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Um ano depois dos grandes incêndios, a Austrália renasce das cinzas

Mais de 15 mil fogos florestais, num ano anormalmente quente e seco, estão na origem de um dos piores desastres naturais que a Austrália já viveu. Passado um ano, o país tem em mãos a tarefa da regeneração de milhões de hectares de terra queimada. “A natureza precisa de nós, agora mais do que nunca”, diz ao Expresso um responsável do World Wildlife Fund-Austrália. A partir de Portugal há pessoas a apoiar a recuperação de coalas apanhados pelo fogo

Poster enviado pela empresa baixa62

Se para qualquer pessoa em qualquer parte do mundo o ano de 2020 foi tragicamente inesquecível, para muitos australianos foi-o duplamente. Ainda o novo coronavírus não tinha surpreendido fora da China e partes do país eram engolidas por gigantescos incêndios florestais.

A época dos fogos é, por natureza, impactante num país que é o sexto maior do mundo em superfície e o sétimo em termos de área florestal. Mas entre junho de 2019 e fevereiro de 2020, a estação dos fogos assumiu proporções inéditas — mais prolongada, extensa e grave.

15.000
incêndios deflagraram por todo o país

33
pessoas morreram nos fogos

19
milhões de hectares de matas e florestas foram reduzidos a cinza

Só no estado de Nova Gales do Sul, arderam 6.897.000 hectares — o território de Portugal mede 8,7 milhões de hectares.

“Estes incêndios florestais foram dos piores desastres naturais que a Austrália já viveu”, diz ao Expresso Darren Grover, coordenador de Paisagens Terrestres e Marinhas Saudáveis da organização ambientalista World Wildlife Fund — Austrália.

“Estima-se que 3000 milhões de animais tenham sido mortos ou deslocados e até 7000 milhões de árvores tenham sido destruídas ou danificadas. Embora a natureza já tenha começado a regenerar-se, muitas florestas levarão décadas a recuperar. Algumas podem até nunca voltar ao seu estado anterior.”

Um ano depois, a Austrália está a braços com a tarefa da reconstrução de mais de 3100 casas queimadas e da recuperação de milhões de hectares de área ardida. “Os incêndios florestais causaram uma perda impressionante para a natureza, que requer uma ação em larga escala, e o reconhecimento de que não podemos continuar com o business as usual”, defende Darren Grover.

Em outubro, a WWF-Austrália lançou um programa para cinco anos, orçado em 300 milhões de dólares (247 milhões de euros). “É um plano de ação arrojado para ajudar a resolver os problemas criados pelos incêndios e para garantir que o ambiente, as pessoas e a vida selvagem prosperem. O ‘Regenerar a Austrália’ será o maior e o mais inovador programa de recuperação da vida selvagem e de regeneração da paisagem, na história da Austrália. O programa ajudará a repovoar, reabilitar e restaurar a vida selvagem e habitats, impulsionar a agricultura sustentável e preparar o futuro da Austrália contra desastres climáticos.”

Uma batalha em quatro frentes

O programa ‘Regenerar a Austrália’ assenta em quatro eixos:

Plantar 2000 milhões de árvores, para estancar as perdas ao nível da biodiversidade e, ao mesmo tempo, proteger e restaurar os habitats nativos.

Apostar nas energias renováveis, para que se reduza o consumo de carbono no país e para que a Austrália se torne uma potência exportadora de energias renováveis.

Recorrer à inovação, mobilizando mentes que possam contribuir com soluções brilhantes para a regeneração do país.

Proteger os coalas. A meta deste eixo é a duplicação do número de coalas na costa leste até 2050.

Uma das imagens de marca da Austrália, os coalas foram uma das espécies mais atingidas pelos fogos. “O tamanho da população de coalas na Austrália é desconhecido. Eles são animais bastante tímidos e esquivos, o que torna difícil determinar o seu número com precisão”, explica Darren Grover.

“Antes dos incêndios florestais, prevíamos que os coalas no leste da Austrália se iriam extinguir até 2050, devido ao corte excessivo de árvores para o desenvolvimento agrícola e urbano. Agora a situação piorou.”

Um estudo encomendado pela WWF-Austrália apurou que mais de 60 mil coalas foram afetados pelos incêndios, incluindo mais de 41 mil na Ilha dos Cangurus, a sul do território continental, mais de 11 mil no estado de Victoria, quase 8000 em Nova Gales do Sul e quase 900 em Queensland.

Carros e cães são ameaças

“Infelizmente, os sortudos que sobreviveram aos incêndios ainda enfrentam ameaças de destruição de habitat e das mudanças climáticas”, alerta o responsável da WWF-Austrália.

“A destruição dos habitats para o desenvolvimento agrícola e urbano significa, para os coalas, passarem mais tempo no solo em busca de novo abrigo. Isso torna-os mais vulneráveis a serem atropelados por carros e atacados por cães, aumentando os seus níveis de stresse, o que pode levar a doenças como a clamídia.”

A WWF-Austrália dedica aos coalas uma atenção particular. Através do programa “Adote um coala”, é possível ajudar à recuperação de espécimes feridos: uma mensalidade de 15 dólares (€12) ajuda ao fornecimento de curativos e remédios e de 30 dólares (€24) contribui para a plantação de um corredor de árvores para proteger habitats ameaçados.

4
pessoas apoiam, a partir de Portugal, o programa “Adote um Coala”

A diminuição da população de coalas é um drama que tem vindo a avolumar-se por circunstâncias paralelas aos incêndios sazonais. “As alterações climáticas reduziram os níveis de nutrientes nas folhas dos eucaliptos, a principal fonte de alimento dos coalas. Também há fortes evidências do impacto das secas e das temperaturas extremamente altas sobre os coalas”, diz Darren Grover.

“No rescaldo dos incêndios florestais, é mais importante do que nunca proteger as colónias de coalas sobreviventes e as florestas que não arderam, especialmente contra a extração de madeira e a sua destruição.”

Na Austrália esta enorme catástrofe natural levou a discussão para o campo das alterações climáticas. Os fogos começaram no ano mais quente e mais seco de que há registo. E as previsões apontam para um aumento em 25% do risco de fogos extremos em 2050 e em mais 20% em 2100.

A WWF-Austrália está no terreno, mas subitamente todo o trabalho de campo ficou fortemente condicionado pelos confinamentos a que a pandemia de covid-19 obriga. “A WWF-Austrália vai testar drones dispersores de sementes para plantar árvores e criar novos corredores de habitat para coalas”, refere Darren Grover.

“Estamos também a defender leis ambientais mais fortes, que sejam devidamente aplicadas e financiadas para proteger as nossas florestas e bosques. Responder aos impactos dos incêndios florestais durante uma pandemia global tem sido um desafio, mas o nosso trabalho não pára. A natureza precisa de nós, agora mais do que nunca.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui

O pior pode estar para vir

Bombeiros recusam aperto de mão ao primeiro-ministro. Scott Morrison não acredita em alterações climáticas

Na Austrália, o pior pode estar para vir. As previsões climatéricas para este fim de semana apontam para um tempo ainda mais quente, seco e ventoso do que o dos últimos dias, que originou cenas verdadeiramente apocalípticas no país. Ontem, as autoridades ordenaram a evacuação de partes dos estados de Victoria e Nova Gales do Sul, na costa sudeste, como medida preventiva ao previsível descontrolo das chamas. “Se valorizam a segurança têm de partir”, alertou Michael Grainger, da polícia de Victoria. “Nestas circunstâncias, os bens pessoais têm muito, muito pouco valor. São circunstâncias terríveis, que não haja dúvidas.”

Com o país a viver níveis de seca recordes, os desgastados bombeiros dizem que apenas a chuva pode extinguir as chamas que se propagam desde setembro. Nalgumas zonas, os dias tornaram-se noites, com o céu coberto de fumo por vezes em tom avermelhado, como que preparando os locais para o apocalipse. Em Mallacoota (Victoria), mil turistas e residentes que estavam numa praia, encurralados pelo fogo, foram ontem resgatados pela marinha. “É uma versão em tempo de paz de algo que vimos durante a guerra”, afirmou Anthony Albanese, líder do Partido Trabalhista, na oposição.

Até ao momento, já morreram pelo menos 18 pessoas, 28 estão desaparecidos e arderam mais de cinco milhões de hectares de mata. Em brasa está também a credibilidade do primeiro-ministro, o conservador Scott Morrison, recebido esta semana com grande contestação nas zonas mais afetadas. “Não é bem vindo aqui, seu cretino!”, gritava um habitante de Cobargo (Nova Gales do Sul).

Sydney não abdicou da festa

“Sempre que há cheias ou incêndios nesta zona não recebemos nada”, acusava outra moradora, recordando que muitas casas tinham ardido. “Se estivéssemos em Sydney ou na costa norte, não nos faltariam donativos e ajuda de emergência.” Enxovalhado pelos locais, o primeiro-ministro enfrentou ainda o embaraço de ficar de mão estendida diante de bombeiros e habitantes que se recusaram a cumprimentá-lo.

Scott Morrison — que lidera o Governo desde agosto de 2018 — colocou-se na linha de fogo pela forma displicente e insensível com que tem reagido ao drama. Antes do Natal, tardou em regressar de umas férias no Hawai com a família. Confrontado com as críticas, colocou-se na posição de um canalizador que enfrenta um dilema… “É sexta-feira à tarde e você tem de decidir se aceita aquele serviço extra de canalização ou se vai buscar as crianças. Este é o tipo de malabarismos que temos de fazer enquanto pais”, justificou.

O mal-estar em relação às autoridades agravou-se após múltiplos apelos ao cancelamento do emblemático fogo de artifício da passagem de ano em Sydney — a capital de Nova Gales do Sul — terem sido ignorados. Nos dias que antecederam o réveillon, uma petição sugerindo que os milhões gastos no evento fossem doados a bombeiros e agricultores recolheu 270 mil assinaturas.

Cinzas têm impacto nos glaciares

Na linha dos Presidentes norte-americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro, Morrison é um líder que tem desvalorizado o impacto das alterações climáticas. Segundo o “Índice de Desempenho Relativo às Mudanças Climáticas 2020” — elaborado de forma independente por think tanks —, a Austrália está em 56º lugar numa lista de 61 países (Portugal é 25º e os EUA último). “O novo Governo é cada vez mais uma força regressiva nas negociações e tem sido criticado pela sua falta de ambição por parte de várias nações insulares do Pacífico”, lê-se no relatório.

A época dos incêndios é um clássico na Austrália, mas este ano o fenómeno tem sido mais extremo. O fumo e as cinzas provocados pelos fogos percorreram milhares de quilómetros e já chegaram à Nova Zelândia, colorindo os glaciares com um castanho caramelizado amea­çador. “Como a tragédia de um país tem efeitos colaterais”, desabafou no Twitter a ex-primeira-ministra neozelandesa Helen Clark. “Os incêndios florestais australianos criaram neblina na Nova Zelândia (…). O impacto das cinzas nos glaciares vai provavelmente acelerar o degelo.”

FOTO Incêndio florestal na região de Captain Creek, no estado de Queensland, nordeste da Austrália WIKIMDIA COMMONS

Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de janeiro de 2020. Pode ser consultado aqui

Austrália reconhece (metade de) Jerusalém como capital de Israel

A embaixada australiana continuará em Telavive. A mudança fica dependente de um acordo entre israelitas e palestinianos. O Brasil poderá ser o próximo país a ir no rasto da histórica decisão de Donald Trump que reconheceu Jerusalém como capital de Israel

O Governo australiano anunciou, este sábado, o reconhecimento de Jerusalém Ocidental como capital de Israel. A embaixada australiana continuará, porém, em Telavive. A sua transferência para a Cidade Santa — bem como o reconhecimento de Jerusalém Oriental como capital do futuro Estado da Palestina — fica dependente da assinatura de um tratado de paz entre israelitas e palestinianos.

“O Governo australiano decidiu que a Austrália reconhece que Jerusalém Ocidental, o local onde se situa o Knesset [Parlamento] e muitas das instituições do Governo, é a capital de Israel”, afirmou Scott Morrison, no cargo desde agosto, num discurso no Instituto de Sidney.

O primeiro-ministro defendeu que a decisão visa apoiar a “democracia liberal” no Médio Oriente e considerou as Nações Unidas um local onde Israel é “intimidado”.

A oposição denunciou uma manobra política visando a obtenção de ganhos nas eleições legislativas previstas para o próximo ano. “Preocupa-me que o Sr. Morrison coloque os seus interesses políticos à frente do nosso interesse nacional”, reagiu o líder da oposição, Bill Shorten.

Paraguai fez marcha-atrás

A Austrália torna-se assim o último país a ir no rasto da histórica decisão dos Estados Unidos — anunciada por Donald Trump a 6 de dezembro de 2017, e que reverteu uma posição política de décadas — de reconhecer Jerusalém como capital de Israel. A embaixada norte-americana em Jerusalém foi deste ano.inaugurada por Ivanka Trump a 14 de maio

Guatemala e Paraguai seguiram a posição norte-americana. Mas em Assunção, um novo Presidente levou a um recuo na decisão. Em setembro, o novo Presidente, Mario Abdo Benítez, considerou a decisão do seu antecessor, Horacio Cartes, “absolutamente unilateral, sem consulta e sem argumentos fundados no Direito Internacional”. Benítez mandou fechar a embaixada em Jerusalém, ao que Israel respondeu encerrando a sua missão diplomática em Assunção.

O Brasil foi o último país a anunciar intenções para mudar a sua embaixada de Telavive para Jerusalém. Jair Bolsonaro referiu-se ao assunto durante a campanha eleitoral e, em finais de novembro, um dos seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, reuniu-se em Washington com Jared Kushner, o genro de Trump que detém a pasta do conflito israelo-palestiniano. “Isto não é uma questão de ‘se’ o vamos fazer, mas de ‘quando’ o vamos fazer”, disse Eduardo Bolsonaro.

https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1067507960333692929

Jerusalém é a cidade desejada por israelitas e palestinianos para capital dos respetivos Estados. Na parte Oriental — ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias de 1967 —, localizam-se os principais lugares santos para as três religiões monoteístas: o Muro das Lamentações (judaísmo), o Santo Sepulcro (cristianismo) e a Mesquita de Al-Aqsa (islamismo).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de dezembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Porquê na Austrália?

A Austrália vive, desde setembro, em estado de alerta. Um dos ataques frustrados recentemente pelas autoridades visava a decapitação de uma pessoa, numa investida aleatória, na baixa de Sydney

Aconteceu em Sydney, mas poderia ter ocorrido em qualquer outra grande cidade australiana. Desde 12 de setembro que a Austrália vive em estado de alerta antiterrorista “alto”, um nível inédito desde a introdução desse mecanismo de segurança em 2003.

Camberra estima que 90 australianos se tenham juntado ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Vinte já terão morrido, alguns na região síria de Kobane, e outros vinte já terão regressado a casa. “É o maior risco que enfrentamos em muitos anos”, alertou o procurador-geral australiano, George Brandis.

Na frente de combate, “eles são usados como carne para canhão, bombistas suicidas e instrumentos de propaganda”, acrescentou o procurador. A 21 de julho, as autoridades de Camberra confirmaram que o bombista suicida de um ataque no Iraque era um australiano.

Temendo o regresso a casa de nacionais com experiência jihadista e com um alto nível de radicalização, a Austrália aprovou, a 4 de dezembro, nova legislação antiterrorista, criminalizando as viagens de nacionais para as zonas controladas pelo Estado Islâmico — que controla um terço da Síria e do Iraque —, sem uma justificação credível. Quem desafiar a lei incorre numa pena superior a 10 anos de prisão.

Atenção aos “lobos solitários”
Paralelamente, Camberra teme as consequências que os apelos feitos por jihadistas possam ter dentro de portas. Em meados de outubro, a revista “Dabiq”, do Estado Islâmico, publicada em língua inglesa, apelou a ações de “lobos solitários”contra as “nações de cruzados” que estão a combater o EI. A revista instrui a que se opte por ataques simples.

Anteriormente, o porta-voz do Estado Islâmico, Abu Mohammed al-Adnani, emitira uma mensagem apelando aos “lobos solitários” que atentassem contra “descrentes”, civis ou militares, nacionais de países que apoiam os Estados Unidos nos bombardeamentos ao Estado Islâmico. Um dos países-alvo que mencionou foi, precisamente, a Austrália. 

A 8 de outubro, a Austrália confirmou a sua participação na coligação internacional contra o EI efetuando os primeiros bombardeamentos sobre posições jihadistas, no Iraque. Camberra enviou ainda 600 militares, 200 dos quais forças especiais para missões de aconselhamento ao Governo de Bagdade.

“Esta decisão reflete a avaliação do Governo de que o EI representa uma ameaça significativa”, justificou o primeiro-ministro australiano, Tony Abbott. “Não só para o povo do Iraque mas para toda a região e para a nossa segurança interna.”

Decapitar na via pública
A 18 de setembro, naquela que foi a maior operação de contraterrorismo realizada no país, as autoridades australianas conseguiram frustrar uma tentativa de atentado, que tinha entre os alvos o primeiro-ministro.

Um ataque “ao estilo de Bombaim”, disseram. (A 26 de novembro de 2008, vários ataques sincronizados — bombas, tiroteios, reféns — efetuados pelo grupo terrorista Lashkar-e-Taiba, em Bombaim, provocaram 166 mortos.)

A coberto de legislação antiterrorista, as forças de segurança australianas lançaram dezenas de operações de busca nas cidades de Melbourne, Sydney e Brisbane. Um dos detidos, precisamente em Sydney, foi acusado de conspirar com um líder do Estado Islâmico na Síria para decapitar uma pessoa, num ataque aleatório, na baixa dessa cidade.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de dezembro de 2014. Pode ser consultado aqui