de Israel. Sharon liderava as sondagens às eleições legislativas de 28 de Março. A sua ausência será duramente sentida e alguns analistas utilizam mesmo o termo “catástrofe” para descrever a situação que se vive em Israel.
Quem sucede a Sharon no Governo? Mal Sharon foi internado, na quarta-feira, o vice-primeiro-ministro Ehud Olmert, de 60 anos, foi nomeado chefe de Governo interino, por um período de 100 dias. Na quinta-feira, Olmert afirmou que pretende continuar com a linha de actuação de Ariel Sharon. Antigo presidente da Câmara de Jerusalém, Olmert tem sido uma espécie de “braço-direito” de Sharon.
O Kadima sobreviverá sem Sharon? Até agora predominava a noção de que Kadima era Sharon e Sharon era Kadima. Por força das circunstâncias, Ehud Olmert surge como um possível sucessor de Sharon à frente do partido recém-criado pelo líder israelita e que arrastou vários dirigentes do Likud. Mas dois outros nomes perfilam-se para lhe disputar a liderança: a “pomba” Tzipi Livni, ministra da Justiça de 47 anos, e o “falcão” Shaul Mofaz, ministro da Defesa de 57 anos — ambos ex-membros do Likud. O histórico ex-trabalhista Shimon Peres, de 82 anos, é também um nome falado, mas, por ter perdido todas as eleições a que se candidatou em Israel, não parece ser uma hipótese credível. O Kadima adiou a realização das suas primárias.
As eleições israelitas serão adiadas? Não. O procurador-geral de Israel já confirmou que as eleições legislativas terão lugar na data agendada: 28 de Março.
Que consequências para a disputa eleitoral? Uma sondagem divulgada após o internamento de Ariel Sharon continua a dar o favoritismo ao Kadima — com 40 deputados eleitos num total de 120. A próxima sondagem mostrará se este resultado resulta apenas da onda emocional à volta da doença de Sharon, ou se o Kadima veio para ficar. Porém, a ausência da personalidade forte de Sharon pode motivar algumas mexidas no reordenamento do xadrez político e fazer Israel regressar à tradicional bipolaridade política — entre o Partido Likud (direita), que com Benjamin Netanyahu ao leme recupera da hemorragia política causada pela saída de Sharon e muitos outros dirigentes, e o Partido Trabalhista, animado pela nova liderança do sindicalista Amir Peretz. À parte os imponderáveis, é certo que uma nova geração de jovens líderes acaba de chegar à linha da frente da política israelita.
Como encaram os palestinianos a ausência de Sharon? A reacção palestiniana à doença do primeiro-ministro israelita não foi unânime. Para o porta-voz do movimento islâmico Hamas, Mushir al-Masri, “se Sharon morrer, não há dúvida de que esse novo desenvolvimento mudará o mapa político mundial, e para melhor, porque um ditador e um assassino estará de partida”. Já o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas (Abu Mazen), referiu-se ao estado de saúde de Sharon “com grande preocupação”, antevendo consequências directas na campanha eleitoral em curso nos territórios palestinianos, com vista às legislativas do próximo dia 25. A braços com uma situação de caos e anarquia na Faixa de Gaza e dúvidas em relação ao direito de voto dos palestinianos residentes em Jerusalém Oriental — que Israel não quer permitir —, a realização das legislativas palestinianas é ainda uma incerteza.
Que efeitos para o diálogo israelo-palestiniano? O futuro das relações entre israelitas e palestinianos depende muito da direcção que Israel tomar após as eleições que se avizinham. Ariel Sharon, cuja prioridade era a segurança, tencionava recuar de parte da Cisjordânia. Seguramente, não de todo o território, mas pelo menos de 40% da Cisjordânia. Ao mesmo tempo, parecia convencido de que o traçado da fronteira de Israel deveria avançar entre dez e 12 quilómetros na direcção da Cisjordânia. À semelhança do processo que concluiu na retirada israelita da Faixa de Gaza, Sharon queria fazê-lo unilateralmente, à revelia das autoridades palestinianas. Só as eleições de 28 de Março ditarão com que tipo de interlocutor poderão os palestinianos contar: Ehud Olmert e a linha moderada mas realista de Ariel Sharon? Benjamin Netanyahu e a rejeição do diálogo? Ou a abertura negocial de Amir Peretz?
* Texto escrito em colaboração com Victor Cygielman, em Telavive
Artigos publicados no “Expresso”, a 7 de janeiro de 2006
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.